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Livrai-nos do mal
Pai nosso, que estás nos céus
Santificado seja o teu nome. Venha o teu reino;
Seja feita a tua vontade,
Assim na terra como no céu
Dá-nos hoje nosso pão de cada dia
Perdoai-nos as nossas ofensas
Assim como nós perdoamos
A quem nos tem ofendido
E não nos deixeis cair em tentação
Mas livrai-nos do mal
Amém"
"Mateus 6:9-13"
Capítulo 1
Investigação (1990)
1
O tempo se fecha no céu, as gotas se formam nas nuvens enquanto as lagrimas escorem dos rostos familiares em volta de Maria Carolina Ruschel. Seus pais, Sophia Ruschel e José Ruschel, estão sendo sepultados no cemitério atrás da igreja. Maria com apenas 8 anos assassinou eles, um ato que no futuro ela entenderia como vingança. Isso era apenas o começo dos assassinatos da pequena criança.
Todos estavam de preto, alguns seguravam guarda-chuvas, outros lenços, o padre lia uma passagem da bíblia, trovões assustavam os presentes, o vento assoviava entre as folhas, Maria estava congelada de medo, não pelos corpos de José e Sophia, e sim pelo homem de terno preto que sorria logo atrás do padre, era um sorriso de satisfação, de trabalho bem feito. De repente a voz do padre fica cada vez mais distante, o som do vento e do choramingo de seus parentes começa a sumir. Quando o lugar todo fica em completo silencio, o homem começa a gargalhar euforicamente, Maria começa a tremer, suas pernas estão quentes, um liquido estranho esta escorrendo entre elas, ela cai no chão de joelhos, todas as pessoas ao seu redor sumiram, ela está sozinha junto ao homem desconhecido, Maria coloca a mão entre as pernas e sente o liquido grosso e viscoso. Sua vagina está sangrando. Ela começa a chorar, mas não demora muito e para, uma boa sensação toma seu corpo, o homem gargalha em dobro agora. Todo seu corpo começa a formigar, seus olhos ficam brancos, ela geme cada vez mais alto. Neste momento o homem mistura sua gargalhada com gritos.
-ISSO! ISSO! MINHA GAROTA, NÃO RESISTA AO PECADO
Ela tremeu e gemeu por mais alguns instantes e depois desmaiou. O homem estalou seus dedos e Maria acordou, ainda desnorteada limpou a saliva em sua boa, lambeu os lábios e olhou para o homem com cara de dúvida.
-O que aconteceu? Cadê todas aquelas pessoas? Quem é você? –Disse ela rapidamente, se levantou assustada e cruzou os braços sentindo frio.
-Calma minha menina. Quem sou? Bom depende a pessoa, mas para você, saiba que sou seu verdadeiro pai. E aquilo que você sentiu e um presente que dei a todas as pessoas do mundo, e você, Maria, teve a sorte de receber muito cedo. Bom, eu chamo isso que sentiu minha querida de felicidade, já meu pai chama de pecado, e os seres humanos deram um nome diferente, não gosto muito, espero que tenha gostado do meu presente-Ele dizia tudo isso se aproximando dela e gesticulando com as mãos.
Maria agora se sentia bem, de uma maneira que nunca se sentira antes, o homem falava a verdade? Ele realmente era quem dizia ser? Ela não sabia, mas confiava nele. De repente ela sentiu vontade de querer mais, mais calor, mais formigamento, mais sangue, mais felicidade. Ele finalmente chegou ao lado dela, se agachou, colocou a mão em seu ombro-Era um homem muito bem arrumado, tinha um cheiro bom misturado com enxofre (ela amou o cheiro de enxofre) ele tinha uma rosa vermelha no bolso do terno, o cabelo era muito bem penteado, usava um bigode que se enrolava nas pontas, e um sorriso extremamente branco, os olhos eram seu destaque, as vezes vermelhos, as vezes violetas, as vezes roxos, a cor ia mudando sem serem notados.
-Gostou? -Diz ele.
-Sim...
-Quer mais, não quer?
-Sim...
-Bom, é muito simples, é só me obedecer, você vai?
-Sim...
-Ótimo!
O homem então beijou sua testa. Acordou deitada no chão, chuva caia forte agora, todos seus parentes e o padre estavam ao seu redor. O padre quebrou o silencio.
-Menina! Você está bem?!-gritou ele ainda assustado.
-Nunca estive melhor-disse ela sorrindo.
