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Reforma Agrária: o papel das Ligas Camponesas e do Movimento dos Sem Terra

Melquezedek Brito Corrêa*

Resumo:

As idéias do presente artigo estão centradas na contextualização da Reforma Agrária no Brasil e na importância das Ligas Camponesas e do MST (Movimento dos Sem-Terra), como movimentos sociais de luta pela terra. Em pesquisa bibliográfica e na Internet foi constatada essa importância no momento em que (no caso das ligas camponesas), através de várias lutas e reivindicações, conseguiram grandes feitos perante o Estado.Como exemplo, a legalização da Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco em 1955 e a institucionalização do Estatuto do Trabalhador Rural (ETR), dando um impulso significativo não só à luta pela terra no país, mas também um combate para com a antidemocrática estrutura fundiária que vigora no Brasil desde o período colonial. No caso do MST, este não só foi importante como é o mais organizado e bem articulado, estruturado e organizado movimento de luta pela terra da atualidade, e que continua a realizar dinamicamente seu papel perante o Estado e à sociedade.

Palavras-chave: Reforma Agrária. Ligas Camponesas. Movimento dos Sem Terra. Movimentos sociais de luta pela terra.

Introdução

O que é reforma agrária? De acordo com o Estatuto da Terra (1964), é o "conjunto de medidas que objetivem a promover melhor a distribuição da terra, mediante modificações no regime de uso e posse a fim de atender aos princípios sociais e ao aumento da produtividade". Partindo do pressuposto de que toda a energia necessária para a manutenção vital do ser humano provém do cultivo, manejo e uso do solo, por que milhares de pessoas passam fome no Brasil, enquanto este possui a quinta maior extensão territorial do globo e uma vasta área de solos férteis distribuídos em seu território? Num país em que a estrutura fundiária (a forma como está distribuída a propriedade da terra em um país) é bastante irregular e antidemocrática e a concentração da propriedade é alarmante e absurda e que nesse mesmo país (Brasil) ocorre uma enorme massa de deserdados e despossuidos e que a desnutrição (ocasionada pela deficiência alimentar) e a fome ainda assolam milhares de pessoas, não seria equívoco afirmar que no Brasil existe sim um grave problema agrário.

*Acadêmico do quarto período de Geografia do CESC-UEMA.

Diante do exposto surge a pergunta: o que se tem feito ou está se fazendo para mudar esse quadro, levando em consideração a questão agrária no país?

O presente artigo procura responder a essa indagação enfocando dois dos principais movimentos sociais de luta pela terra no Brasil: As ligas camponesas e o MST (movimento dos sem-terra). Os sindicatos rurais ou as Ligas Camponesas foram um movimento que nasceu de uma sociedade civil beneficente voltada para enterrar com dignidade trabalhadores rurais de Pernambuco e que ganharam força e projeção diante da sociedade da época. Já o MST, o mais bem articulado e organizado dos movimentos sociais de luta pela terra no Brasil surgiu a partir da necessidade de se concretizar uma reforma agrária no país e até hoje ainda continua a buscar soluções para a grave questão agrária brasileira.

Reforma Agrária

Quando se pronuncia essa expressão pensa-se logo nas seguintes palavras: revolução, luta, renovação, em fim, algo novo que venha a mudar toda a estrutura social (no caso da reforma agrária) enraizada em determinado espaço geográfico. O raciocínio anterior não é considerado incorreto, más o que se observa no Brasil e no mundo (não igualando desde já os diversos movimentos sociais de luta pela terra ocorridos nas diversas partes do planeta, pois todos tem suas particularidades e períodos de ocorrência diferentes) é que para se conseguir concretizar uma verdadeira reforma agrária, ou se faz com dinheiro ( muito dinheiro), ou se faz na base da revolução, na força ou até mesmo na luta corporal.

Reforma agrária não é luta de um indivíduo ou de um pequeno grupo destes, más um objetivo a alcançar que envolve a sociedade em geral, inclusive o Estado.

A concentração da propriedade privada da terra é um dos grandes problemas para o desenvolvimento social, econômico e político de um país. E no Brasil pouco se tem feito para mudar essa realidade. Primeiro porque a própria extensão territorial desse país surge como um obstáculo (de pequena importância) para a concretização desse objetivo. Segundo, por falta de vontade política, até mesmo por que os próprios políticos e grandes empresários (os quais bancam as campanhas dos primeiros) são também os grandes latifúndiários e os proprietários de maior parte das terras produtivas brasileiras. Para isso é que existem os lobbistas, que são pessoas que formam um grupo organizado com a finalidade de influenciar a decisão sobre matérias discutidas e votadas pelo legislativo e impedir ou acelerar o trâmite de leis que desfavoreçam ou beneficiem os que eles estão a representar. No caso do Brasil, pode-se afirmar que dificilmente a reforma agrária se realizará, assim é louvável recorrer ao que o Art. 138 da constituição federal:

Compete à União desapropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos de dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei (CONSTITUIÇÃO FEDERATIVA DO BRASIL, 2007, p. 125).

