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Dança dos Pássaros
Na vila de Bukhara, um pequeno lugar entre o deserto de Razes e do Rio Uri, ouve-se gritos e um alto som de espadas, são apenas 10 horas da manhã, mas Aisha, vestida com o traje de couro e pingando suor, não larga a espada por nem sequer um minuto; é a única guerreira em sua vila. Você deve estar se perguntando por que uma garota de dezenove anos tornou-se uma guerreira impecável, num lugar onde deveria estar tecendo ou cozinhando como as garotas de sua idade. Não era julgada pois Bukhara sempre foi uma vila igualitária, formada pelos refugiados da Guerra dos Corvos, há 10 anos atrás, acolheu pessoas de todos os tipos, como Aisha.
Em uma ferraria não muito longe dali, encontramos Zayn, o jovem de pele parda e grossos braços, bate no que parece ser um punhal com o martelo; o suor escorre por suas costas e seu estômago ronca, larga o trabalho e sai pela porta, cinco minutos depois está na frente da casa do mestre de armas, ao longe, vê a longa trança de Aisha balançando, enquanto ela luta bravamente com um boneco de madeira :
- Ei, passarinho! - grita Zayn para Aisha, que acabou de derrubar o boneco no chão. - Vamos! Minha mãe deve estar nos esperando para o almoço! - Aisha corre em sua direção com o rosto brilhando de suor, com a voz ofegante diz ainda de longe :
- Ei, meu belo camelo! - dando uma risada cansada - Já derrubei esse boneco três vezes hoje, espero que sua mãe tenha caprichado, eu comeria um camelo inteiro - diz sarcástica, olhando para Zayn que faz cara de bravo, mas não aguenta e dá uma gargalhada; juntos vão andando pelas ruas da vila, sempre rindo um do outro.
- Não! Você não pode fazer isso! - grita Aisha em desespero; empunha a espada e, segundos depois, sente o sangue quente em suas mãos, olha para o homem mascarado à sua frente, ele não está ferido. Ao seu lado, a mãe jaz morta no chão. Olha novamente para o homem, desta vez encara seus olhos negros. Acorda assustada.
É manhã de sábado e Aisha caminha pela feira no centro da vila, ela tenta afastar da mente o sonho que tivera na noite anterior, o que é quase impossível. O cheiro de tâmaras e damascos enchem o ar e Aisha se sente melhor; para na barraca do tio de Zayn, analisa os punhais e as facas, ouve ao fundo um burburinho e seu ouvido eriça ao ao ouvir " o príncipe, é, eles precisam de um herói". Infiltrando-se em meio às vendedoras de tecido que tanto conversam, Aisha pergunta:
- Bom dia senhoras - diz com um sorriso um pouco forçado. - Não pude deixar de ouvir, se importariam de me contar mais sobre o que se passa ao príncipe? :
- Ora! Realmente não sabe o que aconteceu? - exclama a mais velha do grupo. - O príncipe Kamal foi sequestrado ontem pelos Corvos de Sangue! - ao ouvir isso, Aisha sente um arrepio. :
- E eles, do palácio, buscam um herói que possa salva-lo. - comenta outra jovem. - Eles já perderam o rei Khalid e seu herdeiro na guerra, Kamal é o único que restou.
Ao ouvir estas palavras, Aisha deixa a cesta de frutas que carregava cair ao sair correndo, as palavras daquela mulher tinindo em sua cabeça e com o coração quase saindo pela boca, Aisha corre em direção ao único que pode ajuda-la.
Zayn voltava a trabalhar no punhal com o martelo quando ouviu Aisha chegar gritando:
- Zayn! Zayn! Você nem imagina o que aconteceu! - Depois de se acalmar, Aisha conta em detalhes tudo o que ouviu na feira, e ofegante de empolgação disse:
- Ora, Zayn! Esta é minha chance! Sou o herói que procuram! Temos que ir logo!
- Como assim Aisha? ! Ficou maluca? ! Não podemos ir!
