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MEU NOVO MUNDO

Passaram-se seis dias depois do nosso casamento, eu estava arrumando as coisas pessoais e presentes para uma provável nova casa. Não havíamos planejado ainda o lugar da nova moradia. Meu marido estava terminando a colheita da atual plantação e vivia ocupado demais para o planejamento. Ele entrou no quarto anunciando:
            — Celina, vamos morar nas terras da minha avó. O vizinho, Zé Severino, me deu vinte alqueires de ameia.
            — Mas tão longe! — Respondi. Nessa distância eu dificilmente veria minha família toda semana.
            — Vai ser bom para nós, lá tem lagoa e rego d’água.
            A resposta pareceu-me definitiva. Ele havia se convencido de que eu não iria confrontá-lo ou reclamar, como realmente aconteceu, e o novo lugar poderia ser benéfico e produtivo.
            A mudança foi numa sexta-feira. Colocamos as poucas coisas que tínhamos em uma Rural e nos despedimos dos amigos e parentes.
Egídio havia atrasado a partida. Não que ele fosse desidioso, mas fazia as coisas do seu jeito e queria a pessoa certa no volante para essa viagem, havia chovido e ele tinha medo de acidentes ou contratempos.
            Chegamos à tardinha. Era uma pequena casa na beira de uma estrada secundária com um galinheiro não muito distante e um grande pé de umbu que sombreava boa parte da casa. A avó, até então sozinha, apontava para uma segunda casinha a trinta metros dali.
            — A casa é aquela ali. — Ela comentou sem apresentar nenhuma mudança de comportamento.
            A noite caía, não deu tempo para arrumações, estendemos um colchão no chão batido e fomos comer alguma coisa e nos preparar para dormir.
            No outro dia bem cedo, Egídio passando o café avisou-me:
            — Celina, faça o almoço às dez horas, e leve pra mim na roça. Segue o caminho do chiqueiro direto até encontrar um pé de jatobá, pega a trilha da direita e vai até a roça, é um brocado novo com uma pilha de tocos. Não passa pela mata e nem pelo rego d’água, cuidado que a onça bebe água naquele rego.
            Era só o que me faltava, além da aparente solidão ainda tinha que enfrentar animais selvagens. Eu amava meu marido. Durante o namoro, ele havia se mostrado atencioso e, às vezes, até romântico. Ele era o filho mais novo, com a mãe já falecida, e tratava a avó como se fosse sua mãe. Embora a boa velhinha não fosse de puxar conversa, e às vezes ignorasse as minhas perguntas, eu procurava conviver pacificamente naquele novo ambiente.
            Meu amor, tendo já feito o desjejum e de saída para o trabalho, completou:
            — Chama o Valente (o cachorro), ele conhece o caminho, e pode te proteger de alguma cobra ou jaguatirica.
            Passei o restante da manhã em alvoroço, eu não conhecia tanto de cozinha e tinha receio de desagradar o meu esposo de alguma forma. Entretanto, o momento chegou, faltando uma hora para o prazo marcado eu me pus a caminho. Chamei o cachorro, que me olhou com um ar desconfiado, mas acabou me seguindo, e comecei a caminhada.
            Muitos passos depois, avistei o pé de jatobá e aproveitei a sua sombra para um descanso moderado. Tendo continuado a caminhada, eu esperava encontrar uma terra tombada e uma pilha de tocos quando deparei com o famoso rego d’água, aquele em que a onça beberia água. O cão me seguia. Parece que ele confiava mais em mim do que no seu conhecimento do lugar. Tive medo de ter me perdido, mesmo assim continuei a caminhada. Algum tempo depois, ouvi som que parecia de machados ou foices e segui por aquele trecho até encontrar a pilha de tocos. A roça era nova, com algumas covas de mandioca e uma boa plantação de milho. Eu havia chegado. Logo me aproximei do meu esposo, que trabalhava enquanto conversava com outros dois rapazes que me eram estranhos.
            — Bem na hora. — Ele exclamou.
            — Oi, meu bem.  O almoço está aqui. — Respondi.
            — Foi tudo bem no trajeto? — Perguntou ele.
            — Tudo bem. — Respondi, omitindo a minha passagem pelo rego d’água. Achei melhor não preocupar ninguém, e, além disso, o cão não diria nada mesmo.
            Nossa vida continuou por muitos anos naquele lugar, eu já me acostumara com a rotina de trabalhos de casa e passei também a ir com ele para a roça em alguns dias. Vez ou outra eu ouvia comentários de algum compadre ou familiar que aparecia lá em casa sobre a onça e seus ataques. Mas na verdade, nunca cheguei a vê-la.
Algum tempo depois, a avó de Egídio já se abria mais comigo e juntas socávamos milho no velho e grande pilão de madeira, que ficava no terreiro enquanto conversávamos sobre diversos assuntos, e a vida continuava como de costume. Alguns meses depois, num belo dia de sábado, Egídio estava no alpendre consertando algumas ferramentas quando eu cheguei por trás dele e o abracei.
            — Somos felizes. — Eu disse. — Temos uma vida simples, mas eu já gosto deste lugar e quero estar sempre ao seu lado, e tem uma coisinha que eu quero te contar.
            — Então fale, meu amor, não me diga que encontrou a onça por aí.
            — Não encontrei, mas é muito melhor que isso, o nosso primeiro filho está para chegar. Continuamos nos abraçando e eu resmunguei baixinho:
            — Me sinto confiante neste meu novo mundo. — Que na verdade, era o nosso novo mundo.
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Atualizado em: Sex 6 Set 2024

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