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  • [Roteiros] DETALHES

    14h16

    Acho que sim. Você disse que não corre atrás e que não irá implorar nada. Sei que faz quando vê um problema, mas, aparentemente, não vê problema em nada.
    [...]
    Vejo sim. Vejo um problema, mas não o mesmo que você.
    Simplesmente queria que se colocasse no meu lugar. Mas, nāo tenta fazer isso. Fica dizendo equivocadamente que eu nāo tenho o direito de me justificar ou de também estar chateada. Acho um absurdo. Só queria que visse o meu ponto de vista para entender que "eu tenho o direito sim" e não ficar como hipócrita na sua visão.
    A sua frustração é quanto a um ocorrido, qual eu ainda não entendi pois você se recusa a explicar; a minha, por vez, é com a sua forma de lidar com ela, o seu modo de agir quando diante de uma situação de incômodo. Você está agindo pensando no mérito e eu no processo.
    [...]
    Entendi. Sei que se trata disso. Quanto a minha forma de lidar, reconheço que me estresso, quero distância no momento e me recuso a falar a respeito, faço isso porque qualquer atitude/decisão minha no momento será influenciada pela emoção, acabo sendo imediatista e agindo de uma maneira que sempre me arrependo depois.
    O seu agir na emoção me afeta de um jeito que você nāo faz ideia e a minha frustração/irritação foi justamente por isso.
    Eu nāo sou assim, a gente é diferente nisso. Tento nāo ser imediatista, as coisas ditas em instantes ficam e a gente nāo apaga. Quando eu tomo uma decisāo é de verdade, pra valer. Por isso te perguntei e te disse "me fala quando tiver convicção". Por isso nenhuma vez eu disse qualquer coisa do tipo. Não sei se entende o peso de falar isso…
    [...]
    Compreendo perfeitamente. Mas, voltando ao cerne da questão, ao mérito, ao que me frustrou… você não se desculpou de nada, em momento algum, somente justificou tudo. Eu entendo e concordo com o que disse, mas eu não quero mais ouvir justificativas e argumentos.
    Não fui bom o suficiente pra você e acho que, talvez, nem você pra mim. Como você mesmo falou, não costuma "correr atrás", se é assim, por favor, não faça isso, minha decisão está tomada.
    [...]
    Não sei o que falar nessas horas. Ainda assim, já nāo importa.
    Eu fui de verdade. A todo instante, nāo menti ou camuflei nada. Fui sempre sincera.... desde o início, até mesmo no longo "meio-termo". Quero que saiba. Não comecei nada cogitando um fim, mas, as vezes é como aquela música da Cássia Eller " o 'pra sempre' sempre acaba".
    [...]
    Você sabe porque acabou.
    [...]
    Eu sei, pelo motivo que eu nāo queria que tivesse acabado.


    20h02

    [...]
    Isso está me torturando.. Vai me atender?
    [...]
    Por qual razão saiu e me deixou falando sozinha?
    Eu disse que tinha muito a falar, pois, depois que tanto implorei para pontuar, fui capaz de compreender seus motins (finalmente entendi ao que se referia ao falar em "detalhes") e você ainda insistiu em sair andando.
    [...]
    Você só diz o que eu não preciso ouvir.
    Sabe o que aconteceu e você parece não se dar conta? Hoje eu percebi, com decepção, que você não correria atrás de mim. Simplesmente parece que não se preocupa com a ideia de poder "me perder". Seria capaz de me deixar partir por uma simples desavença, por ser orgulhosa a ponto de não querer correr atrás e fazer eu ficar.
    Demonstrou que não faz "questão" de me manter na sua vida. Aliás, confesso, ver sua indiferença me matou.
    O papel que eu fiz hoje, você quem deveria ter feito. Eu quem estava frustrado e decepcionado, o que me levou a cogitar uma ruptura, literalmente fui atrás de você por ter dito aquilo a flor da pele, para "resolver" as coisas.
    [...]
    Eu faria, faria o mesmo. Se, desde ontem, soubesse exatamente do que se tratou o seu desconforto, como fui capaz de compreender hoje depois que se propôs a falar. Já disse, não leio mentes.
    Aliás, faço questão sim. Diferente de você, eu sequer colocaria a hipótese da gente terminar por causa de uma simples briguinha.
    [...]
    Você ficou argumentando, tentando se explicar de alguma forma para se isentar de qualquer sentimento de culpa, enquanto deveria ter ficado quieta nesse sentido e simplesmente tentado resolver as coisas, independente de seja lá o que for.
    De antemão, esclareço que, sequer se trata de um "problema". Você se expressou mal, creio eu. Não "errei". Isso sequer deveria ter tido condão para causar discussão.
    Meu bem, uma omissão minha que te fez sentir-se mal… deveria tranquilamente ter me dito, nas suas palavras, que: "eu gostaria que agisse assim, essas pequenas coisas que deixam confortável e demonstram - para mim - que estás comigo, me fará muito bem se passar a ser mais atenciosa nesses detalhes, por mim".
    [...]
    Mas, independente do cerne da situação, você me deixou partir. Algo que eu jamais esperaria. Aliás, ainda nem consigo digerir isso, fiquei incrédulo e por isso mais uma conversa.
    [...]
    Estávamos conversando e tentei explicar o meu agir diante de como vi a coisa. Você parece não perceber que eu não iria "correr atrás" diante de uma situação onde eu sequer constatei "problema" para justificar sua escolha de partida.
    [...]
    Eu vi indiferença da sua parte e me magoou muito. Não disse o que precisava dizer, o que eu precisava ouvir e, sobretudo, o que deveria ter dito. E tenho convicção de que sabe ao que me refiro.
    Isso aqui não era para estar acontecendo, estou praticamente te cobrando. Se você quisesse a minha presença, diria por espontânea vontade. Mas, pelo jeito, a ideia de ruptura não te suscita nada. Não te assombra.
    Como se não bastasse, depois de tudo o que foi dito, das coisas que eu queria ouvir após todo esse meu agir, ainda não ouvi ainda.
    [...]
    Há pouco tempo, eu jurava que você estava disposto por um ponto final no nosso vínculo e isso definitivamente não era o que eu queria. Mas, com tudo nebuloso, ainda ousei e falei: DECIDE e me diz uma coisa dessas somente quando tiver convicção, justamente para você repensar e prestar atenção no absurdo. Sabe, eu jamais imaginaria que diria o que disse. Confirmando uma escolha ruim.
    Eu nāo tinha como correr atrás. Aliás, eu jamais imaginaria que precisaria correr atrás pois eu não fazia ideia de que, diante de uma situaçāo mal interpretada e não esclarecida, você diria um adeus.
    [...]
    Essa conversa não vai dar em nada de novo. Não entraremos em um consenso. Sabe, como se não bastasse, constatei algo que me abalou. Vamos deixar a situação como está.
    Por fim, te peço desculpas por não ter tentado lidar com as situações de incômodo de uma forma melhor.


    22h45

    [...]
    Eu te peço desculpas, agora, por nāo agir do modo que você gostaria, um modo que eu poderia agir e não percebi (digo isso quanto aos detalhes). Aliás, me desculpa por ser "individual" em algumas coisas, sua frustração nesse sentido é, infelizmente, válida. Reconheci isso, percebi tudo sobre os detalhes depois que se propôs a pormenorizar.
    Eu já havia dito que agiria de acordo, por querer agir, por ver sentido em passar a agir assim. Agora, sei como são importantes, apesar de chamarmos de "detalhes".
    Peço desculpas também por nāo ser direta, sei que isso complica muito as coisas.
    Peço desculpas por colocar expectativa no seu agir e me frustrar com ele.
    [...]
    Pediu desculpas somente após ouvir as minhas pelo meu imediatismo cego. Pediu desculpas como se fosse por obrigação.
    Sinceramente, se eu nunca amei alguém antes, acredito que estou amando agora e não gosto de amar alguém. Dói e frustra. Não quero esse sentimento de amor.
    [...]
    Isso foi inesperado e cortante. Não queria te proporcionar isso. E, outra, você nāo é o único a ser afetado nessa história.
    Sobre desculpas, está equivocado. Eu mesma já te disse que um pedido de desculpas sem mudança é manipulação.
    [...]
    Quanto a minha dor, já tomei atitude a respeito. Você precisa me esquecer, o que eu acho que não é tão difícil, a ausência do seu agir quanto aos detalhes me leva a pensar assim.
    [...]
    Não tenho como esquecer ou parar de sentir tudo o que pulsa em mim de uma hora para outra.
    Qual atitude? Aquela decisāo anterior? Aquilo realmente é do seu desejo?
    Como assim, isso foi um "eu amo você"? Disse me amar e não gostar disso?
    Cacete. O primeiro "amo você" que ouvi, dessa forma de amor, foi pronunciado com pesar. Não faz ideia do quanto isso é decepcionante.
    Vejo que está decidido… Se é assim, quanto aquele texto, sobre o parágrafo final (que prometi te responder na hora certa), foi sincero. Sei que nāo mais te importa, mas, foi real.
    Isso explica muita coisa... o meio-termo que me submeti, mesmo sendo doloroso para mim, por causa do desdém e, ainda assim, eu estou aqui.

    [...]
    Um amor que só você sabe que existe? Que não me demonstra com atitudes? Um sentimento que eu não vejo? Um sentimento vomitado? Você me diz muitas palavras de amor, mas tenho a sensação de quem são da boca pra fora.
    [...]
    Eu tenho plena convicção do que sinto e é horrível te ver menosprezando algo que está em mim, algo puro e singelo que pulsa por você.
    Sabe, quanto às suas perguntas retóricas, eu também poderia fazê-las. Principalmente por você ter colocado a hipótese de ruptura, enquanto eu jamais faria uma coisa dessas.
    [...]
    Não conta isso que estou fazendo? Nem mesmo tudo o que já fiz até agora? Aliás,coisas que eu nunca fiz e jamais faria por nenhum outro alguém?


    00h05

    […]
    Tem mais alguma coisa a falar?
    [...]
    Só a ouvir...
    [...]
    Isso quer dizer que está me esperando dizer algo específico?
    [...]
    Talvez. Na realidade, se trata do que eu gostaria de ter ouvido há muito tempo. Mas, não sei, acho que já desencanei…
    [...]
    Entāo isso significa que independente da nossa conversa a sua decisāo é aquela?
    [...]
    Faça uma reprise de todo o acontecido, lembre das coisas ditas.
    Eu fiz e percebi coisas que eu e você dissemos e que nāo dissemos. E, sobretudo, nas coisas que eu falei.
    Aliás, aceito suas desculpas, ainda que você nāo reconheça as minhas.
    [...]
    Eu aceito as suas. Mesmo que eu não tenha sentido sinceridade.
    Como assim? Esteve repensando exatamente o que?
    [...]
    Como as pessoas são capazes de sentir e isso nāo estar ao alcance do outro.
    [...]
    Se refere a o que?
    Quando eu disse que sinto o mesmo que você, me falou que nāo percebia assim…
    [...]
    Não irei te enganar com uma mentira. Não há nada que eu possa fazer a respeito, pois se trata do que eu vejo e sinto.
    [...]
    A gente pode levantar infindas coisas para justificar o nāo crer no que o outro alega sentir.
    [...]
    Eu não vejo o seu sentir e se ele realmente existe, não me satisfaz.
    (...)
  • [Roteiros] ESPETÁCULO

    (…) — Gosta dessa quebra?


    Penso diferente, vejo diferente a situação. É como se eu assistisse você dançar, ir e voltar, se fazer e se desfazer. Se refazer. Oscilar quando lhe é conveniente. Entende?

    Eu sou a plateia. Aquela que assiste com certa indiferença. Já que a plateia segue inerte e se adapta ao que assiste, ainda que com uma visão crítica, seja ela negativa ou positiva. Mas, ainda assim, aquela plateia que não abandona o espetáculo. E, talvez eu seja esse tipo de espectador. Não sei, complicado.

    A questão é que, pensando do ponto de vista do espetáculo, há instantes em que a gente, expectador, se ver extremamente cativado, porque tudo ainda é desconhecido e ainda estamos esperando, com ansiedade, já que não sabemos o que vai surgir dali. É fresco. Desperta uma enorme curiosidade para desvendar o desconhecido. É excitante. Principalmente a ideia de ter algo tão próximo e quase ao alcance das nossas mãos. O segredo está aí, no quase, principalmente na incerteza se as nossas expectativas quanto ao que está diante de nós serão supridas ou frustradas.

    Só que quando nos deparamos com o primeiro embate, a primeira crítica negativa, a primeira cena do espetáculo que a gente não gosta… acho que a oração é essa “não gosta” ou que fere aquilo em que acreditamos, bem como os nossos valores ou princípios; a gente fica com um pé atrás, surge então o receio do que há de vir, a plateia fica com um olhar mais cauteloso.

    Alguns, talvez, quem sabe, até mesmo fascinado pela quebra de expectativa. Ruptura.

    Aí sim, ocorre aquela velha coisa de “se adaptar a situação” e nosso encanto passa a se pautar em momentos. “Ah, gostei dessa cena” outrora “nossa, não gostei nem um pouco disso”… entende? Deixando-se levar pela maré.

    Sempre vai ser assim, passa a ser assim, a depender do espetáculo como um todo e do desenrolar do enredo, o espectador vai se adaptando as cenas e se impondo a respeito delas ou, simplesmente, sem mais nem menos, em algum instante sai da sala e abandona o espetáculo.

    Isso, abandona. Porque já não faz sentido ver aquilo, assisti-lo já não o cativa. Talvez justamente em razão das coisas que confrontam os seus anseios, valores princípios ou, até mesmo, as expectativas frustradas do espectador; se sobressaem quando diante das coisas que o cativaram naquele espetáculo. Então, o espectador decide ir embora, com plena convicção e ciência do que faz. Ele sai daquela sala, literalmente abandona, porque já não há mais sentido permanecer, ficar, e observar uma coisa que em cima ele vai desmoronar.


    […]

    (…) — Por que permanece?


    Sinceramente, não sei.

    Acho que… ansiei por tempo demais a transformação do vínculo, o ápice, ou melhor, a saída do meio termo. Eu percebi a entrada e não a interrompi, pois acreditei que logo haveria uma definição e a linha já não seria mais tênue. Seria uma coisa ou outra.

    Mas, eu esperei por tempo demais. Identifiquei idas e vindas e senti coisas diversas. Também reconheci muita coisa que me desagradaram e que pulsam para que eu abandone o espetáculo e pequenas coisas que me cativaram, sendo assim, me fazendo questionar o que mais teria a conhecer.

    Me importei com algumas coisas e muitas outras me atingiram, justamente por ferirem meus valores e princípios. Sobretudo, ainda assim, houveram aquelas que eu gostei intensamente.

    E permaneço, creio, que por elas.

    Quer saber? Acontece que eu já nem sei. Simplesmente permaneço. É isso, fico a observar. Porém, sem expectativas, nem mesmo a menor delas. Nenhuma.


    […]

    (..) — Está presa nisso aqui e não quer assumir.


    É realmente tudo muito ridículo.

    Respirei profundamente.

    Naqueles segundos, não me olhei para mim, me desfiz e me refiz.

    E é quando, finalmente, me levanto.

    Após nenhuma cena específica, mas, simplesmente porque aquilo já havia me cansado. Passou a ser tedioso e nenhuma cena mais me causava euforia e as que deveriam me causar pavor, nāo me surpreendiam. Eu seguia inerte, sequer ansiava o final do enredo ou fazia presunções.

    Me levanto. Sem mais, nem menos. De uma hora para outra. Sozinha. Sem nenhuma transformação. Cambaleio no escuro, esbarro em uma pessoa ou outra, ouço alguns murmúrios e sussurros, sobretudo questionamentos sobre a minha saída.

    Em segundos, passo pela grande porta. E, por incrível que pareça, indago a minha partida. Sigo o longo carpete vermelho e entro desesperadamente no banheiro.

    Fito o meu rosto sereno e sólido no espelho. “O que estou fazendo? Vai continuar se submetendo a isso aqui? Você merece mais”.

    Suo frio e cogito voltar. Não sei exatamente o que me levou a isso.

    Lavo as minhas mãos e, numa tentativa fútil de amenizar a tensão, — que não sei donde vinha — as deslizo molhadas sobre meu rosto.

    Encaro-me. E falo, alto e em bom tom, para mim mesma, com convicção: “eu abandono o espetáculo, agora”.

    Então caminho suavemente até a loja de conveniências, compro um chocolate qualquer, o saboreio, reclamo do gosto enjooso.

    Como se não bastasse, resmungo do tempo perdido e do valor do ingresso da porra daquele espetáculo.


    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2019]

    @janacoutoj

  • [Roteiros] ETERNO

    […]

    Estive refletindo todo esse portfólio. O nosso amor. Sabe no que tanto andei pensando? Que a gente deveria casar. E ter uma família, cachorro. Temos uma conexão surreal, gostamos muito um do outro. Não há desculpas ou o que se questionar. Já sei que a resposta é um sim, não precisa responder. Agora só falta marcar o dia… Pode ser hoje mesmo, ao anoitecer, no Recanto, assim que eu sair do trabalho. Fechou então, marcado.

    Vamos mesmo casar hoje, viu? Uma cerimônia a dois, simples e singela, vamos eternizar cada segundo entre o luar e o alvorecer.

    Está será a noite mais incrível dos nossos dias.

    Olha, juro para o Universo que não estou brincando. Você diz que eu sou louco, mas ainda não sabe o quanto. Te amo, meu Jacarandá.

    […]

    Está falando sério? Adorei o seu falar cheio de convicção. Convicto quanto a mim. Exatamente assim, não há que se ter dúvidas.

    Eu trocaria a eternidade por esta noite, como em “Relicário — Nando Reis”. Caso com você quando e onde quiser.

    Assim que te vi, topei uma vida com você e todos os frenesis que há de vir. Estamos entrelaçados. Ligados por todo o sempre.

    O destino me mostrou isso ainda no principio. Te contei, cedo, nas entrelinhas e você não se deu conta.

    Lembra quando nos conhecemos? A primeira vez que nos encontramos?

    Recordo fervorosamente cada detalhe. A primeira vez que senti o seu toque, o teu cheiro, o teu olhar… A primeira vez que ouvi o teu timbre. O nosso abraço sob a densa chuva.

    As águas de março fechavam o verão e naquele dia eu tomei o banho de chuva mais gostoso da minha vida. Sobretudo, me vi no envolto corporal que estranhamente me arrepiou dos pés à cabeça.

    Somente quando diante do seu olhar eu compreendi tudo. Se tratava daquilo… a chuva.

    Quando do nosso primeiro beijo, a chuva também estava lá. Marcando o principio do relicário imenso desse amor.

    Em algum lugar no tempo ouvi dizer, e acredito com veemência, que as coisas que se iniciam com a chuva são eternas. Nos transformam. Mudam a nós mesmos radicalmente. É um sinal de que estamos alinhados ao nosso destino. São instantes atemporal.

    Sabe, tenho essa sensação… de que o “eu e você”, de algum modo, sempre esteve escrito. Não sei explicar, só sinto.

    […]

    Mulher, você é fantástica. Confesso, tive receio de que julgasse bobo, precipitado e mal desse ouvidos. As estações correm e nós permanecermos a agir como no principio. Não há que se esperar nada se tratando de nós dois. Não passamos vontade. Não importa como, quando ou onde. Gosto disso na gente.

    […]

    Óbvio que foi inesperado. Sem mais nem menos, de um instante a outro. Aliás, diante de tudo isso aqui, inequívoco que eu seria incapaz de dizer um “não”.

    Se trata de você, meu bem. O homem que tem nas mãos o meu choro de mulher, que tem o meu ver, o meu olhar e o que quiser.

    Eu toparia casar com você até mesmo se a proposta for fazendo juras de mindinho. O casamento, ao meu ver, não é institucional e sim simbólico.

    […]

    Você tem um potencial para me dizer coisas tão lindas que eu fico perdido sem saber o que responder. Como se nada do que eu dissesse fosse capaz de expressar tudo o que eu sinto.

    […]

    Não precisa me dizer nada. O seu olhar, o seu toque, me diz o Universo e o mundo. A sua linguagem do amor é diferente da minha. Eu não preciso de palavras de afirmação para reconhecer o que você sente.

    Você não precisa usar comparações, canções ou palavras bonitas para me fazer sentir amada. Basta palavras sinceras. Apenas.

    Gosto dessas nossas conversas. São lindas. Parece até mesmo que estamos seguindo uma espécie de roteiro, escrito por um alucinado que idealiza o amor.

    […]

    Eu jamais havia imaginado estar vivendo isso aqui. Esse “agora”, com você. Quando te conheci, não imaginei que seria a mulher com quem dividiria a minha vida. Na realidade, sempre te achei tão dona de si que parecia loucura cogitar qualquer envolvimento contigo. Você é um Universo de qualidades.

    Não sei o que em mim tanto te cativa.

