person_outline



search

A Mitologia de Ekhaya - Livro 3: A criação dos Reinos Marginais

Há histórias que não pertencem apenas aos homens, mas aos mundos que eles moldaram. Recolho aqui uma memória antiga, quase perdida, de como os reinos de Quimera e Tormenta vieram a existir, pois sinto que essas lembranças podem ser úteis aos que vierem depois de mim.
No início, quando os primeiros Andarilhos cruzaram as fronteiras de Ekhaya, o mundo era jovem e inconstante, ainda se ajustando às emanações dos sonhos humanos. Esses sonhos – feitos da essência mais pura da alma – começaram a se derramar sobre esse reino onírico, criando uma tensão entre luz e sombra. Foi assim que surgiram Quimera e Tormenta, dois reinos que não são opostos, mas reflexos complementares da alma humana.
“Dos sonhos, ergueu-se a beleza e o caos.”
Quimera nasceu da esperança. Um momento raro na história da humanidade, quando o otimismo coletivo moldou um reino vibrante. Lembro-me de ouvir os relatos dos primeiros Andarilhos: vastas planícies douradas, castelos flutuantes construídos pelas aspirações mais grandiosas, florestas que cantavam em vozes de harmonia. Tudo lá parecia mutável, um reflexo direto da criatividade humana.
Mas a beleza de Quimera também é instável. Os Andarilhos aprenderam depressa que o reino não apenas reflete suas aspirações, mas também suas dúvidas. O desejo, mal compreendido, pode virar uma armadilha. Testemunhei viajantes ficarem presos em ciclos intermináveis de ilusões, incapazes de distinguir o real do imaginado. Um lugar de inspiração, sim, mas também de perigos sutis.
“Do medo, nasceu o abismo.”
Se Quimera é um sonho desperto, Tormenta é um grito sufocado no vazio. Lembro-me da primeira vez que ouvi falar dele. Um veterano regressou pálido e amedrontado, murmurando sobre florestas de sombras vivas e mares onde algo terrível espreitava. Tormenta nasceu do que há de mais sombrio no coração humano: os medos, os traumas, os horrores enterrados.
Os Devassos, entidades que habitam Tormenta, não são criaturas no sentido usual. Eles são pedaços de pesadelos que ganharam forma. Quem sucumbe a eles... não volta. Já vi muitos jovens Andarilhos desaparecem em Tormenta, atraídos por suas próprias fraquezas.
Dizem que Tormenta é estático, uma prisão onde o tempo parece congelado. Poucos se arriscam a entrar lá, exceto os mais corajosos ou os mais desesperados. E ainda assim, há histórias de almas sendo resgatadas desse abismo, como se a coragem pudesse romper as correntes do medo.
Quimera e Tormenta não podem ser separados. Como o dia não existe sem a noite, esses reinos são interdependentes. Quando um sonho perde seu brilho, ele cai em Tormenta; e quando um pesadelo é superado, sua energia pode ser reciclada para criar algo belo em Quimera.
Há uma lição nisso, talvez: os dois reinos refletem não apenas a humanidade, mas a jornada interna dos Andarilhos. Dominar Quimera significa aprender a discernir entre aspiração e ilusão. Dominar Tormenta exige coragem para enfrentar o que mais nos assusta.
Penso, às vezes, se o equilíbrio entre esses dois reinos não é também o equilíbrio dentro de cada um dos Andarilhos. Quimera nos lembra que os sonhos podem nos elevar, mas também nos perder. Tormenta nos ensina que o medo pode nos esmagar, mas também nos fortalecer.
Eu acredito que os reinos marginais não são o destino final. Eles são espelhos. E aquilo que você vê neles... é você mesmo.
Borko - Guardião de Kalahari e guia de almas perdidas
Pin It
Atualizado em: Seg 27 Jan 2025

Curtir no Facebook

Autores.com.br
Curitiba - PR

webmaster@number1.com.br