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De excitar defunto
Ela abre a porta e cruza-a com admirável perplexidade. Suas pernas lisas transbordam de um pequeno esboço de short, pálidas de excitar defunto, aquelas pernas, perfeitamente estruturadas que eu empalharia para acomodar ao centro sagrado da sala. Seu rosto pequeno, formato de morango, aquele rosto que Cinderela nenhuma ousou conter. Sinto o desejo de agir com supremacia, esse desejo quase eloquente que sinto só de olhar para aquele rosto, e quero tocá-lo com as duas mãos inteiras. As sardas sobre o nariz e as maçãs, eu contaria cada uma delas todas as manhãs, aquelas sardas mágicas, o mais malicioso dos enfeites da natureza.
As malas estão prontas e ajeitadas no banco de trás, o carro está ligado, é início da madrugada e eu a chamo para partirmos. Clima agradável, oportuno demais. A chamo para a vida ideal, aquela que sempre quis. “Nem pensar, não posso ir” ela responde, mas eu insisto, sublinho os benefícios e não há porque negar novamente. E nega.
Até a maior das minhas ações, a mais alta honra que entrego de bandeja, lhe soa rebarbativa. Rastejo como lagarto atrás da borboleta e não aceitarei deixá-la voar. Seguro seu braço com afinco, sou pérfido, injusto, joga sujo esse lagarto. Ela priva seus olhos enviesados de minha carcaça venenosa. Escapa-me aquele braço e ela parte com ele, parte com as pernas lisas e o rosto de morango. Mala racha!
Silêncio na rua, uma ladeira suave de paralelepípedos. A luz turquesa trêmula na janela e a solidão me fazem companhia. Encarquilho-me ao volante e puxo a porta, parto sem sardas para contar e uma vida morta.
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PARABÉNS.