- É claro que podemos! - Agora Aisha chega mais perto de Zayn como quem busca acolhimento, ela olha para ele tomada de emoção e com voz doce diz :
- Você me conhece, Zayn, conhece minha história e sabe que essa é minha única chance. Você como ninguém precisa me apoiar, por favor Zayn...
- Tudo bem, Aisha, me desculpe, sabe que apoio você. Isso pode ser loucura, mas estou com você. - Diz Zayn com um sorrido tímido. Aisha se aproximar de seu melhor amigo, ele põe a mão em sua cintura; Zayn sente o perfume do cabelo de Aisha, ele a puxa para si e envolvidos na emoção se abraçam :
- Zayn? - Diz Aisha ainda abraçando o amigo. - Prometo cuidar de você, se você prometer o mesmo a mim.
- Eu prometo.
Assim, Aisha sai sorridente e antes de sair pela porta, olha mais uma vez para o amigo, em seu coração ela sabe que o ama, de uma forma que ela não imagina ainda.
Durante o jantar todos estavam quietos, Aisha tentava manter que calma mas por dentro a ansiedade a tomava. Saíram logo da mesa e desceram ao curral para preparar os cavalos e as bagagens. Partiriam naquela noite.
Em seu quarto, Aisha terminava de ajuntar suas coisas, se deita na cama, sua mente está um turbilhão mas o ar gélido a faz adormecer. Esta noite, Aisha não tem pesadelos como o homem de olhos negros; em seu sonho ela cavalga livre pelo deserto em um negro corcel, o sol reflete a cor mel de seus cabelos e o vento bate em seu rosto, este é um sonho feliz, como Aisha nunca teve. :
- Psiu! Aisha! - Sussurra Zayn. São três horas da manhã e ele parece sonolento. - Está na hora de partirmos.
Minutos depois, ambos montam em seus cavalos e cautelosamente fogem no meio da noite; Zayn deixou um bilhete para os pais, mas provavelmente iriam atrás deles quando descobrissem, por isso tinham que ser afastar o mais rápido possível. Um vento frio sopra sobre eles, e com esperança nos olhos, os dois amigos deixam a vila silenciosa.
Já são seis horas da tarde, o sol começa a se pôr e os dois amigos ainda cavalgam; a esta altura os pais de Zayn e os moradores da vila já os buscam desesperadamente, mas eles já se afastaram o suficiente.
Decidem parar, com as costas doloridas e famintos, desabam dos cavalos; Zayn faz uma fogueira com alguns gravetos que trouxe da vila, repartem um pão seco e um pouco de queijo de cabra, deitada na areia quente do deserto, Aisha adormece e mais uma vez, sonha.
Zayn ficará de vigia esta noite, estende sua capa negra na areia e se senta ao lado de Aisha, ele repara que ela dorme com um ar calmo, coisa que ele não via há muito tempo, por conta de seus constantes pesadelos.
O vento árido do deserto sopra forte, que noite cai sufocante sobre eles. Zayn está alerta para qualquer perigo, ao seu lado, meio encoberta pela capa, repousa a espada brilhante, forjada pela próprias mãos de Zayn; no cabo, a verde esmeralda reluz, "como os olhos de Aisha" - pensa ele.
A espada vinha sendo trabalhada havia meses, a esmeralda custara a Zayn dois meses de seu salário e um anel de prata que ganhara de algum parente; Zayn planejava dar a espada à Aisha em seu aniversário, daqui três dias, ele acaricia a esmeralda, pensando no sorriso de Aisha ao receber o presente.
Pela manhã, o sol começa a nascer, Aisha se levanta e ao seu lado vê Zayn preparando ovos mexidos na fogueira, o cheiro desperta sua fome, Zayn sorri para ela :
- Bom dia, passarinho! - Diz enquanto serve um pouco de ovos para ela, felizmente se lembraram de levar todo o necessário para se alimentarem durante vários dias. :
- Bom dia, camelo. - Ela tenta sorrir mas ainda está sonolenta.
