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Capítulo V

Roudin

 

Diablo saiu do hotel, sentindo a brisa gelada daquela noite bater em seu rosto. Aquela era uma hora ótima para poder encontrar o demônio; pelo o que imaginava, ele costumava atacar a noite. E durante a noite, as ruas de Manchester não ficavam tão cheias — ou assim ela pensava. 
Decidiu ir a pé — por mais que não economizasse tempo, ajudava a captar o cheiro de enxofre que os demônios deixavam; e ela podia sentir a aura sombria deles também, já que era igualmente um demônio.
Enfim. Primeiro, teria de procurar em lugares onde várias adolescentes de dezesseis anos e bonitas freqüentassem. Na sua cabeça, a palavra boate logo berrou em sua mente. É claro. Mas era tão clichê. Em sua maioria, as vítimas iam acompanhadas de suas amigas e ficavam por lá, e quando encontravam um cara bonito, logo comentavam. Caso a garota sumisse, provavelmente as amigas iam estranhar — e colocar a culpa no rapaz. Mas elas deveriam estar tão bêbadas que não se ligaram direito...
Diablo fechou os olhos e respirou fundo, se concentrando. Tinha de analisar bem os fatos. O demônio estava à procura de adolescentes bonitas. Ok. Que vivessem em Manchester. Ok. E virgens. Ok.
No final das contas, ela teria de pesquisar mais sobre as outras vítimas; as outras dezessete antes de Josey. Eram todas louras? Todas tinham uma semelhança de altura, peso, característica? Será que ele se sentia atraído por olhos verdes? Ou um corpo magro e pequeno? Ou por cabelos lisos? Ou eram vítimas simplesmente aleatórias, bonitas e virgens? Não. Alguma semelhança tinha de ter!
Diablo encontrava certa dificuldade em pensar da mesma maneira como os seriais killers — porque era isso o que aquele demônio, de fato, era. 
Porém, de algo, Diablo tinha certeza: Lúcifer estava envolvido. Caso contrário, o demônio não teria mencionado naquela mensagem o nome de Lúcifer. E nem todos os demônios eram amigos de Lúcifer; na realidade, grande parte deles se odiava. Alguns respeitavam apenas os comandantes de suas legiões, e os outros, destruíam, na maioria das vezes — o que relaxava um pouco o trabalho de Diablo em caçar os demônios que migravam para a Terra por pura diversão, atrás de mulheres e mortes.
Um dos demônios que fugia à regra era Ayperos; comandante de mais de trezentas legiões infernais, ele era respeitado por vários demônios. Lúcifer, por mais que seja muito bem conhecido por várias religiões e pelo mundo inteiro, tinha o quê? Dois filhos que não eram seus, uma única filha legítima e ainda por cima rebelde que destrói outros demônios e uma esposa devoradora de bebês e crianças e — ah, sim! E uma coroa como Príncipe do Inferno. Fora isso, ele não tinha mais nada; nem todos o respeitavam.
Diablo andou por mais umas ruas, afastando aqueles pensamentos. Precisava se concentrar naquele seu trabalho. Por mais que fosse complicado, por mais que fosse demorar, ela precisava encontrar aquele demônio. Ele havia matado a filha de Eloistier — e várias outras adolescentes. Ela precisava vingar a morte delas, precisava fazer justiça. Aquele caso era algo que ela nunca tinha visto em sua existência — para não dizer vida —, era algo completamente incomum de se ver, ainda mais quando se nasce no Inferno.
Ela parou ao ouvir o som da música bate-estaca vinda da esquina. Havia uma fila de entrada. Um segurança alto, carrancudo e corpulento, com a cara fechada. Pela fachada do local, imaginou que fosse uma daquelas boates onde só os filhos de magnatas freqüentavam. Ela olhou para a fila; em sua maioria, garotas usando roupas de grife, bem vestidas. Havia poucos garotos, mas todos trajavam uma camiseta pólo e um jeans, enquanto as garotas trajavam vestidos curtíssimos com brilho, ou de seda, que custavam no mínimo umas quinhentas libras e elas usariam apenas uma vez na vida.
Diablo esboçou um sorriso torto. Começaria a procurar por lá. Precisava ir em qualquer boate que tivesse acumulo de adolescentes. Eloistier não havia comentando se Josey era rica ou pobre, mas, olhando para seu rosto na foto do jornal e olhando para aquela boate, podia-se deduzir que as duas tinham tudo a ver, praticamente.
Ela seguiu rapidamente até o segurança, que guardava a porta. Ele segurava a corrente da entrada do local, e deixava os adolescentes passarem quando entregavam suas entradas. Parou em frente a ele e esboçou um sorriso simpático.
— Boa noite. — ela disse. O segurança olhou para ela, sem expressão. — Eu gostaria de entrar.
Ele olhou para suas roupas e depois para ela. Estreitou seus olhos. Provavelmente estava acostumado com garotas bonitas tentando seduzi-lo para entrar na boate.
— Você tem a entrada?
— Não.
Ele estreitou os olhos novamente.
— Então vá para o caixa e compre. — ele gesticulou com a cabeça, onde havia uma mulher numa cabine, vendendo as entradas para a boate. Que coisa de pobre, o pensamento ocorreu na cabeça de Diablo. — E vá para o final da fila.
Ela deu um sorriso.
— Mas eu quero entrar agora.

