- O Fazer Literatura
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O que se espera de um escritor?
Entrei em discussão com um amigo meu, que disse-se um escritor de literatura marginal, e que deixou-me tão nervoso com seus argumentos sobre a revolta das classes pobres, que eu acabei perguntando-lhe, sorrindo, qual era o papel do escritor no meio daquele discurso todo.
Afinal: qual é o papel do escritor? Sim... porque, afinal: tudo tem um papel, e de tudo algo se espera, não é? - Não se espera algo de padre, de um presidente? e... de um escritor?
O que se espera de um escritor?
Tese: "De um escritor, espera-se que ele somente pegue sua caneta, sente-se, concentrado e escreva, desinteressando-se pelo que pensam ou deixam de pensar... tanto dele como do que ele escreveu." [Marcos Shiffer, poeta e ensaísta]
Antítese: "Mas a obrigação do romancista não é condenar nem perdoar a malvadez: é analisá-la, explicá-la. Sem ódios, sem idéias preconcebidas, que não somos moralistas".
Estamos diante de um fato. Vamos estudá-lo friamente.
Parece que este advérbio não será bem recebido. A frieza convém aos homens de ciência. O artista deve ser quente, exaltado. E mentiroso.
Não sei por quê. Acho que o artista deve procurar dizer a verdade. Não a grande verdade, naturalmente. Pequenas verdades, essas que são nossas conhecidas."
[Graciliano Ramos trecho do artigo: O fator Econômico no Romance Brasileiro, 1939.]
Opinião: Para ser escritor, é preciso, minimamente, ter sobre o que escrever.
Quando um escritor ganha dinheiro pelo que escreve, e consequentemente acaba dedicando mais tempo à escrita, perde também outro tempo de seu dia, o tempo que deveria estar buscando seu meio de sobrevivência.
Se este escritor ganhar uma quantia significativa à sua sobrevivência – como muito pouco acontece – este escritor passa a ser um Oficial das Letras, ou melhor: um escritor profissional, que vende seus escritos e depende deles para sobreviver.
Como em qualquer ofício, dentro do domínio das letras existem bons e maus profissionais; talentosos ou não, solidários ou egoístas, mas o que cada escritor tem que levar em conta e até saber primariamente, antes até de se dizer escritor, é que ele, ao escrever e até existir como um escritor, está representando toda uma classe, que pode ser generalizada como a atual ou a das gerações passadas, mas o ponto principal é que quando se avalia a literatura atual ou de um determinado tempo, o que nota-se é o reflexo da postura literária destes escritores na literatura estudada. Assim, podemos dizer que a literatura atual é o reflexo das atitudes dos escritores contemporâneos, e que estes se comportam e tem sua atitude em reação à realidade que tem. De modo que um povo pode ser estudado em uma determinada época apenas pela literatura que produz, pois nada mais esta literatura reproduz do que sua cultura diretamente contemporânea.
Para ser escritor, o aspirante tem que ter como certeza de que está representando nas letras sua cultura mais próxima, que nada mais é do que o digerimento de todo o acesso que esta pessoa tem às várias culturas que existem – e que hoje, com a globalização, estão abertas a qualquer interessado, não necessitando deste estar inserido lá, na cultura que deseja nas letras representar.
Quando temos a consciência de que ser escritor é um ofício e até uma profissão, assim como outra qualquer, começamos a compreender que qualquer tipo de trabalho só nos é uma obrigação, quando estamos já alienados do nosso ofício, ou seja: não o fazemos mais por paixão, dedicação e auto-reconhecimento, mas sim somente para sobreviver. Do mesmo modo que um escritor que somente escreve para sobreviver – o que está quase impossível hoje em dia – não se reconhece como um escritor, mas sim já como um trabalhador qualquer.
Quando, no meio de outras profissões, representamos a do escritor, falamos e representamos cada um dos colegas de ofício, portanto quanto ao respeito à literatura, que é um segmento artístico e que por isso: é de livre expressão, temos de levar em conta que enquanto escrevemos, temos a liberdade para escrever sobre o que quisermos, mas enquanto somos, fora dos livros, temos que, antes de nos expressar, ter minimamente a consciência de que a imagem do escritor está em jogo a cada palavra dita e não somente a pessoal de cada um.
Na época do individualismo, falar sobre algo não é mais representá-lo, e sim somente “dar a sua opinião”, mas a ilusão neste raciocínio está claramente visível quando sabemos que a opinião sincera e particular de cada um nada mais é do que sua postura frente à tal profissão, e que portanto: mesmo falando de si e sobre o que se acha como certo ou errado, acaba-se por assim mesmo falando e representando os colegas que praticam o mesmo ofício posto em questão e opinião – que neste caso é o de escrever.