Depois de comerem, Aisha pega em sua sacola um papel, é um mapa, conseguiu antes de fugir, curar de um mercador, e junto com ele, adquiriu informações valiosas.
Passaram cerca de meia hora revendo todo o plano, seguiriam pelo deserto por dois dias até chegarem ao fim dele, numa casa enorme cor de noite, onde mora um mago muito poderoso; Aisha conseguira essa informação com os mercadores viajantes, e acreditava que o mago fosse capaz de ajuda-la.
Seguiram viagem por mais dois dias, comida e água eram racionadas e eles revesavam o sono e a vigia. Exaustos e com dores nas costas, já não aguentavam mais, até que, ao ver de longe um borrão negro, galoparam o mais rápido que podiam, chegaram ao portão enferrujado pelo tempo, e com os corações exaltados, bateram com uma grossa argola de ouro.
A porta se abre, ouve-se passos e uma sombra se aproxima, Aisha prende a respiração, atemorizada, espera que alguma criatura horrenda apareça, a sombra se aproxima cada vez mais, até virar alguém.
Aisha repara no sorriso amarelo à sua frente, um senhor com bochechas rosadas e olhos grandes, um pouco baixo demais, está parado à sua frente; Aisha finalmente se dá conta e diz :
- Boa tarde, senhor! Eu sou...
- O passarinho! - interrompe ele, com ele com entusiasmo nos olhos.
-Sim! Quer dizer, não! ! - diz ela meio embaraçada. - meu nome é. ..
- Aisha, da vila de Bukhara! - interrompe ele mais uma vez, e apontando para o corredor atrás de si diz : - e então? Vamos entrar? Temos muito para conversar!
Aisha está espantada, exita por um momento, mas o senhor, com voz doce diz:
- Ora, minha filha, não tenha medo, minha servas cuidarão dos cavalos aí fora e eu cuidarei de vocês aqui dentro. Venham, eu posso ajudá- los.
Assim, um pouco mais tranquila, Aisha entrega os cavalos às servas que vem depressa, segura firme a mão de Zayn e segue o bondoso homem pelo corredor escuro. Atrás deles, a porta se fecha.
Acomodados dentro da casa, o senhor manda que seus servos preparem os banhos para Aisha e Zayn, oferece-lhes as melhorem roupas que tem e os convidados a passarem a noite em sua casa.
Aisha é despida de suas velhas roupas guerra, o corpo, cansado, relaxa enquanto ela mergulha na banheira quente; a mente começa a viajar.
O sol começa a se pôr enquanto Aisha desce a escadaria que leva à sala de jantar, o vestido longo balança com ventos que entra pelas janelas; lá em baixo, já sentado à mesa de jantar, Zayn a observa encantado, nunca a vira assim, aliás, Aisha nunca se vestira assim, sente-se como uma rainha.
Durante o jantar, o mago se apresenta como Hamid, o "Grande Mago", o que faz Zayn rir por dentro. Aisha aproveita o jantar, Zayn e ela jamais comeram uma refeição tão gostosa. Ambos gostam do lugar, do mago e até fizeram amizade com uma das servas do mestre Hamid, Lila.
O jantar é retirado e todos já satisfeitos, conversam sobre o motivo de Aisha estar ali, o mestre levanta :
- Me acompanhem, há algo que quero lhes mostrar.
Todos seguem juntos ao lugar mais baixo da casa, escuro e cheio de ratos, é guardado por uma chave pendurada no pescoço do mago; ele abre a porta e todos entram, Zayn e Aisha se impressionam com a quantidade de objetos espalhados pelo lugar, segundo o mestre, são todos mágicos, o que mais lhes chama a atenção está ao fundo, uma cápsula de vidro, e dentro dela, uma pena branca brilha.
