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O Sujirmundo

Zé de Auzira como de costume, acordou pontualmente às 04:00hs da matina para começar seu ritual diário de afazeres na suinocultura. Tinha por hábito iniciar o dia se masturbando, onde sempre a enteada Soninha, filha de Adamastor da carne seca figurava como protagonista.
     Término o prazeroso momento de felação, Zé das Porcas como era conhecido na pequena cidade de Cramunhão Preso, limpava o fruto do seu ato no lençol, vestia-se com seu macacão jeans surrado, botas de borracha e chapéu de boiadeiro, se dirigia ao chiqueiro dos porcos que havia herdado de seus pais, Seu Camaleão e Dona Auzira, a fim de alimentá-los e supervisionar a criação que era a base do sustento de sua família.
     Homem rico e de influência na pacata cidade, Zé sempre recebia pessoas em seu sítio, muitas delas vinham apenas para ter uma oportunidade de dirigir a palavra ao cidadão mais famoso das terras cramunhenses, outros chegavam sem cerimônias para pedir algo, solicitar favores ou implorar a benevolência do homem que tinha seu senso de justiça respeitado por todos. Palavra de Zé, nem o turco que era Juiz da cidade, Dr. Tadeu Tah Dhando ousava embargar.
     Algo que deixava a orelha de muita gente em pé, era o fato da criação do suinocultor ser composta apenas por fêmeas, não se via nem se tinha notícias de que nenhum barrão houvesse coberto nenhuma de suas rês, sempre que um macho nascia dentre os porcos, era logo vendido, ainda leitão para o açougue de Jaftar. Mesmo assim a criação de Zé de Auzira crescia e crescia cada vez mais.
     Durante o dia, Zé era observado por todos os seus empregados, e o que mais chamava a atenção dos que o rodeavam era sua extrema falta de higiene pessoal. Não haviam registros do último banho tomado pelo cidadão. Usava sempre as mesmas roupas e dispensava qualquer tipo de assepsia também no que dizia respeito à alimentação. Deliciava-se ao engolir qualquer coisa que encontrasse pela frente, independente do seu estado de conservação.
     Pelo menos uma vez por semana, o suinocultor dispensava todos os empregados e os mandava à cidade para diversão, trancava todas as porteiras, desligava a força, alimentada por um gerador à gàs e permanecia só na imensidão de sua propriedade.
     O relógio soava doze badaladas, noite alta de lua cheia no Sítio Pirilampo. No meio do breu completo, de baixo de um pé de algaroba já distante da casa grande, adentrando à mata fechada, ouvia-se uma voz familiar sussurrando orações num mais extremo fervor, era Zé, vestindo uma espécie de robe feito de couro suíno, todo em branco. Amarrado à sua cabeça, dois sabugos de milho debulhados faziam as vezes das orelhas. “Salvas o homem e o animal, ó Jeová.”, repetia Zé das Porcas num frenesi bestial. As frases aos poucos foram dando lugar à sons incompreensíveis, gruídos animais que assustariam até mesmo o mais crente dos fiéis. Zé num espasmo físico olhou para o céu, e naquele momento dentre as nuvens cinzas viu surgir a lua, cheia e brilhante como um diamante que flutuava no firmamento. A reação daquele ser que já não se comportava mais como gente foi imediata, soltou um grito apavorador, como de um porco sendo abatido e se pôs a andar de forma quadrupede, cheirando todo o chão que via à sua frente.
     Como por instinto, rumou em direção ao chiqueiro, passou por baixo da cerca e por um breve momento se deliciou numa poça de lama, esterco, farelo de trigo e cajus podres que se concentrava na entrada do local. Já de banho tomado, desceu os pequenos batentes em direção às baias das porcas mais novas. Como uma fera atraída pelos feromônios que exalavam pelo ar, a besta atravessou a grade e cobriu uma das porcas, inseminando de forma natural a primeira de muitas naquela noite. Com o desgaste físico, o homem mais notório da cidade caiu exausto, e num lampejo de sobriedade raciocinou, nunca havia desejado tanto ser um porco, pois naquela condição selvagem ele viveria feliz para amar suas fêmeas e viver na imundície plena que tanto o atraía.
     Como num passe de mágica, a fera recobrou suas forças, sua vitalidade e seu instinto sexual, cobriu mais três rês, essas já com bacuris a amamentar. Findo o ato, mais por fadiga muscular do que por falta de apetite, ao tentar levantar-se e retornar à sua condição humana, foi impedido por sua própria anatomia, tentava o homem por diversas vezes levantar-se, porém em vão, sua posição quadrúpede estava misteriosamente irreversível. Olhou para sua barriga e não compreendeu donde vinha aquela camada adiposa que preenchia seu corpo e que por força da gravidade, puxava sua coluna para baixo, seus pés haviam se tornados em cascos divididos ao meio e sua pele estava revestida em pelos. Por fim sem conseguir ao menos pronunciar uma única palavra, por coincidência olhou a bandeira do município pendurada acima das prateleira do chiqueiro, e nela percebeu o cramunhão, demônio símbolo do pavilhão de sua cidade sorrir para ele, desmaiou instantaneamente.
     Zé de Auzira sumiu misteriosamente da cidade de Cramunhão Preso, deixando todos os moradores atônitos. Sua família desesperada, mandou todos os empregados do sítio em missões de busca pelas matas circunvizinhas. A polícia se empenhou na procura por qualquer sinal do criador de porcos que era tão amado por todos.
     Passado mais de um mês, sua esposa se deu por vencida e desistiu da possibilidade de encontrar seu marido.
     João de Deus, prefeito da cidade, organizou uma festa em memória à Zé de Auzira, solicitou à sua família que contribuísse e fornecesse víveres para alimentar os que fossem prestigiar tal ato em honra daquele homem valoroso.
     Chico de Madalena, criado por Zé como filho e empregado de confiança da família, foi incumbido de escolher os animais para serem doados à festa que aconteceria logo após à missa no dia seguinte.
     Ao entrar no chiqueiro, Chico notou algo estranho, havia um macho no meio da criação, o animal estava cobrindo uma fêmea. Como sabia das ordens de seu patrão para que não houvessem machos em seu rebanho, Chico não pestanejou, amarrou o bicho e o levou à casa de Jaftar o açougueiro.
     Apesar da condição suína de Zé, seu espírito permanecia lúcido e ele tinha plena consciência do que estava por vir. Jaftar ao olhar o animal disse que pela primeira vez via um porco chorar como humano, ficou olhando por um tempo, e de forma natural cumpriu seu ofício.
     Zé morreu numa terça feira chuvosa, suas partes foram divididas e saboreadas por seus amigos e familiares, seu corpo se tornou picado, sarapatel, buchada, costelinha assada, orelha de porco com brócolis, focinho defumado, bisteca na brasa, pirão de mocotó, pernil à pururuca, lombo ao molho de maracujá, pernil assado com batata, entre outros pratos.
     Zé continuou à viver na memória e no intestino grosso de muita gente, em forma de solitária.
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Atualizado em: Seg 29 Abr 2019

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