Para ser escritor é preciso ter consciência de que, embora sejamos livres para defender as teses que quisermos, é negativo para a classe escritora qualquer tipo de defesa das teses que pregam a discórdia sem objetivos, a alienação social ou qualquer desavanço e até o regresso por supressão das formas de liberdade humana, como o racismo, o anti-democracismo, o escravocionismo, o separatismo, o elitismo, o anti-religionismo, o ufanismo, o machismo ou o feminismo, pois usar da legítima liberdade de expressão para ir de encontro com a humanidade, que é por essência: única, igual e inclassificável em outros termos, como raças, etnias e valores morais, torna a profissão do escritor um exercício que vai contra a luta pela evolução da razão e da identificação desta humanidade como um todo.
Temos de ter a consciência de que, assim como a música é a voz, a literatura é a linguagem de um determinado povo, e que, ao escrevermos, nunca devemos pregar contra este povo, se não for com o objetivo de uma discussão para uma possível evolução de conceitos -- que deve estar expressada no mesmo corpo da discussão.
Ser escritor é ser ético e prezar pela integridade, solidariedade e pelo respeito entre todos os companheiros, deixando o interesse e a valorização coletiva, e da classe escritora, antes do interesse e da valorização pessoal de cada autor.
Um escritor consciente de seu papel para com a classe escritora, não destrata e nem negativamente opina sobre os companheiros que ainda ao seu lado caminham pela literatura; apresentando honestamente sua opinião contra ou a favor da literatura produzida pelo colega, mas nunca sobre ele, sua pessoa e por assim: suas atitudes.
Para ser escritor, o aspirante tem que saber a diferença básica entre: conhecimento e talento, e acima de tudo: entender que o segundo só é possível de ser efetivamente realizado quando o primeiro é alcançado, e posteriormente: respeitado. E que por isso, todo o escritor tem a obrigação de dividir com os colegas seus conhecimentos, proporcionando aos mais talentosos uma melhor utilização deste conhecimento, para uma possível evolução da literatura, suprimindo assim, o interesse pessoal e também a inveja, a cobiça e a competitividade, que são inúteis à classe escritora, pois um escritor não trabalha para si ou para sua fama, mas sim pela literatura, e cada um que escreve tem um papel tão diferente quanto importante para o avanço ou o desavanço das letras de uma determinada cultura.
Obrigado por visitar esta coluna. Volte sempre!
Afinal: qual é o papel do escritor? Sim... porque, afinal: tudo tem um papel, e de tudo algo se espera, não é? - Não se espera algo de padre, de um presidente? e... de um escritor?
O que se espera de um escritor?
Tese: "De um escritor, espera-se que ele somente pegue sua caneta, sente-se, concentrado e escreva, desinteressando-se pelo que pensam ou deixam de pensar... tanto dele como do que ele escreveu." [Marcos Shiffer, poeta e ensaísta]
Antítese: "Mas a obrigação do romancista não é condenar nem perdoar a malvadez: é analisá-la, explicá-la. Sem ódios, sem idéias preconcebidas, que não somos moralistas".
Estamos diante de um fato. Vamos estudá-lo friamente.
Parece que este advérbio não será bem recebido. A frieza convém aos homens de ciência. O artista deve ser quente, exaltado. E mentiroso.
Não sei por quê. Acho que o artista deve procurar dizer a verdade. Não a grande verdade, naturalmente. Pequenas verdades, essas que são nossas conhecidas."
[Graciliano Ramos trecho do artigo: O fator Econômico no Romance Brasileiro, 1939.]
Opinião: Para ser escritor, é preciso, minimamente, ter sobre o que escrever.
Quando um escritor ganha dinheiro pelo que escreve, e consequentemente acaba dedicando mais tempo à escrita, perde também outro tempo de seu dia, o tempo que deveria estar buscando seu meio de sobrevivência.
Se este escritor ganhar uma quantia significativa à sua sobrevivência – como muito pouco acontece – este escritor passa a ser um Oficial das Letras, ou melhor: um escritor profissional, que vende seus escritos e depende deles para sobreviver.
Como em qualquer ofício, dentro do domínio das letras existem bons e maus profissionais; talentosos ou não, solidários ou egoístas, mas o que cada escritor tem que levar em conta e até saber primariamente, antes até de se dizer escritor, é que ele, ao escrever e até existir como um escritor, está representando toda uma classe, que pode ser generalizada como a atual ou a das gerações passadas, mas o ponto principal é que quando se avalia a literatura atual ou de um determinado tempo, o que nota-se é o reflexo da postura literária destes escritores na literatura estudada. Assim, podemos dizer que a literatura atual é o reflexo das atitudes dos escritores contemporâneos, e que estes se comportam e tem sua atitude em reação à realidade que tem. De modo que um povo pode ser estudado em uma determinada época apenas pela literatura que produz, pois nada mais esta literatura reproduz do que sua cultura diretamente contemporânea.
Para ser escritor, o aspirante tem que ter como certeza de que está representando nas letras sua cultura mais próxima, que nada mais é do que o digerimento de todo o acesso que esta pessoa tem às várias culturas que existem – e que hoje, com a globalização, estão abertas a qualquer interessado, não necessitando deste estar inserido lá, na cultura que deseja nas letras representar.