Os dois amigos seguem o mestre em direção à pena, com mãos delicadas, Hamid toma a pena e a entrega à Aisha, seu olhar bondoso transforma-se num olhar frio e sério:
- Isto pertence à você, Aisha.
- A mim? - pergunta ela espantada. - Mas eu nunca vi isso antes, como pode ser meu?
Sem responder, mestre Hamid caminha até uma estante, volta com um velho pergaminho, entrega á Aisha que lê as letras douradas em voz alta :
"Pelo pássaro que se ergue
E por aquela nascida do amor
Amor que ainda não se sente
Jorrará como uma nascente
Levantará sua escolhida
Que salvará toda sua gente
Ressurgirá quando a dor lhe tomar
E com mão firme
Fará com que aquele feito de sangue
Seja espalhado pelo vento ".
Tomada pelo desentendimento e com olhar confuso, Aisha busca respostas :
- Eu, eu não entendo o que isso quer dizer! - em sua face há angústia quando ela fala, Zayn toca seu ombro como que dizendo "vai ficar tudo bem ".
- Aisha, você é a escolhida, é por isso que está aqui. Você é o pássaro que ressurge na dor, e você derrotará os Corvos de Sangue, derrotará aquele que é chamado de Corvo Sangrento. - Aisha sente o coração acelerar, sente o seu chamado para ser uma heroína, mas no fundo de seu peito reina o medo. :
- Mestre, e como farei isso?
Neste momento, o mestre Hamid pega a pena branca, e um velho papel corroído pelo tempo. - Esta pena a levará ao seu destino, - diz enquanto a aproxima para a luz, que brilha ainda mais forte. - Ela traçará o caminho até onde está aquela cujo é feita do amor ainda não sentido.
- E o que seria "aquela"?
- Ora! A espada que usará para matar o Corvo! - diz o mestre com brilho nos olhos.- A espada foi forjada pelas mãos de seu amor verdadeiro, Aisha. Ao encontra- la, encontrará também o seu verdadeiro amor.
Neste momento o nervosismo toma conta de Aisha, não sabe o que é o amor, nunca amara ninguém, não daquela maneira.
O mestre entrega a pena para Aisha e a explica como deve ser o procedimento:
- Escreva seu nome neste papel usando a pena, e então, em pensamento, faça seu desejo, e a magia da pena o realizará.
Aisha tenta controlar a mão trêmula, desdobra o papel mas antes que escreva qualquer coisa, vê uma coisa escrita. "Eva", neste momento, Aisha pergunta ao mestre, bem conturbada:
- Mestre, por que o nome da minha mãe está escrito aqui?
- Minha filha, há algo que preciso lhe contar, há dez anos atrás, quando se iniciou a Guerra dos Corvos, sua mãe me procurara, ela dissera que o Corvos Sangrento estava indo até sua aldeia, e ela queria salvar o seu povo, porém, a magia da pena permitia que apenas uma pessoa fosse salva.
Com lágrimas nos olhos, Aisha diz em meio a um sussurro :
- Ela desejou me salvar. É por isso que sou a a escolhida, sou a única que restou da dor.
Neste momento, Aisha toma coragem, escreve seu nome no papel, por um instante fecha os olhos e faz seu pedido, que a espada feita pelo amor verdadeiro seja encontrada. :
- Agora, vamos subir, isto pode demorar um pouco pois pode vir de qualquer lugar do mundo. - comenta o mago. - Zayn e Aisha seguem pela porta e começam a subir, ao chegaram na sala principal, algo inesperado acontece.
Zayn caminha ao lado de Aisha , a experiência que tivera ao lado de sua amiga ainda o perturba, e um milhão de ideias passam por sua mente.