    […]

    Sinto em dizer que não sei te responder. É um mistério. Eu mesma me questiono isso. O que faz você, ser você. Há algo, sei que há. Algo imenso.

    Posso apontar a dedo cada detalhe seu, pinta, marca, riso, jeitos e andados. É um conglomerado de coisas que te faz único. Fico imersa nos seus detalhes.

    Não precisa de muito. É justamente por ser tratar de você.

    Não sei explicar, desde o início, ainda que você e qualquer outro alguém agisssem exatamente da mesmíssima forma, eu sempre fui atingida ao máximo por você.

    O sorriso que enaltece o meu dia. O colo que eu deito e descanso. O olhar que despertar o meu lado devasso.

    Não percebe? Eu amo você. Você. Todo o conjunto do seu eu, cada partezinha.

    […]

    O que eu sinto por ti é desmedido a ponto de ser misterioso. Até mesmo mais que o céu, o luar e as estrelas. Eu sei exatamente o que torna você, você. Cada uma das coisas que me faz transbordar.

    […]

    Sabia que sou fascinada nessa coisa? Planetas, estrelas, anéis… Gostei dessa comparação com os astros. Pode ter certeza que irá encontrá-la em algum dos meus textos. Eles são cheios de você.

    […]

    Então, escolhi a noite certa. Um evento celestial para marcar mais um epílogo. A noite de glória para Vênus, seu ápice. Iremos contemplar o extremo de seu brilho sobrecarregar as Plêiades, da constelação de Touro.

    Aliás, por falar em astros, recorda a primeira música que cantei para ti? “Mecânica Celeste Aplicada — Yoñlu”. Tudo quanto a nós está repleto de pequenas coincidências. Sempre estamos diante da “sincronicidade” que você tanto fala.

    […]

    Espero não estar sonhando, delirando ou em devaneios. Você sempre me surpreende e cada vez de uma forma mais esplêndida. Se eu pudesse, nos fazia eternos.

    […]

    Vamos estagnar o tempo. Eu te farei eterna, em mim. Exatamente como em “As Coisas Tão Mais Lindas — Nando Reis”. Dias, semanas, meses, anos décadas e séculos, milênios vão passar e viveremos por todo o sempre, eternamente, no templo que construímos um no outro.

    […]

    Me sinto grata por você ser o alvo de toda a minha doação e entrega. É um prazer ser você a ter nas mãos o meu sentir e cada fresta do meu corpo. Eu amo a forma como me tem, como me toca (em sentido amplo).

    […]

    O prazer é mútuo. Sei o quanto adora ser chamada de “Vênus”. Mas, você não se dá conta que ser uma deusa, se tratando de ti, ainda é pouco. Você é um Universo inteiro. Aliás, o mais lindo que poderia existir. Tanta força, beleza e intensidade em uma única mulher. Você é expansão.

    […]

    Obrigada, meu bem.

    […]

    Eu quem sou grato. Terei a honra de casar com você. Aliás, venho matutando isso há dias consideráveis. Te comprei um vestido bem antes disso, por de imediato memorar você.

    Fica tranquila, não é branco e muito menos “de casamento”. Sei o que pensa a respeito. Sabe, Ele é do tecido e com os tipos de detalhes que você gosta. Quanto a cor, estampa e tudo mais, não sei dizer. Ele é a linha tênue entre o luar e o alvorecer.

    […]

    Perfeito.

    […]

    Sabe, adoro isso na gente… como nos tratamos. O imenso respeito. A cautela, cuidado e zelo um com o outro. O nosso amor puro. Nesta noite, vamos materializar não apenas simbolicamente. Te fiz algo. Também te escrevi outra música. Bom, seria surpresa, mas eu fico nervoso nesses instantes.

    […]

    Tenho certeza que irei amar.

    Está aí mais uma coincidência. Finalmente finalizei aquele capitulo. Eu escrevi todo o nosso enredo. Cada texto é pautado em um momento. São escritos repleto de frases, cores e falas dos nossos dias. Pormenorizei os nosso detalhes. Espero que goste da minha dedicatória, o primeiro exemplar será seu. Bom, seria surpresa, mas não me contive.

    […]

    Nas ultimas semanas, reconheci o seu jeito e andando diferente. A mudança do seu semblante. Acredito que se tratava disso. Eu tenho convicção que irei me desmanchar com cada palavra.

    […]

    Se trata não somente, mas também disso…

    […]

    Olha, a semana corria e muitos momentos pensei em “arrancar” algo de você, mas não tentei. Você pode ser boa em muitas coisas, mas não sabe disfarçar. Dissimular não é uma característica sua. Eu sinto que tem algo mais.

    […]

    Confesso que já fui melhor nisso. Te mostrei cada uma das minhas versões. No inicio de tudo isso, sobretudo, naquele 29 de fevereiro, eu te era um enigma. Hoje, me conhece tão profundamente que facilmente me decifra.

    […]

    Dona do meu pensamento, cogito algo. Aliás, que eu desejo fervorosamente que seja. Me diz, por favor, que não estou equivocado. Fala de boca cheia e com todas as letras que o nosso vinculo eterno já foi materializado.

    […]

    Se trata disso. Carrego o nosso vínculo eterno em meu ventre.

    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2020]

    @janacoutoj

  • [Roteiros] RECEIO

    [Roteiros] RECEIO
     
     — Jamais. Vou me atentar a tudo o que você expôs e o que eu mesmo reconheci e prometi a respeito. E, você sabe o que eu sinto por você. Pode não ver ou sentir, por eu não demonstrar. Estou muito consciente quanto a isso. Mas, não é possível que não tenha se dado conta de que você está sendo a melhor pessoa que eu pude conhecer. Você é a minha dádiva.
    Se leu o meu texto, sabe o que eu penso.
     — Eu li e reli uma centena de vezes. Eu amo você, meu Jacarandá. Talvez, a única mulher que sou capaz de amar. Apesar dos pesares.
     Frase minha…
     — Minha agora.
     Eu sei. Ou acho que sei. A minha única certeza é quanto ao meu imenso sentir. Você é o motim de todo ele. É insano a minha sede do seu eu”. Sinto que absolutamente nada será capaz de me dissociar de você. A comistão ocorreu e, felizmente, não há nada que possamos fazer.
     — Diz que sabe… Diz que sabe que eu amo você.
    Espero que nós dois nunca magoemos ou decepcionemos um ao outro para algo bonito nāo se tornar lindamente horrível.
    Pois, tenho plena convicção que na hipótese, eu, ainda que não mais goste de você, jamais deixarei de te amar. Isso vai me dilacerar de todas as formas, esfarelar o meu sentir e sei que levarei comigo por todo o sempre cada uma das migalhas.
     — Fico boquiaberto com cada palavra sua. Independente do que aconteça entre nós, sei a imensidão de tudo isso… que você realmente gosta de mim e de mais ninguém. Jamais serei hipócrita ao ponto de jogar fora.
    Nós somos pessoas, meu bem. Sobretudo, muito diferentes. Se é preciso ter cautela e cuidado consigo e com o que causamos no outro. Eu mesma tenho medo de fazer mal para você, de qualquer forma, … emocionalmente, psicologicamente. E, se esse desatino um dia acontecer, jamais me perdoarei. 
     — Eu também… apesar dos pesares. Me sinto péssimo quando me diz essas coisas. Fico imerso nesse contexto. Não entendendo como sou capaz de afetar você de diversas formas, com minhas omissões e posições. Aliás, sei que essa sensação é recíproca da sua parte. O nosso amor é lindamente doentio.
    Sim. Espero, com todas as minhas forças, que as coisas que foram ditas após o episódio quente diante do enorme Cinamomo não sejam por ti ignoradas. Sabe, para o meu bem e consequentemente, o nosso. Eu mergulho, chego ao âmago e você parece não ter qualquer noção quanto as profundezas. Para existir um relacionamento amoroso entre nós, eu preciso que você se atente, assim como eu sei que preciso em alguns pontos.
     — Sim. Eu sei disso. Fica tranquila. Inequívoco que nada é proposital. Jamais me perdoaria por machucar você. Sou incapaz desejar, planejar ou cogitar tamanha atrocidade. Sabe, a mudança não será efêmera, mas prometo tentar. Não quero te afastar de mim, aliás, isso sequer é possível… somos uma linda comistão, lembra?
    Não me interprete mal, foi porque noite passada me vi precisando avisar a presença de uma coisa que outrora você havia dito que iria se atentar e tentar evitar.
     — Sabe, me vejo abraçando você, te beijando e presenteando com uma rosa, mas que está dotada de espinhos quais eu sequer os vi ou senti. Até que, de um instante a outro, você se espeta. O seu sorriso se esvai, o seu olhar fica trêmulo e fixos aos meus. Exato momento que te vejo sangrar e me desespero. A culpa permeia o meu corpo sou dilacerado por ver que, ainda sem ter querer culpa, te causei dor…enquanto na realidade o que eu desejava era tão somente proteger, cuidar e amar o meu universo, a minha mulher.
    Não vou negar, vejo isso. Somente frisei aquilo por ter receio de que você entenda todo o epílogo desde o desabafo no Cinamomo como um “Ela nāo se importou. Fez uma cena. Nāo consegue ir”.
     — Não. Não penso isso de você.
    Me vejo voltando atrás numa decisāo e isso é incomum, se tratando de mim. Nāo descarta as coisas que eu te falei. Um pedido de desculpa ou uma promessa sem mudanças é manipulação, leva isso pra vida. Prometo ser cautelosa com você.
     — Adivinha o que estou ouvindo?
    Não faço ideia, meu bem. Vou voltar a dormir… levantei para falar contigo antes de você ir trabalhar e estou acordada desde entāo.
    Vamos ver até quando isso vai durar. Estou ouvindo a música que define você, para mim. Você segue o nosso pacto à risca, se faz “nua e crua” para mim e a canção retrata isso. Retrata a grandeza de uma mulher, de imediato penso no meu universo. Você. Ela é, sobretudo, linda como você. “É Você Que Tem — Mallu Magalhães”. 
    Irei ouvi-la agora. Não pausa, okay? Colocarei os meus fones, ouviremos juntos. Olha, se depender de mim, essa rotina vai perdurar por todo o sempre. Em cada um dos nossos dias.
     — Você é surreal.
    Sabe o que também é surreal? Enquanto qualquer coisa é motivo para você nāo querer falar comigo, eu suprimo minhas horas de sono para ter o prazer em falar com você antes do incio do amanhecer.
     — Não diz isso…
    A verdade é dura de se ouvir…
     —Eu amo você.
    Meu mais insano e desmedido amor, se atenta aos detalhes, vamos fugir da mácula. Eu amo você, meu Tigre Malaio.
  • [Roteiros] RUPTURA

    Eu sempre vou ter o que falar. Não guardo palavras. Mas, é cansativo quando são proferidas em vão. Sobre o meu sentir, você sabe. Aliás, fim de semana passado foi incrível.

    Posso apontar a dedo (os seus e meus) erros e os acertos, ações e omissões, os altos e baixos.

    Obrigada pelos altos.
    Obrigada pelos dias gostosos.
    Obrigada pelos olhares, pelos momentos de verdade.
    Obrigada por me mostrar inúmeras coisas.
    Obrigada pela imensidão do que me permitiu sentir.

    Porém, foi sobretudo, conturbado para apenas uma estação. Não vivemos ou viveremos tudo o que eu gostaria. Não comecei nada pensando no fim.

    O ponto final você põe, agora, sozinho. Não precisa me falar razões. A minha resistência ao CEDER e a sua necessidade em IMPOR sempre foi um problema entre nós. Sobretudo, o jeito como lidamos com as coisas, que é grotescamente diferente. Causou muitos dias baixos (como ontem e hoje).

    Todas as minhas declarações, choros, abraços, beijos, toques e olhares, foram sempre, profundamente, de verdade.

    Sabe, você diz sentir o universo por mim. Não sei como se pode amar alguém e facilmente colocar ponto final em relação a ela, bem como sempre ameaçar partir. Muito menos como tudo pode ser razão para partida. Não sei se é por você ser imediatista. Não sei.

    Acaba por me proporcionar alvoroço emocional. O alvoroço existe justamente pelo que pulsa em mim, por eu gostar de ti de uma forma desmedida.

    Você parece não perceber que, para quem está do outro lado, isso é foda, pra cacete. É uma espécie de controle emocional. Sem contar que mostra fragilidade do nosso elo, em muitos sentidos. Te disse isso das outras vezes.

    Francamente, como amiga, se atenta nisso. Como isso afeta e o que demonstra para o outro. Não sei se nos seus relacionamentos anteriores isso fluía ou como sua parceira reagia. Mas, pode descartar se quiser. Não tenho outra experiência para poder comparar. E, ainda que tivesse, sabe o quanto detesto comparações.

    Por favor, não me venha com “vai deixar a nossa coisa se desmanchar”. Sendo sincera, você quem iniciou a ruptura e, dessa vez, simplesmente acatei sua decisão. Não jogue o peso da sua escolha sobre mim.

    Recordo precisamente do seu efêmero posicionamento. Ouvi com atenção aquela frase, que, aliás, óbvio, atordoa a minha mente. “Não está bom pra mim”. Ainda que antes mesmo de proferi-la, intuitivamente pude pressentir o que diria. A mensagem amarga. Ao soar de cada silaba proferida, cada movimento dos teus lábios, queimava. Lentamente eu provava cada farpa do veneno.

    Não vou enganar a ti, muito menos a mim mesma, estou decepcionada e, mormente, com raiva. Por todo um conjunto.

    Aquela conversa não foi em vão. Aliás, nunca qualquer conversa, fala, minha foi frívola. Detesto a ideia de me doar em conversas baldias.

    Você não pode dar tchau pra mim sempre que tiver vontade. Fazendo-me sentir imenso temor diante de toda e qualquer coisa ínfima, propriamente por saber que você, a qualquer momento, irá se voltar a mim dizendo um adeus ou ameaçando isso.

    Você não pode me dispensar e depois -quando quiser - me chamar, acreditando que vou ignorar isso e simplesmente "gozar".

    Não pode me descartar assim, achando que isso não me abala ou enfraquece um vínculo.

    Sabe o pior? Isso não foi agora. Já havia acontecido mais vezes do que eu gostaria, aliás, vezes demais que chega a ser difícil de acreditar. É tristemente reincidente.
    Não quero uma relação instável. Não quero me sentir insegura, pontualmente nesse sentido: “hoje ele quer estar comigo, amanhã, sem mais nem menos, talvez não”.
    Tenho horror a estar constantemente dependente da sua aprovação e, principalmente, a conviver com a necessidade incessante em me certificar de que “está tudo bem entre nós”.

    Não quero ficar absurdamente pressionada pela ideia de que “se eu não fizer determinada coisa ou se não agir da forma que ele espera/deseja, independente do que penso ou quero a respeito, para mantença do ‘nós” irei ceder, senão ele virá colocar um ponto final ou ameaçar fazer”.

    Não quero estar obrigada a ceder quando não vê necessidade ou sequer sentir vontade para tanto, muito menos quando reconhecer um problema quanto a anuência. Fico apavorada ao me ver sendo qualquer pessoa, que não eu mesma, por temer sua partida.

    Naquela madrugada, custava pensar antes de agir? O que te faz mudar de ideia logo após enfiar na minha garganta um ponto final? Nem sei se mudou, sequer o que te motivou a tomar uma decisão incrivelmente ruim. Juro que isso me intriga. Desde quando o que penso ou sinto sobre a árdua transição do “nós” para o “eu e você” passou a te importar?

    Você fez isso, sozinho, quando eu menos esperava, quando eu sequer podia sentir cheiro de partida, muito menos cogitar qualquer coisa parecida.

    Depois daquela tarde de domingo quente, quando fizemos juras de amor e promessas, exatamente quando, para mim, estava tudo passando a fluir de um modo surreal; mais uma vez, você me fez sangrar, encerrando o nosso ciclo por “bobagem”, quando parecia ser o início do nosso melhor tempo. 

    Acredito que foi a coisa mais idiota que você fez. Justamente por eu gostar pra caralho de você aquela conduta foi uma merda.

    Talvez, seja como canta Adriana Calcanhoto, “Rasgue as minhas cartas e não me procure mais, assim, será melhor.”

    Não importa o que diga. Não me é interessante que as promessas sejam renovadas. Pois, não me valem de nada até que as cumpra. Teve inúmeras chances e elas não foram aproveitadas.

    Não irei permitir ser como das outra vezes. Ainda que eu dê uma nova chance, para o “nós”, é muito provável que semana que vem você faça a mesma coisa. Nessa frequência, irei permanecer me magoando. Detesto com todas as minhas forças o “vai e vem”. Eu não aguento isso.

    Fico pensando naquilo... Se para ti não está bom, imagina para mim com essa instabilidade partindo de você. Não é decidido quanto ao meu “eu”, em muitos sentidos.

    É claro, não imaginava que o nosso relacionamento poderia ser conturbado assim. Instável. Não quero isso para nós. Desejo pisar em terreno seguro. Mergulhar e não cair nas pedras.

    Eu que sempre falei em reciprocidade e priorizei “leveza”, me deparo num naufrágio. Não está sendo saudável e você não vê ou, ridiculamente, fecha os olhos.

    Por constatar o caminhar das coisas e acreditar sinceramente que, nós dois, desejando, seríamos capazes de contornar a situação. Nos proteger da mácula. Te escancarei isso antes. Justamente pela árdua percepção que, naquele domingo, eu te implorei: “vamos tentar”. Mas, infelizmente, nas oportunidades para vermos a tentativa, ela não aparece.

    Desse jeito eu não quero mais. Estive pensando muito de sábado pra cá. A mesma cena se repete. Não quero permanecer num relacionamento desse jeito, a nossa coisa não estava boa para ti e, para mim, estava ainda pior. Sabe por quê?

    Não quero ter que ceder aos seus caprichos (saiba diferenciar ao que me refiro) sob ameaça de te perder! Muita pressão sentimental que estava me sufocando. Sinto que a qualquer momento estarei sozinha, quando eu menos esperar, então é melhor que seja agora, já que você mesmo decidiu isso sob o argumento ridículo de que não supro as suas expectativas.

    No mais, anseio estar com alguém confiante sobre mim. Você sempre com ameaça de fim não demonstra isso.

    Aliás, quanto a sua carta, foi a primeira que recebi dessa forma de amor. Olha, independente de tudo, você sabe o quanto eu sinto por você.

    Desculpa não conseguir responder. Pela primeira vez, não tenho palavras. E isso é raro. Acredito que por estar indignada, com raiva e decepcionada, por aquilo que já falei.

    Eu confiei em você. Confiei em muitos sentidos. Estava mergulhando e me entregando emocionalmente e fisicamente. Para o cara sempre romper comigo por nada. Sem contar nas ameaças de partidas anteriores e nas coisas que já te foram ditas.

    É evidente. Fiquei e estou magoada. Quanto ao nosso vínculo, sou porto seguro enquanto você, para mim, aparenta ser incapaz de ser qualquer coisa próximo a isso. Sempre instabilidade da sua parte.

    Não vou me sabotar tentando repousar a culpa da ruptura nas minhas condutas. Eu sei que tentei agir para você, a todo instante, da forma que eu gostaria que agisse comigo.

    Lembra? Em muitos momentos eu falei “É apenas o começo. Estamos nos conhecendo. Calma, tudo no seu tempo. Podemos lidar da nossa forma. Não esquece o nosso pacto”.

    A estação inteira eu pugnei por um relacionamento saudável. Com sinceridade, reciprocidade e confiança. Sem joguinhos, desconfiança e “paranóias”, pois sequer haviam razões para tanto. Eu via a instabilidade e a repudiava com todas as forças, pois, afinal, eu gosto muito de você e queria o “nós”.

    Acredito mesmo que quando os dois querem, fazem acontecer. Mas, se é preciso maturidade.

    Em muitos momentos não me impus da forma que eu deveria. Ao contrário, conversei cruamente para te explicar o problema de algumas coisas e que poderia se sentir seguro quanto a outras. Não obstante, aceitei coisas que não gostei, de modo desprezível deixando “passar” para ficar tudo bem entre a gente.

    Digo com convicção que em instante algum agi num imediatismo cego contigo, por temer o que isso poderia suscitar em você, a mim e, sobretudo, na nossa coisa. Sei que até mesmo tu reconhece. Pois, diante de toda e qualquer pequena situação de desconforto, eu explicava as minhas razões, problemas e escolhas, me fazendo “nua e crua”.

    Sempre valorizei e recordo de todos esses diálogos. Para mim, representavam um marco para que desde as ínfimas à grotescas situações de incômodo não se repetissem. Deveríamos evoluir para sabermos enfrentar e lidar com coisas novas.

    Reconhecendo que não raramente pareci a sua psicóloga, explicando o problema das coisas, pontos de vistas, aconselhando a ressignificar e mostrando como tudo poderia ser mais suave. Nós dois precisávamos de equilíbrio e aprender a sopesar as coisas.

