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Pecado
Ela chegou da escola lá pelo meio-dia, nesses dias ensolarados com cara de terça-feira. Chegou assim como toda criança: correndo e feliz, que nem cachorro. Atirou-se em direção à cozinha com fome que a gente sente pelos 8, 9 anos, dessa que não dá pra esperar. Olhou o cardápio posto na mesa e meteu os dedos na sobremesa:
- Adoro bolo de chocolate!- puxou um pedaço.
- A gente só adora a Deus. Vá lavar as mãos! - Corrigiu a mãe com um tapa.
Olhou-a com revolta. Ora, que insolência era aquela de dizer quem a gente pode ou não adorar?
-Não-Teimou- Eu adoro bolo de chocolate mais que Deus!
-Olha a boca! Vá lavar já essas mãos e trocar de roupa, anda!- Gritou a mãe antes de pedir perdão baixinho pelo pecado da filha.
Deixou a cozinha com passos zangados. Como isso? Quem é que pode falar o nível de gostar das coisas senão quem sente? Por que é que ela tinha que adorar Deus mais que o bolo? Não entendia. Nunca nem o vira. Que é que tinha de errado adorar o bolo? Naquele momento faminto, era o que ela mais desejava. Mais que Deus. Nem podia controlar, e sabia que sentimentos não se controlam mesmo. A mãe sabia disso? Se sabia, por que desatara a limitar seus sentimentos? Devia ser mania de correção que adulto pega quando vira adulto - Adulto é bicho estranho que nem largata listrada - concluiu. Com a ausência da inconveniência de moldar os gostos. Poderia apostar que largata nenhuma impedia outra de adorar folha. Gostava-se muito e pronto: adorava-se. Simples. Sentia aquela fome... chegava doía-lhe, e crescia inevitavelmente o desejo do pedaço de bolo de chocolate, aquele sentimento de urgência para completar o vazio. Quando a gente gosta muito é assim: Adora. E que é que há de mau nisso, meu Deus?
Atualizado em: Ter 23 Out 2018