Chegam na sala principal da casa, mas algo os detém, no alto da escada, uma forte luz verde começa a aparecer se aproximar, com êxito, o mestre Hamid diz :
- Vejam! É ela! É a espada! Pensei que demoraria mais tempo. - neste momento o coração de Aisha bate mais forte, a espada chegando cada vez mais perto, a garota estende as mãos trêmulas, a espada repousa sobre elas; "é linda", pensa Aisha, analisando a esmeralda cravada no cabo. :
- Não pode ser! Diz Zayn atrás dela, Aisha vira e se depara com os olhos arregalados e o rosto surpreso do amigo :
- O que foi Zayn? - pergunta ela. Zayn pisca algumas vezes para ter certeza de que é tudo real, finalmente encontra palavras e diz, um pouco exaltado :
- A espada, Aisha! Eu a fiz! Trabalhei meses nela para dar a você amanhã, em seu aniversário!
O cérebro de Aisha tenta assimilar a informação, ela abre a boca para falar algo, mas desiste. Seus olhos se encontram com os de Zayn, ambos confusos, e enquanto se encaram, nos dois corações, uma crescente chama de amor começa a nascer.
O mestre Hamid os deixa a sós para que possam conversar, porém, nenhuma palavra é dita entre os dois, não há o que se possa dizer, apenas sentir. Foram dormir sem dizerem nada, apenas sentindo tudo.
Pela manhã, Aisha acorda com Zayn à sua porta, vinha lhe dar os parabéns, e apesar do abraço, nada evita o constrangimento; descem juntos para tomar café, mas Aisha não tem apetite, essa noite os olhos negros do homem mascarado vieram visitar seu sonho.
Os dois amigos se despedem do mestre Hamid, agradecem pelo acolhimento e por toda a comida que ele providenciou para a viagem. Partem os dois em silêncio, guiados por uma linha dourada desenhada pela pena mágica, que apenas eles podem ver, é para Aisha, resta apenas mais um desejo.
Seguem viagem trocando poucas palavras, mas à noite, quando param para descansar, Aisha já não aguenta mais o silêncio. :
- Inesperado, não é? - comenta ela, tímida. - Quer dizer, eu nunca imaginei. A gente. Sabe?
- É, nem eu. - diz Zayn, ascendendo a fogueira. Depois disso não voltam a se falar por um tempo; Aisha senta-se na areia morna, fecha os olhos por um instante, e começa a chorar.
Ao ouvir os soluços de Aisha, Zayn rapidamente vai em sua direção e a abraça, seu choro é de profundo desespero, em meio às lágrimas, encostada no peito de Zayn, Aisha confessa.:
- Estou com medo, Zayn. Pensei que fosse uma heroína, mas não sou, estou com medo.- Zayn acaricia o cabelo de Aisha, e diz com calmaria na voz.:
- Prometemos cuidar um do outro, lembra? - diz ele tocando com o indicador na ponta do nariz vermelho de Aisha. - E outra, passarinho, você ainda tem a pena mágica. Amanhã, quando chegar o momento da batalha, use seu último desejo para pedir coragem.
- Você tem razão, Zayn, você sempre tem razão. - diz Aisha, que apesar de ter parado o choro, continua aninhada aos braços de seu amigo, e para ela, nada mais importa, só estar ali, com ele. Esta noite, esquecem-se da vigia, dormem ambos, refugiados um ao outro.
Aisha acorda com um grito de dor, sem entender, vê Zayn contorcendo-se ao seu lado, só percebe que não é um pesadelo quando por pouco não é atingida pelas presas de uma Cobra de Fogo, esta criatura, descendente de dragões, tem poder para matar qualquer um.
Em desespero, Aisha pega a espada que ganhara de Zayn, e tomando os gritos do amigos como impulso, corta a serpente ao meio com um só golpe. De dentro dela, escorre lava quente.
Aisha corre na direção de Zayn, que agoniza, de seu pescoço escorrem sangue, e Aisha, já sem esperanças, o abraça. :
- Não, por favor Zayn, fique comigo! - grita ela em total desespero. Mas não há nada que se possa fazer. Zayn, com as poucas forças que tinha, leva sua mão ao rosto de Aisha, e a acaricia uma última vez, até fechar os olhos.