    Como se não bastasse, para mim mesma, muitas vezes te julguei por “infantil”. Assim como sei que, ainda no momento tendo plena convicção do contrário, também fui.
    Fizemos “pactos” para facilitar o correr dos nossos dias, já que vemos e lidamos com toda e qualquer coisa de modos absurdamente distintos. “Eu e você sempre ‘nus’ e ‘crus’”, lembra? Mas, aparentemente, nos instantes em que mais se era preciso, só eu recordava e estava disposta a segui-los.

    No último mês, houveram partidas em todas as semanas. Todas! As mesmas promessas já foram feitas outras vezes, sobretudo, nas últimas semanas. Por favor, não vamos normalizar isso. Mostra bem mais que fragilidade.

    Relacionamento é balança e não depende só de um. A conduta do outro gera sempre reação. Se isso prosseguir, da maneira como estava, é inequívoco que iremos adentrar novamente no mesmo ciclo vicioso. Assim, acabando somente por prolongar isso, a ruptura.

    Não adianta forçar nada! A entrega, o cuidado, o zelo e a valorização da nossa coisa deveria ser, de ambas as partes, natural. Independente do quanto eu deseje, independente da nossa conexão foda, não temos que forçar dar certo.

    É insano. Foi o meu primeiro relacionamento e sei que minha inexperiência pode ter atrapalhado. Não que sirva de justificativa para erros e afins. Quero dizer que, apesar de tudo, eu tentei agir com maturidade e responsabilidade afetiva. Convivi com uma sede insaciável de afastar as coisas que abalavam o “eu e você”.

    Acredito que irei me magoar ainda mais persistindo nessa ganância de cuidar de algo que independe somente de mim. Não sei como de um instante a outro as coisas podem ser diferentes.

    Você sabe muito bem. Dei um passo muito grande, seria uma surpresa e acabei te contando quando do seu adeus.

    Percebe? É difícil digerir que até mesmo quando tudo está bem, sem mais nem menos, do nada, chove. É triste remoer que na maior parte do tempo estamos no “baixo”, enquanto me apego aos poucos momentos de “alto”.

    Foi a estação em que senti o mundo. Mas, foram dias, sobretudo, conturbados. As minhas emoções ficaram à flor da pele.

    Não acato sua decisão sob o argumento de “é melhor agora enquanto é cedo, antes de entrelaçamos nossas vidas ainda mais, antes se apegar”. Não, não tomo, porque eu já estava apegada o suficiente, desde o meio-termo. No mais, pouco a pouco, te inseri em todos os âmbitos da minha vida.

    Tratava-se do nosso começo e ele deveria ser, em tese, muito bom. Deveríamos, os dois, estarmos eufóricos pela entrega um do outro. A reciprocidade, a sinceridade, o cuidado emocional com o outro tinha de ser trivial. Sem a necessidade de precisar provar que se importa ou, muito menos, se sentir obrigado a tanto.
    Sabe o que demonstra que não estava sendo saudável? Palavras suas: “ambos estão exaustos”. São coisas que não coincidem para mim. Exaustão em um curto lapso temporal. Uma estação! Parece muitos mais tempo, não é? Mas, não, foi só um verão. Com o outono, chegou a ruptura.

    Dessa forma, eu não consigo seguir. Passo o meu dia ponderando em como podemos elevar o suporte do nosso afeto. Fico tentando compreender o que acontece. Como se não bastasse, sinto constantemente o peso de precisar provar para você que pode confiar em mim, que gosto de você, que me importo, que me preocupo.
    Sendo que eu acredito que nunca fiz nada para você pensar o contrário e agir de acordo com tal. Não faz ideia do quanto me sinto imunda por isso. Insuficiente. Ainda que seja convicta de quem sou, muitas vezes, me senti assim diante de ti.

    A única vez que a partida partiu de mim, foi por isso. Por perceber tudo! Conversamos sobre reciprocidade, leveza, sentir e tudo mais. Houveram promessas de ambas as partes. Você se atentou a algumas coisas, mas ao que magoava, não. Com a primeira chuva de outono, nos encontramos nisso, partida.

    Possamos gostar muito um do outro. Mas, não foi a primeira que me disse “não está bom para mim”. Não sei como isso vai mudar de uma hora a outra. Levando em consideração o quanto já tentei, me sinto esgotada, sem cartas na manga. Como de um segundo a outro te farei sentir-se realizado? Não quero ser hipócrita.

    É duro. Posso gritar para o mundo o quanto é duro para mim enfrentar isso aqui, a ruptura.

    Sofro pelo que poderia ter sido e não foi. Não esquece.

    Acredito que estou frustrada, não pela minha entrega, mas justamente por acreditar com lasciva veemência que, depois do pôr do sol daquele domingo, nós dois iríamos tentar, mesmo! Por acreditar que as promessas, conversas e pactos não tinham sido em vão. Pelo meu crer de que nunca mais haveriam idas e vindas. Sempre estive disposta a enrrigecer a nossa coisa.

    E, exatamente uma semana depois, tudo volta ao antes. Ao morno.

    Meu mais insano e desmedido amor, o “eu e você” não vai prosseguir. É árduo dizer que na maior parte do tempo estávamos frustrados um com o outro, ainda que em vertentes distintas.

    Não quero viver na esperança de tentar. Não quero permanecer num relacionamento que conforme palavras suas, “só tenho preocupações”. Não quero seguir assim.
    Nossa afinidade deveria ser o refúgio. Algo digno de agradecimento. Sabe, muitas noites eu agradeci ao universo por estar ao seu lado, por dividir essa fase com você. Ansiei muito para que passasses a me ter como confidente, assim como te fiz o meu. Te falei isso, mas sempre respeitei o seu jeito peculiar, astuto e ocluso, nesse sentido; acredito que tratava-se de uma questão de tempo para você se sentir confortável para tanto.

    Talvez eu tenha posto muito expectativa e essa seja a raiz da frustração. Mesmo que eu tenha tentado manter os meus pés no chão. Desejei ter o seu verdadeiro “eu” comigo.

    Nesse quesito, sobre a sua carta, nas folhas “amarelas”, eu gostaria, mas não consigo ler aquilo e dizer “você não foi assim para mim”. No entanto, afirmo com convicção que você não foi somente aquilo.

    Existem dois caras em você. Aquele por quem me apaixonei e o que me faz ir embora.

    Sei que eu não sou ótima. Que não sou a dona da razão, aliás, não raramente estou completamente equivocada. Mas, realmente tentei agir para contigo da forma que eu gostaria que agisse comigo.

    Eu não menti uma vez sequer. Não tratei com desdém. Não joguei na cara o tempo que despendi para estarmos juntos. Não enganei, nem com ações, nem com palavras e em nenhum instante isso passou pela minha cabeça. Eu fui nua e crua para você, te mostrei cada fresta. Mas, nada disso foi o suficiente.

    Como se não bastasse, o meu sentir, nas suas palavras, “não o satisfaz”. E, quanto a isso, me recuso alegar qualquer coisa. E sei que essa frase jamais será esquecida por mim. Já disse o quanto detesto seu imediatismo?

    Estou assoberbada de pensamentos confusos e conflitantes. Por hora, não sei o que tenho mais a falar. E o que sei que tenho, prefiro acalentar.

    Já falei tanto. Fiz cartas de amor (puras). Me declarei. Me entreguei. Sobretudo, me joguei da cascata, a queda foi gostosa, mas acabei presa nas pedras.

    Não quero mais. Desculpa, sei que devo, pois também errei contigo, apesar da minha “ingenuidade”, como mesmo dissestes. Aquela história. E, sinceramente, pensando em tudo que vivenciamos, analisando os motins das nossas discussões, aquela consistiu na única coisa com titulo de “problema” e digna de uma ameaça de partida. Quanto às demais, trataram-se de coisas que poderiam facilmente ser resolvidas e acabaram, por nós, prolongadas.

    Independente da minha raiva e decepção, juro que digo isso com um imenso pesar, meu bem: Nada do que te digo agora é inconsciente. Essas não serão mais palavras em vão.

    Eu não havia planejado falar nada disso aqui. Depois de agradecer pelos nossos “autos”, pensei: “ao decorrer dos nossos dias, já falei o bastante”. Nada do que expus te é novidade. Não abandono o espetáculo sem mais nem menos.

    Sabe o que me corrói? Não fui para ti quem eu gostaria. Ser refúgio e confidente, por exemplo. Você não me permitiu ser. Acabava comigo te ver “morno”, com a mente e o olhar distante e, especialmente, por notar que os problemas te consumiam a ponto de te fazer agir mal com os que te querem bem.

    Foram muitas as vezes que te implorei para saber o que estava rolando e querer ajudar, mas parei quando me disse em voz alta e em bom tom que não queria a minha ajuda. Não dividiu. Não mostrou confiar em mim. Não me inseriu nos outros âmbitos da sua vida.

    Ainda assim, por ter ciência da sua dificuldade em compartilhar, te perdoo pelos momentos de desdém, pelos instantes que estava atordoado com os problemas a ponto de parecer que eu nem estava ali, que a minha presença tanto fazia.

    Porém, muitas vezes, agiu como um idiota comigo, como você mesmo pormenorizou na segunda folha amarela daquela carta. Como se não bastasse, quando diante dessas ações te disse “eu não não mereço ser tratada assim”, não ouvi sequer um pedido de desculpas, mas sim um “então arranja um cara que te trate melhor que eu”.

    São tantas coisas. São praticamente infindas para apenas uma estação. Fiz uma escolha, acatei sua decisão e, por hoje, não quero falar sobre isso. A minha cabeça está cheia e o meu coração inquieto. Não existe mais o “nós”.

    Eu disse sério ao falar que estou com raiva e decepcionada. Essa ruptura será ainda mais complicada se mantermos contato contínuo. Pelo menos agora.

    Mais uma vez, te peço, não coloque a ruptura nas minhas mãos. Você já tomou uma decisão e eu simplesmente concordei com ela. Faço isso pelo meu bem estar emocional e psicólogo.

    Não quero perder minha essência ou personalidade, como é o caso de ceder a meros caprichos, para manter relações, ainda por cima instáveis. Não quero me desgastar na tentativa de salvar algo sozinha, que não está somente sob o meu controle.

    Me apavora te ouvir dizer que existe algo mais, que estou dissimulando as razões da minha anuência. Parece absurdamente que não prestou atenção ou que ridiculamente descartou tudo o que já desabafei. Não é “do nada” e não tem que se achar estranho. Uma vez, naquele domingo, a partida surgiu de mim e pelos mesmos motivos de agora.

    Sabe o quanto desprezo idas e vindas. No pôr do sol daquele mesmo domingo te disse: “Me vejo voltando atrás numa decisão e isso não é comum para mim. Por respeito a nós, não vamos jogar fora”.

    Você voltou atrás também, em todas as suas despedidas…

    Suas ameaças de partidas e as despedidas foram motivadas com base em que eu fui para você, dentro dos seus limites, ideais de certo e errado e sentimentos.

    Sua percepção sobre o meu desejo de estar com você, príncipalmente sobre o meu sentir, depende de que eu seja quem você quer, ceder, suprir as suas expectativas até mesmo nas coisas mais mínimas.

    Sabe, eu tenho fervor por quem me deseja por inteira. A mim mesma. Não irei mudar a ponto de se tornar uma versão pirata de mim mesma.

    Eu queria poder agradar você, óbvio. Mas, sendo eu mesma e não precisando provar o meu desejo e tudo o que sinto da maneira que você achava que deveria ser. “Não está bom para mim”. Não consigo ceder a ponto de me tornar o amor que te satisfaz, que você deseja.

    Houveram pedidos de desculpas e promessas mútuos, mas nem todas elas foram cumpridas. No principal imbróglio, sequer houve tentativa. Nunca acreditei numa mudança repentina. Mas, o mínimo que eu esperava era uma mísera tentativa.

    Com instabilidade e insegurança sobre mim, tive dias de inquietação emocional e psicológica. Não consigo lidar, me martiriza. Acaba, assim, me atrapalhando nas coisas mais simples (concentração, estudo, trabalho).

    Confesso que nos “altos” me proporcionou coisas incríveis, êxtase. Mas, a maior parte do tempo estávamos no “baixo”. Pelo morno, me sentindo insuficiente, idiota e até mesmo alguém ruim. Sobretudo, “o não satisfaz”.

    Percebeu como sou repetitiva? Isso torna essa conversa densa e incrivelmente cansativa.

    Ainda que me questione, não vou mais te expor motivos. Foram coisas sempre ditas.

    Não vamos ser hipócritas. Isso não precisa acabar mal. Não vamos denegrir a imagem um do outro, não há razão. Aliás, algo assim é ridículo.

    Se é preciso aceitar os erros. Ficar triste pelo que não foi. Reconhecer o que se perdeu. E seguir com maturidade. No mais, agradecer os momentos de “altos”. Não é tratando como se nunca tivéssemos nos conhecidos que a ruptura se tornará fácil.

    Você não foi e não é qualquer pessoa. Isso não vai mudar, para mim. Marcou.

    Eu comecei com sinceridade. Vou terminar assim também.

    A minha decisão está tomada. Espero que aprendamos a não cometer os mesmos erros.

    Sobre a nossa coisa, o nosso meio-termo, me mostrou como sou intensa. Obrigada, mesmo, pelos instantes de intensidade. Adorava quando a nossa coisa pegava fogo.

    Você foi contemplado em ter o meu sentir, o meu querer, o meu corpo. Eu jamais havia me entregado tanto.

    Peço para que a nossa coisa fique entre nós. Principalmente os nossos detalhes, as coisas importantes que aconteceram. Desejos, intenções e afins. Assim como as coisas agradáveis e desagradáveis. Lembre, são memórias suas e minhas também.

    Me agrada a ideia de estagnar no tempo o “eu e você”.

    Não sei como vai me perceber depois da ruptura. Acredito e espero que não seja motivo para “descaracterizar” o meu eu. Jamais irei desonrar o seu nome. Por favor, não o faça com o meu. Não há razões. Não me interprete mal, peço isso por desencargo de consciência. Acredito no que sente por mim e sei que não faria tal coisa.
    Desculpa se te proporcionei momentos ruins.

    Foram meses repletos de primeiras vezes, para mim. Você sabe. Aliás, a primeira vez que proferi “eu amo você”, dessa forma de amor. E dane-se se foi cedo.
    Reconheço que sobre algumas coisas dei passos largos e tropecei nos meus próprios pés. Fui inconsequente. Me arrependo. Mas, jamais irei me arrepender pelo que fui e sou capaz de sentir. Muito menos, pelas palavras de amor ditas.

    Uma pena eu não tê-las visto valorizadas…

    Não quero ser vista como hipócrita.

    Sei que não compreende o meu pedido em mantermos a amizade. Não consegue entender como posso não mais te querer como seu parceiro (mesmo amando-o) e, ainda assim, implorar para que me tenha como amiga. “Não entendo como eu não te querer como amiga é algo que se deva discutir e fazer sentido”.

    Coloquei tudo às claras. Detesto quando questiona o que eu sinto. Eu não queria que fosse assim. Ansiei a transformação do meio-termo muito tempo. Você sabe. O meu sentir nasceu muito antes do verão. Não fale insinuando como se eu tivesse em algum momento mentido sobre o meu sentir, muito menos diminuindo o que me rasga o peito.

    A perda não é apenas de uma parceira ou um parceiro. É de um amigo(a) também. Não apague o meio-termo. Tudo começou numa amizade sem mais pretensões.

    - “Se você realmente sentisse intensamente, iria querer permanecer e continuar, tentar mudar. Nunca se afastar do problema, igual você fez. Me esquece. Você de repente decidiu que os nossos confrontos te fizeram sentir uma fracassada. Além de tudo, foi capaz de esquecer todos os momentos bons, sem mais nem menos, descartar-los e valorizar só os pontos ‘baixos’ para justificar a sua hipócrita vontade de partir. Forte seu amor.  Não vou negar. As vezes me pego preso nisso… questionando se tudo o que me disse, se cada palavra de afeto foi realmente cheia de sinceridade. Você é boa com as palavras e tenho medo de tê-las usado para comigo de uma forma deplorável. Não sei se seria capaz de dissimular dessa forma. É louco dizer, mas, sim, eu acredito no que diz sentir por mim. Ainda que muitas vezes não tenha agido de forma condizente, ainda que eu mesmo fique matutando a respeito. Tudo isso é insano (como você mesmo costumava dizer).”

    Quanto à mantença do “nós”, me recuso a permanecer no que me fazia sentir um fracasso. Essa sensação existia por você ter me dito bem mais de uma vez que a minha linguagem do amor não te satisfazia.

    Da forma que você coloca, faz-me sentir ingrata. Também estou despedaçada. Nos nossos dias, pouco a pouco eu estava me desfazendo em alguns sentidos e precisava do seu agir para me refazer. Por isso tanto diálogo, da minha parte. Por isso a ideia do “pacto”.

    Falei isso naquele domingo. Lembra? Com seriedade. Mas, quando tudo soava calmaria. Você choveu em mim. Foi isso que você fez naquela madrugada de sábado. Naquela noite quente, prometi a mim mesma que era a última vez que iria me fazer chorar. Última vez que iria me frustrar por você descartar suas promessas e não pensar em mim antes de fazer algo que tanto me afetava.

    Me desculpa por ser tão repetitiva. Te remeto inúmeras palavras, te falo coisas infindas, e sei que você acha um porre, acaba descartando quase tudo.

    Ao pôr do sol daquele domingo, me disse as mesmas coisas que agora. E eu voltei atrás na minha decisão, lembra? No mais, deixei claro que a hipótese de partida, da minha parte, se tratava de algo que não desejava, mas que a cogitei para evitar me machucar.

    Ainda que em outro contexto, estamos novamente na mesma coisa. Mas, dessa vez, eu já estou machucada.

    Espero que você fique bem, mesmo. Mas, sendo sincera, não vou mentir. Espero, no mínimo, um pingo de saudade, arrependimento ou pesar pela perca.

    - “Espero o mesmo de ti. Sinto uma saudade incessante. Sonho com você. Tenho arrependimento também. Quanto a estar despedaçada, não acredito. Se você sentisse saudade, vontade, amor… resgataria o ‘nós”. É simples. Eu te falei estar disposto a mudar, mas você não se importa.Eu faria o impossível por você e é deprimente te ver me colocar como imundo. Não jogue entrega na minha cara, suportei muita coisa por você e tu simplesmente joga fora. Sabe, me abri emocionalmente como jamais havia feito com qualquer pessoa. Você tem o meu amor nas mãos e está esfarelando ele. Nunca imaginei que seria capaz de uma coisa dessas. Te vejo traindo quem eu vi em você, principalmente, tudo o que me dizia ser. Você diz estar machucada enquanto me machuca também e não se dar conta.”

    Não me surpreende você não acreditar em mim. Simples para você falar pensando em quem fui contigo. Se coloca no meu lugar. Você mesmo reconheceu coisas nada bacanas que partiam de você. Não quero discutir.

    Foram poucos dias para tudo voltar ao antes. E as três coisas que eu mais te pedi para evitar, porque me afetava muito, vinheram num pacote no mesmo final de semana. Me decepcionei muito naquele sábado. Eu chorei a madrugada inteira.

    Não entendo como pode me amar e não tentar evitar fazer algo que eu tanto te pedia para ser cauteloso. Não entendo como não conseguia evitar fazer o que me desabava.

    Sabe, eu reconhecia quando agiria daquela maneira. Pressentia. Sabia quando seria tomado pelo seu imediatismo cego. Nesses momentos, eu falava coisas como: “Presta atenção. Lembra do que combinamos sobre lidar com os problemas. Não precisa ser assim”. Justamente para ver se você pensava em mim e no valor do nosso vínculo.  Antes de fazer qualquer coisa ou dizer, eu sempre pensava em como você ia se sentir. Por isso tenho certeza de que nunca te ofendi ou derrespeitei, ou magoei com o que falei.

    Não estava sendo saudável, meu bem. Não quero nós dois num relacionamento que ainda no início não estava sendo leve. Não vamos mais reviver essas discussões… Okay?

    - “Não adianta eu dizer mais nada. Vejo que persistirá nessa decisão. Eu preciso digerir a ideia e aprender a lidar. Sabe, foi você mesma quem terminou com a gente. Não te entendo. Eu corri atrás e você não quis mais, praticamente me esnobou. Permanece com a vontade de se afastar e de que, se ficar, será somente para ter minha amizade. Eu não quero ser somente o seu amigo, quero dividir uma vida contigo, desejo ser o seu parceiro. Sabe, nós discutimos algumas vezes e eu te disse coisas impulsivas, sobretudo, nunca dotadas de veracidade, foram coisas que eu não deveria (e não queria) ter lhe dito. Porém, apesar de tudo, isso jamais significou que não quero a sua presença e muito menos que ela tanto fazia para mim. Não precisa ter medo, pode confiar nessas minhas promessas, nas falas que te remeto agora.No entanto, acima de qualquer coisa, sabe o que é foda? No momento que acreditei que ficaria comigo, você foi embora. Isso foi péssimo. Tenho medo de dizer a mim mesmo o que isso significa. Você não está disposta a erguer um castelo comigo.”

