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James Bond agora se escreve com X mutante de Primeira Classe
Um filme ambientado nos anos 60, em plena guerra fria, que mergulha no conflito entre Estados Unidos e Rússia, com agentes do governo que arriscam as vidas pelo destino da humanidade, em cenas de ação vertiginosas e surpreendentes, cercados de mulheres tão sedutoras quanto perigosas, numa luta contra vilões megalomaníacos e manipuladores em cenários exóticos e extravagantes, locações em várias partes do mundo e diálogos em diversos idiomas. Poderia ser um filme do agente britânico mais famoso do cinema, 007. Mas teríamos que escrever James Bond com X. O diretor Matthew Vaughn consegue atingir com X-Men – Primeira Classe (X-Men – First Class, 2011), o que Christopher Nolan alcançou com seus filmes do homem morcego, o Batman. E como diria Xavier. É um salto evolutivo.
O novo X-Men é, na verdade, o reinício da franquia mutante. Assim como os recentes filmes que resgatam outras franquias com sucesso como Cassino Royale, Batman Begins e Star Trek. A franquia dos mutantes da Editora Marvel teve vários momentos nas telas e começou bem com X-Men (2000), passando pelo melhor até então, X2 (2003), tropeçando no X-Men 3 (X-Men – The Last Stand, 2006) e escorregando ladeira abaixo com X-Men Origins: Wolverine (2009). Mas os fãs podem celebrar porque o novo filme é um triunfo em todos os sentidos.
A trama principal se passa em 1962, o ano em que James Bond surgiu nas telas com 007 Contra o Satânico Dr. No (Dr. No, 1962). Clássico da espionagem com o melhor de todos os agentes Bond, Sean Connery. O clima de guerra fria exala no ar. E surge Lehnsherr, Erik Lehnsherr. Codinome: Magneto. O mestre do magnetismo se revela desde a infância sofrida no campo de concentração de Auschivitz, na Polônia, expandindo o que já foi mostrado no primeiro filme dos X-Men e revelando novos contextos que vão influenciar fortemente a trama do presente filme. Erik vivencia o que existe de pior no ser humano e as conseqüências extremas do medo e do preconceito. Marcado por uma infância difícil, só resta a Lehnsherr seguir uma trilha de vingança e de ódio contra seus captores e a humanidade. Desse ponto, temos o elo com James Bond. Lehnsherr, graças à inspirada atuação de Michael Fassbender, demonstra força e determinação em sua caçada. Como um agente implacável perseguindo seus inimigos. Não importa o país, nem o idioma.
O público conhece Magneto como um dos mais intrigantes vilões do cinema interpretado com maestria por Sir Ian McKellen nos primeiros filmes da franquia mutante de X-Men. Os fãs de quadrinhos conhecem o personagem há mais tempo. Desde setembro de 1963, quando Stan Lee e Jack Kirby lançaram o primeiro exemplar da revista X-Men pela Editora Marvel. Agora, Michael Fassbender nos apresenta novas nuances do personagem e nos faz acreditar na improvável amizade entre Magneto e seu oposto ideológico, Charles Xavier. O diretor sabe como entrelaçar seqüências que servem de contraponto entre realidades distintas que moldam o caráter de personagens conflitantes em diferentes momentos de suas vidas. Enquanto Magneto tem uma vida sofrida e de sacrifícios, Xavier vem de uma família rica, sem privações e com liberdade. Ele, ainda criança, sabe de sua condição especial, aceita a si mesmo e aos outros, chega até a acolher uma jovem mutante no seio de sua família.
São contrapontos importantes para explicar a natureza de cada um. Enquanto Magneto enxerga a humanidade com desconfiança e reage a qualquer possível ameaça como um animal acuado, Charles Xavier (James McAvoy) reflete uma visão otimista de que é possível harmonizar humanos comuns e mutantes e compartilha de seu sonho com outros mutantes. Quando os dois convergem numa amizade, já mostrada nos quadrinhos, antes da formação inicial dos X-Men, os pontos de vista conflitantes estão presentes, mas Magneto ainda tenta investir no sonho de Xavier, buscando uma forma de aplacar e, até mesmo, superar sua desconfiança nos humanos. Essas diferenças entre Magneto e Xavier, sempre serviram como um dos principais componentes dramáticos dos X-Men nos quadrinhos, por décadas. Entendido pelos críticos como análogo aos conflitos raciais nos Estados Unidos e as diferenças ideológicas entre Martin Luther King Jr. e Malcolm X. Os X-Men sempre se destacaram por discursar contra o preconceito sobre raças e minorias e o diretor sabe tirar proveito disso no novo filme.
Entretanto, o vilão aqui não é Magneto. Entra em cena uma ameaça capaz de unir diversos mutantes e humanos. Sebastian Shaw, interpretado por Kevin Bacon, é outra grande surpresa do filme e mais um elo com a franquia James Bond, acostumada a vilões megalomaníacos, sádicos, estratégicos, manipuladores, cercado de luxo, e, claro, de belas e letais mulheres. Shaw demonstra porque é o líder do grupo mutante conhecido como Clube do Inferno. Seu objetivo é simples. Expurgar toda a humanidade instigando a Terceira Guerra Mundial. Ele projeta um cenário de horror e usa seus poderes e aliados para atingir tal objetivo. Mas a situação criada por Shaw tem um toque de realidade, tirada dos livros de história. O líder do Clube do Inferno é responsável pela crise dos mísseis em Cuba, um momento de tensão vivido entre os líderes da Rússia, o Primeiro Ministro, Nikita Kruschev, e dos Estados Unidos, o Presidente John F. Kennedy.