2
O padre, Joseph Levitt, carrega Maria em seus braços para dentro da igreja, ele tenta se apressar, mas já não é o jovem Bépe faz muitos anos. À chuva deixou o gramado escorregadio, se ele caísse poderia quebrar algum osso e ali ficar por um bom tempo pois os familiares de Maria não estavam por perto para ajudá-lo. Parece impossível levar a garota para dentro. Sua respiração fraca, sua velhice, não faria ele desistir-Bépe nunca foi de desistir das pessoas que podia ajudar. Um passo de cada vez, ele pensava respirando profundamente, chegando bem perto da porta, Joseph, teve o desagradável sentimento de ser observado, ele parou por um instante, seu coração dobrou os batimentos que já estavam acelerados. Por um pequeno instante o pobre padre (misturado aos sons de vento e trovões) ouviu uma gargalhada não muito nítida que parecia vir ao fundo da floresta, ou talvez foi sua imaginação de uma mente que estava em decadência junto com o restante do corpo. Finalmente ignorou todo o resto e entrou na igreja com a menina que estava tremendo de frio. Com dores nas costas, levou Maria para os primeiros bancos que ficavam perto do altar.
Joseph procurou roupas secas nos pequenos armários-onde somente padres, freiras tinham acesso-encontrou um pequeno vestido branco para a menina e uma batina seca para ele. De volta ao altar Bépe trouce um cálice de vinho-agora de roupas secas- e um pão para alimentar a criança. Maria agora acordada sorria para ele ao ver a comida e o vestido. Porém o padre não gostou muito de ver aquele sorriso no rosto de Maria, era desagradável, não era um sorriso inocente e alegre de qualquer criança de sua idade, tinha malicia, uma malicia tão horrível e perturbadora que assustou o pobre senhor de uma maneira que ele teve vontade de jogar tudo no chão e puxar sua bíblia de bolso, mas não o fez, pois era somente uma pequena menina de cabelos longos e loiros com olhos azuis, na verdade até parecia um anjinho. Com toda a calma, Bépe, chamou Maria e mandou ela se vestir em algum dos quartos da igreja e depois voltar para comer o pão e beber um pouco de vinho-ele achou que tudo bem ela beber um pouco para esquentar o corpo, Na Europa e completamente normal crianças desta idade beber alguns goles de vinho, refletiu. A direita do altar existia um pequeno escritório, com bíblias, outros livros católicos, e até mesmo um telefone, em cima da mesa de Joseph. Ele se deslocou até sua mesa, sentou, e começou a pensar no que fazer com a garota. Alguns minutos se passaram e ele teve a ideia de ligar para a delegacia-ele tinha um amigo que era policial e poderia levar Maria em segurança para o orfanato e também escola de freiras da cidade- lá ela vai ter educação, comida e uma nova família, lembrou-se de sua infância. Sim, Madre Bárbara, será perfeito para ela. Com esse último pensamento em ordem, percebeu a escuridão de sua sala então ligou o abajur de sua mesa, no mesmo momento o sino badalou e fez Bépe voltar a realidade, ele viajava em lembranças. Já são sete horas, preciso me apressar. Finalmente pegou o telefone e digitou os números, meio relutante pois o rosto sorrindo de Maria não saia de sua mente, em seus 40 anos como padre, nunca tivera presenciado um sorriso tão maligno. Bépe era o apelido que ganhou por todos que moravam na cidadezinha de Vera Cruz. Uma cidadezinha que habitava dentro de si um mal que crescia a cada ano que passava, pelo menos era como o padre se lembrava. Com o dedo no ultimo digito da delegacia, Joseph ouvia o som do vento e da chuva, parecia que o passado o chamava. Bépe. Agora tremendo um pouco se lembrou de uma frase, não lembrava o contexto, nem onde estava, nem com quem falava. Se algum dia o anticristo nascer, e com ele trazer o apocalipse, Vera Cruz será seu berço. Com isso fez a ligação e após três longos Beeps, ouviu uma voz grossa e rouca sair do telefone
-Alô, delegacia de Vera Cruz
-A-Alô-diz o padre com a voz tremula
3
Vera Cruz nem sempre foi uma cidade onde coisas horríveis acontecem normalmente. Em algum dia no final de maio, o pequeno Bépe descobriria que sua cidade estava amaldiçoada com muito mais do que apenas alguns assassinatos, estupros, e até mesmo animais que simplesmente sumiam, ou morriam de alguma doença desconhecida que apodrecia sua pele e ossos em pouquíssimos dias. Era ainda pior, pode acreditar.