    É complicado erguer castelo com alguém que diante de qualquer lajota colocada torta ameaça abandonar a execução ou a faz. Dá a sensação de que a qualquer momento a obra vai ficar inacabada e desmoronar. Do jeito que você coloca, tudo se torna pequeno. Me colocando como venenosa faz eu me sentir muito bem.

    Não foi minha intenção “esnobar”. Foi o que te disse: Eu, ferida, iria passar a ferir você também. Não quero isso. Olha, eu não queria somente a sua parte fácil de amar. Não. Eu mesma falei: “eu e você nus e crus”. Eu disse desejar o seu verdadeiro “eu” comigo.

    Moram dois caras em você. O que fez eu meu me apaixonar e aquele que tem atitudes comigo nada bacanas, me tratando de uma forma que não gosto, e assim me cortando. E, se tratando de um amor que ainda estava no começo, esse primeiro cara deveria ser o mais presente e não o segundo. Diante do segundo cara, eu não conseguia ser o meu melhor com você.

    Aliás, tem algo que está engasgado e preciso te questionar. Sabe o que eu não entendo? Você me disse assim, duas semanas atrás: “Eu posso ser só esse primeiro cara”. “Posso mostrar só o meu melhor”. Me passou a impressão de que, de algum modo, você tinha plena consciência de tudo o que apontei… Não sei.

    - “Me desculpa. Sim, eu sempre tive. Por isso quero você de volta. Para agir como você merece. Aliás, como deveria ter agido desde o incio. Com o inicio da ruptura, passei a ver e valorizar tudo de uma outra forma. Me sinto mal com tudo isso. Porém, ainda que você exponha infindas coisas, só consigo pensar que: ‘É por isso quer partir pra sempre?’. Tenho a horrível sensação de essa conversa não vai dar em nada. Sinto que estou de mãos atadas. Estou implorando para ficar enquanto você constantemente arranja um argumento para reforçar sua partida. Me faz um monstro.”

    Já que percebia, por qual razão não agia assim antes? Já pensou nisso? Sabe, são um conjunto de pequenas coisas e estou decepcionada pela existência delas.
    Argumento porque você merece justificativas. Sobretudo, porque gostaria que se colocasse no meu lugar. Principalmente, que tentasse entender. Você sabe muito bem que não ser tratado da forma esperada por quem a gente ama, corta. Mas, tenho a sensação de que para ti, estou “fazendo tempestade em copo d’água”. “Sou exagerada”.

    A minha decisão não é fácil. Eu sinto o universo por você. Ainda que tenha me decepcionado com atitudes. E é duro assumir isso. Sinto saudade do primeiro cara, muita. Sinto saudade de olhares, toques, do seu abraço, de me sentir protegida ao caminhar contigo, do seu timbre… É por sentir muito, intensamente, que as coisas que apontei me machucaram e você não está percebendo isso.
     
    Isso é difícil, mesmo. Eu vejo que reconhece o que eu expus para aceitar a sua decisão de partida. Não questionou nada e disse reconhecer. Mas, vejo que não vê como motivo para ruptura.

    Eu adoraria — com todas as minhas forças — acreditar quando você disse “eu estou prometendo que vou mudar, porque a minha visão é outra agora”. Eu não sei qual é a sua visão, mas, ainda assim, tenho medo. Poxa, você confirmou que tinha percepção de tudo aquilo antes.

    Os dias correm e em todos eles eu revivo “a nossa coisa”. Tudo poderia ter sido diferente, assim como você mesmo expôs naquela sua última música.

    Não é por meras brigas. Isso vai existir, justamente porque nos importamos e queremos fazer dar certo estarmos juntos.

    O problema é por se tratar das mesmas coisas. Como vamos crescer persistindo nos mesmos “erros”, persistindo no que destabiliza a nós dois?

    Você é astuto, tem controle sobre o que quer. Sei que não me quer como amiga. Porém, preciso saber que você está bem. Se precisar de mim, independente do que for, me diz.  Você sempre disse ter problemas, mas tinha um bloqueio em dividir comigo. Se precisar desabafar, eu estou aqui. Pode confiar em mim. Não irá ouvir julgamentos. Eu sempre questionei sobre eles por me preocupar. Não faço ideia do que sejam. Eu ainda me importo. Isso não vai mudar. Sabe o quanto sinto, sabe onde e como me encontrar, se quiser, se precisar.

    Pensa numa coisa, por favor, é a última coisa que te peço. Questiona se, pelo caminhar das coisas, eu te fazia sentido.

    O sentido a gente percebe com o tempo. Sobre “tempo”, você disse não acreditar. Eu também. Mas, sobre relacionamento, é tudo novo para mim. Ao longo da estação, mudei pensamentos, me vi em coisas que antes dizia “jamais” e fui eufórica com coisas que antes me assombravam.

    Por favor, pensa realmente nisso. Pois, uma coisa é querer a presença de alguém e outra coisa é querer a presença daquela pessoa. E, se tratando daquela pessoa, se é preciso agir com maturidade e responsabilidade afetiva. 

    Se tratando de você, para mim, há sentido. Mas, não naquele caminhar.

    Me chame de venenosa, hipócrita o que for. Só não me puna por estar desacreditada quanto a promessas. Acredito que a mudança que tanto ansiei só existiria na certeza quanto aquilo. Eu sendo “aquela pessoa”. Acredito que assim você agiria como tal.

    Essa infinidade de palavras não existiriam se você não fizesse sentido para mim.

    Juro que tentei, mas não consigo entender como por qualquer “problema” você mudava comigo e dizia coisas como “presta atenção, eu só vou caindo fora” ou que o caminhar não te agradava. Como se não bastasse, algumas vezes, de última hora, tirou o nosso encontro dos seus planos porque, para ti, me ver “não valeria a pena”. E, não obstante, claro, sempre cogitava dar um basta comigo e chegou a fazer isso algumas vezes.

    É difícil ouvir essas coisas de alguém que você ama. Eu me senti insuficiente mesmo. Insuficiente para ti. É isso que eu quis dizer com um fracasso.

    - “Você nunca foi insuficiente, muito menos qualquer coisa perto disso. Aliás, eu pensei. Não quero ser seu amigo. Sei que não irei suportar te ver com outra pessoa, um dia vai acontecer e eu não quero estar lá pra ver isso, muito menos te ouvir falando desse alguém para mim. Não quero ter contato. Mas, ainda assim, pode contar comigo, sempre que quiser, para qualquer coisa. Sabe, eu amo você de todas formas e uma delas é como amigo.”

    Eu gostaria de ser sua amiga.

    Se isso acontecer, vai demorar muito. Pra caralho. Eu não sou do tipo que se apaixona em cada esquina.

    A recíproca é a mesma. Olha, você é um cara super atraente. Devem ter dezenas de garotas lindas interessadas em você e que despertam seu interesse também. Isso nós dois sabemos. Eu sou facilmente substituível. Se ocupo um posto, logo mais ele não será meu. Você já se envolveu com outras mulheres. Já teve outros relacionamentos. Sabe que o que digo é verdade. E se por acaso um dia se lembrar de mim, vai ser em algo singelo, por exemplo, ouvindo “É Você Que Tem”.

    E independente de qualquer coisa, da minha decepção amorosa (já falamos a respeito, sabe o que quero dizer), jamais desejarei o seu mal ou direi coisas ruins a seu respeito para qualquer pessoa. As coisas que aconteceram entre a gente e também o que não aconteceu, só cabe a nós. Aliás, ainda que eu possa em muitos momentos sentir raiva, desprezo e afins, sou incapaz de sentir ódio a ponto de profanar de modo detestável o outro. Não sou alguém que se domina por sentimentos ruins.

    No mais, também reconheço as minhas falhas. Espero, mesmo, que você não tenha somente memórias ruins. Tentei e acredito não ter magoado com palavras, te respeitei (em todos os sentidos). Se em algum instante eu não fiz isso, peço perdão. Pois, tenho muito medo de apontar e de cobrar do outro algo que não está em mim.

    Hoje, eu amo você. Mesmo. Apesar dos pesares. Ainda que, olhando com distancia, eu não goste de quem foi comigo.

    Não sei se você sabe, mas há 5 linguagens do amor. As nossas são diferentes, acredito que por isso você “não vê o meu sentir”.

    Talvez, agora, a minha decisão para você (mesmo depois de tudo que eu expus e esclareci) não faça sentido. Mas, daqui alguns dias, meses ou sei lá, acredito que fará.

    Nem sempre o sentir é o suficiente para duas pessoas ficarem juntas. E juro que acredito naquela ideia de que “há formas de se amar alguém para sempre”. No entanto, às vezes justamente a nossa forma de amar, lidar com as coisas, vê-las ou sei lá, atinge o outro de uma forma que não imaginamos. É preciso ouvir o outro e ter cuidado com o que se está construindo.

    A minha decisão é para não mais me magoar. Eu sou muito intensa. Tudo me afeta muito. É frustante ser o bilhete dourado enquanto o outro só enxerga preto e branco.

    Os nosso pacto estava sendo quebrado e os diálogos e promessas sendo vãos. Eu valorizo tanto essas coisas. Reforço, eu, ferida, ia passar a ferir você também.

    Quero muito o seu bem. Sei que um dia outro alguém vai ter o seu sentir e não quero que esteja despedaçado. Não quero que lembre de mim de uma forma ruim.

    Queria ter te proporcionado somente coisas boas, talvez eu não tenha feito, assim como você não fez.

    Apesar do quanto eu sinta, jamais irei me perdoar se, por acaso, persistir nisso aqui e perder a minha essência.

    Eu apago a luz e fecho a porta com cuidado.

    “Não suporto meios termos. Por isso, não me doo pela metade. Não sou sua meio amiga nem seu quase amor. Ou sou tudo ou sou nada.” — Clarice Lispector. Faz sentido sua escolha. Eu penso a mesma coisa. Queria parecer mais forte. Vou respeitar sua decisão.

    Ps. Se um dia eu escrever um livro, leia. Provavelmente, terá textos meus sobre sentimentos e coisas atreladas a você. Será capaz de reconhecer, eu acho. (Se quiser, claro).

    - “Ninguém será capaz de substituir você pra mim. Só você teve esse posto, da forma que sempre desejei, e só você terá, por todo o sempre. Não vou estragar isso. Talvez eu faça aquilo que você sempre me falou “ressignificar”. E sim, eu já estou despedaçado. Nunca me senti dessa forma. Me magoa ver que está decidida. Só me resta tentar superar e, além de tudo, respeitar. Me desculpa por todos os ‘baixos’. Eu amo você.”

    Nunca mais ouse duvidar do que sinto.

    Sabe, eu realmente acreditei que não mais estava fadada ao Naufrágio.

    Por fim, não joga fora as minhas palavras, nenhuma delas.


    Janaina Couto ©
    Publicado — 2020
    @janacoutoj


    [PS. Não se trata de um relato pessoal. Mas, confesso que é um imenso pesar reconhecer que o meu texto foi lapidado sob um apanhado de relatos de pessoas queridas que estão ao meu entorno.
    Ainda que mesmo nas coisas mais sutis possamos constatar algo a se repudiar e imediatamente afastar-se, não raramente, horrivelmente, isso acontece apenas quando se tornam salientes.]
  • * Carne e sangue

    Tentando encontrar um parâmetro mais definido sobre os sentimentos de Nayara relacionado ao seu casamento com Sílvio Agnaldo, pode se narrar os fatos baseados nas frustrações corriqueiras e comuns a toda hora, de todos os tamanhos e formas, objetivas no viver doméstico ou subjetivas no sentir os sentimentos sempre a inundando por dentro em torrentes de arrependimentos carregados de culpas por causa do pecado, de acordo com o que quase diariamente ouvia do pregador no púlpito, o suor escorrendo o rosto aos berros, a bíblia entrincheirada na mão esquerda, enquanto na outra, seus os dedos em riste, apontados para uma congregação assustada, os olhos vidrados no gesticular agitado, a voz  ficando cada vez mais falhada, intercalada nos goles d’água, e rouca diante das mensagens, das normas e da doutrina sabiamente ensinada a favor do testemunho que dizia que um membro de igreja só poderia se relacionar com outro da mesma congregação: “ Contudo, irmãos, eu vos afirmo que carne e sangue não podem herdar o Reino de Deus…”

    E assim foi com Nayara Tokugawa, pré adolescente aos treze anos de idade, visitando a primeira vez a Igreja Genuína dos Filhos do Altíssimo, conduzida ali por uma amiga da escola que conhecera o testemunho claudicante e perturbador narrado no intercalar das aulas, e que por bastante tempo ficou incrustado na sua alma de boa menina. Aos treze anos ela sentia-se extremamente impotente diante do alcoolismo do pai truculento e sempre embriagado, que quando não estava em roda de amigos bebendo ao varar da noite, estava caído no chão mulambento à porta do mesmo bar. Quando o salário recheava o bolso do senhor Nivaldo, uma amnésia temporária o visitava fazendo-o se esquecer dos compromissos em forma de faturas, boletos, cobranças ao pé da porta, e até mesmo o pagamento do leiteiro era desprezado frente a sua fiel fidelidade aos prostíbulos da região. 
    Nesses “respeitosos” ambientes, ele desaparecia por vários dias seguidos, às vezes faltava o serviço, e enquanto o fruto da labuta mensal de cobrador de ônibus não evaporava em forma de sorrisos estampados nos rostos das incansáveis operárias, ele não retornava para casa. “O pai voltou minha mãe?” A magérrima perguntava baixinho todas às vezes que ouvia o pai cadenciando os passos no corredor, seu rosto expurgado da embriaguez passada, camuflando uma seriedade não genuína, mas tão necessária para adentrar novamente o local de trabalho. 
    Eram rotineiras as contendas com a mulher frequentemente abandonada as responsabilidades de casa,  a filha comprometendo o futuro na diluição emocional que absorvia grande parte da sua energia mental frente aos estudos, sem falar nas cobranças conjugais aos gritos, as ameaças de separação repetitivas, os julgamentos simultâneos de atos certos e errados adentrando madrugada a fora; todo esse emaranhado sufocante, palpitante no peito amargurado de anos, pouco a pouco convenceram a jovem que, passar mais tempo esfolando os joelhos em forma de oração seria bem mais produtivo do que ficar ao pé da porta, fibrilando tentativas e pulsões de interferir nas brigas. Primeiro ela se firmou na igreja, depois sua mãe a acompanhou aos finais de semana, e em seguida, um bom tempo depois, o pai começou a frequentar as reuniões.

    Com a frequência nos cultos e conforme o peso das nádegas sobre o assento iam delineando um “ouvir” cada vez mais sensível às sutilezas apreendidas nas mensagens do evangelho, o coração familiar foi se pacificando aos poucos, se acalmando da torrente nervosa no sentir com desprezo o outro, da culpa arremessada simultaneamente para ambos os lados, e principalmente dos ódios gratuitos estimulados pelo alto teor alcoólico circulando nas veias o  poder destruidor dos consentimentos outroras construídos entremeio a raríssimos diálogos conscientes. 

    Agora todo esse emaranhado febril tratado, estava ruindo dia a dia em um desmoronamento prazeroso e não sutilmente apresentada como o testemunho vivo no meio de uma congregação ávida por experiências genuínas do  poder sobrenatural estimulando a todos para o bem comum, principalmente na prática dos ensinamentos aprendidos e engendrados profeticamente pela “ voz divina ” encarnada nas palavras de um pastor desmascarando a energia ruim, a moldando em forma de bons pensamentos, tecendo comportamentos mais assertivos no caminhar junto ao outro, convergindo assim todo e qualquer jugo desigual, seja na esfera da mente ou na emocional, em atitudes mais convidativas, benignas de sentir até as entranhas ou apelativas o suficiente para atrair sempre mais gente disposta a propagandear o “ reino de deus ” e a “ religião ” ensinada nos cultos cada vez mais recheados conforme um a um passava a enxergar a vida sob a tutela de um pregador cada vez mais possuído pelo espírito de "deus".
    Nesse ambiente, Nayara com o coração sempre grato das coisas que o seu Deus tinha realizado em sua família, procurava se ocupar cada vez mais nas atividades oriundas dos serviços demandados pela congregação, seja na organização do voluntariado responsável pela evangelização semanal que percorria os bairros, os telefonemas convocando os irmãos desviados, a procura insistente por alguma “estrela eminente”, seja um cantor famoso, pregador em ascendência ou mesmo alguém ainda desconhecido, mas com um testemunho de conversão forte o suficiente para apertar um pouco mais a coleira invisível dando voltas consecutivas no pescoço de cada fiel. 

    Para trás ficaram as brincadeiras na rua sempre tumultuadas pela garotada correndo solta às gargalhadas, findaram as festinhas entre os amigos, desapareceram os bilhetinhos secretos de amor e as confidências apaixonadas, e redirecionou ao presbitério todo as perguntas existenciais antes feitas diretamente aos pais. Acabou-se isso e muito mais, principalmente o  prazer juvenil adentrando a puberdade nos selinhos inocentes, nas bitocas acaloradas, nos abraços singelos ou apertados carregados de provocação mútua, principalmente quando ela estava, por assim dizer, escondida atrás de alguma árvore, na dobra de alguma esquina sem movimentação eminente, ou mesmo diante das ausências passageiras que proporcionavam estar momentaneamente com seu namoradinho em qualquer lugar. 

    “Mamãe, estou indo para a igreja!” É o que ela mais comumente dizia à partir dali, a Bíblia gorda empanturrada debaixo dos esqueléticos braços, a sensação gostosa no peito acariciando a alma em afagos rememorando na mente a certeza do dever angelical sendo cumprido à risca. Mas com o passar de dois anos, Nayara Tokugawa começou a sentir incômodos rotineiros que começavam a somatizar alergias diversas em forma de coceiras que coçando sofregamente descascavam a pele, deixando-a com fundo levemente mais avermelhado que o normal. À partir dali vieram as luxações no corpo e as constantes dores se esparramando pelos ossos, pelos músculos que, inundando importunos o resto do corpo, gerava uma angústia de ser que nenhum remédio receitado ou a mais potente oração em forma de jejum davam algum jeito. 

    “Você precisa se consagrar mais minha filhinha!” Ouvia sempre as mesmas orientações pastorais que apesar de reconfortantes a curto prazo, não tinham qualquer efeito em um longo prazo carregado de responsabilidades eclesiásticas. Sem contar o que já foi mencionado, dentro da organização eclesiástica era a responsável por propagandear e estimular as correntes espirituais da semana, no abastecimento do púlpito com a água, café e os papéis para redigir os pedidos, pela organização das mesas e cadeiras porventura desorganizadas, e na ausência de voluntários na noite, a limpeza geral do salão até o horário que antecedia o apagar das luzes. 

    “Essa irmãzinha é abençoada!” Eram constantes os elogios que ouvia de relance, às vezes diretamente no encarar de olhos carregados de admiração, mas apesar de todas estas práticas que ela, por um breve tempo, insistiu acreditar que a consagravam, não percebeu a eclosão dos gritos repentinos no inconsciente lhe informando que suas crenças estavam totalmente desniveladas. Desniveladas nas cobranças religiosas que a torturavam mais do que a pacificavam, nas alterações constantes do humor por causa de uma pressão sanguínea sufocando o peito em surtos repentinos que aconteciam em dias alternados, e principalmente na solidão solidária entremeando almas com crenças parecidas mas que de forma alguma nunca se conectavam. 

    Com todos esses conflitos, Nayara Tokugawa foi sentindo uma película de tristeza pálida e contígua crescer na sua face e se avolumar no coração, cerceando os sentimentos juvenis ainda não amadurecidos à medida que a afundavam cada vez mais em amarguras, em vazios perturbadores, e em culpas carregadas de sofrimentos pelo aflorar de uma enxurrada de desejos que a pequenina julgava, de acordo com o que ouvia do púlpito, emoções proibidas frente ao que se propôs a abandonar em nome da fé. 

    Todo um conjunto de sensações boas no início e na maioria ruins no desandar dos fatos, a embarcaram cada vez mais dentro de um casulo de insegurança contínua, acelerado ainda mais pelas memórias de uma vida que também aconteceu em forma de gritarias, de gargalhadas, das brincadeiras de rua até o adentrar da noite, e no “ prazer proibido ” que aos finais de semanas a arrebatava entre beijos e abraços quando em conjunto com Frederico, seu namoradinho da casa ao lado. Em noites febris assim, ela  encontrava alento apenas entre os pensamentos que porventura já a endurecia há anos. Convencendo-se sempre com os mesmos argumentos religiosos carregados de versículos bíblicos, relembrando o poder divino na cura dos traumas entre seus familiares, buscando alívio principalmente em aconselhamentos pastorais e na constante leitura de livros que pudessem de alguma forma, blindá-la frente a todos estes “ tormentos ”.