E nem pense que o filme valoriza apenas os personagens principais. Outro grande trunfo do diretor e do roteiro é saber valorizar cada participação. Os demais mutantes estão lá, recrutados pela CIA, através da agente Moira MacTaggert para enfrentar a grande crise. São jovens mutantes, reunidos por Xavier e Magneto, com grande potencial esperando para ser desenvolvido. Os jovens formam a Primeira Classe do título (ou turma). Vemos então Destrutor (Lucas Till), Fera (Nicholas Hoult), Banshee (Caleb Landry Jones), Darwin (Edi Gathegi) e Angel (Zoe Kravitz). Com destaque para Mística (Jennifer Lawrence), tão instigante quanto nos demais filmes. Eles incorporam o espírito de jovens dos anos 60 e podemos vivenciar seus medos, anseios, frustrações e alegrias. Os personagens mutantes do Clube do Inferno liderados por Shaw, por outro lado, são pouco explorados, servem como suporte para a atuação de Bacon como Shaw e para enfatizar o tom de ameaça, com poucos diálogos, mas com várias cenas de ação. São Emma Frost (January Jones), Azazel (Jason Flemyng) e Maré Selvagem (Álex González). Sem a tradicional participação de Stan Lee em alguma ponta engraçada do filme, os fãs de quadrinhos não precisam reclamar porque tem uma participação surpresa bastante especial que é diversão garantida.
Com locações imprevisíveis e diversificadas: Nova York, Polônia, Genebra, Oxford, Las Vegas, Argentina, Miami, Washington, D.C., Rússia, Cuba, o diretor sabe como explorar os elementos dos anos 60 na trama e adotar um estilo visual característico da época, reforçado pelo conjunto composto por figurinos, cenários, cenografia, tecnologia e música. A aposta de Vaughn em lançar os mutantes num prequel inserido nos anos 60, em reverência ao período em que os personagens foram criados, parecia um risco muito alto até para um grande estúdio de Hollywood investir. A escolha feita pelo diretor poderia limitar a história e suas possibilidades narrativas e dramáticas. Ao invés disso, ele teve a habilidade de usar esse contexto a favor da trama, misturar elementos fantásticos com o pano de fundo histórico, dando um toque de realismo dificilmente alcançado por outras adaptações de quadrinhos de fantasia nas telas e assim compor o melhor filme da franquia mutante até o momento.
É importante salientar que o Estúdio Fox estava em débito com Matthew Vaughn quando o afastou da direção de X-Men 3 e entregou ao diretor Brett Ratner, um nome mais popular na época, por causa da franquia A Hora do Rush com Jackie Chan. O resultado, todos conhecem. Um filme abaixo das expectativas. Vaughn seguiu em frente. Dirigiu outras adaptações bem conhecidas pelos fãs de quadrinhos como Stardust – O Mistério da Estrela (Stardust, 2007) e Kick Ass – Quebrando Tudo (Kick-Ass, 2010), conquistando o respeito de crítica e público. Vaughn mostrou ao Estúdio Fox que estava à altura do desafio de encarar os mutantes nas telas. Por isso, o Estúdio apostou alto.
Por outro lado, o diretor Bryan Singer estava em débito com a Fox, ao abandonar o filme X-Men 3, antes de todos, para assumir na Warner, o sofrível Superman Returns. Um desastre cinematográfico que deve ter feito Singer se arrepender amargamente da escolha. Para espiar os pecados, Singer se reuniu com Ashley Miller, Zack Stentz, Jane Goldman e o diretor e co-rroteirista Matthew Vaughn para fazer um roteiro milimetricamente estudado e inspirado. Singer também assina a produção ao lado de sua parceira nos demais filmes da franquia, Lauren Shuler Donner. Também conhecida por ser esposa de Richard Donner, diretor do lendário Superman – O Filme (1978).
A Marvel Comics, editora de quadrinhos norte-americana, responsável por Quarteto Fantástico, Demolidor, Hulk, Homem Aranha, Capitão América, Thor, Homem de Ferro, entre tantos, agora celebra o triunfo de Matthew Vaughn com o novo X-Men, no mesmo ano em que chegam as telas mais duas produções: Thor e Capitão América. Justin Chang da Variety considera que Vaughn superou as expectativas com um filme que pode incomodar os puristas, mas certamente vai agradar os fãs como também aos novos espectadores. Dan Jolin publicou na Empire Magazine que este é o mais brutal de todos os filmes de X-Men, elevado ao nível do filme Cavaleiro das Trevas (Dark Knight, 2008). A julgar pelas críticas positivas que o filme conquistou e seus elementos capazes de garantir um grande sucesso de público. Certamente, teremos o início de uma nova trilogia, já sugerida pelo diretor em entrevistas. Que venha os próximos X-Men. Vida longa a franquia mutante.