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CORE-05

Após uma semana estressante, rodando pelas ruas da cidade: Liberdade! Era o que Pedro ansiava. Um dia inteiro livre, como se sua folga fosse uma dosagem de morfina. Era só ele e a mãe, Dona Rosa, sessenta e dois anos, religiosa, baixa e determinada. Essa guerreira sempre foi presente na vida de Pedro, ainda mais depois que o pai os abandonou quando Pedro criança. 
Por mais que aceitasse migalhas da vida, Pedro não podia ver a mãe sofrer, a pobre senhora trabalhalhou quase que a vida toda em dois empregos para sustenta-lo,Pedro sempre foi um garoto bom e educado que infelizmente interrompeu os estudos para cuidar da mãe.
Depois da descoberta do câncer, ela se viu como uma prisioneira encarcerada que saiu da cadeia em liberdade condicional. Tudo por conta da quimioterapia que fazia três vezes por semana,durante horas sofrendo na sessão, sempre no Hospital da Urca, um dos mais lotados do Rio de Janeiro.
Numa tarde, antes de ir fazer trilha, Pedro tirou um cochilo,sonhou que estava vendo a terra do espaço, pobre mortal, pensou ele,o telefone tocou diversas vezes, Pedro acordou assustado.
-Alô,Alô, mãe? 
-Oi filho, responde Rosa esperançosa de ver seu filho e passar a tarde conversando com ele
-Lá pelas 4 horas tô passando aí, vou fazer uma trilha e depois a gente passa a tarde juntos, ok?
-Claro meu filho, fique com Deus e vigie, vigiar era um termo que sua mãe dizia a todas as vezes que ia se despedir do filho, era como ficar atento a todo tempo as artimanhas do mal e sempre fazer o bem.
Pedro pegou o ônibus 007 na Central do Brasil, demorou 20 minutos para chegar, foi conferindo tudo no caminho: água, alimentos, um livro e outros acessórios, ao chegar a Urca, um lugar seguro, já que era uma área militar , Pedro pega o celular e dá uma olhada nas mensagens.
- Cuidado, beba água e fique sempre vigilante, dizia sua mãe
-Ok mãe, beijus
Ao subir a trilha estava vazia, Pedro começava a imaginar coisas e viajar nos seus pensamentos sobre o mundo
-Nesse exato momento alguém está morrendo, pensa Pedro, que olha ao relógio são 14:36 a hora da morte de alguma pessoa no mundo, 
-E se eu pudesse ampliar o som, será que eu poderia ouvir meus olhos abrirem e fecharem?
Pedro decide comer uma maçã enquanto sobre a trilha e escuta o próprio som de sua boca ao mastigar o alimento e imagina a maçã sendo digerida descendo até seu estômago, e tenta mentalmente seguir a maçã seu corpo adentro.
-Maçã, maçã, a causa mortis da branca de neve onde você vai parar? sua mãe não sabia de seus pensamentos nem seu amor pela senhora morte e ao mesmo tempo pelo fascínio da vida.
Pedro se depara com um pensamento, comum a muitos a qual ele já teve
- A maçã está descendo vai ser digerida pelo estômago, 
-Como sabemos como o estômago é? 
-Por que imaginamos todo processo digestivo com tudo funcionando? nitidamente? não tem luz dentro do corpo humano, todo processo digestivo e todos os processos são feitos na mais completa escuridão, não é?
-Maneiro, só eu mesmo pra pensar nisso, Pedro dá uma risada de canto de boca, após chegar na entrada da trilha e finalmente começa a subir, pra quem já foi na Urca, é uma trilha como qualquer outra, o problema e a altura e o tamanho do corrimão muito baixo de concreto que existe para te proteger da morte.
Ninguém espera que alguém pule nas pedras e se arrebente na água, das pedras até a água não há distância segura, primeiro você se arrasta e vai rolando até as pedras e depois, se sobreviver cai na água e as ondas ficam te batendo sem parar, como se fosse um assassino em série dando facadas incessantes.
Pedro guarda o celular, começa a subir e coloca o celular no modo avião, sem perturbações, ao caminhar pensa em sua mãe, sua vida e no horário que tem que voltar, enquanto vê a paisagem e respira fundo.
-E pensar que a morte está ali, depois desse muro, pra onde eu iria? céu? inferno? morreria sentindo dor? Bem, não é bom pensar nessas coisas, afinal quando a hora chegar, você tem que ir, estamos um uma fila, fantoches do destino e do acaso.
-Pedro pensa em chegar mais rápido, começar correr para que aproveite o tempo e consiga ver sua mãe, olha uma pedra mais a frente e como sempre faz joguinhos mentais pensa:
-Se eu pular aquela pedra e alcançar a outra como já fiz diversas vezes, minha mãe sai do hospital, e salta
-Aqui vamos nós, grita Pedro
- Silêncio, um segundo, um milésimo e não há reação, ao pular de uma pedra a outra que está mais abaixo, não vê a superfície da pedra, uma lasca grande quase metade está no mar, pisando em falso  batendo com força de lado, quebrando o ombro, rasgando sua carne, uma dor agoniante dispara e Pedro cai no mar com ombro quebrado, sua primeira medida é tentar nadar e…...