Chorando, Aisha sente como se o coração fosse arrancado do peito, ela olha para o céu e tudo que vê são as estrelas, e a linha desenhada pela pena mágica.
" A pena ", lembra ela, " é isso ". E corre até onde estão os cavalos com as bagagens, desesperadamente procura a pena em sua bolsa. A encontra, juntamente com o papel que mestre Hamid lhe dera. Sem pensar duas vezes, Aisha escreve seu nome, fecha os olhos e tudo que existe em sua mente é o desejo de ver Zayn vivo ao seu lado novamente. Abre olhos, nada acontece.
Aisha ainda chora, desolada, seu coração perde novamente a esperança, dessa vez sentia uma faca transpassar-lhe a alma.
"Maldita pena e toda essa magia ", pensa ela com raiva.:
- O que foi, passarinho? Alguém morreu? - Aisha abre os olhos e vê Zayn sorrindo, de maneira ainda doída. Ela o abraça como se fosse o mundo, suas lágrimas agora são de alegria.:
- Você usou a magia da pena, não foi? - pergunta ele, Aisha se afasta e diz que sim com a cabeça, o ajuda a ficar de pé e ele continua dizendo :
- Tem ideia que usou seu último desejo? - sua expressão é séria agora. - Como terá coragem, Aisha?
Ela caminha até ele e o toma pela mão, um desejo ardente a consome, e com voz confiante afirma :
- Contanto que você esteja comigo Zayn, eu jamais precisarei de magia alguma. É você quem me dá a coragem que preciso, Zayn, sempre.
Ele a puxa para mais perto, estão colados, sem dizer nada, sentem apenas a batida do coração um do outro. Tomados pelo momento e pelo sentimento descoberto dentro de si, beijam-se, ardentemente, e nesse instante, almas se encontram.
De manhã, o sol brilhava forte quando avistaram de longe, no fim do deserto, e maravilhoso por uma bandeira negra, o castelo que fora dominado pelos Corvos de Sangue. Seguiam cautelosos, pararam por um instante para rever o plano.:
- Primeiro, não podemos ser pegos. - diz Zayn, que esbarra de costas em algo, quando se vira, depara-se com um cavaleiro, totalmente vestido de negro, e no seu peito, um broche com o símbolo dos Corvos de Sangue. Não há tempo de reagir, os dois são capturados e levados ao calabouço escuro do estranho castelo negro.
Passaram-se horas, famintos e assustados, Aisha e Zayn não percebem a presença do cavaleiro que se aproxima da cela, a porta se abre, e a voz pesada os chama:
- Meu senhor os chama, é bom que venham depressa. Os dois apenas levantam-se e apressadamente seguem o homem.
Chegam à uma grande sala, no fundo, num trono vermelho como sangue, está sentado em toda a sua glória, a figura do homem-corvo, o manto preso às suas costas, é escrustado de penas pretas, e em seu rosto, uma máscara com face de corvo. Aisha sequer consegue encará-lo.:
- Bem vinda, passarinho! Há tempo que te espero. - diz ele com ironia, sua voz é carregada de crueldade. Aisha e Zayn mantém o silêncio, as palavras enterradas nas gargantas. Após um longo momento silencioso, Aisha olha para Zayn, e lembra da promessa de protegê-lo.:
- Sabe quem sou, não é? - fala ela dirigindo-se ao homem no trono. Ele se levanta e caminha até ela, que ainda está de cabeça baixa, o homem se aproxima e para a sua frente, Aisha decide encará-lo, mas ao fazer isso, Aisha descobre uma raiva dentro de si ao ver os olhos daquela criatura. Ela grita.:
- Foi você, não foi?! Matou minha família! Toda a minha aldeia! Você destruiu a minha vida! - a raiva faz com que lágrimas brotem nos olhos de Aisha, e mais uma vez seu mundo desaba. O homem, agora descoberto como o Corvo Sangrento, ri diante da desgraça de sua inimiga.:
- O que você esperava? Que eu levasse flores? Eu já conhecia a profecia antes mesmo de você nascer. Era você quem eu queria. Como não encontrei, restou a mim destruir tudo que seria importante para você.
