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De atores, personagens e escritores geniais
A atuação é uma profissão um pouco estranha. Às vezes um bom ator passa despercebido por muito tempo, com papeis simples, inclusive em Hollywood. Só que alguns saem do zero e viram herois simplesmente por encontrarem o personagem perfeito: que exige o máximo de suas capacidades e tem tudo a ver com sua personalidade.
Isso já é um processo que existe há tempos.
Veja, Johnny Depp ao encontrar Edward Scissorhands ficou famoso no mundo todo, e desde então seus personagens tinham a característica de serem doidos desajustados e esquisitões. Jack Sparrow, de Piratas do Caribe, Don Juan de Marco, Rango na animação da Nikelodeon, e tantos outros com Tim Burton: Willy Wonka, Chapeleiro, Barnabas Collins...
Gary Oldman há tempos tem uma coleção de vilões no cinema, e tudo começou com o personagem anti-herói chamado Sid Vicious - isso, aquele do Sex Pistols - em Sid e Nancy, o amor mata. O ator depois só fez personagens anti-heróis e vilões! No filme que Natalie Portman ainda era criança, O Profissional; Em Harry Potter e o Prisioneiro de Askaban, ele foi vilão durante quase todo o filme. Até na animação Kung Fu Panda 2 ele interpreta o vilão, Lord Shen.
Se você procurar o nome dele no Google, provavelmente vai encontrar algo como "Gary Oldman interpretará o vilão em...."
Foi o que também aconteceu com Christoph Waltz, um ator alemão por bastante tempo desconhecido. Recentemente, Waltz foi o vilão em Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino. Seu personagem era o comandante da SS Cel. Hans Landa. Manipulador, cruel, inteligente e sempre com o sorriso na cara, Landa deixa o público tão chocado já na primeira cena que se torna repudiado por todo o filme. É caricatura do oficial da SS e isso é a comédia e o conflito na história.
Waltz ganhou o Oscar de Melhor Ator Secundário (merecido), por Bastardos Inglórios, e já foi requisitado em outros filmes. Fez então personagens com pouco destaque, como o Cardeal de Richelieu em Os Três Mosqueteiros e August em Água para Elefantes. Até novamente encontrar um personagem de Tarantino, Dr. King Schultz, em Django Livre.
Dr. King Schultz é o caçador de recompensas alemão que trabalha no sul dos Estados Unidos, no período da escravidão. Ex-dentista, atravessa o país arrastando-se numa carroça. Sobre a carroça, o cômico e enorme dente de madeira balançando pra lá e pra cá. Quando ele encontra o escravo Django, liberta-o de seus feitores e torna-se seu guardião.
Bom lembrar que, assim como em Bastardos Inglórios, o personagem de Waltz é apresentado na primeira cena. Essa cena é fundamental para todo o filme: é nela que os espectadores vão conhecer e amar - ou odiar - o personagem que se apresenta. Mesmo com a violência ao nível de "efeitos de molho de macarrão", suas ações se justificam, e o público já se conecta ao personagem de Christoph Waltz.
Pela segunda vez, o ator alemão ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, e muitos outros prêmios, por conta desse papel.
Como se pode notar, os personagens são essenciais para que o ator aplique o máximo de si e ganhe destaque. Além disso, a forma com que são apresentados na história, pelo conceito do Show, Don't Tell, também é ponto chave. Talvez o público não repudiaria Cel. Hans Landa se pulasse a primeira cena de Bastardos, em que o personagem mostra sua maldade e genialidade sádica. Talvez não fosse tão divertido o Dr. King Schultz se pulasse aquela primeira cena onde ele liberta Django com frieza caricata e repúdio à escravidão estampado em sua cara.
Então, este texto é uma crítica ao fato de que alguns atores passam despercebidos em Hollywood simplesmente porque só encontram personagens entediantes e comuns. Personagens ruins, que os roteiristas não souberam apresentar de forma dramática o bastante. Mas quando um ator talentoso encontra um personagem bem escrito, bem apresentado na história e que tem a ver com sua personalidade, aí a coisa funciona: o ator ganha destaque, papéis posteriores, premiações e seus personagens tornam-se inesquecíveis.
Para nós, escritores, esse conhecimento é importante. Não queremos criar personagens anônimos; daqueles que deixariam um ator desconhecido continuar desconhecido, caso fosse interpretado. Queremos fazer personagens épicos, inesquecíveis, introduzí-los da forma mais dramática possível, para que o público os ame - ou odeie.
Queremos fazer personagens que levariam atores desconhecidos ao Oscar. Criar o próximo Cel. Hans Landa, o próximo Dr. King Schultz. O próximo Edward Scissorhands...