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Maldição

- Ohh terrível bruxa, o que farás comigo? Transformar-me-á em sapo?
- Sabe, não gosto de convencionalidades... Pensarei em uma maldição que conjugue-se com o que praticastes...
- Ohh bondosa senhora, se posso apelar por sua misericórdia, deixas-me apenas partir... Te prometo que não mais importunar-te-ei com minhas indagações descabidas...
- Já sei! – exclamou com um sorriso largo – Far-te-ei uma pessoa-cometa...
- Pessoa-cometa? – indagou confuso
- Sim, são aquelas que são ímpares, raras. Levam, porém um singular paradoxo: Fazem-nos esperar séculos para a ventura de sua companhia, mas quando pensamos que as podemos tocá-las, elas se vão do mesmo jeito que vieram...
- Parece-me mais um presente que uma maldição, nobre senhora. Achei bonito, profundo e...
- Doloroso, jovem... – completou serenamente – doloroso. Viverás em extrema pendulação, todas as vezes que achegar-te a  um lugar e conheceres um grupo de pessoas envolvê-las-á em extrema ternura e carinho e elas retribuirão (ou não) todo o bem que as fizerdes, inclusive ora ou outra sentirão que nada do que fizerem será suficiente para  suprir tudo que elas sentem por você...
- Mas, isto nunca foi necessário, o amor só é genuíno quando não se extenua de sê-lo...
- Ainda sim, na perspectiva delas nada será suficiente e ansiarão pela tua companhia, porém quando sentem que estão começando a aproveitá-la, terás de partir, para outro lugar, com outro grupo de pessoas. E com promessas de retorno aos lugares dos corações amarrados na extensa linha de tuas generosidades. Verás então o quão pesado um coração pode tornar-se pela saudade, pela ânsia de rever todos aqueles que ama, sentirás um profundo reconhecimento e agradecimento pelos que te cruzaram o caminho, mas serás consumido alternativamente pela ansiedade em revê-los e todas os teus presentes transformar-se-ão sempre em possíveis futuros repletos de passados devorados pelo desejo de ter um tempo a mais com os que cativaste. Estarás sempre revendo as paisagens de teus pretéritos, mas nunca conseguirás contemplar teus presentes.
- Mas, que tristeza. Com tantos sentimentos assim... Quem conseguiria viver ?! – perguntou revoltado – Por favor, reconheço, vez ou outra minhas perguntas intrusivas, mas é só porque não vejo quem amo há tempos e gosto de saber tudo que aconteceu durante o tempo que vivi fora... – proferia assustado quando recordou – Espera, mas toda maldição tem algo que pode ser feito para quebrá-la... Os contos de fadas nos ensinam bem isso... O que posso fazer para deixar então de ser pessoa-cometa?
- Infelizmente, essa não... Não acredite em todos os contos e nem em todas as fadas...
- Mas, não fiz nada de ruim para merecer isso... Que vida triste
- A verdade, meu bom jovem, é que não existe como fugir dessa maldição, porque não se pode fugir de quem tu és. Minha maldição a ti não é ser pessoa-cometa, mas perceber-te como...
- Co-co-como assim? – questionou intrigado – O que descreveste é uma vida triste se fosse essa pessoa, sentiria uma enorme tristeza (embora a sinta algumas vezes).
- Eis a verdade... Aprendeste a resignar-te diante das tristezas e inseguranças que a vida te proporciona, mas embora não desejes continuas deixando sobre nossos corações, de todos aqueles que te encontraram, te viram ou tiveram algum contato o rastro luminoso de suas breves passagens... Dentro das sucintas perspectivas que a vida nos apresenta, obrigado por ter sido uma luz no caminho dessa velha. Em um certo aspecto, sempre acreditei que a verdadeira magia se escondia nas relações e não necessariamente nos objetos. Neste sentido, obrigado por ter feito mágica.

Em um instante acometido por extensa luz, a senhora sorriu e dispersou-se em trapos e retalhos que desapareceram vagarosamente. E a antiga sala de madeira apresentava só aquele jovem pensativo.
- Nossa... – um silêncio rouco pairou – Preferiria ter sido sapo...
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Atualizado em: Qui 9 Fev 2023

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