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3- Catedráticos - TEOMAKIA
O Palácio Imperial era muito bonito, em estilo barroco, de cor clara. Tinha dezenas de janelas e muitas portas. Entraram pela principal. Havia muita gente entrando e saindo do Palácio, tanto militares quanto civis, porém parecia que a grande maioria era nobre, pois se vestiam muito bem. Assim que entraram, havia um salão muito comprido e largo, com uma decoração muito rica e bonita. Havia muita alusão a santos nos vitrais, muitos mosaicos em cores muito vivas, algumas armaduras ao lado das grandes janelas e um teto abobadado com uma pintura tão linda que era difícil desviar o olhar: uma miríade de anjos cantando em nuvens que circundam uma forte luz central sobre um céu azul. A frente, sobre um estrado, estavam duas cadeiras douradas ornamentadas com estofados vermelhos. Estavam vazias. Ao lado delas, de ambos os lados, haviam mais algumas. Abaixo do estrado estavam perfiladas muitas dezenas de jovens, claramente homens nobres, com idades variando entre doze e dezoito anos.
Aidan pediu para que Maria fosse para perto deles e aguardasse. Assim que ela chegou ao local, um burburinho se iniciou entre eles, provavelmente por causa dela. Tentou conter o nervosismo de estar ali no meio de todos. A frente dela, por todo o salão, centenas de pessoas, em sua maioria homens, muitos deles militares, discutiam calorosamente. Logo, cada vez mais deles olhavam para ela, o que a deixou tremendo de nervoso. Então, três militares jovens, que estavam caminhando e cumprimentando cada um dos jovens que ali estavam, chegaram até ela.
- O que faz aqui, garotinha? - disse o primeiro, um homem mais alto e mais largo que Aidan, com queixo partido e cabelos castanhos abaixo dos ombros. Seus olhos eram verdes claros, com um brilho profundo.
- E-eu... eu fui indicada... - gaguejou Maria, tentando parecer mais calma.
- E quem é o seu mestre? - o segundo indagou, um homem loiro, com olhos azuis lindos. Parecia ser o mais jovem deles, e certamente o mais bonito.
- Não é óbvio? - o terceiro interrompeu a conversa antes que Maria pudesse responder. Era um rapaz de estatura média, mais esguio e de cabelos estranhamente mais claros, quase grisalhos. Olhos dourados. Soltou uma gargalhada alta e continuou - Ele sempre me surpreende. Essa eu quero ver.
Os outros dois lançaram a ele olhares de reprovação. Seguiram para o próximo garoto. Parecia óbvio, esses eram os outros Catedráticos. Maria começou a se sentir frustrada. Será que Aidan estava brincando com ela? Ao procurar na multidão, não conseguiu vê-lo.
Quanto mais tempo passava ali, mais raiva nutria pelo Barão. Maria não admitiria ser tratada como um brinquedo. Por mais que ele fosse seu mecenas¹, isso não se faz. Pouco a pouco a multidão começou a se aquietar e tomar seus lugares. Em pouco tempo, somente os militares permaneceram no salão baixo, enquanto as demais pessoas subiram as escadas para os mezaninos. Maria sentia todos os olhares postos sobre si, o que aumentava aquele sentimento negativo. Enfim, o silêncio começou a reinar ali e iniciou-se uma discussão mais pontual.
- O que significa isto? - bradou um homem, um tanto mais velho, já grisalho e com entradas proeminentes, apontando em direção a ela. A vergonha a consumia.
- Se está referindo-se a minha aluna, é melhor começar a utilizar os pronomes de tratamento adequados. - Aidan, com uma voz mais grossa do que o normal, finalmente apareceu no meio daquela multidão de homens e tomou a frente. Um calafrio subiu pela espinha de Maria. - Minha sucessora deve ser tratada tal como o que ela é: a futura Catedrática do Fogo!
- Afronta a todos nós com esse disparate! - outro homem falou, e parecia furioso. Um burburinho voltou a se iniciar. - Sabe quais são as regras, Barão! Não iremos permitir.
- E farão o quê? - Aidan, em tom de desafio, questionou. - A unica regra que conheço é que eu escolho meu sucessor e os senhores aceitam calados. Eu é que não permitirei ingerências sobre as prerrogativas que me cabem. Lembre-se de que está falando com um Catedrático, Dragão.
Os outros três Catedráticos apenas observavam calados. O de cabelos grisalhos segurava o riso. Aidan a defendia como um leão. Não, não era uma brincadeira, ele estava falando sério. - Tudo isso é pelo fato de ter sido desprezado? - voltou a indagar o primeiro, agora em tom de ironia - Ora, vamos garoto! Já te aceitamos, mesmo não sendo um alto nobre. Não há necessidade de sentir-se inferior. - Eu nunca me imaginei inferior a nenhum dos senhores. São fracos, não possuem fibra, seriam incapazes de me suceder. A unica coisa que consigo sentir pelos senhores, quando me lembro que existem, é pena. E uma certa compaixão também, que é o que os permite continuar essa conversa desnecessária. - Quem faz muitos inimigos não sabe de vem o punhal... - um terceiro homem recitou um ditado antigo. - Cuidado, jovem Barão! - Cuidado Luciano, cada um segue suas tradições. Os senhores seguem o costume de nomear sucessores homens e nobres. Eu sigo o antigo costume de não deixar que um homem que me ameace veja o próximo nascer do Sol. Espero que não seja o caso. - a voz de Aidan estava fria. Por um momento, Maria conseguiu sentir o ar muito mais denso. Um silêncio acompanhado de um clima pesado se abateu sobre o local.