    Imersa nesse “ santo ” processo até aos dezoito anos de idade e não encontrando outra solução para a pacificação da própria alma, além do que era ensinado piamente na igreja, ou seja, a repreensão e negação de fatos represados, uma pontinha de “ libertadora esperança ” surgiu em seu coraçãozinho quando pela primeira vez viu um irmãozinho novo na fé; Sílvio Agnaldo de Amorim, rapazola de dezessete anos chegando acompanhado dos pais, que vinham de mudança do interior e chegavam com todas as recomendações dos irmãos da matriz da igreja em São Paulo. “A paz do Senhor minha irmã!” Era o que frequentemente ele dizia, cumprimentando Nayara antes do culto, o rosto de menino ainda mais destacado pelo empinar do nariz sob o cadenciar de seus passos rumo aos primeiros assentos da congregação. Quando o pregador apontava no púlpito, Sílvio Agnaldo vidrado sempre estava nas palavras, nos gestos, nas entonações marcantes que mais arrancavam Glórias e Aleluias, procurando sempre aqui e ali, por espaços desocupados na Bíblia arregaçada, que pudessem ser rapidamente preenchidos por suas anotações em azul ou preto e na ausência delas, por alguma das suas canetinhas coloridas. 

    “Com certeza ele será um pastor!” Ouvir essas palavras fascinava Nayara Tokugawa, sempre atenta a tudo o que testemunhavam sobre ele, e que pouco a pouco, avolumando no coração de mulher ainda fibrilando desejos por um “ santo amor ”, paulatinamente a convenceu que ambos, com toda a certeza, seriam um casal ímpar diante do seu Deus. A partir daí, intensificaram as súplicas repentinas, as orações de madrugada, e as consagrações em jejuns que se estendiam por dias sem fim. Casaram-se dois anos depois com todas as pompas e gracejos dos irmãos, que anos outroras, profetizaram o acontecimento. “ Minha esposa: em consagração a Deus não nos tocaremos por trinta dias!” Logo na lua que deveria ser de mel, Sílvio Agnaldo martelou a proposta conjugal que acabou sendo um prelúdio da história que os acompanharia anos afora. Pensando já estar livre de antigos tormentos, feliz e anestesiada pelos acontecimentos que agora ocupavam todos os recônditos dos pensamentos recentes, ela respondeu imatura em sorrisos, gracejando louvores rendidos aos céus, falando em gestos e calando todos os protestos interiores com o olhar carregado de precoces ternuras que refletia em Sílvio Agnaldo, a certeza que ela estava entrando em sua vida principalmente para ajudá-lo no ministério. 

    Agindo assim de início e impressionada apenas com o “ brilho do anel ” circulando o dedo trocado de mão, acabou se esquecendo de si e das necessidades da menina mulher incrustadas no ser, estimuladas na carne desde a puberdade precoce, e que apesar de propagandear aparências de felicidades na alma, por trás de todo aquele aparato religioso, eclesiástico, servil no viver a vida buscando um nível cada vez mais alto de santidade, nos recônditos de sua feminilidade ainda resistia a fêmea insaciável, adormecida de outras épocas e que em noites mais febris, quando o invólucro do pudor é rompido e os diques do desejo se entornam para mais, ela ressurgiria arruinando o chão das sexualidades não correspondidas, expondo dessa forma todas as sujeiras, as imundícias e as superficialidades construídas dentro de uma conjugalidade que supervalorizou a castidade e a religião e desprezou quase por completo as singularidades de um viver comum a dois.

    “É tentação do diabo!” “Assim ela convencia a si sempre em silêncio, ora orando cabisbaixa e mergulhada em culpas passageiras, outrora jejuando dias e dias que pareciam nunca ter fim, preces sempre acompanhadas de confissões cada vez mais corroboradas da “ palavra ”, a bíblia sempre a tiracolo, reprimindo todo o tipo de alteração nos impulsos sexuais que seriam normais na sua carne, se não fosse o desprezo assexuado que já alguns anos recheava o casamento de tristezas. “Meu Deus! Será que algo assim é normal ?” Eram partes de suas orações confusas, misturadas com o desgosto que paulatinamente enchiam sua alma de amargura, pois quando eles estavam deitados e com desejo a esposa resvalava em seu peito cabeludo, logo ele saltitava nervoso, vociferando desculpas esfarrapadas, dizendo não estar em condições pelo cansaço que no púlpito o consumia ou pelas horas de estudo da “ palavra de deus ” quando na confecção da mensagem principal que, após semanas de dedicada consagração, esgotaram todas as alegrias que porventura teria para compartilhar com ela.

    “ O mais importante é a amizade entre o casal! ” O marido repetia a desgastada frase todas às vezes que sentindo a aproximação repentina da mulher resfolegante, logo tratava de castrá-la em respostas acompanhadas de uma face cerrada, às vezes reprimindo-a em chantagens fictícias corroboradas no uso covarde de alguns versículos invertidos e utilizados a favor da sua assexualidade já condenada, principalmente nos encarceramentos que outrora a cercando com todo o respeito e carinho de um amigo, a cuidava pura e simplesmente como o objeto do seu não desejo.“Seja fiel ao seu cônjuge!” Atrás do púlpito era isso o que o pastor Sílvio Agnaldo geralmente pregava, lançando o olhar condenatório para todos os lados, os dedos das mãos sempre em riste carregados de ameaças divinas para o resto da congregação. “Amados irmãos, depois da Obra do Senhor, o mais importante é a santidade no casamento como a base de uma família que agrada a Deus!” Repetia sem se julgar anestesiando-se nas frustrações alheias, fechando os olhos para as próprias misérias, tapando os ouvidos para os clamores visíveis e audíveis da esposa cada vez mais saturada de um homem se revestindo de hipocrisias, de mentiras e dos enganos que, como servo de Deus, deveria ser o primeiro a repudiar.

    Tirando a pauta do não-me-toque, a vida doméstica, de início era uma maravilha. De todos os quesitos que um bom marido deveriam ter, boa parte deles estavam destacados no currículo de Sílvio Agnaldo. Sempre atento às necessidades da igreja como também com os olhos sempre voltados para dentro de casa, nunca permitia que a mulher, quando se sentindo indisposta, se excedesse em assuntos do lar. Por isso, quando necessário era ele mesmo quem cuidava dos afazeres domésticos desde a limpeza e manutenção dos ambientes internos, os cuidados com as roupas e outros tecidos que iam para a lavadora, sem falar nas obrigações que exigiam dele algum tipo de locomoção; as compras semanais em supermercados quase sempre lotados, as visitas nas feiras a procura de frutas e verduras sempre frescas, e as filas de bancos à perder de vista que enfrentava sempre em nome do  amor; de pé por horas, até que todos os boletos relacionados a prestação de algum serviço necessário, estivessem quitados.

    Para encurtar as idas e vindas do trabalho, a residência estava localizada em um bairro vizinho a Campo Lindo. A construção simples erigida nos fundos de um terreno de duzentos metros quadrados, era ainda mais empoderada por causa do belo jardim ocupando quase toda a área externa da habitação: bordeado por pingos de ouro, cicas gorduchas próximo ao portão em um constante desabrochar de folhas esverdeadas, sem falar nos cactos acompanhados de rochas fragmentadas, das espadas de São Jorge sempre amostras, do Ficus, da Pacova, das Patas de Elefantes e das flores de todos os tipos e cores. E no centro do jardim, sobre um círculo cimentado, a palmeira gigantesca, velha de anos outroras, o tronco cinzento rachando sinais de apodrecimento recentes, que já somatizando problemas no piso, suas folhas inundadas de casulos de borboletas precoces, cobriam em molestamentos sombreados grande parte da varanda principal, bem na entrada da casa. 

    Apesar de modesto, a limpeza e conservação sempre constante do verde davam um ar mais respirável, mais louvável, mais receptivo ao ambiente delimitado por vizinhanças de casas sem qualquer cuidado, as pinturas de anos à refazer, telhados sempre velhos com partes esburacadas ou quebradas, e na frente dos portões sobre calçadas despedaçadas, um acúmulo de mal cheiro insuportável de sacolas rasgadas, o interior todo à mostra, lançados de qualquer jeito ali sem o mínimo do entendimento da importância da presença de um cesto ou mesmo de um latão de lixo para os proteger.

    "Meu bem, hoje a noite o culto se estenderá até a madrugada!"  Ela ouvia as constantes deixas do marido já partindo porta afora logo após ter certificado que a esposa de nada material necessitava em casa. Sentindo-se mais sozinha que o convencional, já imersa em pensamentos noturnos, ela recorria a velha bíblia companheira de anos. "Lerei Cantares de Salomão para me animar..." Sibilava palavras contidas, desviando-se de leituras apocalípticas, posicionando a luz do abajur frente ao rosto enquanto se esparramava por completo no leito raramente utilizado. Começava do início e logo se entediava no atravessar dos capítulos. Decidida a desfrutar mais dos solitários momentos de tempo, com olhos ansiosos ela ia pulando versículos, saltitando palavras, até encontrar as passagens perfeitas que mais a excitava; debruçada sobre eles com o coração palpitando recorrentes tremuras, a mente mergulhava vorazmente nas partes sempre grifadas, o papel amarelado pelo encardido constantes dos dedos acompanhando palavra por palavra, e a imaginação a mil, ora em galopes repentinos, outrora em demoradas galopadas, tudo por causa da provocação insinuante incendiando os pensamentos encorpados e deliciosamente imaginados em cada frase: "Oh amado da minha alma!" Sussurrava para si, os olhos cerrados, retrocedendo inconscientemente os pensamentos de volta ao passado. 

    "Dize-me, oh tu, a quem ama a minha alma: onde apascentas o teu rebanho, ondes o recolhes pelo meio dia…"   Letra por letra, as palavras cada vez mais sendo entoadas em uma sonoridade ficando adocicada, lenta e gradualmente era consumida pelos desejos da fêmea mulher que com o fogo abrasador corando o rosto angelical, descia pelo pescoço aquecendo os seios, passeava em movimentos circulares eletrizando o ventre, e por fim, se concentrando na virilha, espalhava-se gradualmente pelas pernas, devorando toda a sensibilidade contida nelas. Quando assim, já imersa em um fluxo de pecados não mais considerados, as memórias do seu passado tornavam a acariciá-la em contínuos tormentos, pululando na mente desejos antigos ainda ardendo inconscientemente, fazendo emergir do baú das lembranças secretamente guardadas, tudo o que ficou impresso em sua sexualidade de menina; os olhares inocentes, os beijos inflamados, as fugas momentâneas, os abraços apertados, e os toques de pele findando sempre em dedos carinhosamente entrelaçados. 

    Um frenesi de sentimentos cada vez mais conectados na extensão da amizade de tempos outroras, expressados nas carícias, nos afagos das faces ficando rosadas, e na paixão juvenil sempre envolta por um amor não fingido, deliciosamente correspondido, às vezes impossibilitado de ser expressado por causa de ausências proibitivas impostas temporariamente por ambos os pais. Tudo isso junto e eclodindo na sua feminilidade, a transportava para um momento da vida que, comparado aos dias atuais, fora mágico e sublime por estimular sensações genuinamente prazerosas que agora, pelo peso dessas ardências que brotavam no terreno infértil da sua conjugalidade, a molestava diariamente diante de todas as incongruências diárias vividas com Sílvio Agnaldo. Uma pausa para a respiração e logo então as mãos se encontravam debaixo da saia, os olhos cerrados, os pensamentos já enclausurados, e todo aquele peso no peito sufocado de anos áridos encontrava oportunidade para se diluir na liberdade sexual momentânea que, expurgando resquícios do pudor religioso ainda grudado na alma, desafogava por completo qualquer insatisfação outrora domesticada. “Que tesão!” Nayara Tokugawa sussurrava doces sussurros, os dedos eriçados passeando o tecido de algodão cada vez mais umedecido, tateando na mente por algo no casamento para se ancorar, se deleitar, e não encontrando nem migalhas na própria conjugalidade, retroagindo ainda mais o passado sem traços de culpas na própria psique, até se agarrar por completo às estruturas deliciosamente construídas em um relacionamento juvenil abruptamente deixado para trás. “Oh meu amor!” Gemia sem pronunciar o seu nome, entesourando na memória verdades que não ousava expressar em palavras, pelo medo de às enfraquecê-las, ou mesmo perdê-las por qualquer vento do acaso que, porventura passeando enquanto ela gemia, as engolfassem transportando-as para fora do ambiente das suas subjetivas realidades.

    De repente, parte das suas angústias evaporavam por um breve instante na respiração não mais contida pelo agitar frenético dos dedos acelerando cada vez mais o friccionar embaixo, inundando-a de carinhos imaginados também com outros homens que, recheando os inúmeros textos eróticos devorados em noites insones, a faziam se sentir temporariamente um pouco menos solitária.“ O mais importante é a amizade entre o casal... ” Retrucava em gemidos às constantes falas do marido-pastor, imaginando em desejos acalorados, “algum desconhecido” forçando passagem entre as pernas decididamente arreganhadas, ordenando posições corporais submissas, sussurrando palavras aveludadas ao pé do ouvido, a fazendo se sentir viva e plenamente saboreada no êxtase louco que jorrando entre as coxas, era maculado apenas pelo rancor refletido na vingança fictícia imposta mentalmente a Silvio Agnaldo. 

    Depois de três anos assim, a culpa após estes contínuos atos, já não a molestava. Esparramada sobre a cama, o corpo totalmente nu, inerte e inundado pelo deleite decorrente do abandono das fagulhas não mais eletrificadas, o que pairava após o frenesi era apenas nuvens carregadas de arrependimentos desconhecidos, sublimando os pensamentos pós prazer, e enquanto não fossem discernidos até as entranhas, a manteria  agrilhoada em um sentimento de extrema carência por ausência de consumação carnal. Após Nayara tanto buscar os encontros para os diálogos, colecionar noites de choro carregadas de ânsia que pareciam nunca ter fim, estabeleceram-se as brigas entre o casal e nunca mais os abandonaram. 
    “Deixa de ser frouxo! Você não é homem para mim!" Rotineiramente era o que ela mais vociferava amargurada, emitindo ofensas ácidas em suas tentativas desesperadas de encontrar alguma luz, alguma solução, ou qualquer válida saída para a decadente corrosão conjugal, ainda que estimulando o casamento a trancos de maus tratos contínuos. O marido argumentava sempre aos berros, exausto pelos uso dos mesmos argumentos, desprezando conscientemente a natureza das coisas normais da vida que o Deus que a seu favor eloquentemente ele pregava, havia definido de serem simples. Não demorou muito e logo essas ofensas verbais se converteram em uma agressividade recíproca, recheada de empurrões, tapas e pontapés que, engrossando o clima dentro da casa do santo casal, era ouvido à distância por toda a vizinhança assustada, confusa nas decisões a tomar, e que não sabendo discernir se era briga conjugal ou oração forte para destronar o capeta, não acudia e muito menos ligava para a polícia. Com o transbordar das duplas angústias no acumular de conflitos sob conflitos em demandas que desatavam até o nó das gargantas entaladas de anos, como não encontrando meio termo entre os diálogos que se tornavam cada vez mais raros, implantou-se um silêncio entre os dois que só era rompido quando na presença de algum conhecido, eles dissimulava intimidades, afetos fingidos, risos forçados em uma ginástica laboral tremenda para continuar mantendo as aparências diante de uma congregação cada vez mais desconfiada.

     

  • * Prazeres "quase" eternos

    Nos refletores, cores variadas explodindo em feixes de luzes ricocheteando os globos espelhados posicionados estrategicamente no alto do salão, infundia em cada um dos presentes, um misto de sensação cada vez mais agitado, frenético, dançante e prazeroso no expressar já movimentado dos pés sobre a pista de dança. “Que tanto de gata! Vamos praticar os passinhos? Marcos Hayashi era impulsionado pelos amigos em provocações já imersas e sequestradas pelo ritmo das músicas, vibrando neles, pensamentos, atitudes e comportamentos mais ousados que em um dia normal. “ Putz! Há tantos anos frequento esse espaço e nunca encontrei alguém que realmente valesse a pena!” Com o olhar viajando pelo ambiente, ele suspirava silencioso entre um e outro ressentimento, copo de cerveja à mão, acompanhando apenas com os olhos o grupo incompleto se enfileirando no centro, iniciando os passos exaustivamente praticados no fundo do galpão da fábrica. Conforme a música se desenvolvia e a provocação do ritmo abastecia a eletricidade dos corpos, a galera ao redor ficava cada vez mais agitada com gritos perenes, excitada pelos movimentos frenéticos de pés, mãos, troncos e cabeças metodicamente sincronizados entre os eles, perfeitamente expressando rostos já corroborados de sentimentos de aprovação por causa dos aplausos que recebiam. “ Galera, hoje não irei participar! Marcos sorria um sorriso desanimado partindo solitário para o segundo piso, após ter negado o convite quase obrigatório de estar ali, juntamente com eles, participando da coreografia que a alguns anos o clã  utilizava como “isca” para “pescar” novas garotas. Subindo as escadas, a alma tateando aqui e ali através de olhares trocados, contraditoriamente ele adentrou a sala reservada aos namorados, e como todas às vezes que se sentia entediado, caminhou lentamente atravessando o corredor sobrepujando uma parede esverdeada, onde após a grossa coluna de concreto, alguns banquinhos isolados construíam uma aura maior de privacidade no ambiente. Já sentado, o líquido embriagante sobre a mesa ao lado de um maço de cigarros amarrotado, ele ficava ali, o olhar perdido no horizonte dos sons, das cores e dos corpos agitados de desejo lutando contra a ansiedade e o receio de “porventura” voltarem desacompanhados após a farra.
    Como nas noites que velhos sentimentos voltava a atormentá-lo, ele retirou o pequeno livreto do bolso, capa azul de camurça, onde estava escrito em letras desgastadas e douradas o título: MAKTUB (Está escrito!) Com o rosto mergulhado vasculhava página por página, a fumaça do cigarro insistindo adentrar as pálpebras mas impedida pelo piscar frenético dos olhos, seu dedo finalmente encontrou a dobradura no cantinho que denunciava o papel amarrotado, sujo e amarelado pelas constantes releituras das letras. “O pior pecado do mundo é o arrependimento” Lia e relia em voz alta a frase que a tantos anos exercitava os músculos da língua e da mente, entremeando os pensamentos, devorando horas de suas horas por busca de significados diferenciados entre os inúmeros que se pôs a refletir em algum canto do apartamento. “Não acredito que estou vendo você aqui!” Era uma voz feminina e sensual, reconhecida no desabrochar da infância até a puberdade precoce, que acompanhou o Marcos menino nas ruas, nas praças, nas lanchonetes, na escola e em cada cantinho de casa quando imprudentemente esquecidos ali por ambos os pais. “ Linda Harumi! ” Em um sobressalto, os olhos não podendo esconder o impacto daquela presença, ele ficou vislumbrado com a beleza que agora encorpava a menina manhosa, delicada em gestos e nos protestos, a raquítica especial que insistia a tantos anos estimular antigas lembranças, povoar suas memórias, sempre o incomodando em desejos impossíveis de serem esquecidos. “ Há quanto tempo você está no Japão?” Já sentada e o encarando, Linda perguntava curiosidades ouvindo atentamente não mais se atendo a fisionomia do rosto dele, nem incomodada pelos olhares à volta a devorando de cima a baixo, mas no movimentar contínuo e singelo daqueles doces lábios que, na adolescência, tanto deliciou em beijar. “Estou à três anos no Japão! E você?”  Marcos respondia suas perguntas com o semblante amendoado e carinhoso, lutando com os olhos na verdade, mas não conseguindo se desvencilhar das curvas, das formas, da silhueta formosa ainda que na penumbra do ambiente levemente já esbranquiçado pela fumaça branca liberando um odor agradável que subia dos motores elétricos posicionados nos quatro cantos da pista de dança.
    Como água represada à anos, ambos assim ficaram, os olhos dele encarando sutilmente os olhos dela, ela tateando resquícios de percepções diversos nele, mas ambos simultaneamente impulsionados a encontrar nos diálogos; um sentimento comum impregnando as palavras, ladeando o pausar das resposta involuntárias, ou suspenso em algum movimento inconsciente que porventura denunciasse em gestos, em olhares, em suspiros inaudíveis que eles ainda se desejavam. “ Cheguei à três meses... é tudo tão diferente…  não sei se vou conseguir me acostumar!” Buscando refúgio no calor corporal que, paulatinamente se alastrava para a singeleza do rosto, Linda Harumi intercalava sorrisos com desvios de olhar, e ele, devolvia o sorriso envelopando com eles, promessas protetoras de alguém um pouco mais acostumado com toda aquela loucura, com todos aqueles trejeitos, com todas aquelas esquisitices de país de 1º mundo.  Finalmente chegava a pausa de descanso do DJ que, com as mãos doloridas, posicionou um LP enquanto os casais apaixonados iam se formando aos pares. “Se precisar de alguma coisa, pode contar comigo...” Ele se levantou da mesa, e estendendo carinhosamente a mão em sua direção, a convidou para descer até a pista de dança ao som romântico de Mariah Carey...
    “You look into my eyes
    And I get emotional inside
    I know it's crazy but
    You still can touch my heart
    And after all this time
    You'd think that I
    I wouldn't feel the same
    But time melts into nothing
    And nothing's change…”