Naquele momento, o segurança olhou para ela. Em seus olhos, mais especificamente. E aquele momento foi a perdição pra ele; ela pode ver que sua expressão se suavizou ao olhar em seus olhos. Podia sentir que ele mergulhava mais e mais na imensidão castanha de seus olhos. Ela reprimiu um sorriso.
Você vai me deixar entrar agora, ela pensou. 
Outra vantagem em ser um demônio é que eles têm poderes psíquicos; não podem ler sua mente, mas podem entrar nela e te forçar a fazer algo que você não queira. Podem controlá-la. Como se você fosse apenas um fantoche.
O segurança assentiu com a cabeça e puxou a corrente para ela entrar. Ela deu um último sorriso e entrou, ouvindo protestos de várias pessoas logo atrás dela.
— Divirta-se, my lady.
— Obrigado. — ela disse. 
Atravessou o hall de entrada e logo chegou à pista principal — que estava lotada. Luzes avermelhadas, rosadas, azuis, amarelas e verdes dominavam o local, misturando-se e formando várias outras cores. A música era extremamente alta, e Diablo se perguntou como os humanos conseguiam vir aqui sem estarem com os ouvidos estourados até o final da noite. Ela conseguia agüentar, é claro. Mas e os humanos, que eram tão sensíveis?
Não importa, ela pensou. Espremeu-se entre os adolescentes, que contorciam seus corpos das maneiras mais inacreditáveis possíveis. Deu uma leve fungada ao chegar ao meio da pista, procurando por algum sinal de enxofre. Nenhum. Também ficara complicado devido à quantidade de Hugo Boss, Calvin Klein, Chanel, 212 e Carolina Herrera misturados naquele recinto.
Respirou fundo e deu meia volta. Esbarrou em alguém que reclamou alto, a chamando de vários nomes nada sutis ou delicados. Ela revirou os olhos. Andou um pouco mais, agora subindo as escadas até o camarote. Um DJ agitava num palco, colocando as músicas mais altas ainda. Usou seus poderes para persuadir o segurança, que logo liberou a entrada dela para o camarote. Ela entrou, andando no local, dando leves fungadas, procurando por algum resquício de enxofre. Nada.
— Talvez esse não seja o lugar certo a procurar — ela disse a si mesma. —, acho que me precipitei.
Ela virou-se para ir embora e quase sentiu o coração saltar da boca pelo susto. Ela arfou ao olhar dentro daqueles olhos verdes opacos do irmão mais novo.
— Roudin! — ela exclamou.
Roudin era o completo contrário de Sehedin; tinha cabelos dourados e olhos verdes. Uma pele branca saudável, e um ar mais infantil em relação a seu rosto. Tinha um belo corpo — aquele corpo que todo modelo de propaganda de cuecas se mataria para ter, ou que aqueles ratos de academia tanto lutam para ter. Porém, seu gênio era de uma criança de dez anos. Implicante, irritante, birrento.
— Oi Lilim. — ele deu um sorriso gentil.
Ela revirou os olhos.
— É Diablo.
— Então Lilim, vim aqui para te levar para casa. — ele disse, ignorando totalmente o que a súcubo disse anteriormente. — Papai e mamãe não estão satisfeitos com sua recusa quando Sehedin veio até você. Eles querem você em casa; é sério.
— Pouco me importa. — ela disse. Tentou passar por ele, mas ele trancou sua passagem. Colocava-se na frente dela o tempo inteiro. — Dá para me dar licença? Eu preciso ir atrás de um demônio. Estou a trabalho.
Ele olhou para os lados e depois para ela, com um sorriso debochado.
— A trabalho? Numa boate? — ele assobiou. — Ok, Lilim, pare de brincar. Vamos?
— Não. Eu me recuso. — ela disse, começando a ficar nervosa.
— Vamos lá... O que você está fazendo aqui? Nada. — ele deu de ombros. — Você vai ter que parar com isso uma hora ou outra. Não pode impedir todos os demônios de migrarem para a Terra.