De repente o clima mudou. Cada um dos Dragões caiu sobre um dos joelhos e abaixaram suas cabeças, inclusive Aidan e os mais exaltados. Então, Maria e os demais aprendizes se viraram e logo começaram a fazer o mesmo. Era o Imperador Tiago I, que estava de pé a frente de uma das cadeiras do centro.
- Podem se levantar. O que está acon... - assim que colocou os olhos sobre Maria, ele pareceu entender do que se tratava. Um leve sorriso de canto de boca tomou seu rosto. - certo. Entendi. Aidan, por favor, explique.
- Sua Majestade Imperial, obrigado por me dar a palavra. Eu escolhi meu sucessor, mas os demais não aceitam.
- Imperador, isso é um absurdo. Visivelmente ele escolheu uma mulher, plebéia e mestiça. - atravessou na frente da conversa o primeiro homem que havia reclamado. Aidan agora estava furioso:
- Se o problema é ser mestiça, saiba que isso em nada influi na índole ou na capacidade dela. Se o problema é ser mulher, saiba que não existe a menor possibilidade de um aprendiz meu ser inferior a um dos vossos. Quanto a ser plebeia, foi o exato motivo pelo qual a escolhi. Se questionar minhas decisões novamente, considere-se desafiado para um combate.
- Chega! - o Imperador vociferou. - quero esclarecer algumas coisas aqui hoje. Em primeiro lugar, não admito ameaças aqui. Em segundo lugar, não falem, a menos que eu lhes tenha dado a palavra. Essas duas regras garantem que possamos conversar civilizadamente. Em terceiro lugar, não há regras para a sucessão. A escolha é feita por cada um dos Dragões, como lhes parecer melhor. - voltou os olhos para Aidan - Me diga, sua escolha é essa mesmo? A garota atende a seus critérios?
- Sim, Majestade, Maria é como eu. Viveu trabalhando arduamente desde a infância, sem pai e sem escravos ou servos. Tem uma boa índole, é humilde e inteligente. Ela tem o que é necessário para ser melhor do que eu. E, obviamente, muito melhor do que qualquer um dos presentes aqui. - Aidan falava com convicção. Maria chegou a marejar os olhos ao se lembrar de tudo o que passou e ainda mais por ouvir aquelas palavras do homem que ela mais admirava. Não pôde evitar um leve sorriso de satisfação.
- Muito bem. Está encerrado o caso. Aceitem, é uma ordem. Caso desafiem meu pupilo, não terei como contê-lo. - terminou o Tiago I.
"Meu pupilo"? Maria estava perplexa. Aidan havia sido pupilo do próprio Imperador? Aquilo era chocante. Ainda mais por saber como as regras do Império funcionavam. Havia pouco tempo, ela tinha estudado sobre isso. O Império era composto por diversos territórios, entre eles as marcas, os ducados, os condados e os reinos. A princípio, os quatro reinos se unificaram e formaram o Império. Posteriormente, novos territórios foram agregados, seja por meio de conquistas militares ou de negociações com chefes de Estado. Esses novos territórios ganharam o status de marcas. As marcas eram territórios periféricos, que faziam fronteira com reinos bárbaros. Quando o Império continuou se expandindo, algumas marcas deixaram de fazer fronteira com outros reinos, e então passaram a ser condados e ducados, dependendo do prestígio que tinham junto ao Imperador.
Os marqueses, condes, duques, reis e o Imperador passavam seus títulos a herdeiros aparentes. Entre os reis, o herdeiro aparente era, preferencialmente, o filho mais velho do sexo masculino. Caso ele não tivesse filhos homens, a sucessão passava para os irmãos, isto é, os filhos do pai dele, seguindo a mesma regra de primogenitura² e de masculinidade. Outros nobres seguiam uma regra parecida, tendo como diferença que podiam passar o título para mulheres. Para o Imperador, a regra era semelhante, mas como não era um título essencialmente hereditário, o herdeiro aparente podia ser um apadrinhado, um pupilo ou alguém próximo. Seguindo essa lógica, a menos que Dom Tiago tivesse filhos ou outros apadrinhados, Aidan podia muito bem ser o próximo Imperador. De qualquer forma, a aclamação deveria ser feita por um conselho de nobres. Isso talvez dificultasse as coisas para o Barão.
¹ mecenas: financiador, patrocinador. Pessoa que investe em algo ou alguém, em geral visando retorno.