    Já abraçados, as mãos de Linda suavizadas sobre os ombros seus ombros e as deles circundando firmemente sua cintura, por um momento ou pelo tempo que durou a música, toda uma torrente de sentimentos acumulados e represados ao longos dos anos passados, arrebataram suas almas: vieram as lembranças das promessas joviais expressas em beijos singelos e demorados, das fugas entremeio as festinhas que aconteciam na vizinhança, as travessuras, os receios, e a intranquilidade pelo possível flagra ao pé da porta que avultam ainda mais em sentimentos sinceros, crescentes, genuínos, se apossando cada vez mais do coraçãozinho de ambos na pré-adolescência. “Nunca consegui te esquecer!” Marcos proferia confissões acaloradas ao pé do seu ouvido, a respiração de ambos ficando acelerada, diminuindo cada vez mais o espaço entre os corpos no apertar dos abraços não tão sutis, seduzidos cada vez mais pelas passagens românticas da música. “ Ah Marcos… eu também não … “ Ela respondia os gracejos já se sentindo segura nas palavras, o queixo angelical repousado sobre o ombro dele, deixando a doce fragrância do perfume nos cabelos embriagar cada vez mais o olfato do recém amor reencontrado. “ Parece que foi ontem....”  Refletiam no conforto do próprio silêncio, os passos alternados; dois para lá, dois passos para cá, e a canção anestesiando os corpos da tensão do dia, adocicando pensamentos diversos, enternurando emoções antigas, revirando no fundo do baú dos sentimentos até encontrar o ‘’amor descontinuado’” ainda fibrilando pulsões, latejando sensações, emergindo na epiderme do ser resquícios do prazer de uma vida a dois interrompida, impossível agora, pela força do destino ou pelo acaso do reencontro de almas que se procuravam, permanecer vivo somente nas lembranças.
    “Não vai nos apresentar ?” Logo ao final do repertório romântico, os amigos se aproximaram expressando arfadas, suspiros e golfadas de ar intercaladas, provocando ciúmes ao colega que, diante daquela beldade, o julgava um cara sortudo. “Essa é a Linda!" Apresentava a acompanhante ao seleto grupo de amigos em círculo, desejando naquele espaço de tempo ter dito “meu amor” ao invés de “minha amiga”, dando-lhe um beijo singelo na bochecha, enquanto permitiu que ela fosse fuzilada por perguntas vindas de todo o grupo. Ela respondeu todas as perguntas buscando sempre apoio na presença ao seu lado, as palavras entrecortadas por gestos, por olhares, por suspiros acompanhados de uma entonação amanteigada na voz, e a todo momento direcionando o olhar para aquele que a abraçava. “ Vamos reunir a galera amanhã na estação. Você vem?” Convidaram. “Não vou dar certeza pessoal... Eu e a Linda acabamos de nos reencontrar e talvez tenhamos outros planos para amanhã...” Franzindo os olhos, Marcos a encarava com ternura em rabos de olhos desconfiados, receoso por ter ultrapassado por assim dizer, algum limite dela, na resposta espontânea que deu ao amigo. No relógio central localizado no alto do chafariz da praça principal, bateram duas horas da manhã quando todos se despediram em frente da casa noturna denominada B’One com o frio cortando porta afora, cada um seguiu esgotados e satisfeito em passos apressados na direção do ponto de ônibus. “Aonde te deixo?” Marcos Hayashi perguntava já sentindo saudades, conduzindo-a rumo à estação do metrô subterrâneo enquanto Linda Harumi momentaneamente muda, sorriu envergonhada, com o rosto mais corado que o normal. “Me leva pra sua casa?” Ressabiada e com os olhos miúdos enterrados em sua direção, como uma cadelinha sem dono ela apertou ainda mais o braço encadeado ao seu. Por um instante de momento, com a mente de Marcos  sendo pega desprevenida viajando em devaneios passados, ficou mudo.  “Se você quiser é claro...” Ela reforçou o auto convite com a face insegura e envergonhada,respeitando as próprias pausas respiratórias do ar gelado adentrando as narinas, concentrando o seu olhar a partir dali, nas leituras de uma "aura" agora desperta, emitindo paulatinamente um brilho mais incandescente que antes.
    Após apearem do táxi, ambas as mãos roçando a pele em toques singelos, finalmente seus dedos se entrelaçaram. “Nem em mil anos poderia ter imaginado reencontrá-la...” Marcos Hayashi comemorava em silêncio, a respiração ficando ofegante, e a imaginação a mil enquanto conduzia com doçura Linda Harumi já na entrada do pátio. “Cuidado com o degrau princesa!” Advertia carinhoso, controlando em pausas a excitação se avolumando na mente, enquanto admirava de rabo de olho a silhueta formosa revelada na penumbra da noite. “ Haha! Princesa? Nossa! Estou adorando esse seu tratamento VIP!” Ela subia lentamente cadenciando os passos, a lanterna do celular Iluminando o caminho, enquanto se esforçava para apaziguar o vestido florido, rebelde ao corpo, totalmente agitado com as rajadas de ventos vindo em ambas as direções. Dentro do apartamento N° 404, já protegidos da tortura congelante que ficara de fora, em um impulso logo eles se aqueciam abraçados. “Precisamos de um banho!” Linda se antecipou em falar, para logo em seguida, às pressas, corrigir o possível mal entendido sublimado nas próprias palavras: “ Quero dizer que eu preciso tomar um banho…” Energias inocentes estas, entremeando suas falas, passando a vibrar insinuações sensualmente mais provocantes na libido de ambos. “ Sim, claro! Vou pegar um roupão para você…” Suspirou.
    Foi uma “puta grosseira” de um prostíbulo localizado no centro de uma cidade chamada Omya que anos atrás “roubara” a virgindade do inexperiente Marcos. Entre as “estocadas inseguras” ora ela folheava uma revista, outrora retocava a maquiagem borrada, mas sempre e compulsivamente recontando o dinheiro adquirido que escondia entre cobertores inundados de suor. Com as pernas arregaçadas, recebendo as idas e vindas frenéticas que estremeciam toda a extensão do seu corpo judiado, ela não se esforçava para esconder a má vontade do “ fazer ” expressado nos suspiros tediosos que bufava, nos olhares indiferentes carregados de desprezo, e principalmente na falta de educação que denunciava o cansaço da “ labuta exagerada ” que mulher alguma nunca deveria se acostumar. Dentro de uma cabine 3x1 mal iluminada, com homens e alguns jovens atrás da porta em fila ansiosos para adentrar, foi que Marcos Hayashi aos 16 anos de idade iniciava a traumática vida sexual que, dali pra frente, viciava sua carne, mas violentava inevitavelmente a sua alma. Agora Linda Harumi estava ali: lindamente provocante, insinuante em gestos inconscientemente diretos, arrebatada por desejos de compartilhar com ele, o abecedário completo do prazer quando é deliciosamente conjugados nos verbos: dar e receber amor. Mas Marcos respirando resquícios dessas mesmas frustrações passadas, instintivamente se fez de desentendido, corou nervoso, e insinuando à tarefas esquecidas, ele desprezou momentaneamente os clamores desesperados da sua faminta carne. “ Está com fome? Que acha de eu preparar um lámen pra nós!” Dizia partindo para a cozinha, lhe entregando um roupão amarelo, enquanto Linda envergonhada pelas recentes falas, fechava a porta do banheiro confusa. “Fiz besteira… como você é oferecida garota!" O quê ele vai pensar de mim?” Ela naufragava em perguntas confusas, tirando a roupa vagarosamente, e em paralelo, procurando defeitos em frente a um espelho que revelava seu físico, mas não as angústias brotando da sua alma. “ Burra, burra, burra...” Balançada pelas próprias condenações, ela achava repouso apenas na batida quente das águas que, inundando suas costas, descia suavemente ladeando e abrangendo as curvas acentuadas das nádegas.
    Na cozinha, segurando uma faca afiada na mão, Marcos Hayashi preparava entre um suspiro e outro, os ingredientes que comporiam o preparo do alimento à base de massa: o kombu, o niboshi, ossos de carne, shitake e um pouco de cebola. Mantinha o pé segurando a porta da geladeira entreaberta para alcançar com a mão um par de ovos mexidos que quando quebrados, caiam na água fervente, diluindo e empedrando ao mesmo tempo. “ Que vontade de estar lá, tomando um banho quentinho, agarradinho com ela... ” Dizia degustando os pensamentos vindos do demoniozinho sibilando em seus ouvidos, os seus olhos revirados ao teto, já sentindo no corpo as velhas tremuras do prazer.

    “Mas ela não é como as outras que eu  comi...” Deu o veredicto final, se concentrando no tempero, despejando as verduras picadas na panela enquanto o macarrão duro amolecia aos poucos, no compasso das mexidas da colher de pau. O cheiro do lámen proporcionado nos vapores que subiam em espiral até o teto, seguia o fluxo do ar sorrateiro que entrando pela abertura da janela da sala, alcançava e engolia todos os ambientes do apartamento. “Que cheiro delicioso! ” De repente, Linda, a passos lentos, com o roupão grudado a um corpo jorrando vapor pelos ares, despontou silenciosa na porta da cozinha, e encostando no portal contemplava-o enquanto penteava com os dedos seus longos cabelos umedecidos. 

    Sobre a mesa, os tchawans esperavam virados de cabeça pra baixo bem ao lado dos hashis de madeira recém tirados de uma embalagem. Para acompanhar o preparo; shoyu, pimenta e um pouquinho de kurikake que era jogado sobre o arroz cozido sem um pingo de sal. “ Linda, use o meu quarto para se trocar! ” No quarto, já sentada sobre a cama, Linda Harumi vasculhava com olhos nervosos resquícios que porventura indicassem alguma pista, alguma mancha, cheiro ou algo que confirmasse que alguma presença feminina havia passado por ali. Não encontrou nada. Apenas fixado nas paredes, três pôsteres de tamanho 2x1 “embelezavam” o ambiente pouco iluminado, gerando um frenesi louco de imagens retiradas de revistas hentais (pornô). Em cada cenário, mulheres nuas em  poses extravagantes e sensuais, revelavam as próprias “curvas” sem nenhum pudor. Por exemplo, na parede frontal, estampado estava a imagem de uma loira estonteante: só de biquíni e agachada de costas, ela segurava uma bola de basquete, glúteos quase ao chão, o rosto virado pra trás oferecendo um sorriso lindo carregado de provocação. Na parede lateral à esquerda, bem ao lado de uma estante montada de ferro encaixáveis, o segundo quadro apresentava uma morena escultural em meio à mata: sentada sobre uma grande pedra, as pernas entreabertas, o dedo indicador da mão esquerda passeando os lábios volumosos em um olhar inocente, subliminarmente convidativo ao prazer. À vista ficavam os seios fartos, as coxas grossas, a barriga bronzeada, e o sexo totalmente à mostra, sendo ladeado carinhosamente pela pontinha dos dedos da mão direita. Por último era a ruiva emoldurada no cantinho especial do quarto, por cima de uma escrivaninha coberta por livros e algumas revistas de sacanagem organizadas metodicamente em fileiras que faziam divisa com um porta canetas de aço. A terceira beldade estava suspensa sobre uma máquina de escrever antiga que, há alguns anos, Marcos Hayashi vinha dedilhando alguns poemas apaixonados. “Assim você acaba comigo guria!” Era exatamente assim que ele em seus devaneios frequentes, repetia sua confissão sem se cansar, sozinho no banho ou debruçado sobre a cama, devorando a imagem nua com olhos famintos enquanto arregaçava o “membro endurecido” salivando de desejo, saltitante na palma da mão. “ Nem consigo trabalhar amanhã ” Desejava-a com a boca, os pensamentos soltos e encravados em cada pedacinho do corpo dela: nos lábios carnudos insinuantes no movimentar da língua aos beiços, nos seios fartos carregados de uma volúpia descomunal que refletindo o rosado dos bicos pontudos expressava ainda mais a brancura da pele sedosa, na bunda redondinha, formosa em formas, empinando convites a deliciosas cavalgadas aceleradas, e por fim, na cerejinha do bolo, o gran finale, representado pelo sexo depilado, acentuado pelas marcas de um biquíni ausente, deliciosamente pronto para ser consumido a exaustão. Gemendo sempre baixinho acompanhando o movimentar frenético do vai e vem dos dedos cerrados, ele não deixava que nada passasse despercebido à sua mente, sempre voraz a tudo que, dependendo da quantidade dos pixels da imagem estática, pudesse ser deliciado.
    Deslumbrada com a beleza das imagens, no entanto visivelmente perturbada com a rivalidade que elas representavam, Linda Harumi ficou por um breve espaço de tempo às encarando de frente; o olhar empoderando, a respiração firme e pausada na postura ereta do corpo que anunciava ali, algum tipo de futura batalha. “O reinado de vocês, suas piranhas, acaba aqui!” Dizia em falas esquizofrênicas, relaxando os ombros e as costas, sentindo-se mais leve, mais segura e liberta nas recentes palavras que expurgaram algum tipo de mal inconsciente. Em seguida, após vestir um moletom acinzentado, procurou na gaveta inferior da cômoda alguma meia que pudesse calçar. “Será que é o diário dele?” Lina Harumi manuseava um caderninho capa de couro, cor vinho envelhecido, com o tempo de uso já considerável, sem anotações externas que denunciassem algum tipo de função. Abri-lo sem ser descoberta era impossível. Trancado pelas bordas, um pequeno cadeado dourado garantia que o conteúdo das páginas, seja lá o que for que estivesse escrito, ficasse totalmente inviolável, definitivamente inacessível a olhares curiosos. 

    “ O lámen está pronto... ” Sobre a mesa, com os olhares timidamente trocados, eles se sentaram lado a lado, talheres à mão, servindo da panela à frente, deliciosa e convidativa aos olhos no saciar da fome acumulada, expressada nos roncos sugestivos do estômago que horas atrás vinha reclamando como cachorro louco. Dizendo “Oishi!” em japonês, Linda agradecia a Marcos Hayashi com a boca cheia do macarrão, ora suspenso sobre as duas ferpas do hashi que, enfiado entremeio aos fios, lutava para manter-se firme e ancorado aos dedos. “Vamos ouvir uma música?” Retirando o CD da Roxette do estojo, Marcos o encaixou cuidadosamente no compartimento do aparelho eletrônico, girando o botão do volume até que a canção Listen To Your Heart, já audível em som ambiente, começasse a tocar:

    “I know there's something in the wake of your smile
    I get a notion from the look in your eyes, yea
    You've built a love but that love falls apart
    Your little piece of heaven turns too dark…”

    Finalizado o jantar, eles se sentaram na sacada do apartamento. Com o coração mais acelerado, a respiração ofegante em ciclos se alternava de acordo com a temperatura no interior do edredom enroscado em ambos os corpos à convites de contatos mais aflorados. “A lua é linda!” Ouvia-o dizer poemas ao pé do ouvido, aveludando as palavras, e com o olhar amoroso, Marcos ajustava o tom da voz na altura perfeita que não atrapalhasse a melodia de amor que continuava entoando vibrações carregadas de candura a partir do aparelho na sala.

     “ Eu a perdi uma vez…” Marcos ditava promessas que insistia que iria cuprir a ela, o seu olhar ficando sério, apertando seguidas vezes um chumaço do edredom felpudo que ia reduzindo cada vez mais o espaço entre os dois corpos se ardendo de desejo no resvalar nada sutil dos toques eletrizados. “Ah mas éramos apenas dois jovens apaixonados...  Enroscada ao seu peito e com a ponta dos dedos, Linda identificou uma estrelinha sob a lua, reluzindo seus raios cintilantes na penumbra da noite. “ Vamos compensar agora, né princesa ? Ao ouvir a energia vibrando destas doces palavras, Linda Harumi duplicou o sorriso espaçando ainda mais o espaço entre os lábios, agasalhando no coração de mulher sensibilizada com o cenário, as doces seguras palavras recém-ouvidas ao pé do ouvido. “ Podemos sim e vamos! ” Marcos Hayashi reforçou novamente os abraços, o seu semblante esmagando o dela, sorvendo com a língua o excesso do chocolate que ficara salpicado em um dos lados da bochecha. O carrossel girando no aparelho de som, por fim alcançou o último CD posicionado e, no compartimento sobre o laser, posicionou a música romântica La Solitude de Laura Pausini:

    “Marco se n'è andato e non ritorna più
    E il treno delle 7:30 senza lui
    È un cuore di metallo senza l'anima
    Nel freddo del mattino grigio di città
    A scuola il banco è vuoto, Marco è dentro me
    È dolce il suo respiro fra i pensieri miei
    Distanze enormi sembrano dividerci
    Ma il cuore batte forte dentro me”

    Ali, sobre o luar, os rostos corados levemente sendo iluminados, eles deram o primeiro beijo de amor que, dali pra frente, selaria o reinício da relação iniciada na adolescência. Debaixo do cobertor, ora os corpos se fundindo nos abraços apertados, outrora as mãos soltas à vontade brincando apalpadelas entremeio ao vácuo, deixava a pele toda eletrizada, desejosa por mais, carregada de uma ânsia insaciável por toques mais acalorados. “  Sou toda sua amor!” Linda Harumi se jogou sobre seu corpo, o olhar levemente ficando devasso, se distanciando rapidamente da timidez inicial, incentivada ainda mais pelo alastrar da ardência úmida no enroscar frenético das duas línguas. “ Vem cá... não foge! ” E ela o segurava em suas falsas escapulidas, ambos os sexos estimulados debaixo da roupa, a sua boca carnuda toda enlouquecida, desejosa por mais, naufragando em um mergulhar cada vez mais profundo dentro dos lábios do amado.

    Linda se entregava sem economias, excitada pela voracidade dos beijos contínuos, pelo calor tempestivo gerado nos abraços mais apertados, mas sempre e paulatinamente testemunhando o desnudar do próprio corpo no avultar nada sutil de dois olhos incinerados. Ainda que se sentindo sequestrada pelo desejo de satisfazer a ele ou mesmo ansiando querer mais pra si dele, ela permanecia totalmente entregue diante das investidas sequenciais, palpáveis, ou gustativas, não interrompendo as preliminares nem diante das tão necessárias golfadas de ar. “Fica louquinha pra mim, fica princesa?” O amado balbuciava para uma mulher cada vez mais perdida nos próprios sentidos, a cabeça emborcada para o lado em desprezos dos cabelos sobre o ombro, permitindo com estes submissos atos, uma passagem mais convidativa ao prazer, carregada de provocações eróticas, aprisionando parte dos desejos de Marcos focado na consumação exacerbada da pele nua em volta do seu exuberante pescoço. “Ai que tesão...” Sem piedade Marcos caia esfomeado, o pensamento acelerando o palpitar do coração nos gemidos crescentes ao pé do ouvido, beijando a pele dela com carícias provocativas no passear sensível junto aos lábios, em suaves mordidas no lóbulo inchado de desejo, seguido por intercaladas enfiadas da língua no fundo do orifício do ouvido. “Hum, já estou tão molhada...”. Excitado, Marcos finalizava o ciclo degustativo com chupadas mais sedentas que as iniciais, sua língua serpenteando roxeões à flor da pele, notórias a ver de longe, afogando cada vez mais a libido de ambos no desejo louco de adentrarem o próximo estágio.

    Grossas nuvens formando no horizonte, e o próximo estágio acontecia estritamente às apalpadelas aprofundadas, a mão de Marcos adentrando o moletom de Linda, a pontinha das unhas arranhando suavemente a lateral do dorso dela, a deixando toda arrepiada, louca de desejo por ele que, suas mãos subindo o sutiã, não saia dali, até vencer o adversário empacado, o fecho não sincronizado com o tesão arrebatador que há muito tempo já engolia os dois. No concentrar mental entre as pausas para a respiração, finalmente o fecho se abriu, os sorrisos antes abafados coloriam mais o rosto, as mãos resfolegantes por tatear tanto, finalmente degustavam toda a volúpia de um par de seios extremamente fartos. “ Também estou pegando fogo...” Marcos Hayashi advertia sem parar e ela ficava cada vez mais excitada nas carícias, nos afagos, no movimentar da pontinha do dedo pressionando levemente os bicos dos seios e os deixando mais inchados, entumecidos e desesperados por mais. “Agora desce um pouquinho...” Em seguida, como um cachorrinho bem adestrado ele fielmente obedecia, descendo ao ventre chapado, passeando os dedos na extensão da virilha, estacionando nos pelos pubianos macios e escassos, ora puxando-os levemente como se quisesse arrancá-los, outrora massageando por cima como uma mãe amorosa acariciando os cabelos do filho.