A partir de uma simples análise do fragmento acima, pode-se observar que não é fácil promover uma reforma agrária nesse país. Primeiro, porque reforma agrária não é simples distribuição de terras para quem não a tem. Segundo, que para realizar tal feito, o Estado teria que oferecer toda uma estrutura social, financeira e política a essas pessoas, através de política sociais, creditícias, em fim, o poder público federal, auxiliado pelas outras esferas, teria que construir toda uma base de apoio a essas pessoas, o que a própria constituição afirma que não simples, sem contar os outros fatores já mencionados.

É laudável também considerar que, com a inserção do capitalismo no campo, surgiram outras forma de se distribuir terras ,como exemplo, pelo modo de assalariamento e arredamento. Muitos outros autores já desconsideram a necessidade de realização de reforma agrária. Seguindo esta mesma linha de raciocínio é notável que muitas vezes o Estado tenta fazer sua parte, porém muitas vezes a corrupção, a especulação imobiliária e outros atos típicos pessoas de má fé o impedem de fazê-la, colocando à disposição de desapropriação terras que não atendam as necessidades dos ditos sem terra.

O Papel das Ligas Camponesas

A historicidade relata que a propriedade da terra sempre foi um instrumento de poder para os que a detém. O Brasil entra no século XX ainda como produtor e exportador de produtos primários e com a mesma antiga e injusta estrutura fundiária, a de um pequeno número de pessoas possuir uma grande quantidade de terras, enquanto outra maioria detém quase nada das terras desse país. Com a crise de 1929, seguida da revolução de 1930, a oligarquia rural perdeu forças, favorecendo assim, a ascensão de movimentos sociais de luta pela terra (é importante aqui fazer a diferenciação entre movimento social de luta pela terra de movimentos de luta pela reforma agrária. Sendo que os primeiros almejam a terra para nela subsistir, nela produzir e retirar os recursos necessários à vida. Já os outros objetiva-se a distribuição regular da terra e conseqüentemente uma redefinição da estrutura fundiária da região). Paralelamente a esses acontecimentos, o açúcar no Nordeste perdeu seu valor no mercado em decorrência dos fatos já citados e muitos fazendeiros, não mais produzindo, foram obrigados a alugarem suas terras (forar) e viver da renda destas. Após a segunda guerra mundial (1945), o preço desse produto sobe novamente e muitos usineiros (proprietários de engenho) voltam a reaver suas terras expulsando os foreiros (pessoas ou empresas rurais que fazem contrato com o proprietário de um imóvel - no caso rural - para ter direito ao uso da terra e sua exploração durante certo tempo). Muitos destes foreiros resistem a sair das terras onde labutaram tantos anos e recorrem à justiça. Aqui merecem destaque os trabalhadores do Engenho da Galiléia representados pelo então advogado e deputado estadual pelo Partido Socialista, Francisco Julião conseguindo este, como grande feito, a legalização da Sociedade Agrícola e Pecuária de Pernambuco fundada pelos foreiros do referido engenho.

O movimento ganhou forças e o apoio de trabalhadores de várias regiões do país. "Sensibilizou" também a igreja, na pessoa de Leonardo Boff. Até então, em 1950, quando foi efetivada a criação das ligas camponesas, nunca se tinha falado institucionalmente em reforma agrária. A partir desse período foi que se acentuou a questão de acesso a terra no Brasil e também a pressão dos brasileiros pela criação e efetivação de uma legislação trabalhista no campo, pois os trabalhadores ficavam à mercê das imposições dos patrões. Foi no governo de João Goulart (Jango) (1961-1964) que se faz menção a reforma agrária. Bem como o Estatuto do Trabalhador Rural que trouxe vantagens para o trabalhador (pelo menos no papel) como exemplo a jornada de trabalho de 8 horas; salário mínimo; férias remuneradas, etc... Por outro lado foi instucionalizado o trabalho temporário, o que acabou criando o bóia-fria, o peão, o garimpeiro, como vitimas diretas dos primórdios de inserção do capitalismo no campo brasileiro.

Com a instalação dos governos militares (1964) a questão agrária parou no tempo e no espaço. Nesse período todo movimento que discordava da ordem social, política e econômica implantada pelo regime era visto como comunista, criminoso, logo tinha que ser punido. Foi o que ocorreu com vários lideres sindicais, jornalistas, escritores, professores e estudantes que eram contrários à ditadura. Muitos foram presos, exilados ou até mesmo assassinados. Quanto às ligas camponesas, "foram consideradas pelo despotismo como subversivas e ameaçadoras da ordem social e política implantada e foram extintas, deixando o seu legado de contribuições na luta pela reforma agrária" (ADAS, 1998, p. 382).

