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Haiti ....

altEstou em casa, sentado no sofá lendo um romance. O telefone corta o silêncio gritando afoito, e assim que antendo, um colega de trabalho diz:

- Fernandes, aquele boato de que iríamos pra o Haiti foi confirmado. Um colega que trabalha no Estado-Maior disse que bateram o martelo quanto ao envio de força ao Haiti, pela ONU, e adivinha? Nossa equipe será a precursora.

- Sério? Falei num tom mais aturdido do que consciente ... Desliguei e fiquei pensando onde havia parado com a leitura, sem dar muita importância a conversa no telefone.

No dia seguinte, chegando ao trabalho, percebo o alvoroço e correria de todo o pessoal.Começam os preparativos para o envio da tropa, afinal de contas, eclodiu de maneira violenta a Guerra Urbana no haiti. O Brasil pleiteia uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, e assim, não temerá esforços para tal. O chefe nos dá um dia de licença pra agitarmos as coisas por aqui, enquanto o pessoal de Logística quebra a cabeça trabalhando no cronograma da operação.

Dia do embarque. Não sei se o que sinto é ansiedade ou medo .... ou ambos. Assim que a aeronave decola de Caracas, na última escala pra Porto Príncipe. Lá chegando .... somos abruptamente invadidos por um odor fétido, uma mistura de esgoto e lixo intensos, realmente uma visão que não gostaria de ter. Desembarcamos da aeronave e vamos direto pra o QG da Minustah em Porto Príncipe. Somos informados que teremos doze horas exatas pra adaptação ao novo fuso.

Já preparados pra primeira patrulha, somos informados que seremos responsaveis pela faixa compreendida entre Cité Soleil, Aeroporto, Terminal Portuário e o Parque de Indústria Leve (depósito da ONU). E que o presidente do Haiti, Jean Bertrand Aristide foi deposto e os guerrilheiros soltaram todos os presos do principal presídio de Porto Príncipe. Somos informados também que a cidade está um caos absoluto, com corpos espalhados por todo perímetro, simplesmente uma terra de ninguém. A partir daí, foram centenas de patrulhas diuturnas. O dia amanhece com o brilho do sol denunciando mais um dia de calor infernal. Numa patrulha de rotina, mais um confronto. Me pergunto se devo rezar ou agradecer a Deus por estar em frente a mais um que tomba na batalha. Não devo esmoecer, afinal de contas, somos nós ou eles, e estou apenas cumprindo meu dever, não tenho razão pra me dar ao luxo de pensar no que passou. Chegando ao QG, um banho frio leva meus sentimentos junto à água que cai, lavando o rastro de sangue de meus pensamentos e idéias persuasivas. Tenho que pensar de maneira prática, e me sentir aliviado por saber que meu tempo nesse inferno está acabando.

É chegado o dia da tropa que irá nos render chegar. Trabalho precursor não é fácil, somos temidos, tememos da mesma maneira, e até que o povo haitiano tenha a saber que estávamos lá para ajudá-los ... muitos percalços se deram em nosso trabalho diário. Revejo os amigos que aqui ficarão nessa jornada iniciada pela minha equipe. Passamos as informações necessárias ao grupo que tomara o resto da cidade, e passado todo o serviço, embarcamos de volta como heróis, sem que saibam o que aconteceu por lá. Assim como a maioria de nós, evito comentar a cerca dos acontecimentos ocorridos naquele lugar.

Não sei ao certo, mas os pensamentos que tenho são como se correntes estivesses grudadas aos meus pés, quilhas de uma prancha de surf cortando a onda de sentimentos que irradiam da minha cabeça, então percebo que carregarei isso pra o resto de minha vida, ou até a próxima missão real. Se me perguntam o que fiz? Simples ... digo o que diria pra vocês, que apenas fomos levar mantimentos para aquele povo sofrido.

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Atualizado em: Qui 15 Abr 2010

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