Aisha se lembra da magia usada pela mãe para protegê-la, lembra-se de ter visto o Corvo na noite na morte de sua mãe, lembra de ter o encarado nos olhos, mas ele não a vira, a magia a protegera.
Pensa ela então na mãe, e que é por causa dela que está ali, e que é seu dever fazer justiça em nome dela, em nome de todos que morreram por causa da maldade daquele coração duro que batia à sua frente. Aisha busca com os olhos uma solução, e avista no fundo da sala, a verde esmeralda da espada brilhando forte.
Aisha nem pensara na loucura que estaria prestes a cometer, corre em direção ao Corvo, e por sua altura, Aisha escorrega e passa por debaixo das pernas dele. Por pouco alcança sua espada. Zayn está sem reação, mas Aisha joga para ele um punhal. Neste instante se inicia uma grande batalha.
Certamente o Corvo já esperava pela luta com Aisha, desembainha a espada e corre em direção à ela. Espadas se cruzam, começa emfim a dança dos pássaros.
Zayn luta tão bem quanto a amiga, que lhe ensinara diversos golpes, ele e um dos Corvos Sangrentos, mas não é com ele que se preocupa, ao lado, o som das espadas é ainda mais alto.
- Você não pode me derrotar, Aisha! - grita o Corvo quando cai em cima dela, ela segura Aisha pela mão da espada e ela é impedida de atacar. - Eu sou imortal, sua idiota! Achou que poderia me derrotar tão fácil? Eu fui feito pela magia de sangue, o que corre em minha veia são as vidas que tomei para chegar até aqui!
Aisha lembra-se da mãe, e a dor de sua perda a consome, com fúria, liberta a mão esquerda, com força, arranca a máscara de corvo da cabeça do homem, o rosto que ela vê a surpreende.:
- Príncipe Kamal?! - Aisha reconhece o rosto que está sempre estampado em cartazes da vida, os olhos negros do príncipe agora brilham de desespero e seu segredo é revelado; ele vacila.
Aisha consegue escapar das mãos do príncipe e se lança sobre ele, a fúria da justiça a consome. Se vê em seu pesadelo novamente, só que desta vez, a espada de Aisha lhe transpassa o coração, e ele sangra.
O príncipe ri com sangue escorrendo pela boca, sua voz é fraca, mas ele insiste em dizer.:
- Acha que não tentaram me matar antes? Eu sou o Corvo Sangrento! Eu matei a minha família, o meu povo para ser quem eu sou hoje! Eu não posso morrer!
Aisha sussurra em seu ouvido enquanto aprofunda a espada no coração do príncipe :
- Ninguém vive para sempre.
Neste momento, um líquido negro escorre no lugar de sangue, Aisha retira a espada, e no momento que o corpo do Corvo atinge o chão, explode tornando-se milhares de penas pretas. O vento sopra. As penas voam. "Espalhadas pelo deserto".
- Pode beijar a noiva!
Aisha e Zayn se beijam e saem de mãos dadas, incrível como quatro anos passaram-se depressa, e enquanto passa pela multidão que viera assistir o casamento da salvadora, as memórias refrescam na sua mente, e ela se lembra de tudo que passou para estar ali.
Enquanto caminha ao lado de Zayn, ouve, mesmo com o barulho da multidão, a voz da mulher que fala para sua filha:
- É assim, filha, eles viveram felizes para sempre. É assim que acaba.
Aisha se aproxima da criança e com brilho nos olhos diz:
-Este, pequena, não é o final. Este é só o começo.
Tira a espada de detrás do vestido e a ergue, o povo aclama seu nome. O brilho da esmeralda verde é forte, e com ele, vem junto uma nova história.
Atualizado em: Qua 12 Set 2018