- Crítica
- Postado em
Woody Allen mitifica Paris após as doze badaladas noturnas
Um inseguro aspirante a escritor, apesar de ser roteirista de sucesso em Hollywood, põe o próprio casamento em crise em sua incansável busca por inspiração nas ruas da cidade luz, no filme Meia Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011), novo trabalho de Woody Allen. O escritor e alterego do diretor, interpretado por Owen Wilson, realiza uma inesperada jornada que o permite não apenas conhecer famosos pontos turísticos, como também interagir numa versão cada vez mais mitificada e romântica da cidade. Os elementos de sempre do cineasta estão ali reunidos ao som de Jazz, sempre com humor refinado, ingênuo, saudosista e cheio de referências, em uma abordagem típica de sua filmografia.
A própria cidade que serve de cenário, atua como personagem e impõe a força de seus elementos. Entretanto, diferente de muitos dos filmes de Allen em décadas, a cidade não é Nova York e, sim, Paris. O filme é integrante da recente fase européia do diretor que largou a cidade norte-americana para filmar na Europa, em busca de melhores incentivos fiscais. Ele já visitou Londres (Match Point e Sonho de Cassandra) e Barcelona (Vicky Cristina Barcelona).
Com um olhar sobre a fascinante Paris, o cineasta rende uma encantadora homenagem à cidade e nos brinda com um roteiro surrealista e envolvente onde o escritor Gil transita entre a Paris contemporânea e a Paris de seus sonhos, mitificada, idealizada e contextualizada em outras eras. Para Gil, a Paris ideal é aquela em que grandes escritores e artistas nos anos 20, dedicaram parte de suas vidas e construíram obras imortais. Num efeito inverso ao da Gata Borralheira, em que as doze badaladas do relógio marcam o fim do encanto, o filme mostra que as portas para a Paris da fantasia se abrem exatamente a meia noite.
Assim, o aspirante a escritor conhece seus ídolos, F. Scott Fiztgerald, sua esposa e musa Zelda, Ernest Hemingway, Cole Porter, Pablo Picasso, Luis Buñuel, Salvador Dalí, T.S. Eliot e Gertrude Stein entre festas da alta sociedade e cafés decadentes, num desfile de grandes personalidades da época. Os nomes podem soar estranhos para o público jovem atual que tem como referências J K Rowling (Harry Potter), Stephenie Meyer (Crepúsculo) e Lady Gaga. Mas foram os nomes mais representativos daquela época e suas obras imortalizadas marcaram gerações de leitores e resultaram em grandes adaptações nos cinemas.
Fiztgerald foi autor de O Grande Gatsby e O Último Magnata. Hemingway escreveu Adeus às Armas e O Velho e o Mar, Eliot era poeta e escritor de peças de teatro como O Rochedo e Crime na Catedral, Picasso e Dali foram grande pintores, Stein foi escritora imortalizada por Autobiografia de Alice B. Toklas, além do cineasta Buñuel, diretor de O Anjo Exterminador e Discreto Charme da Burguesia. Como apresentado no filme, grandes artistas, vindo de várias partes do mundo, orbitavam em Paris, trocando idéias, parcerias e experiências, dando continuidade à grande efervescência cultural da cidade.
As tantas referências podem intimidar um pouco o público de hoje, mas Woody Allen constrói um filme tão cativante e envolvente que fica difícil não mergulhar de cabeça nessa fantasia divertida e pitoresca. Meia Noite em Paris torna-se um dos trabalhos mais acessíveis e leves do diretor norte-americano, assim como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Rosa Púrpura do Cairo e tem todas as chances para também seduzir o grande público. Isso explica o sucesso da obra em diversos países, inclusive o Brasil. O filme, em algumas semanas, já tem a maior arrecadação de bilheteria dentre os filmes do diretor fascinado por Jazz. Além de Wilson, o elenco conta com Marion Cotillard, Rachel McAdams, Adrien Brody, Kathy Bates e Michael Sheen, como o chato de plantão. O espectador mais atento vai encontrar a modelo brasileira, Carla Bruni. Famosa não apenas por sua beleza, mas por ter se casado com o presidente da França, Nicolas Sarkozy, depois dele ter se separado em plena campanha eleitoral.
O quadro pintado por Allen no seu Meia Noite em Paris pode ter uma composição complexa e surreal, repleta de referências e personagens mitificados, mas quando observamos o quadro por inteiro, é fácil perceber a genialidade do diretor que regeu com sensibilidade e simplicidade, seu hino de amor a Paris. Na verdade, uma justa homenagem à cidade que inspirou tantos artistas por séculos. Quem sabe no futuro, Woody Allen não se encante por alguma cidade brasileira e resolva transformar em cenário para alguns de seus filmes. Será muito bem vindo. Mesmo que seja a meia noite.