— Não posso impedir todos — ela concordou. —, mas alguns, eu posso. 
Roudin revirou os olhos verdes.
— Aliás, quero te fazer uma pergunta. — Diablo disse.
— Pergunte.
— Você soube de algum demônio de Malphas que saiu do Inferno e veio para cá? — ela perguntou.
Os olhos de Roudin fixaram-se nos dela por alguns segundos — dois segundos, no máximo. Em seguida, ele jogou a cabeça para trás e deu uma alta gargalhada, chamando a atenção dos adolescentes que se encontravam ao redor. Eles não se importaram e voltaram para suas danças esquisitas. Roudin voltou ao seu estado normal e olhou para a irmã, com um sorriso debochado.
— Eu não sei. — ele respondeu.
Diablo estreitou os olhos para ele.
— Você está mentindo.
— Não, não estou. — ele disse. Diablo pode ver seus olhos verdes arderem de sinceridade. — Além do mais, se eu soubesse você realmente acha que eu te contaria? — seu sorriso debochado aumentou.
Diablo revirou os olhos.
— É. Como pude pensar algo assim? — ela se perguntou. — Enfim, estou indo. Pode me dar licença? Tenho mais coisas a fazer. 
Ela tentou passar por ele, mas ele segurou com força seu pulso.
— Diablo... Não vá. Por favor. — ele disse com a voz rouca perto dela. Seus olhos estampavam dor. Ela levantou as duas sobrancelhas ao ver que o irmão finalmente lhe ouvira ao caso do nome. — Se eu não te levar de volta hoje... Eu...
— Roudin. — ela franziu o cenho e olhou para o irmão mais novo. Ele era o mais novo de todos; o caçula. Além de ser o mais idiota, era também o mais adorável. 
— Diablo, eu não quero que você se machuque. Você é a minha irmãzona. — ele disse calmamente, respirando fundo. — Lúcifer disse que se eu voltar sem você... 
— Ele me mata. — ela disse calmamente. — É isso?
Ele assentiu com a cabeça.
Ela deu um meio sorriso e levou sua mão até o rosto do irmão caçula. Acariciou com doçura. Ah, como ela o adorava... Ela adorava a todos, aliás. Menos seus pais. Ela adorava Sehedin e Roudin... Não, ela não os adorava. Ela os amava.
Abriu um sorriso gentil.
— Não se preocupe. — ela disse com a voz suave como veludo. — Eu vou ficar bem. Pode ir para casa em paz, Roudin. Nada que Lúcifer fizer vai me afetar; além do mais, eu sei me proteger muito bem. — ela olhou nos olhos do irmão. — Acredite. Pode falar para ele mandar o mais furioso Baphomet, ou até o mais poderoso Deus do Inferno. Eu estarei pronta para enfrentá-lo.
Diablo viu os olhos do irmão caçula brilharem por um segundo. Logo sentiu os braços dele envolverem seu corpo num abraço confortável. Ela retribuiu o abraço. Roudin era tão... Fraco. Fazia-se de forte, de pedra na frente dos outros. Mas por dentro era uma manteiga derretida — até Diablo se achava mais macho do que ele, em alguns quesitos.
— Eu vou indo, então — ele murmurou. Por sorte, Diablo tinha a audição aguçada, caso contrário, não iria escutar o que o irmão caçula dissera. — Cuide-se, Diablo. 
Ela assentiu com a cabeça.
— Cuide-se você também. — disse.
— Eu vou me cuidar — ele falou. —, estou é preocupado com você. Lúcifer disse que não vai ter volta caso você não volte agora comigo. — ele hesitou. — Tem certeza disso, Diablo? Ele não vai medir esforços para te matar.

Ela assentiu com a cabeça.
— Tenho plena certeza. É isso o que quero. — disse. — Me desculpe.
Ele assentiu com a cabeça. Esboçou um sorriso meio infantil e depois, desapareceu na sua frente, com um piscar de olhos. Ela suspirou.
As coisas ficariam complicadas à partir daquele momento.

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Atualizado em: Seg 7 Fev 2011

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