No verão de 1934, Joseph Levitt completava seus 12 anos, se sentia quase um adolescente agora. Suas primeiras paixões começaram a surgir. Além do futebol, Levitt admirava uma moça ruiva de cabelos longos que passava na frente de sua casa. Essa moça é Rosemary Aine. Sorriso longo, sua pele branca realçava sua boca excessivamente vermelha e pequena. Seus olhos verdes combinavam com seu vestido estilo camponesa alemã. Algumas sardas cobriam suas bochechas e nariz. Tinha seios fartos o bastante para marcar o pequeno decote apertado, e um quadril largo o suficiente para marcar o vestido. Com ela sempre levava uma cesta com flores e alguns vegetais. Rosemary sempre fazia o mesmo caminho ao leste da cidade, onde ficava a famosa vila das bruxas. Lugar onde viviam famílias irlandesas, que no passado foram expulsas de Vera Cruz, por puro e completo preconceito da sociedade na época
Mas elas não são bruxas de verdade, certo? Levitt em um jantar após os pais contarem a ele sobre fogueiras feitas por seus avôs e outros moradores da cidade que na época era muito menor (mesmo hoje em dia a cidade dificilmente chegaria a dez mil moradores). Algumas bruxas foram queimadas vivas. Outras, esfaqueadas, decapitadas, enforcadas e afogadas. Mas no final todas era queimadas para retornarem para o inferno. Os pais-Morgana e Alfonso, Levitt-não contaram a parte mais pesada da história. Um simples coral vindo dos dois- É claro que não – Junto a risadas quase convenceu Joseph, mas sua curiosidade era maior.
Um certo acontecimento mudou um pouco a sua conclusão, e despertou a curiosidade de Bépe em uma manhã fria de começo de inverno.
Joseph, um menino loiro de olhos azuis (esse era um padrão de beleza que chamava a atenção de Rosemary e de muitas meninas, mas esse tempo se foi) de boca sempre aberta quando Rose passavam em frente à sua casa. O garoto usava sempre uma camisa branca junto ao seu macacão. Ele se sentava ao balanço de pinéu-que estava amarado na árvore de família-que o pai tinha projetado para ele. A árvore era da família a gerações, e tinha o nome de Maria, em homenagem a sua tataravó. Bépe brincava no balanço todos os dias após a escola, esperando sempre sua amiga passar para sorrir e alegrar seu coração.
Em uma manhã de sábado, Joseph estava animado, desceu as escadas do seu quarto correndo, levando cobertor e travesseiro. Era dia de assistir desenhos animados. Ele era muito pontual sobre isso, todos os sábados, as sete horas ele estava em frente à televisão. Morgana prepara seu café da manhã, toradas com geleia de morango e leite morno com um pouco de açúcar. Morgana Levitt, era uma mulher muito alegre, cantava todas as manhãs de sábado. Ele comeu as toradas, bebeu seu leite, e riu, riu muito com os desenhos animados, o dia de Joseph Levitt estava perfeito até ele cometer o erro de seguir Rosemary até a casa na colina. Aquele era o dia em que Bépe teria certeza que além de um garoto solitário ele seria assombrado. Ao final dos desenhos, e do café, o garoto só precisava ver o sorriso de sua amada para seu dia ser perfeito. Correu pela sala e para fora de casa, correu ainda mais no gramado, com os braços abertos, se sentia um pássaro livre do cativeiro, livre para conhecer o mundo. Subiu no balanço e se jogou para frente com os pés, para trás, várias vezes, pegou velocidade, vou para longe, para o alto, sentiu o vento gelado, sentiu o sol. De repente vou fora do balanço, fora do gramado, por um instante seu coração quase saiu do peito mas voltou quando sentiu mãos gentis segurarem ele evitando que se quebrasse na calçada, mas não evitou o grito que saiu do fundo de seus pulmões.
-AAAAH!
-Calma garoto, eu te peguei viu? Tudo vai ficar bem-uma voz suave e gentil vinha da pessoa.
-O-obrigado-disse ele envergonhado, porem se colocando no chão e vendo quem era sua salvadora. E agora seu coração realmente quase parrou. Era Rosemary.
-Come se chama garotinho? Você mora aqui?
-S- s -sim, me chamo Joseph.
-A que lindo nome, prazer em te conhecer Joseph, me chamo Rosemary, eu sei parece complicado de lembrar, por isso pode me chamar de Mary, ou Rose se preferir, o que acha?
