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INESPERADA MANHÃ

Um velho miserável caminhava distraído pela Rua Major Diogo, no bairro do Bexiga, quando ao passar defronte a um velho casarão, cruzou os portões, adentrou pelas alamedas de árvores frutíferas e notou a figura desconsolada de uma senhora que diante das escadas olhava as altas paredes de vidro de um solário. Intrigado e intimidado, se aproximou cuidadoso, temendo uma repreensão da elegante dama. Ela parecia não notá-lo, permanecendo estática com os olhos fixos no alto da mansão. Era o início de uma manhã fria de domingo na cidade de São Paulo. 

Desconfiado, o andeiro olhou em derredor e decidiu deixar o lugar. Quando estava prestes a cruzar os portões, ouviu uma voz serena e carinhosa. Parou e voltou-se para a elegante senhora que caminhava lenta ao seu encontro. Aquela senhora aproximou-se do andarilho e pediu que lhe providenciasse um táxi. Ainda desconfiado, não questionou, deixou o casarão, olhou em volta e saiu decidido a cumprir o pedido. Antes de alcançar a Avenida Brigadeiro Luís Antônio, notou um veículo estacionado na porta de uma lanchonete; olhou discretamente de soslaio, hesitou e, manso, transmitiu o recado ao taxista que não lhe deu muita importância e ainda murmurou reclamando. Ele deu de ombros não se importando e seguiu na direção da avenida à sua frente. Antes de alcançar a esquina, ouviu a voz do motorista lhe chamando.

Minutos após, o táxi estacionou em frente ao casarão onde já era aguardado pela senhora descrita. Ela embarcou e consultou o chofer sobre o velho andarilho. Logo, seguiram à sua procura e o avistaram quando entrava na movimentada avenida adiante. Embarcados os três, partiram para um endereço sugerido na Rua Sete de Abril, ainda na região central.

Pararam diante de um prédio onde, hoje, se ergue uma galeria. Naquele local, a elegante senhora capturou em suas retinas, lembranças nostálgicas de uma época onde recebia amigos artistas para sonhos utópicos em belos e noturnos saraus; confessou que ali, num palacete, vivera dias e noites esplêndidos para tramar a Semana da Arte Moderna. Suspirava ao recordar o grupo dos 5, onde os homens escreviam e as mulheres pintavam... 

Alguns minutos após a saudosa contemplação diante da galeria, a elegante senhora volta a embarcar no táxi que faz o percurso de volta ao velho casarão da Rua Major Diogo, no bairro do Bexiga. Silenciosa, seguia agora sem a companhia do velho miserável que se despediu e seguiu em meio à frenética multidão da cidade... 

Sem nada falar, desembarcou, transpassou os portões e cruzou as alamedas de árvores frutíferas até se perder no alpendre no alto das escadas. Após alguns minutos, o taxista se impacientou e resolveu fazer o mesmo percurso da estranha passageira; chegando ao final das escadas, sentiu uma estranha sensação e um calafrio percorreu lhe o corpo; adentrou no corredor, bateu palmas e chamou por alguém. Logo foi atendido por uma senhora que usava grandes óculos de aro redondo e que tinha um sorriso acolhedor. Explicou o acontecido, detalhando a estranha viagem e seus personagens, dizendo que precisava receber pelo serviço, pois tinha contas para pagar... Durante as difíceis explicações e os argumentos da mulher diante do misterioso acontecimento, o taxista recobrou a memória e lembrou-se do nome pronunciado pelo andarilho ao se despedir da elegante senhora — Dona Yayá! 

A mulher de grandes óculos de aro redondo, pasmada, sorriu um sorriso curto e nervoso diante daquele inesperado. 
— Não é possível! — Informou ela que naquele local funcionava um Centro de Preservação Cultural, mas, de fato, ali morara uma pessoa com aquele nome; no entanto, há muitos anos não estava mais entre eles...
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Atualizado em: Seg 7 Mar 2016

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