    Ali na virilha, a calcinha apertada denunciando tatilmente a umidade do sexo vazando o exterior do tecido, os dedos dele ficaram mais agitados, mais sedentos, mais ansiosos por causa do ritmo pulsante do sangue que, circulando com maior rapidez nas têmporas da testa, aumentava cada vez mais a pressão sanguínea dentro da cabeça. “Que bucetinha molhada..." Assim, narrando seus laboriosos atos, Marcos começava devagarinho, acariciando o clitóris em movimentos suaves, às vezes frenético no enrijecer dos dedos, mantinha estes movimentos por alguns segundos, depois voltava a ladear os lábios de cima a baixo, arregaçando a abertura da vagina, sempre com o extremo cuidado de não feri-la com as unhas. Na entrada do orifício, com o desejo sexual alimentando a sua sensibilidade criativa, Marcos Hayashi sentia o próprio “pau” ao invés de “dedos” endurecidos: indo, vindo, estacionando lá no fundo, depois voltando e entrando novamente, retornando a ladear os grandes lábios como no início, saboreando assim, devagarinho, palmo a palmo, toda a  densidade cavernosa daquele sexo encharcado.“ Que vontade de chupá-la...” Diante de um par de olhos se cerrando, ele retirava e adentrava os dedos do orifício, e com a viscosidade fazendo ponte entre o indicador e o polegar, abocanhou os dedos com uma tal voracidade, que a deixava ainda mais excitada.

    Era de se esperar que a chuva logo caísse do céu já tenebroso, anunciando o prelúdio que viria através das trovoadas que estremeciam os carros estacionados, os latões de lixo, os postes de ferro mal posicionados, os corrimões das escadas e seus parapeitos, as paredes de alvenaria, os telhados, as janelas, e toda a extensão da sacada onde eles se encontravam. “ Por favor, vamos entrar?” Ela agarrava-se a ele enquanto os clarões dos raios iluminavam como flashes instantâneos os ambientes antes ocupados apenas pelo negrume da noite; as vielas pouco movimentadas, o sombrear das árvores envelhecidas na entrada do pátio e os corredores dos edifícios vizinhos mal iluminados por causa da baixa potência da lâmpada. “Claro que sim! Vamos...” Ele com o olhar prestativo encadeou seus braços a ela que, sentindo o cheiro másculo exalando do seu corpo úmido de minutos outroras, agora lutava para manter toda aquela excitação incubada no seu corpo de mulher ainda não satisfeita. Caminharam até o interior da sala com os dedos entrelaçados, ambos os rostos selando-se entremeio aos beijos que aconteciam aos trotes, e quando atravessaram o ambiente, alcançaram por fim o aconchego do quarto quente, totalmente preparado ao prazer. 

    No canto esquerdo do dormitório, um abajur chinês com cúpula esbranquiçada e base em tons que se aproximavam ao vermelho sangue, estava localizado a ½ metro da cama. A partir dali, emergindo sua luzinha fraca e limitada, os feixes de luzes alcançavam apenas parte dos móveis e objetos que compunham o lugar, emergindo todo o resto do ambiente em uma penumbra amarelada que se permitia ver apenas vultos nas sombras. “Safadinho você hein...!” Dando voltas ao redor e se posicionando fronteiriço as paredes do quarto, para o provocar, ela encarava as três imagens emolduradas, arranjadas de tal forma que, a iluminação refletida diretamente nos retratos, acentuava ainda mais a beleza irradiando de cada uma das daquelas deliciosas curvas estáticas. “São só pôsteres que não significam nada...” Usando argumentos que mantinham a suavidade do clima ainda pairando no ar, ele a apertou no peito, deu-lhe logo um beijo ardente, sugando todo o fôlego que ela tinha reservado para revidar em palavras. “E eu?” Sorrindo baixinho entremeio aos gritinhos de prazer sufocado que quanto mais ela emitia, ele delirava, seu pescocinho sensível ficou totalmente exposto às carícias vorazes dos lábios incendiados de Marcos. “Você é o meu xuxuzinho!” Respondendo respostas agradáveis, ele a abraçava cada vez mais forte, temperando com humor as palavras salpicadas com ternura, emulando à partir do coração que em outros tempos estava desassossegado, o amor adolescente interrompido anos atrás, e que agora, se ascendia em envergadura e presença,  anestesiando a psique de ambos em confortos verbais e carinhos visíveis, expurgando de dentro dela, qualquer tipo de malícia que porventura instigasse a continuar se avolumando de ciúmes infantis. “Assim você me ganha!” Agora, com o ar do ambiente mantendo sua nobreza, o mesmo inspirava leveza, e impregnado das liberdades não palpáveis que tanto protegem e estimulam os amores, eles voltaram a se aconchegar nos abraços.

    A música havia parado de tocar no aparelho quando o som da chuva torrencial começou a despencar do céu. Inicialmente foram pingos pipocando sobre o telhado que, quando se avolumavam na calha, transbordavam na parede e desciam inundando as bordas janela, deixando a vidraça completamente enervada por grossos fios de água que se enraizaram. “Que fofinho !”  Retirando a calcinha rosa de Linda, Marcos a deslizava entre as pernas entreabertas, enquanto ela o encarando na direção dos seus olhos, se situava através do brilho ocular emitido graças a uns poucos feixes de luzes que ricocheteava em um espelho e jorravam entremeio a escuridão do quarto. Com as mãos segurando o objeto íntimo, ele o levou até o rosto, acariciou a própria pele como se fosse a dela, e em seguida buscou entremeio as linhas do tecido de algodão, o cheiro exalando da essência úmida impregnada no seu interior..“ Tem um odor maravilhoso ! ”  Era o que repetia antes de entrar em um transe louco que o levou a sugar todo o resquício do líquido viscoso que pairava na superfície do algodão. Marcos a elogiava lambendo os próprios beiços, passeando a língua aos lábios, acariciando o membro endurecido trincando pulos desesperados para fora da calça. Como uma mulher não enlouquecerá de prazer diante destes atos? Ver o amado se satisfazendo assim; como um cachorro doido, faminto de desejos, degustando “sabores” e consumindo “odores”, o olhar faiscando contatos mais aprofundados na pele dela, a sua boca gulosa pipocando em brasas, desejando a todo custo bebericar toda a sua intimidade?

    “ Mantenha bem abertinha para mim... ” Marcos segurava suas pernas entreabertas, enquanto descia a sensibilidade do seu rosto devagarinho, suavizando toda a extensão da pele dela. “ Tá gostoso assim? ”  Passeava a língua úmida no interior das coxas, saltitava entre elas, até chegar pertinho dos grandes lábios. Apesar do tesão implorando por extravasar, ele não adentrou por um instante. Permanecia apenas ladeando lábios e língua por fora, energizando a libido aflorada nos toques singelos na pele do seu rosto provocando a pele dela, enquanto beijos e mordiscadas suaves eram alternados rente à divisa, arrepiando Linda Harumi ainda mais no desejo louco de ter todos aqueles limites íntimos ultrapassados. “ Tá judiando demais de mim...” Linda emitia gemidos suaves, os olhos semicerrados ao céu, adocicando a voz no rebolar perfeito que poderia colocar o pingar do seu sexo, mais bem posicionado frente a lábios vertendo lavas incendiárias. Com as pernas tremulando sobre os seus lábios, finalmente Marcos Hayashi decidiu que a doce tortura chegava ao fim. “ Enfia essa linguinha lá no fundo, por favor… ” Enlouquecida nos estímulos e ainda mais sendo consumada a exaustão por uma boca esfomeada, ela desfrutava o desidratar dos próprios fluídos entremeio a uma língua louca, serpenteando enrijecida sobre o clitóris vibrando cada vez mais intumescido. O amado lambuzava os beiços, a pausa para as suas respirações sendo adiadas, a língua, os lábios, e a boca por um todo sempre prudentes na aceleração frenética que desprezava ainda mais os protestos alarmados pululantes no aperto da própria calça. Lentamente, palmo a palmo, com a língua tateando aqui e ali ansiando por absorver resquícios de sensibilidade ainda não explorada, Marcos subia e descia devagarinho, palmilhando olfatos, degustando com excelência toda a textura da pele sensível envolta da vagina. Com a pontinha dos beiços, os dentes acovardados dentro da sua boca, ele puxava cuidadosamente os lábios vaginais: ora os esticando de encontro a si, outrora soltando-os de volta, mas sempre e repetidamente voltando a esses mesmos atos de provocação, gerando dessa forma, uma tensão sexual assoberbada em gemidos cada vez mais carregados de gratidão.

    Linda Harumi suplicava a ele, e ele com a excitação expressada na face avermelhada, mergulhava cada vez mais fundo dentro dela: tateando o interior da intimidade, sentindo as fissuras cavernosas no penetrar inicialmente tímido, e em seguida perfurador da língua até o fundo, mas sempre engolindo e engolfando em êxtase absoluto cada pedacinho da sua libido transbordante de mulher lucidamente entregue. Abandonando os trejeitos ora iniciais, de súbito ele alternou o tom das investidas, antes lentas e delicadas, para em seguida se lançar com maior avidez, maior gula e uma sede insaciável na agressividade enternurada que tomava conta da sua língua. “ Uiiii, Marcos, eu estou quase gozando!” 

    Ela arfava transes carregados de extrema sensualidade; serpenteando o corpo e revirando os olhinhos para o alto, expressando nestes sequenciais atos, todos os desejos outrora reprimidos no ser e agora, expressos no mordiscar frenético das unhas aos bicos dos seios, das mãos galgando carícias em volta do pescoço e lóbulo da orelha, movimentos incontroláveis que a deixaram toda inundada, desejosa ao extremo, fielmente descabelada diante do frenesi possuidor de promessas de êxtases absolutos. “Não para que eu vou gozar!” Quando ouvia este tipo de confissão, Marcos dava brecadas propositais como parte de seus planos de prazeres quase eternos, cheios de malícias, com os lábios umedecidos se afastando do sexo temporariamente desidratado, e arrancando nesses covardes atos, protestos acalorados carregados de uma ansiedade descomunal, ainda mais expressados no rebolar ensandecido das nádegas sobre seu rosto. “ Aguenta mais um pouquinho...”  Marcos também empacava excitado, seus olhos encarando um olhar desvanecendo, mas sete segundos depois ele voltava a apertar o botão do start com mais vontade, maior voracidade e grande desejo nos lábios entremeando as pernas dela; degustando os sabores, consumindo os mesmos odores, fibrilando as velhas palpitações em um bailar nada sutil do clítoris sob a vibração mais enérgico da sua língua.

     Após sequenciais investidas assim: frustrantes e ao mesmo tempo provocantes na carne suada, a excitação de ambos novamente alcançava o nível máximo; ele voltando da embriaguez, subia até a virilha,  passeava a língua sobre o ventre dela, ladeando sempre em sentido horário ou ao contrário os biquinhos pontudos e rosados aprumados em ambos os seios. Por fim, pairava sobre o rostinho angelical e lindo levemente desfigurado pelo prazer interrompido de minutos outroras. “ Agora sente o seu gosto na minha boca! ” Marcos ia ordenando submissões e despejando na boca dela toda a essência do sexo ainda pairando sobre seus lábios, e Linda Harumi gemia mais enlouquecida, se perdendo nos cheiros, nos gostos, nos próprios fluídos a sublimando em metamorfoses embriagantes da própria sexualidade. “ Fica de quatro...” Ela totalmente turva entre os sentidos rodopiando, logo ficou de quatro, enquanto ele afrouxando o cinto da calça, tirou o jeans apertado denunciando um volume exagerado dentro da cueca box. “ Putz, esqueci o preservativo...” Expressando preocupações no semblante, Marcos ia revirando as gavetas da cômoda e do guarda roupa, o membro endurecido bailando vendido no ar, enquanto ela enlouquecida suplicava cada vez mais alto para logo ser penetrada...

    “ Te quero por inteiro… ” O provocava em palavras suavizando gemidos em seu ouvido, tentando-o com o timbre da sua voz ficando enternurada, oferecendo ali toda a volúpia dos lábios vaginais arregaçados e ainda mais valorizados no rebolar provocante das nádegas passeando sofregamente para ambos os lados. Com o rosto enterrado no colchão e a curvatura perfeita da coluna indo de encontro com um arrebitar cada vez mais acentuado da bunda, ela insistia: “ Ah! Assim não! Vem logo Marcos...”  Agora Linda ordenava em gemidos, e ele de pronto obedecia em desesperados desejos de obedecer; optando assim por deixar do lado de fora do quarto; todas as disciplinas latentes que poderiam por hora, evitar preocupações carregadas de reticências futuras, desprezando nessa forma de agir e mal calcular, quaisquer empecilhos ao prazer corroborado nas duas carnes que finalmente se esfolavam. “ Que fogo...” Em baixos sussurros e com a respiração ofegante,  Marcos sentia o pulsar do próprio sangue circulando incontrolável nas veias, enquanto ela desfrutava centímetro a centímetro conforme a consumação operava por baixo das suas operantes nádegas. “ Mete com mais vontade... ” Linda Harumi se sentindo ávida, com tamanha eroticidade mordeu o travesseiro, e com o sexo sendo arreganhado em um cravar de dedos afastando ambas as suas coxas para os lados, com as intimidades escancaradas, ela testemunhou seu clitóris tremer e vibrar em um aperto sufocante socando sequenciais intensidades por baixo das suas nádegas.

     Percebendo o seu sexo friccionar suavemente o “ ponto de contato” do outro sexo, ele com a mão esquerda apoiado sobre a bunda dela, buscava apoio para investidas mais emborcadas, perfeitamente mais bem posicionadas, realizando movimentos transversais no penetrar, ou verticais o suficiente para que os pés levemente em suspensão junto ao corpo favorecessem um ângulo melhor, um colocamento melhor, facilitando dessa forma uma postura mais adequada para que a rigidez peniana infringindo o clitóris intumescido, o esmagasse sucessivamente em todas as investidas de entra e sai. E assim foi. Sucessivamente, exaustivamente, calorosamente provocando o desejo sexual tempestivo, a eletricidade afrodisíaca se apoderando de ambos os corpos inebriados por mais, o prazer não maduro emergindo a virilha, se espalhando pelos músculos em calafrios reconfortantes carregados de promessas de devaneios altissonantes, a tensão tão estimulada nas preliminares, saldada ali, nos pensamentos não mais confundidos e muito menos controlados pela consciência já livre das prisões, liberta dos atrasos, se entregando de vez na luxúria do gozo explodindo no corpo e na alma de ambos. “ Linda! !” Ele dizia “ Marcos !” Ela respondia. Encerrando os gemidos, jogados um sobre o outro, totalmente nus e encharcados pelo deleite percorrendo os corpos, eles adormeceram. 

    Com o irromper do sol no horizonte denunciado que o alvorecer havia principiado, ambos se sentiram levemente atordoados quando no abrir da janela do quarto, golpes de ventos carregados de resquícios da neblina que havia varado a madrugada ainda insistia umedecer a camada de ar, somando-se ao cheiro das flores e das árvores, principalmente do pessegueiro plantado na frente do edifício, inundando ambos os pulmões de uma essência revigorante que rememorava antigas recordações no peito de Marcos. Ficaram por alguns instantes posicionados assim, os rostos sobrepujando parcialmente o limite da janela, avistando ao longe as montanhas, as nuvens pairando quase inertes sobre elas, e toda a vegetação limítrofe pelo alcance de dois pares de olhos encantados com a beleza do cenário. “ Que vista privilegiada! ” Ela bocejou esticando os braços outrora repousados nos ombros de Marcos, procurando a melhor posição para aproveitar a infusão dos raios solares que, jorrando ambiente adentro, aquecia parcialmente a nudez feminina refletindo um brilho mais incandescente através da pele. 

    “ Daí alguém pode te ver... ” Ele sorria sussurrando ciúmes brotados inconscientemente, para em seguida jogá-la sobre a cama, se esforçando a todo o instante para imobilizá-la com o corpo estendido sobre o dela. “ Eu quero que me vejam como vim ao mundo! ” Dando risadas golfadas entremeio a provocações acompanhadas de remelexos de quadril, Linda Harumi  brincava de se soltar até sentir o fôlego se esvair nas cócegas que recebia na sola do pé, nas axilas e principalmente na cinturinha tão sensível ao encravar dos dedos de Marcos. “Ainda não te disse bom dia meu bebêzinho lindo!” Ainda nus, eles já se encontravam enroscados, e apesar do leve incômodo apontado através do bocejar dos hálitos, logo as bocas se avançaram em um tripudiar frenético de línguas e lábios em total desconsonância com hábitos rotineiramente matinais. “Assim você acaba comigo!” Em um meneio, ele foi jogado de costas por ela, e ela já sobre ele, oferecia toda a volúpia de ambos os seios eriçando os bicos quando posicionados fronteiriço a voracidade dos seus lábios. “Mama gostoso meu bebê!”  O provocava sem se deixar penetrar, apenas saboreando os lábios vaginais passeando com eles na ponta do membro ficando endurecido, e o encharcando no mel que escorria gradualmente pela cabeça, lambuzando toda a extensão nervurada, até se acumular viscoso no limite das bolas massageadas pela delicadeza da sua dedicada mão. 

    Encarando-o no fundo dos seus olhos, carinhosamente Linda sorriu o provocando: “  Você vai ver o que é bom para tosse! Ontem a noite me torturou, agora sou eu que vou te pagar na mesma moeda! ”  Degustando um duplo prazer; tanto no proferir dessa covarde promessa quanto no vislumbre da “ dureza “ posicionada a poucos centímetros do corar do seu rosto, com o serpentear da pontinha da língua, ela umedecia os lábios em provocações contínuas e não amenizadas no olhar devorador estampado na sua bela face. " Vai me fazer gozar com essa boquinha? ” Ele deitado de costas, mantinha contínuos emborques de coluna para vê-la trabalhando lá embaixo, antecipando na mente e na carne, a colheita do prazer sexual proveniente da noite anterior que, após ter semeado exaustivamente em frenéticas labutas de língua e lábios, chegava carregado de promessas de devaneios deliciosamente ainda indefinidos.  Mas com intuito de torturá-lo, ela ficou inerte por alguns instantes, apenas encarando-o e se deliciando no desespero expressado em seu semblante: “ Hum… Esse pau vai ficar mais gostoso na minha boca!” Com o corpo tremulando da ansiedade que o revolvia em remexidas ensandecidas pelo logo aquecer de seus doces lábios, e apesar dos seus desesperados atos; ora segurando um chumaço do seu cabelo e direcionando o orifício da boca para perto do palpitar do seu sexo, outrora implorando o logo realizar daqueles prazeres já efervescendo em gemidos silenciosos e desesperados, Linda não cedeu. Desejou excitá-lo além. E assim, consequentemente o resistia realçando cada vez mais o verbalizar das suas promessas. 

    Com uma das mãos soldada sobre o sexo, com a outra ela se esquivava do desespero de Marcos Hayashi, agarrando-o pelo punho da sua mão direita, para em seguida devorar gradualmente toda a sensibilidade contida em cada um dos seus dedos. Com um biquinho beijava as unhas e dali com um sensual afastar de lábios, sua boca úmida o sorvia como se fosse uma luva em idas e vindas, incendiando cada vez mais a sensibilidade já refletida em tremulações nervosas que vagarosamente subia pela espinha dorsal dele e explodia deformando o seu rosto. Sussurrando repetidamente: “ Tá gostoso bebê? ” Ela proferia palavras aveludadas, os olhos amendoados, naufragando o silêncio ensurdecedor da manhã nos gemidos que naturalmente se misturavam com o início de uma melodia de pássaros que se iniciava no beiral da janela. “É assim que vou fazer com você!” E tornava a engolir os dedos e gemer, aumentando o ritmo ou diminuindo, alternando entre os dedos frios e secos e os deixando novamente quentes e umedecidos. “ Que sede da sua boca bebê…”  Se lançando rapidamente sobre ele, novamente ela se afogou em sua boca, beijando-o sofregamente, mordiscando seus lábios ainda anestesiados dos prazeres outroras, e de lá, escorregando de línguas entrelaçadas, ia se aventurar entremeio a roxeões esculpidos e decorados sob a pele do seu pescoço exposto.