-Acho legal-Ele estava menos nervoso, ela sorria para ele de uma maneira encantadora
-Tome mais cuidado Joseph, você é um rapaz muito lindo, e sabe de uma coisa, essa cidade é perigosa demais para meninos lindos como você, e se acabar se machucando assim, pode ser difícil de correr do perigo não acha? –Ela disse mantendo o sorriso lindo, porem seus olhos mudaram do verde claro para o vermelho, isso fez Bépe se arrepiar totalmente, e tremer um pouco. Algo estava errado, o coral de vozes dos pais ressoou na cabeça-Claro que não.
Com isso Mary continuou seu caminho. Tremendo um pouco, Joseph começou a seguir ela, ele estava curioso e com medo da história dos pais. Será verdade? Ele parou e esperou um pouco pensando no assunto. Aqueles olhos...
Um menino apaixonado por uma jovem com talvez o dobro de sua idade, e não era só ele, ela seduzia qualquer um. Rosemary Aine tinha algo especial, e também escondia segredos terríveis. Segredos que traumatizariam Joseph. Porem ajudaria ele a descobrir a verdade por trás de toda a maldade de Vera Cruz. Mas naquele momento, ele não sabia de nada, ele só queria desvendar um mistério que atormentava sua cabeça O coral voltou-Claro que não.
Ela começou a ganhar distância do menino, entrando agora no centro da cidade. Joseph morava na última casa da última rua antes do centro. Alfonso Levitt gostava porque podia comprar seu jornal do outro lado da rua todas as manhãs. Era um bairro de ricos, os mais ricos da cidade, se quisessem, juntos somente os pais de Joseph, comprariam toda a cidade e ainda assim sobraria dinheiro (não tinha muito no que gastar). A moça passara a banca de jornal, o jornaleiro gritava algumas manchetes sobre a bolsa de valores, assassinatos, e sobre a peste que estava devastando os animais no interior da cidade. O menino esperou pacientemente Rose se afastar uns bons metros, para que ele avançasse em sua direção. Ele estava realmente determinado em descobrir o que ela realmente era.
Quando Mary alcançou a feira da cidade-onde aos sábados se reunira muitas pessoas em busca de vegetais, frutas, carnes, leite, pois as pessoas achavam que esses produtos que vendiam no mercado não eram saudáveis, apesar que os produtos que vinham do campo eram os que sobreviviam a praga, e outros que eram importados da vila das bruxas- o menino apresou o passo. Pessoas saiam de todas as lojas ao mesmo tempo, ele se esbarrava com muitas delas e pedia desculpa quase automaticamente. Joseph realmente achava que Rosemary não sabia de sua intenção, mas ele se enganava, e com isso ela pensava na forma mais "talentosa" de "impressionar" o menino.
Ao passar a multidão de pessoas na feira, o garoto, seguia sua amada por toda a cidade, com passos minuciosos. Quando finalmente viu para onde Rose seguia caminho, Bépe ficou relutante. A vila das bruxas, no fundo ele sabia que provavelmente era lá que acabaria sua jornada. Mas algo o fez continuar, paixão? Talvez, ele não tinha certeza. Parado em frente a última farmácia de Vera Cruz, vendo a trilha e imensa floresta fechada onde Rose entrava cantarolando como se fosse a chapeuzinho vermelho, o menino tremia de medo da tremenda escuridão que habitava a floresta as dez horas da manhã. Uma escuridão tão densa que parecia que podia tocar e segurar em suas próprias mãos. As árvores, ele ouvia sussurros fracos de onde estava, uma língua desconhecida por Joseph, talvez já ouvira o padre Sebastião falar em uma de suas missas que o menino frequentava todos os domingos. Após um tempo ouvindo as vozes e os galhos sendo esmagados e o cantarolar ser diminuído, Joseph teve coragem o suficiente e se aproximou da floresta que parecia sugar sua alma e felicidade a cada passo que dava em sua direção. Em alguns segundos não existia mais a calçada em seus pés, e sim terra, grama, galhos, e folhas, os sussurros aumentavam. Ao chegar na entrada da floresta fechada, Bépe olhou para dentro, para o coração da floresta, e depois para o alto das árvores e percebeu que o tempo se fechava em cima da floresta, ele começou a ficar com frio, as folhas das árvores começaram a tremer e assoviar.
Atualizado em: Qui 27 Out 2022