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EU ODEIO
Eu odeio que toquem em meu ombro, e que num abraço ele se torne frouxo demais.
Eu odeio acordar quando ainda não é dia. Preciso do sono, preciso dormir a noite.
Eu odeio ter que olhar nos olhos de alguém quando falo. Odeio descobrir que ela não está me ouvindo. Odeio ter que olhar nos olhos de alguém quando ouço, odeio descobrir que tudo que ela está falando é mentira.
Eu odeio não ser acolhida quando choro, se choro preciso de amparo. Minhas lágrimas precisam de um ombro.
Eu odeio ir à praia e passar óleo. Odeio a oleosidade que fica no corpo, odeio aquele brilho, odeio dar um mergulho tentando chegar ao fundo e não passar da primeira espuma do mar.
Eu odeio entrar em um elevador e sentir cheiros de vários perfumes. Odeio perfume. Cheiro bom que encobre um pessoa ruim – talvez, mas a mistura de odores me deixa tonta, não uma tontura gostosa daquela que temos quando se cai na cama, mas uma tontura que embrulha e aperta o estômago.
Eu odeio que me mandem email de corrente. Eu não gosto de fazer, mas faço, faço por medo. Odeio fazer algo obrigada a ter que fazer. Odeio essas pessoas que me forçam a fazer algo e utilizam o meu medo como arma contra mim.
Eu odeio comemorações. Não sou participativa. Odeio ter que fazer festa surpresa para alguém porque é o aniversário dela. Odeio ter que fazer “vaquinha” para comprar presentes, bolo, enfeites, salgadinho etc. Odeio a cara de surpresa da pessoa. Ela sabia de tudo, compactuou com tudo. Odeio festas surpresas que não são surpresas.
Eu odeio a expressão “tá ligado?” pobreza total de vocabulário, vício de língua, e como todo vício é pernicioso e se alastra como uma doença contagiosa. Falam porque se tornou moda. Odeio ter que fazer porque é moda. Faça o que quero.
Eu odeio ter que ir ao shopping para compra de emergência ou não. Odeio ter que ir ao shopping de qualquer maneira. Estando lá me sinto desconfortável como se estivesse usurpando o lugar de alguém, não pertenço àquele mundo de pessoas felizes, despreocupadas, atuantes. Odeio fazer parte desse mundo, me sinto inútil.
Eu odeio homem que não é romântico. Odeio receber as palavras carinhosas de maneira rude. Declaração de amor sem flores, num papel de caderno é como uma transa sem amor: não há emoção, não tem sentimento verdadeiro.
Eu odeio tantas outras coisas mas gosto mais de outras. Gosto mais do que odeio, isso me salva. A ponto de sortear algumas coisas que me incomodam, mas que são suportáveis porque as pessoas não são perfeitas, elas não sabem como agir comigo; não é culpa delas, eu não as culpo porque eu não digo como eu gosto das coisas. Tudo bem. A vida não é perfeita e o meu conflito é pessoal e não grupal. O meu problema é comigo, o grupo só me incomoda e estando incomodada acabo por odiar. O meu ódio é passageiro como tudo na vida.
Atualizado em: Sáb 23 Maio 2020