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Coração, cabeça e estômago
Estava sentado em um banco de parque. Não recostara-se, mantinha-se encolhido e com os músculos rígidos. Fazia frio e as bochechas estavam gélidas da brisa matinal. Os joelhos batiam entre si e as pontas dos dedos gelados tentavam buscar calor nas mãos entrelaçadas por cima do colo. A expressão era de quem sofria. Não, era de quem relutava, como se o sofrimento já fizera parte do que era. Não era pobre, usava sapatos de cadarço. Era um jovenzinho que cruzara a adolescência. Estaria perdido? Os olhos corriam de um lado para o outro da rua. Esperava e exasperava tanto algo quanto a ciência exaspera convicções. Agora olhava para os dedos, não como quem se concentra no que vê, mas no que viu na vida. Relutou ainda mais e ergueu novamente o olhar. Essa luta era o que restara de vivo e quente em seu interior. Não, estava mais vivo que qualquer um naquela rua, porque sentia o vento e não apenas o atravessava. Às vezes queria morrer por aquele sentir de estar vivo. Custava. Custava-lhe a sensatez. A sensatez não, que a rebeldia nunca a permite aos jovens. Custava-lhe a consciência, a sanidade. Todavia, aceitava. Aceitava? Aceitava o quê? Nem mesmo sabia o que se passava. Refletira agora com os cotovelos sobre os joelhos, a mão apoiando o rosto novo de quem busca os porquês sem ter um porquê. Quem era? Julgava-se. Respondia a si próprio: "Sou nada". E ficava feliz, por saber um segredo que poucos sabiam - é por ser nada que se pode ser tudo. Ele sentia tudo, e aquilo lhe custava a sanidade. Foi assim que descobriu: Ora, o amor nada mais é que uma insanidade socialmente aceita. Não era nada daquelas mentiras reconfortantes dos cartões de felicitações. Sentiu o café da manhã revirar no estômago e teve certeza. Estava perdido.
Atualizado em: Sex 29 Jun 2018
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