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Lotação dos Coletivos

Nunca estive num ônibus do transporte público lá pelas 4, 5 horas da madrugada, mas já os observei através da janela do meu transporte privado, inúmeras vezes na entrada de São Paulo quando retornava das minhas constantes viagens ao sul do pais. O transporte coletivo, na sua mais perfeita definição, atulhado de gente, pendurados, espremidos, uma minoria de sortudos sentados, nem por isso bem servidos de comodidade, todos tentando finalizar o sono de uma noite mal e/ou pouco dormida. Esta visão me impressionava nos primeiros tempos na capital paulista, ignorante da dimensão da cidade, me perguntava por que pegar o ônibus antes do amanhecer. As reais respostas vinham dos usuários madrugadores do transporte público, o porteiro do prédio onde morava, as tias do escritório onde trabalhava: _Oras, estamos todos indo para o trabalho; _Tão cedo? _Porque moramos longe, muito longe dos nossos empregos, na periferia....
Foram anos até que a vida me levasse a conhecer a periiferia e entender as implicações de se viver literalmente às margens, do que eu chamava na minha juventude simbolicamente, do sistema.
No final do expediente, normalmente a partir das 17h00, a urgência dos trabalhadores é entrar no busão, mesmo que seja pendurado na porta, e torcer para que a máquina de carregar gente supere o trânsito, que normalmente se supera a cada dia em lentidão, para chegar o quanto antes em casa, que sempre será tarde para aproveitar a folga.
Além dos trabalhadores, sempre há os eventuais, que por algum atraso em seus compromisso tiveram a infelicidade de pegar o ônibus no horário de pico do fim da tarde. Aconteceu comigo vezes suficientes para que eu pudesse observar in loco o que acontece numa linha do transporte coletivo longa e apinhada de sobreviventes da escravidão moderna.
Rostos exaustos, muitos tentam começar o sono da noite na posição que deu para se encaixar na multidão. Alguns, mesmo habituados a essa estressante rotina, reclamam indignados contra as autoridades que não fazem nada para melhorar o transporte público, a vida do pobre, as injustiças da pobreza, as mazelas de nosso pais. Outros  que a repetição das injustiças fezz calar a indignação, preferem se irritar e esbrabejar contra os esbarrões, o empurra empurra, a falta de educação de quem não pede licença para passar, contra quem força a passagem pelo corredor lotado.
Chega a uma altura do trajeto que não há a possibilidade de caber mais ninguém, mas nas paradas, o motorista insiste em não fechar a(s) porta(s) de entrada até que as pessoas de fora empurrem os passageiros de dentro com fúria e força e consigam entrar.
E o cobrador cansado do dia de trabalho, do trânsito parado, da quantidade de gente, irritado e indiferente, bate uma moeda no caixa e grita: "Pessoal dá um passinho pra trás, que ainda tem espaço."
Os passageiros o xingam, se xingam, há uma movimentação, mais na vertical do que na horizontal, e milagrosamente, ocupando ou desocupando um espacinho aqui outro ali, cabem todos, os que já estavam no ônibus mais os que lutaram para entrar.
O motorista, igualmente irritado, talvez pelos mesmos motivos do cobrador, com o agravante de carregar o peso da responsabilidade de transportar com segurança aquele mundo de gente para destinos longínquos, em represália, troca as marchas do veículo com violência, acelera ao máximo, para alguns metros,  poucos metros, a frente frear bruscamente. Quase ninguém reclama. É perigoso deixar o motorista mais nervoso. Foi mais fácil o povo aprender a arte do equilibrio individual e o solidário.
É um engano pensar nessa população esmagada protestandp no caminho para casa.Há espaço para a solidariedade. Há os que oferecem lugar para os, velhos e grávidas, não porque é obrigatório, como mostra o sorriso de satisfação do dever cumprido, há os que tiveram a sorte de sentar e se oferecem para carregar as sacolas dos que não tiveram a mesma sorte. Há sempre um sorriso solidário, cientes que estão de estarem no mesmo barco, quer dizer, ônibus.
Observando este cenário, apavorada, penso num possível acidente.Tenho medo de cada curva, de cada acelerada, tenho a impressão de ver o veículo pender para o lado. E se tombar? Tenho claustrofobia e outras tantas fobias. Os pensamentos me deixam ainda mais em pânico. Preciso de espaço, parece que vou sufocar. Olho a multidão de estranhos colados uns aos outros, praticamente impossibilitados de se movimentar, a imensa maioria impávidos, com aquela velha expressão facial de conformismo. Eu não conseguiria passar por isso todos os dias não santos penso, e ato continuo me dou conta que passaria sim se não tivesse outra opção.
De segunda a sexta, a necessidade da sobrevivência faz o mesmo trajeto, desumano. Aqui e ali, para passar o tempo, há os papos que sempre começam com as reclamações referentes às dificuldades do transporte público e terminam com um consolo reciproco: "É a vontade de Deus."
Seguem, todos os dias úteis os caminhos ,repletos de dificuldades e sofrimentos, de ir e vir do santo lar para o sagrado trabalho e vice versa por determinação divina (acreditam) assim como entendem que Deus ordene a resignação a esse calvário, como mais um meio de obter graças do Pai para ter uma vida melhor, digna.
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Atualizado em: Qua 12 Set 2018

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