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A Mitologia de Ekhaya - Livro 1: Nammu e a origem da magia

Na alvorada do cosmos, quando as estrelas ainda estavam se formando e o abismo que chamamos de espaço era um véu insondável de possibilidades, uma força surgiu. Não era uma força comum; era um poder ancestral, tecido a partir da própria essência do vazio. Ela não conhecia limites, nem forma, mas era consciente, e em sua consciência, algo profundo e imenso habitava — um anseio. Um anseio por criar.
Era uma força primitiva, mas não onisciente. Ela não sabia tudo, mas sentia tudo. Seu poder era quase infinito, capaz de moldar mundos e gerar vidas, mas mesmo em sua imensidão, ela estava sozinha. Criava com um desejo inquieto, mas a solitude a acompanhava. Seus filhos eram grandes como planetas e suas criaturas, abstratas e etéreas, não podiam compartilhar da experiência da criação. Faltava-lhe algo.
Por milênios, essa força viajou pelo vazio, buscando uma alma que pudesse compreender o seu poder, uma consciência semelhante à sua, mas encontrou apenas o silêncio.
Até que, num momento fugaz, o olhar da força se voltou para a Terra. Aqui, entre a poeira das estrelas e o brilho efêmero das luzes, ela encontrou os humanos. Frágeis, pequenos, mas intrigantes. Eles eram criaturas de carne e espírito, limitadas por suas formas, mas possuídas por uma chama tão intensa quanto a da própria força. Sonhadores. Seres que, ao dormir, pareciam deixar para trás o peso da carne e dançar no vasto mistério do cosmos, como se suas almas fossem pássaros a vagar pelos céus da eternidade.
Observando-os, Nammu se apaixonou pelaquilo que não compreendia. Ela se entregou ao enigma de sua existência, a sua capacidade de ser tanto matéria quanto sonho, ser e não-ser, sempre fugindo das fronteiras do que ela poderia controlar.
E então, decidiu ir além.
Nammu fez aquilo que só um criador poderia fazer: fez o impossível. Ela criou um lugar, um reino, onde os sonhos poderiam viver sem as amarras do corpo. Onde a alma poderia se desprender e ser ela mesma, sem limites, sem gravidade, sem o peso da carne.
Ela o chamou de Ekhaya — um reflexo do mundo, mas também uma extensão dele, onde as leis da natureza não tinham domínio. Um lugar de possibilidades infinitas, onde a mente humana poderia voar, nadar em rios de luz, escalar montanhas que flutuavam no ar e caminhar sobre as águas, onde nada era impossível, porque Ekhaya era tecido com o fio das vontades mais puras.
Mas em Ekhaya, nada era como na Terra. As criaturas que Nammu criou não se pareciam com os humanos; eram seres magníficos, fantásticos, como dragões que respiravam sonhos, sereias que cantavam canções que moldavam a realidade, minotauros que guardavam os segredos das profundezas do tempo. Eles eram os Primordiais, filhos diretos da força que os gerou, e sua missão era proteger Ekhaya de qualquer ameaça, mantendo seu equilíbrio e a liberdade que ele oferecia.
Ekhaya era, de muitas maneiras, um espelho de uma Terra que poderia ter sido, mas que, em sua criação, Nammu rompeu com os limites do que conhecia. Quando a força primordial finalmente completou o mundo, convidou os humanos mais próximos de seu coração, aqueles que ela tocara com seus mistérios, para que caminhassem em sua terra dos sonhos. E eles foram.
Eles atravessaram o limiar do sonho e acordaram em Ekhaya, maravilhados com sua liberdade, com as cores impossíveis que a Terra não conhecia, com a música do vento e a dança das estrelas. Mas essa visita, esse presente do mundo dos sonhos, sempre era efêmero. Quando o amanhecer chegava e os corpos humanos despertavam, o mundo de Ekhaya desaparecia como a névoa da manhã. E, a cada retorno, uma saudade ardente nascia nos corações daqueles que haviam visto aquilo que seus olhos não podiam mais alcançar.
Nammu viu, então, a tristeza crescente nos olhos dos humanos. Como ela não possuía as limitações da carne, não compreendia a dor da separação. Mas, com o tempo, ela percebeu que eles não queriam voltar. Eles ansiavam por Ekhaya como se ele fosse a verdadeira casa, e não a Terra. Sentiam a ausência daquele reino tão vívido, mas que sempre parecia escapar entre os dedos ao amanhecer.
Foi então que Nammu, em um gesto de amor e compreensão, tomou uma decisão. Ela fragmentou uma porção de seu poder — algo minúsculo, mas potente — e o entregou aos sumérios, aqueles que a haviam honrado como deusa do seu panteão. Com esse presente, os sumérios se tornaram os primeiros Andarilhos dos Sonhos, capazes de permanecer em Ekhaya sem a necessidade de acordar.
Mas, como toda dádiva divina, esse poder tinha seu preço. Os Andarilhos não eram mais apenas homens e mulheres da Terra; eram também filhos de Ekhaya, vagando entre os dois mundos, com a responsabilidade de proteger o equilíbrio entre eles.
Assim, o destino da humanidade foi entrelaçado para sempre com o destino dos sonhos. E, por mais que Ekhaya fosse um mundo de liberdade e beleza, os Andarilhos sabiam que, por trás da grandiosidade do reino da deusa, havia um mistério profundo, uma força que, embora estivesse em constante criação, nunca deixaria de ser incompreendida.

Nammu e a origem dos Andarilhos dos Sonhos - Relato encontrado na região da Síria em 1730
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Atualizado em: Seg 13 Jan 2025

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