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TRÓIA

UMA CRÍTICA SOBRE TROIA


Segundo os créditos, Tróia, o Filme, foi baseado na obra de Homero “A Ilíada”. Tróia é Ílion. É filme de baixo orçamento, podendo facilmente ser classificado como Filme B. Diversão para a sessão da tarde. Filme simplório, dotado de texto básico e fácil, bem ao estilo Hollywood, apesar de algumas mensagens (torpedos?) na direção do velho e falecido Bush, como quando Aquiles fala para Agamêmnon de que um dia viria em que os Reis lutariam, por si mesmos, suas próprias guerras. Boa mensagem mas frase de efeito.
Não se encontra isso em Homero. E, o Peleu, falou de bobeira pois nunca vai acontecer. Já foi.
Meio faroeste é a cena em que Heitor manda que os exércitos levem seus mortos e o ajudante pergunta: “Será que fariam o mesmo conosco?”. A cara que Heitor faz – bom moço - leva-me a pensar que poderia ter dito: “ E eu sei lá? Acho que não. Esses gregos são tão maus!”
As liberdades em relação à obra de Homero são várias e gritantes e aborrecidas. O livro original tem tanta violência e sangue e aventura que já basta. Dá bem para um filme de aventuras e nesse sentido é perfeito – e para isso nem seria necessário que o autor se servisse da obra do poeta cego. Inventaria outra, no mesmo molde e estilo, como tantas já existentes, pois tudo é cópia de tudo. Talvez pretendesse uma justificativa intelectual para a obra. Mas, a cada canto – ou capítulo - mesmo Homero é chegado a ganchos, como nas novelas.
Por que subtrair Cassandra – a profetisa – se ela tem mais “panache”, maior carisma, que a mocinha Briseida? Além disso Cassandra é a mulher que tem tino para aconselhar que não levassem o tal cavalo para dentro da cidade. Quem, em sã consciência, vendo um cavalo de pau parado em frente à sua casa o pega e o leva para dentro, sem mais nem menos? E, olha que os Troianos já achavam a Cassandra meio amalucada. Agamêmnom, na história original, pega e leva a mulher para casa.
Por que suprimir o sacrifício de Ifigênia – filha de Agamêmnon – sacrifício ordenado pelo próprio pai para aplacar a ira dos deuses e garantir vento para a gigantesca esquadra? Se mantivessem a cena do sacrifício, Agamêmnon se tornaria aos olhos do público um terrível e sanguinário general, elevando, assim, o grau de horror em relação à ele. Todos torceríamos para que morresse no final. Mas, Agamêmnon é muito respeitado pelos seus seguidores. Só não topa muito o Aquiles Peleu, rapaz independente e arisco. E eu me pergunto: “Agamêmnon? Pra que a pressa? Ílion não sairia do lugar, mesmo”. Seria melhor diminuir o número de batalhas ou mesmo a cena do treino entre Aquiles e o íntimo primo e investir na cegueira política de Agamêmnon.
Tirante o salário do Brad Pitt, que foi alto, vemos que tudo foi filmado em locação, numa praia, sem maiores adornos e construções além daquele já ruinoso templo a Apolo. O resto – a multiplicação de soldados e as construções em imagens virtuais, provavelmente, é hoje, um produto muito barato na indústria cinematográfica americana. Os bonequinhos correndo na praia são curiosos e hilários. A maior parte do orçamento, com certeza, estava relacionada com o processo de distribuição e divulgação do filme Tróia.
Um argumento usado pelos críticos era de que a ação se focalizava nos humanos, eliminando a participação dos deuses. Puro engano. Ledo e Ivo engano. Os deuses, na Ilíada de Homero, são virtudes e qualidades que os humanos tomam para si a cada momento. Nada mais. Hoje em dia fazemos o mesmo quando dizemos: “Ele escapou do acidente por um triz. Graças a São Cristóvão, nada lhe aconteceu!”. Da mesma forma os gregos já o faziam. Quando Paris – também chamado de divino Alexandre - luta com Menelau, filho de Atreu e aluno de Apolo, Menelau o toma pelo capacete e o rapaz escapa por que a fita de couro arrebenta. No texto de Homero aparece como se Atena arrebentasse a tal fita. “Graças a Atena!”