Quando temos a consciência de que ser escritor é um ofício e até uma profissão, assim como outra qualquer, começamos a compreender que qualquer tipo de trabalho só nos é uma obrigação, quando estamos já alienados do nosso ofício, ou seja: não o fazemos mais por paixão, dedicação e auto-reconhecimento, mas sim somente para sobreviver. Do mesmo modo que um escritor que somente escreve para sobreviver – o que está quase impossível hoje em dia – não se reconhece como um escritor, mas sim já como um trabalhador qualquer.
Quando, no meio de outras profissões, representamos a do escritor, falamos e representamos cada um dos colegas de ofício, portanto quanto ao respeito à literatura, que é um segmento artístico e que por isso: é de livre expressão, temos de levar em conta que enquanto escrevemos, temos a liberdade para escrever sobre o que quisermos, mas enquanto somos, fora dos livros, temos que, antes de nos expressar, ter minimamente a consciência de que a imagem do escritor está em jogo a cada palavra dita e não somente a pessoal de cada um.
Na época do individualismo, falar sobre algo não é mais representá-lo, e sim somente “dar a sua opinião”, mas a ilusão neste raciocínio está claramente visível quando sabemos que a opinião sincera e particular de cada um nada mais é do que sua postura frente à tal profissão, e que portanto: mesmo falando de si e sobre o que se acha como certo ou errado, acaba-se por assim mesmo falando e representando os colegas que praticam o mesmo ofício posto em questão e opinião – que neste caso é o de escrever.
Para ser escritor é preciso ter consciência de que, embora sejamos livres para defender as teses que quisermos, é negativo para a classe escritora qualquer tipo de defesa das teses que pregam a discórdia sem objetivos, a alienação social ou qualquer desavanço e até o regresso por supressão das formas de liberdade humana, como o racismo, o anti-democracismo, o escravocionismo, o separatismo, o elitismo, o anti-religionismo, o ufanismo, o machismo ou o feminismo, pois usar da legítima liberdade de expressão para ir de encontro com a humanidade, que é por essência: única, igual e inclassificável em outros termos, como raças, etnias e valores morais, torna a profissão do escritor um exercício que vai contra a luta pela evolução da razão e da identificação desta humanidade como um todo.
Temos de ter a consciência de que, assim como a música é a voz, a literatura é a linguagem de um determinado povo, e que, ao escrevermos, nunca devemos pregar contra este povo, se não for com o objetivo de uma discussão para uma possível evolução de conceitos -- que deve estar expressada no mesmo corpo da discussão.
Ser escritor é ser ético e prezar pela integridade, solidariedade e pelo respeito entre todos os companheiros, deixando o interesse e a valorização coletiva, e da classe escritora, antes do interesse e da valorização pessoal de cada autor.
Um escritor consciente de seu papel para com a classe escritora, não destrata e nem negativamente opina sobre os companheiros que ainda ao seu lado caminham pela literatura; apresentando honestamente sua opinião contra ou a favor da literatura produzida pelo colega, mas nunca sobre ele, sua pessoa e por assim: suas atitudes.
Para ser escritor, o aspirante tem que saber a diferença básica entre: conhecimento e talento, e acima de tudo: entender que o segundo só é possível de ser efetivamente realizado quando o primeiro é alcançado, e posteriormente: respeitado. E que por isso, todo o escritor tem a obrigação de dividir com os colegas seus conhecimentos, proporcionando aos mais talentosos uma melhor utilização deste conhecimento, para uma possível evolução da literatura, suprimindo assim, o interesse pessoal e também a inveja, a cobiça e a competitividade, que são inúteis à classe escritora, pois um escritor não trabalha para si ou para sua fama, mas sim pela literatura, e cada um que escreve tem um papel tão diferente quanto importante para o avanço ou o desavanço das letras de uma determinada cultura.
Obrigado por visitar esta coluna. Volte sempre!
Atualizado em: Dom 26 Abr 2009
Comentários
E não escrevo isso porque não tenho capacidade para tal, e admiro quem tem, sinceramente.
Eu, com esse artigo quis dizer simplesmente: que um escritor que se leve a sério tem que ter consciência de que não é mais só uma pessoa, com seus direitos individuais, secretos e provativos, mas que sim públicos e sempre mal-interpretados, infelizmente, e que por isso devemos nos portar como escritores, como uma classe, mas isso não quer dizer que cada um não deva ter suas particularidades, opiniões e conceitos, mas sim que ele deve os ter com a consciência de que está representando a "uma classe" além a de si mesmo.
E não escrevo isso porque não tenho capacidade para tal, e admiro quem tem, sinceramente.
Eu, com esse artigo quis dizer simplesmente: que um escritor que se leve a sério tem que ter consciência de que não é mais só uma pessoa, com seus direitos individuais, secretos e provativos, mas que sim públicos e sempre mal-interpretados, infelizmente, e que por isso devemos nos portar como escritores, como uma classe, mas isso não quer dizer que cada um não deva ter suas particularidades, opiniões e conceitos, mas sim que ele deve os ter com a consciência de que está representando a "uma classe" além a de si mesmo.
Meu querido Hiato parabens por este belo texto.
Meu querido Hiato parabens por este belo texto.