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Palavras: Mora, descontar, ticotinho. Texto final: Carta de Amor.

A coluna está de novo formato, com texto mais fluido e de leitura bem mais agradável, contendo em si algumas palavras recicladas, trazendo uma palavra que se pensou inventada por Roberto Carlos, em É uma brasa, mora. Mora não está no Houaiss ou nos dicionários da Internet, mas é uma preciosidade, não porque emitida pelo Rei. Quando, sob influência da Jovem Guarda, usávamos o mora para tudo – oi, como vai? Tudo bem, mora; ou, vou é fazer um lanche, mora – não estranhei a palavra, velha conhecida dos tempos de criança, quando morávamos em casa. Estranhamente esta frase passa a ser ambígua. Morar é habitar, mas é também, “delongar, demorar”, e mora igual a delonga, demora, adiamento, detença”, [1] além do sentido usado por Roberto Carlos. Em Grossário: pequeno dicionário brasileiro das palavras feias, [2] querem os autores que mora signifique: sim, para perguntar ao interlocutor se compreendeu a questão: De uma vez por todas, a terra é quadrada e gira em torno da lua. Morou, seu Galileu?

Pensava eu que a palavra fosse do dialeto familiar, tendo curtido a infância escutando e dizendo eu vou descontar, morou?, vou te pegar no fim da aula, morou?.

Acontece que o sentido não é sim. Apesar de já ter encontrado outras palavras no meu dialeto familiar com esta origem, não desconfiei um ticotinho siquer e foi uma surpresa descobrir ser uma palavra africana, da língua yorubá-nagô: [3]

Mora: Tomar um banho quente, cuidadoso, sensato.
e
Moran: Saber, ter conhecimento de.

Fica patente que, ao se transferir para nossa Língua pelo uso de quem as trouxe, a segunda palavra perdeu a desinência, juntando-se à primeira. Logo, a frase de Roberto Carlos, traduzida para o Português de dicionário seria: é uma brasa, tome conhecimento”, que é mais lógica que é uma brasa, sim e segue melhor o processo mental de formação de palavras. Saber, ter conhecimento de não tem o significado de compreender. É meio pueril pensar que, quando criança em minha família se falasse eu vou descontar, sim?, mesmo que este sim estivesse grafado como mora. Não éramos tão educados assim, mora. Se Roberto Carlos usou mora, colheu a palavra em algum dos recantos por onde sua vida passou. Quer dizer, a palavra não é do meu dialeto familiar!

Servida a refeição principal, na rapa da panela resta uma questão: quantas palavras, hoje recusadas em dicionários como sendo de falares dialetais familiares, terão suas origens nos falares africanos?

No texto pareceram também as palavras descontar e ticotinho. Quem nunca apanhou de irmão mais velho e jurou descontar? Não é do dialeto familiar, está em Camilo Castelo Branco, O Romance de um Homem Rico: Não me revolto contra o castigo: descontar em amarguras a culpa é alivio de remorso nas almas. [4]

Tico é bocado, um pedacinho de alguma coisa. Teria de formar o diminutivo com zinho, mas a mente, já habituada a evitar a boca suja, mudou, por conta própria, para tinho, não é neologismo, é o uso necessário dos recursos da língua.


Carta de Amor

More,
quando meus olhos pousaram nos
teus sorrisos me dizem de
Amor
tenho de te confessar,
me apaixonei perdida
mente insana a minha,
te amar sem ser correspondido
em meus desejos
me ardem no peito querendo teu
beijo tua imagem na retina gravada em
luz
resplandencente que ilumina
meu sol. De tua estrela,
Eu.

1. Osmar Barbosa, Grande dicionário de sinônimos e antônimos, 2000.
2. Carlos H. Knapp e José Francisco Quirino, Grossário: pequeno dicionário brasileiro das palavras feias, 1986.
3. Eduardo Fonseca Júnior, Dicionário yorubá (nagô)–português, 1983.
4. Joaquim Garcia, Grande enciclopédia portuguesa e brasileira, 1936.

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Atualizado em: Sáb 9 Ago 2008

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