Como ninguém acreditaria que Aquiles, – o de pés rápidos, pois corria muito -, morreu com uma flechada no calcanhar, a solução – boa até - foi arranjarem um jeito de encher o peito do herói com outras flechas, deixando de lado o fato de que Aquiles só era mortal no calcanhar por causa de uma proteção recebida dos deuses, durante banho na fonte sagrada. A culpa foi da mãe, que o segurou pelo calcanhar, enquanto o banhava. E que azar do rapaz me tomar uma flechada justo ali. Esses deuses! Esses banhos sagrados! Essas mães!
Para a façanha da flechada trouxeram Paris - o antigo elfo do Senhor dos Anéis – já tarimbado nessas lides de arco e flecha para desferir o tal dardo letal que ninguém sabe mesmo de onde veio. Veio de alhures.
Não contente com o resultado, o roteirista do filme elimina Agamêmnon no final, como se fosse um pobre rei babão qualquer, quando tenta agarrar a mocinha. Acontece que com esse “grand finale” o diretor de Tróia extermina com o resto da mitologia e, por conseguinte, das obras para o Teatro Grego. Sim, pois, no original de Homero e seus rapsodos, Agamêmnon vence Tróia e retorna para suas terras, leva consigo Cassandra como espolio de guerra, e, lá, ele será, então, assassinado pela sua esposa infiel e o fiel amante Egisto. Ela, vingando a morte da filha Ifigênia, e, o outro pegando carona no poder. Para vingar essa morte do pai – não a do filme – Orestes, o outro filho, retorna do exílio, e por aí vai, pois já é uma outra história e seria outro filme. 
O filme é fraco. Uma aventura fraca. O texto é banal e tem coisas do tipo “Vamos fugir juntos de Tróia, meu amor”. Só faltava Enéias dizer: “... e fundaremos Roma”. 
Da mesma forma, as cenas de nudez – veladas por sombras e noites - são inúteis e podem estar ali como não. Tão rápidas e furtivas que os atores levaram mais tempo tirando a roupa do que gravando.
Na verdade, ou no sonho de Homero – a guerra de Tróia não dura dois dias. Dura dez anos, e, aquilo que vemos na telona corresponde ao décimo ano da guerra. Esse longo tempo é dramático, em si mesmo, onde teremos sítio, fome, doenças, desesperos, saudades da terra natal e outras emoções que não passaram pela óptica dos autores de Tróia, o filme.
Há que se sublinhar a inexistência da Grécia, naquele tempo. Temos sim uma Liga do Peloponeso. Temos atreus, argivos, micenenses, beócios, helenos, argólidas, espartanos e outros tantos juntos numa Liga. Dizer, apenas, Grécia, fica mais fácil, não?
Tróia é um filme de puro senso comercial, sem nenhuma pretensão de outra coisa a não ser divertir. Perderam, no entanto, a oportunidade de divertir e educar, sem perder a mão e nem o sangue espirrado. Um paralelo positivo foi Brave Heart - Coração Valente – também na linha da lenda e da história; maior conteúdo veraz, apesar da mortandade nas guerras. Aliás, alguns atores estiveram nos dois filmes. Talvez sejam especializados em filmes épicos-sanguíneos.
A trilha sonora de Brave Heart é muito mais lírica, baseada em temas celtas, além de muito mais pujante. A de Tróia chama atenção a melodia do canto, logo no início, muito inspirada nas 18 vozes Búlgaras e nada mais. A música principal parece o tema do Thunder Cats e seu compositor copiou a si mesmo em Avatar e outros filmes menores, além de ter roubado temas de Shostavitch.
Fora de foco já basta a nossa consciência.

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Atualizado em: Ter 26 Mar 2013

Comentários  

#1 Brunno 28-03-2013 09:48
Excelente crítica, mais uma vez a obra literária se mostra infinitamente melhor que o roteiro adaptado. É incrível como isso sempre acontece. Todas as adaptações dos livros de Frederick Forsyth, a trilogia Bourne, e mesmo os que seguem a risca seus originais, como Guerra nas Estrelas ou O nome da Rosa. Bom trabalho de observação, parabéns.

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