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Capítulo VI
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Uma semana se passou, e nenhum sinal de algum demônio em Manchester. Por enquanto, Lúcifer não mandara mais ninguém atrás de Diablo — ela acreditava que ele estava pensando em alguém poderoso, para que pudesse acabar com ela na primeira oportunidade. Lúcifer não aceitava derrotas; de maneira alguma. Diablo conseguia imaginar o quão contrariado e furioso ele deve ter ficado quando Roudin voltou com a resposta final dela ao caso de voltar para casa — ou, melhor, para o Inferno.
Diablo saiu do quarto do hotel, fechando a porta delicadamente atrás de si. Suas armas já estavam no quarto — agora ela carregava uma de porte médio, presa na cintura pela calça, carregada de água benta e outros itens que iam à bala a que Eloistier e outros homens fabricavam para destruir demônios.
Durante esse meio tempo, ela também recorrera a sua “fonte de energia” pelo menos duas vezes. Harlan tentava lhe fazer perguntas, mas ela sempre o calava no momento. O problema é que seu poder de persuasão nesses momentos está tão baixo que ela não consegue fazer com que ele pare de perguntar sobre ela. Sempre depois que eles fazem, ele começa a questionar sobre sua vida. O que ela faz. Do que ela gosta. Qual o motivo da tatuagem de asas negras nas costas. Se ela gostava de alguma banda em especial... E o principal: qual era seu nome.
Diablo se recusava a responder todas essas perguntas. Ela queria, mas ao mesmo tempo, não queria ser encontrava por Harlan. Era algo que ela não conseguia explicar; como se gostasse e ao mesmo tempo não gostasse dele. Ela o queria por perto; queria poder fazer sexo — ou, melhor, fazer amor — com ele sempre que podia. Mas não queria encontrá-lo em vida real.
Talvez seja medo. Ou falta de coragem. Ou talvez ela não quisesse colocar a vida do humano em risco. Não sabia ao certo.
Respirou fundo. Tinha de parar de pensar naquilo. Tinha de se concentrar em encontrar o demônio.
Ela passou por uma banca. Ela podia ver o jornal de Manchester quase que brilhar próximo à porta, meio que berrando a manchete: Outra adolescente é raptada. A décima nona adolescente pega por aquele demônio — e Diablo deixara passar! Não conseguia acreditar naquilo. Sempre obtivera sucesso em tudo o que fazia, ainda mais quando se tratava de demônios... Mas esse. Esse não era um demônio; era um Fantasma. Porque ela não sabia nada sobre ele. Não sabia seu nome, suas características... Nada. Era um branco, um vazio. Quando pensava nele, não chegava à conclusão alguma.
Ela parou, encarando o jornal. A foto mostrava uma garota sorridente, com sardas na região do nariz e das bochechas. Tinham longos cabelos ruivos e encaracolados, um sorriso cativante e olhos azuis como o céu. Ela entrou na banca e pegou um jornal. Jogou uma nota de cinco libras sobre a bancada onde um homem gorducho e calvo se encontrava, folheando uma revista pornô. Sem esperar o troco, Diablo saiu.
Folheou até a página oito, onde se encontrava a matéria da garota desaparecida. Não era grande. Ela começou a ler.
Carlee Davy (16) sumiu nesta última terça-feira. Disse que iria até a casa de uma amiga que morava a duas ruas de sua casa, Ellie Bandowy. A mãe de Carlee, Margareth Davy, diz que a garota saiu de casa perto das quatro da tarde, logo depois de voltar da escola e não voltou. “Liguei desesperadamente para o celular dela, mas ela não atendia. Fiquei preocupada”, diz a mãe, “Liguei para a casa de Ellie, a amiga dela, mas ela disse que Carlee não estava lá. Então tratei de procurar por ela. Quando não encontrei, fui à delegacia falar sobre o sumiço dela”, relata. Porém, os policiais não “levaram a sério” pois não faziam doze horas desde que a garota havia sumido. No dia seguinte, a mãe, preocupada, voltou para a delegacia e iniciaram-se as buscas. Não há nenhum resultado, mas os policiais têm quase que absoluta certeza que é o Monstro de Manchester agindo novamente. Só Deus sabe como Carlee Davy se encontra nesse momento.
Diablo respirou fundo ao terminar de ler a matéria. Ao lado do texto, ela viu a foto da garota. Ela sorria abertamente, com a mão na cintura e as pernas juntas. Ela usava um vestido vermelho, que destacava ainda mais seus cabelos. A garota tinha pernas longas. Diablo achou que ela devia ter mais ou menos um metro e setenta de altura.