O Papel do Movimento dos Sem Terra (MST)

O MTS é um movimento social de luta pela terra que surge na década de 80, mas precisamente em 1984 a partir da necessidade de promover a reforma agrária e outras lutas sociais no campo e na cidade. Inicialmente o movimento era denominado Máster. Mais tarde veio a ser chamado de MST. A partir de 1990 esse movimento ganhou força e projeção nacional, com a ocupação das terras do pontal do Paranapanema no estado de São Paulo, uma região bastante susceptível a conflitos dessa natureza, em razão de seu processo histórico de ocupação (quando ocorreu nessa mesma região, intensa ocupação de terras por grileiros, estes hoje denominados de fazendeiros-grileiros).

É correto afirmar que o MST é a mais bem organizada e sucedida organização de trabalhadores que atua no território brasileiro. Agregando em sua constituição praticamente todos os grupos de trabalhadores sem terra do Brasil. Esse movimento alcançou um nível de organização sem precedentes na história. "Em 1997, a organização já tinha montado 55 coorporativas de produção agropecuária, algumas já em fase de industrialização de matérias-primas como o leite, e a erva-mate, contribuindo para a produção de riquezas no país" (ADAS, 1998). O MST não tem um líder, mas comissões de frente divididas de acordo com sua área de ocupação. Assim, tem-se a comissão que se encarrega das manifestações na luta por melhorias na educação, outra fica incumbida da área da saúde, outra da política agrária, etc... Dessa forma a organização dos sem terra age de acordo com seus três princípios básicos que são: democratizar o acesso a terra no Brasil; implementar uma reforma agrária e lutar por uma sociedade "igualitária" e mais justa.

Dessa maneira, para o movimento:

A nação, por meio do estado, do governo, das leis e da organização de seu povo deve zelar permanentemente pela soberania, pelo patrimônio coletivo e pela sanidade ambiental. É preciso realizar uma ampla reforma agrária com caráter popular para garantir o acesso a terra para todos os que nela trabalham. Garantir a posse uso de todas as comunidades originárias, dos povos indígenas, ribeirinhos, seringueiros e quilombolas. Estabelecer um limite máximo ao tamanho da propriedade da terra como a forma de garantir a sua utilização social e nacional. É preciso organizar a produção agrícola nacional, tendo como objetivo principal à produção de alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos e organismos geneticamente modificados para toda a população, aplicando assim o princípio da soberania alimentar.

Contando com apoio nacional e internacional (nesse caso de empresas transnacionais, organizações não-governamentais ou até mesmo de países desenvolvidos interessados em apoiar ações que beneficiem o social, ou mesmo para obterem prestígios externos), o movimento segue sua luta e agindo dinamicamente ocupando terras em quase todo o país.

O que se pode concluir do estudo apresentado é que uma reforma agrária no Brasil dificilmente se concretizará. Podem-se assim citar dois fatores que contribuem para tal ocorrência. O primeiro, a própria estrutura fundiária instalada no país no período colonial (a doação das sesmarias) e que ainda exista nos dias atuais (sendo que pouca coisa foi alterada). Um segundo fator de relevante importância é o fato de que a propriedade da terra sempre foi e ainda é concentrada nas mãos de poucas pessoas (estas, na maioria das vezes os que detêm o poder político, logo os que poderiam fazer alguma coisa, porem mantém-se alheios a situação). É valido salientar também a participação e importância de movimentos sociais de luta pela terra e que ainda o fazem lutando por uma possível reforma agrária nesse país. Merecem destaque as Ligas Camponesas e o MST (Movimento dos Sem Terra). É certo dizer que é a partir do primeiro que veio se "falar" na questão agrária no Brasil, logo nas "seqüelas" do nosso processo histórico de distribuição de terras. Quanto ao MST, constitui-se este no mais organizado movimento de luta pela terra que atua no país, considerando que este reivindica não somente questões de terras, más em quase todos os setores da sociedade (saúde, educação, cultura, economia, etc.), demonstrando assim sua organização perante o poder público e o Estado.


REFERÊNCIAS

ADAS, Melhem, 1938 - Panorama Geográfico do Brasil: contradições, impasses e desafios sócio-espaciais; Sérgio Adas (colaborador). - 3. Ed. Reform. São Paulo: Moderna, 1998.

BRASIL, Constituição (1988). - Constituição Federativa do Brasil: Texto Constitucional Promulgado em 05 de outubro de 1988 - Brasília: Senado Federal Subsecretaria de Edições Técnicas, 2007.

MST, Portal.

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Atualizado em: Qui 4 Set 2008

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