- Burrice, seu mané, pensa ao tentar nadar com o ombro quebrado aumento uma dor que já que achava que não poderia piorar, imagino que a morte deve estar rindo de sua cara nesse momento, há minutos atrás ele brincava, agora é a morte que o tem na mão, as possibilidades já começam a passar pela sua cabeça? Céu ou inferno
-Mãe?, sua mãe não pode te ajudar imagina Pedro, como se fosse um sussurro do anjo da morte no seu ouvido.
-Minha vida, minhas coisas, minha moto
As ondas começam a bater, sua dor só cresce, batendo nas pedras, só consegue pensar na dor, curar a dor e se salvar, até que com pouca energia que lhe resta decide nadar com uma mão, sem resposta, novamente as ondas batem com ele no paredão de pedras.
Água gelada, sangue, pensamentos hostis, anjos, demônios e uma palavra vem a sua mente, vigiar, sua mente vai se apagando, Pedro pensa em uma última coisa que tinha lido a uma semana atrás, sobre os 5 estágios da morte, quer que eu explique?  vamos lá
Negação, a qual Pedro estava passando, quando as coisas dão merda, quando morre alguém, quando você diz repetidamente, 
-Não, não, não, não, não. O segundo estágio é a raiva, 
-Por quê? por que isso está acontecendo comigo? tanta gente ruim no mundo, a terceira e a barganha,
-Se eu parar me curar do câncer não vou mais fumar
-Se eu curar minha perna nunca mais bebo refrigerante
No quarto estágio de depressão, tristeza pelo resto da vida, se é que resta alguma coisa, ou tentar alguma alegria até deixar esse corpo.
O Quinto estágio e a aceitação, você aceita que está ferrado, que vai morrer mesmo se despede de quem ainda te ama, se você foi um FDP na sua vida, quem sabe de sorte e sua mãe vai estar do seu lado, às vezes nem isso.
-Bem já passei por isso tudo, que se dane, só penso na minha mãe, Pedro imagina lágrimas saindo de seus olhos, mas dentro d'água, impossível, percebe que está a beira de um desmaio e se entrega a maré, pensando que tem mais alguns minutos de vida e percebe algo que sua mente faz seus olhos se espantarem, mesmo a beira da morte, seu braço brilhar
- Que M$%$% e essa? esbraveja em pensamento, seu pulso começa a brilhar em um Código 205878, o brilho vai ganhando intensidade e ele já não sente mais dor, fica imaginando o que está acontecendo, e percebe seu corpo ser sugado, todo arrebentado como se fosse um pedaço de bosta latrina abaixo, 
-Terminou, ele julga por seu estado atual, não sinto mais dor,
-Onde estou? céu celestial, inferno: purgatório
Boa noite, Pedro? uma voz ao grave, Pedro abre os olhos
-Onde estou? qual hospital? avisem minha mãe por favor implora desesperadamente, pensa consigo mesmo
-Graças a Deus estou bem, tive mais uma chance, obrigado senhor, mal agradece e o doutor responde sua pergunta
-Você está no CORE-05
-O que é isso? pensa, nunca ouvi falar, que hospital é esse?
-Olhe a sua volta, Pedro deixa de olhar a cara do homem de branco a sua frente, hologramas e telas artificiais brilham nas paredes, parecendo um dos filmes do Homem de Ferro
-O que é esse lugar?
-aqui é CORE05 e o Centro Orbital de reconhecimento 05, você veio de uma realidade simulada, seu código é 205878 sua simulação deu um erro e estamos reparando.
-Que simulação? me tira daqui.
-Por que estou amarrado, e onde estou realmente? perguntou Pedro que se sentiu um fantoche, depois que as palavras saíram de sua boca, e pensou dezenas de vezes que ele já viu estes diálogos em filmes, comendo pipoca no conforto de sua casa, imagina loucamente que alguém deve o estar vendo agora na tela de um Pc ou na TV de sua casa
-Você está em 2058, a terra como a conhece não serve mais como morada, somos umas das poucas estações que restaram, milhões de pessoas morreram em uma explosão solar, que devastou a vida no planeta.
-Mas e minha mãe? pergunta Pedro quando já sabe a resposta, seu choro cresce e lágrimas escorrem de seus olhos, numa virada do destino, Pedro pensa
- Estava morto e minha mãe viva a 10 minutos atrás, agora estou salvo, minha mãe morta, assim como meu pai e todos os outros.
-Seu pai, deu o lugar dele, fez favores aos quais não podemos mencionar aqui, pagou um preço alto pela sua vaga nessa estação.
-Mas e agora? pra onde vamos? Uma última pergunta em querer saber como vai ser sua vida.
-Estamos indo para novos mundos, batizamos esta estação como “Nova Horizonte”, seu Pai nos disse que você era especial, e te deixou isso, o médico estica a mão e entrega um carrinho azul de formula 1,a qual Pedro lembra de ter ganho quando era pequeno, e que você era uma das pessoas mais incríveis que ele já conheceu e iria nos ajudar nessa nova jornada.
Pedro olha pro carro novamente, reparando nos detalhes, na parte de baixo no fundo do carrinho estava escrito “CORE-05”.
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Atualizado em: Qui 23 Mar 2023

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