Amassou o jornal e o jogou na lixeira mais próxima. Podia sentir a raiva e a sensação de incompetência tomar conta de si; o seu sangue negro fervia em seu corpo. Seus órgãos se reviraram, batendo uns nos outros e seu cérebro estava a mil. Por Deus, como ela sentia raiva naquele momento! Não sentia apenas raiva, mas também se sentia fraca, incompetente! Sentia-se uma nada. Uma tarefa tão fácil — apenas procurar pelo demônio e destruí-lo — e ela não conseguia realizá-la.
Ela andou com mais velocidade, e com mais força — jurava poder escutar a calçada sob seus pés racharem aos poucos enquanto andava. Não passava das nove da manhã de sexta-feira e as ruas de Manchester estavam estranhamente calmas.
Diablo não via para onde andava; estava tão cega de raiva que seus pés apenas a conduziam para um local desconhecido. Mas quando ela respirou fundo e concentrou-se, tentando amenizar a raiva que sentia de si mesma, ela percebeu onde estava.
Encontrava-se na Lime Bank Street. A mesma rua onde Josey, a filha de Eloistier, havia sido encontrada.
Aquela rua costumava ser calma — muito calma, para falar a verdade. Havia vários arbustos de um lado da rua, e as pessoas costumavam passar por lá quando estavam em suas caminhadas matinais, ou coisa parecida. Porém, Diablo percebera uma coisa:
Arbustos não se mexiam sozinhos.
Ela andou, silenciosamente até o local onde vira um arbusto sacudindo. Não havia vento naquele momento. Então algo estava se mexendo lá. Ela se aproximou... E mais. E mais. Quando viu, já estava quase que em cima do arbusto.
E então ela viu o braço.
O braço branco, com sardas, com hematomas e ensangüentado.
Ela levou a mão até a boca. Ligaria para a polícia? Não. Ela deu uma leve fungada. O cheiro de enxofre invadiu suas narinas. O rastro era fresco. Era naquele momento. Ela iria pegá-lo. Iria destruí-lo.
Puxou o arbusto mais para o lado e viu que realmente se tratava de Carlee. A garota estava roxa e o meio de suas pernas ensangüentados. Outra adolescente virgem. Outra adolescente estuprada e espancada. Diablo engoliu a seco. Passou por cima de seu corpo, cuidando para não pisar dele e foi de encontro ao campo que havia atrás do arbusto e das árvores que enfeitavam aquela rua.
Ela viu alguém atravessando a rua, com os passos apressados. Pela primeira vez desde que viera para a Terra, ela usou sua velocidade desumana para seguir aquela pessoa. Ao se aproximar, o homem virou o rosto para trás e deu um sorriso malicioso. Em seguida, saíra correndo, desaparecendo da visão de Diablo num piscar de olhos.
Ela fungou. Ele havia deixado o rastro; o cheiro de enxofre estava forte, pelo menos para Diablo. Ela o seguiu, correndo naquela velocidade desumana e não se importando com os humanos presentes — eles pareciam tão absortos em seus problemas pessoais que mal poderiam perceber o vulto que passava por eles.
Até que em um momento, ela o alcançou. Ao chegar perto dele, desferiu um soco bem dado em suas costas. Ele tropeçou e saiu rolando no chão. Ambos haviam parado num beco sem saída, próximo a uma rua qualquer de Manchester. Ele bateu contra a parede e se levantou, passando a mão nas costas.
Diablo parou, cercando. Ela ofegava. Estava feito. Ela logo iria matá-lo; era o fim dele. Ela iria vingar a morte de todas aquelas adolescentes. Iria vingar a morte de Josey.
Mas ela olhou para ele, pela primeira vez. E ela se perdeu.
Ela mergulhou na imensidão azul de seus olhos e se deliciou no chocolate dos seus cabelos. Por um momento, ela quis se encontrar presa em seus braços cobertos pelas mais estranhas e brutas tatuagens e queria encontrar-se no conforto de seu peito. Queria poder colar seus lábios aos dele e poder sentir sua essência.
Ela se perguntou quando foi à última vez que se sentiu assim. E descobriu que não houve última vez.
Porque simplesmente não aconteceu. Nunca. Em nenhum momento.
Mas ela tinha que resistir — devia resistir. Resistir à sua beleza deslumbrante. Talvez, só talvez, ela estivesse daquela maneira — completamente atraída — apenas pelo fato de ele ser o fruto proibido; algo perigoso. Porque no fundo ela sabia que, desde o primeiro momento, mesmo antes de vê-lo, ela sabia que ele era proibido. E apenas pelo fato de ele ser isso tudo — proibido e perigoso —, ela já estava completamente excitada — de todas as maneiras possíveis.
E, no momento que ele deu um sorriso torto e seus olhos azuis fixaram-se nos castanhos dela, ela teve absoluta certeza que era impossível resistir ao irresistível.