    Mas de forma alguma ela se distraia do membro ainda tremulando abaixo, e paralelamente enquanto se deliciava descendo os lábios na caixa toráxica, nos bicos do peito e os mordiscando de leve, passeava sobre o umbigo e o provocava com a " quentura " da língua massageando o fundo do orifício. Em baixo, sob o massagear delicado de uma das mãos, ora Linda arregaçava a cabeça até esgoelá-lo, outrora encapuzava-o por completo também, persistindo nesses calorosos sequenciais movimentos até gerar um calor sexual intempestivo que só era amenizado no estimular mais intenso e mais frenético do arregaça e encapuza que paulatinamente ia emergindo a libido sexual do amado no anseio louco de logo ter o seu pênis exaurido no desforrar de lábios acelerados. " Garota, você é do mal mesmo!" Repetia sem se conter, os olhos docemente acovardados, os braços soltos e desenergizados, naufragando seu corpo carnal na imensidão dos estímulos estuprando seu ser, e o arrebatando ferozmente por dentro. Nos segundos que se seguiram, com a respiração atropelada na sensação chamuscante percorrendo em fagulhas de molestamentos no peito, desejou que seus desesperados anseios de devaneios se tornassem muito mais que eternos quando por fim a quentura abarcando aqueles doces acelerados lábios, cumpria a prazerosa promessa de o engolir. "Puta que o pariu..." Gemia já estando no céu: o movimento da cabeça da amada indo e vindo ocultando parte do seu sexo agargantado, sons sonoros de êxtases de delícias eram pronunciadas em gemidos não contidos que ora e outra arfava descargas elétricas afrodisíacas no intervalo de ambas as respirações.

    " Chupa só a cabecinha..." Com a mão de Marcos segurando um chumaço dos seus cabelos alvoroçado, para lá ela subiu guiada deixando toda a extensão nervurada iluminada de saliva, e após segundos degustando em delícias a pontinha rachada, o encarava com gula cada vez mais expressa no olhar visceral abrilhantando seus olhos. Ali, diante dos desejos desesperados do amado, ela mergulhou mergulhos nunca imaginados com outros homens: com a libido desenfreada inundando o próprio sexo em gotejos de desejos sobre a perna e o cobertor, ora suas mãos calibraram o membro para que não ultrapassasse o limite do pedido, outrora desciam tremulando pelo corpo feminino até a vagina, degustando com os dedos eretos e cerrados, toda a extensão do pêlos pubianos, lábios e a entrada molhada. "Agora engole até o talo e acaba com o papai...!" Ao ouvir as orientações finais de Marcos, Linda Harumi se aprumou em desejos de obedecer para se lançar com muito mais prazer: retirou fios de cabelos que incomodavam a face e foi descendo e subindo, subindo e descendo, vagarosamente articulando movimentos com o cilindro de carne sufocando o aperto dos próprios lábios. " Hum… parece que ficou mais grosso hein?" Agora mais excitada e após cerrar a mão na base encharcada de saliva, laborou movimentos com o corpo nu, ajustando a posição corporal que mais cooperasse com a mecanicidade da sua língua e lábios, principalmente da garganta já desfrutando de gotículas precoces e salgadas, resultado dos estímulos cada vez mais enérgicos no passear descontrolado da outra mão sobre o próprio sexo, pois os dedos operando ritmados com o sugar da voracidade da sua boca, estimulavam brutos prazeres sob a sensibilidade de um clitóris se avolumando de gula carnal, afogado em ânsias, desejoso até os céus dos céus por aqueles breves segundos de gozos que quando alcançaram, a fez desfalecer e tornar uma só entranha com ele.

     “ Que tal um banho juntinhos ? Podemos? ” Sorriam desorientados pelas energias raleadas de minutos outroras, e o piso gelando a sola do pé, agredia chacoalhões matinais conforme eles iam trotando até o registro da ducha. Mas nem tudo se trata só de sexo, carnes esfoladas e suores respingando de corpos eletrizados até a alma. Há um sentimento sim, ou melhor, uma “verdade ainda oculta em sentimentos”  e que é um tanto quanto essencial dentro de um relacionamento que vai se desenvolvendo aos poucos, entremeando as experiências das trocas recíprocas, fortalecendo a conta-gotas todas as bases subjetivas do que no íntimo já deseja ser puro e incondicional. E quando esse processo é genuinamente forjado no espelho da verdade tateando as verdades que mais despontam de dentro do coração, esse jeito de se encarar para se enxergar, vai tecendo  caminhos decididamente compartilhados, enredos mais solidificados, carregados de mais significados se aflorando em cuidados, proteções, carinho curador de feridas, um conjunto de anestésicos psicoemocionais para a epiderme do ser frente ao que, na vida comum de um casal, ainda vai se desenrolar em muitos sequenciais amadurecimentos, até se metamorfosear por completo do rio vertendo o inundar de experientes lágrimas, no que seja o desabrochar do verdadeiro amor. 

    Do nada, “ flagelos do passado ” tornaram a reviver, avultar corpo e carne, sequestrando Linda em uma “ insegurança repentina ” que já deixava seus olhos verdes marejados de lágrimas. “ Dessa vez vai ser diferente! ” Insistia silenciosamente para si em meio aos conflitos; os ossos titubeando o peso do corpo no bambear dos músculos das pernas, as tremuras crescentes fibrilando na boca do estômago, e o peito suado, sufocado na ausência do ar que grotescamente minguava na mente. Tudo junto e eclodindo, elevou a ansiedade de Linda Harumi ao seu estado máximo. Ela buscou alento entre os movimentos, mas não encontrou. 

    “ Está tudo bem? ” Assim, deitada sobre o piso, o antebraço direito sobre o rosto como venda sobre os olhos, ela sofreu acovardada o peso de cada pancada existencial refletida nos pavores angustiosos, nas sequenciais lembranças ruins que cansaram de lhe roubar o sono da noite, nos traumas, nas frustrações, nas desilusões, nos abusos, e no sentimento de abandono que insistia a todo custo acompanhar seus antigos relacionamentos. 
    “Eu sinto que eu sinto excessivamente…” Ela recordou dos diagnósticos da terapeuta, os braços circundando o corpo nu coberto pelo cabelo molhado, enquanto expressava um choro sendo reprimido no intervalar de cada respiração. “ Pelo amor de Deus Linda, me diga o que está acontecendo com você? Foi algo que eu fiz? ” Ali, já sentada no chão, ela encontrou auxílio apenas nos ensinamentos fraternos ouvidos desde a infância pelos pais e tios, nas lembranças das falas solidárias que adentrando madrugada a fora pareciam nunca esgotar os diálogos entre os amigos, nas orações que ouviu na igreja, na Palavra que proferiu na solidão do quarto, nas recordações da paz desfrutada entre as meditações diárias.
    “Eu não fui totalmente sincera com você Marcos…”  Aconchegada sobre a cama, com os braços firmes em abraços dando voltas nos joelhos, Linda Harumi voltava a derramar pequenas lágrimas alinhadas com um sentimento palmilhando cuidadosamente as escolhas das suas palavras, ladeando os suspiros irreprimíveis, margeando as confissões que sofregamente ela revelaria a seguir: “ Me perdoe a maldade que fiz a você Marcos … Eu não deveria ter te envolvido nisso... ” . Confuso e ficando angustiado, Marcos se manifestou: “ Que maldade você fez para mim Linda? Por acaso isso é alguma brincadeira? Putz, realmente não estou entendendo nada…” 

    Limpando as lágrimas com as bordas do roupão, e lutando inutilmente consigo para empoderar o próprio semblante, Linda não pode sintonizar-se com o brilho confuso emitido pelos olhos dele, e aos soluços, confessou aos prantos: “ Sou uma mulher casada Marcos… Sou uma mulher casada…! Me perdoe esta grande maldade! ” Portanto, como ele nunca imaginou vivenciar uma situação como aquela que ela também demonstrou ao longo da noite, ter na alma e no corpo a âncora ancorada nos refrigérios das paixões reavivadas, Marcos Hayashi sem saída, e não tendo outra alternativa, passou a cultivar um silêncio de início ensurdecedor.

    Ainda aos prantos, ela insistia: “ Me perdoe Marcos! Te encontrar foi um tipo de presságio, milagre, sei lá, mas que está sendo um refrigério indescritível pra mim. Meu mundo está desmoronando e não sei o que fazer…” Ela suspirou e prosseguiu: “Ontem a noite brigamos feio, saí sem rumo, perdida, só queria tomar um ar, daí eu te vi e…” Com o rosto cabisbaixo, escolhendo cuidadosamente as frases e picotando palavras julgadas desnecessárias, Linda Harumi demonstrou, apesar do corpo ainda envergado, vestígios de uma coragem crescente que de fato a ajudou a voltar-se para ele e encará-lo nos olhos “ Marcos, por favor, fala alguma coisa…” 

    Após liberar uma golfada de ar, Marcos mantinha seu silêncio enclausurado no corpo nu debruçado sobre as bordas da janela. O rosto se aquecendo rebelde ao sol, a íris se acostumando a luminosidade adentrando o ambiente, e a cabeça sendo sustentada pelo apoio de uma das mãos vacilando o peso da mesma para ambos os lados. Vagarosamente, ele inspirou e respirou sequencialmente respeitando as pausas profundas, profundas pausas ante o absorver do ar denso e gelado parido no encontro dos vendavais noturnos da noite de outrora, com as névoas advindas das montanhas distantes. Acendeu um cigarro e abraçou-se. Na verdade, abraçou-se como nunca antes tinha-se abraçado, e chorou. Conseguinte ao enxugar das lágrimas, mergulhou mergulhos em seus pensamentos mais confusos e, após longos minutos inerte com o olhar mirando o nada diante de si, submergiu do seu mundo interior transbordando de lá, o alívio alentador das inocências que inocentaram a aura já se sentindo generosamente liberta do inundar intrépido de sentimentos esvoaçados. 

    Serenando o semblante agora esvaziado das angústias que o cerraram a face, ele expurgou-se de todas as culpas e, voltando-se a se alimentar de pensamentos carregados de amor, encapsulou-se por completo em auto perdões contínuos que, abrilhantando seu olhar, resguardou a psique que lutara ferozmente para voltar a se equilibrar. Interiormente, Marcos Hayashi, já naquele início de manhã avançada, se anestesiava no horizonte das primeiras movimentações iminentes vindas do comércio iniciando suas atividades, dos passos descompassados dos transeuntes cruzando ruas e calçadas, e enquanto uma brisa suave passeava reconfortos em seu rosto, seus ouvidos antes consumidos naquela rotina vibrando desgastes, adorou todos os sons sobrevindos até a janela, principalmente dos automóveis a transitar velozmente, segundos seguintes a semáforos totalmente esverdeados.
  • ***SERÁ*

    Será que tudo é pra sempre?
    Ou somos nós que acreditamos em algo e fazemos com que isso dure]
    [o tempo necessário para que se torne eterno?

    Será que o amor existe mesmo?
    Ou somos nós que ao gostarmos de alguém, damos tudo para que esta pessoa possa se sentir amada, respeitada a tal ponto que começamos a chamar isso de amor?

    Porque será que quando deixamos alguém magoado não pensamos nas consequencias que isso poderá nos trazer mais tarde, e simplesmente deixamos?

    Porque será que é tão triste, quando tudo aquilo que achavamos que era o certo a se fazer, na verdade era a coisa mais errada!

    Porque que a vida tem que ser cheia de incertezas?

    Porque cada passo que nós damos deve ser terrivelmente articulado, pensado, para mais à frente não darmos de cara com a parede que nós mesmos construímos?

    Às vezes cada um de nós deve parar para pensar se tudo o que estamos passando é um acaso, ou fomos nós que provocamos em um tempo já esquecido!

    "A vida é uma caixinha de surpresas" como muitos dizem. Só que quem coloca as surpresas lá dentro somos  nós mesmos!
  • #0 Cidade Fantasma

    Após uma longa ressaca, Taylor, se vê em uma situação completamente estranha e assustadora. A caminho de seu trabalho, percebe a solidão nas grandes avenidas da grande cidade litorânea de Perth, Austrália. Ao decorrer da história, a garota descobre que após o surto de um vírus, a população ainda saudável foi deslocado para os países mais perto do continente Oceânico. Por conta de seu passado, derrubou deus e mundo atrás de uma cura ao lado dá última pessoa que imaginava estar, seu ex-namorado.

    Será que o ex casal problemático conseguirá salvar o pais ou deixará que todo o mundo se contamine? O destino dos seres humanos estão nas mãos deles e eles não tem muito tempo.
  • #1 Cidade Fantasma

    TAYLOR CARTER P.O.V 

    Minha cabeça latejava.

    Nunca mais iria beber.

    É o que eu sempre falava, e realmente nunca aconteceu.

    O sol brilhava lá fora, já eram quase nove da manhã e eu ainda não havia levantado. Até tentei, mas meu corpo implorava para não ser mexido. Porém, era preciso. Tinha trabalho.

    Um banho não foi o que realmente ajudou, após algumas pilulas consegui ficar de olhos abertos sem sentir minha cabeça latejar. Minhas roupas da noite passada ainda estavam jogadas no chão do banheiro. Chutei o salto enquanto me arrastava até o armário e pegando a blusa branca, como era novata ainda precisava esperar meu uniforme chegar. Este povo demora demais.

    Uma maça foi o suficiente para não vomitar durante o caminho. Mas havia algo de errado. Naquela hora todos os dias as ruas eram lotadas de carros, motos e pessoas ignorantes que não sabiam respeitar as leis de trânsito. Mas agora, estava completamente vazia.

    Meu celular estava no porta luvas, havia deixado ali antes de entrar na boate na noite passada e desde então não o mexi. Haviam algumas ligações da emissora, eu estava completamente ferrada. Seria demitida, com toda certeza.

    Estacionei meu carro em frente a emissora como todos os dias. Quando chegava nunca sobrava vaga por isto, acabava deixando o carro do lado de fora, por sorte nunca tinha sido assaltada, ainda.

    Ao passar pelas enormes porta de vidro não encontrei ninguém pela recepção, muito menos nos grandes corredores, percorri todo o prédio e não havia nenhuma alma. O sinal lá dentro não funcionava, a internet muito menos, e todos os televisores não ligavam. Algo de estranho estava acontecendo.

    Deixei o prédio e fui atrás de alguém, mas a única coisa que encontrava eram animais perdidos nas vazias estradas. O que diabos aconteceu?

    Naquele momento havia dado uma pausa, estava em um supermercado, ele aparentava ter sido arrombado, haviam muitas coisas jogados no chão. Peguei alguns salgadinhos e água. Deitei o banco do carro e liguei o ar no máximo. Estava morta de fome e calor.

    Remexi algumas vezes no radio do carro até conseguir algo.

    " Sydney está servindo como refugio" Com certeza algo aconteceu, pensei.

    Apenas uma rádio funcionava porém estava cortando e apenas ouvia coisas que não conseguia entender direito, era sobre Sydney, o tal refúgio e a população do continente.

    _ Isso que dá ficar de ressaca.- disse para mim mesma._ Não posso mais beber, definitivamente.

    Estava entretida com meu salgadinho até me lembrar de algo. Toda capital continha um transmissor via satélite. Com certeza deve funcionar. A sede estava vazia como já esperado. Alguns papeis estavam jogados no chão e estava na mesma situação do super mercado, foi tudo tão rápido que provavelmente não deu tempo de ninguém pegar absolutamente nada.

    _ Cadê você.- revirava a gaveta da sala principal do prédio._ cadê você......hmn, um cofre.

    Colei meu ouvido na porta do cofre e então usei minha mágica. Senha estupida, pensei. A-P-1729.

    ( Austrália- Perth - 1729 ano de fundamento.)

    Lá estava, um celular via satélite. Nele continha apenas um numero.

    _ Alo?- disse ao ligar._ Tem alguém ai?

    _ Quem está falando?- uma voz grossa me fez dar um pulo, não esperava por isto._ Como conseguiu este telefone?

    _ Sou Megan , foi a única coisa que achei que fosse funcionar e veja só, funcionou. Agora pode me dizer, o que está acontecendo?

    _ Megan , onde você está?-perguntou novamente o homem, ele estava de sacanagem comigo?

    _ Perth, agora pode me explicar o que diabos está acontecendo? Cadê todo mundo?

    _ Um vírus contaminou a maior parte do continente Oceanico.- ele explicou, agora sim._ O que você está fazendo em Perth? Está área foi evacuada a dois dias.

    _ Dois dias?- disse assustada._ Que dia é hoje?

    _ Onze de Abril.- Droga, pensei. Havia dormido por quase dois dias._ Você pode me dizer qual é a sua situação? Você foi infectada?

    _ Acabei de acordar, não sabia o que estava acontecendo. Pelo que percebi, ainda estou bem.

    _ O que aconteceu com você?- uma voz feminina adentrou pelos meus ouvidos.

    _ Quem são vocês?-perguntei estranhando.

    _ Sou a agente 059, serviço secreto dos Estados Unidos da América.

    _ Estados Unidos?

    _ O governo Australiano juntou forças com os Estados Unidos e outros países para tentar descobrir uma cura e tentar conter o surto. Agora que já disse quem somos, diga você quem você é.

    _ Deixa eu adivinhar, investigou meu nome?- Ri._ Vocês não perdem o costume.

    _ Então?

    _ Taylor Carter, você provavelmente já deve ter ouvido meu nome.

    _ Com certeza, só não imaginava que seria você quem iria tentar o primeiro contato.

    _ Sempre sou a primeira.- me gabei. _ Agora pode me dizer para onde devo ir para não me infectar?

    _ Infelizmente não.

    _ Como assim não?-perguntei irritada._ Vocês simplesmente vão me deixar aqui para morrer?

    _ Precisamos de sua ajuda.

    Ótimo, três anos longe das agências e já estão pedindo minha ajuda novamente. Odiava todo esse povo.

    _ Já imaginava.- bufei entrando em meu carro e então fechando todos os vidros ligando o ar novamente._ Para que precisam de mais uma pessoa?

    _ Na realidade, apenas temos um agente nosso nesta região, não podemos arriscar mais uma pessoa.

    _ E querem me usar já que estou aqui, certo?

    _ Sim, então, irá nos ajudar?- Taylor, não fala isso!

    _ Do que precisam? - DROGA.

    _ Encontre nosso agente e ele explicará udo.

    _ Onde ele está? - Perguntei bufando.

    _ Alice Springs.

    _ Ótimo, quase dois dias de viagem.

    _ Nos estamos contando com vocês, são nossas únicas esperanças.

    A ligação foi finalizada.

    Ótimo Taylor, primeiro você flagra seu namorado transando com sua melhor amiga, depois você se embebeda, acorda dois dias depois com uma puta de uma ressaca e descobre que todo o continente onde você vive foi devastado por uma merda de um vírus, agora toda a raça da humanidade está contando com você para fazer sei lá o que com sei lá quem. Tem como piorar? E eu devo calar a boca, antes que realmente piore.

    Antes de começar minha incrível viagem de quase dois dias enchi o tanque, não paguei, para que pagar? Todos se mandaram mesmo. Peguei algumas coisas na conveniência do posto e joguei tudo no banco de trás do meu maravilhoso Mazda3 Hatchback branco. E então, finalmente peguei a estrada e a melhor parte, podia correr o quanto eu quisesse, ninguém me repreenderia ou me impediria de fazer o que eu quiser, até por que, de acordo com os americanos, sou a única esperança.


  • 0 + 0 = 1

    A união física de dois corpos é uma grande ilusão. O imenso espaço interatômico faz com que os dois corpos jamais se toquem. No entanto, os receptores sensíveis do corpo humano são estruturas exímias na captação de qualquer proximidade entre dois componentes mínimos da matéria. 
    A princípio, um beijo. Ah, quantos beijos podem acontecer nesse universo da afeição humana… Um beijo a princípio afetuoso, carregado de amor plácido e etéreo. Ou talvez um beijo descompromissado, sexualmente interessado, livre de quaisquer bagagens emocionais, qualquer intensidade metafísica. 
    Ambos beijos levam a um mesmo fim: o beijo efetivamente intenso. O beijo impregnado de calor, sensualidade, fogo e paixão. O beijo que acende todas as áreas cerebrais ligadas ao puro, irracional e instintivo desejo por outro corpo pulsante, vivo, róseo. 
    Ah, as o beijo não anda só, jamais. É acompanhado ora por mãos na nuca, acariciando os pelos escassos ou agarrando os cabelos grossos com fúria, ora por mãos compulsivas esfregando-se pelo corpo do outro por mero instinto possessivo. 
    Logo após, a urgência da imersão carnal surge. O desejo atinge um nível no qual todos os sensores de racionalidade da estrutura física humana são por ele obscurecidos, por vezes completamente apagados. O ente corpóreo ambulante não mais suporta viver sua única e miserável existência, fadada à solidão e à podridão eterna. Dessa forma, os dois corpos se unem, compartilhando não apenas estruturas carnais, mas as paixões, os sentimentos que insistem em surgir em momentos inoportunos, as metas jamais alcançadas, as frustrações inerentes ao ser que anda sobre este chão, acompanhado de longe por mais e mais seres vazios. 
    Dois vazios somam então, em sua vaga, distante, estúpida efemeridade e insensatez, uma plenitude.
  • 1 A Sangue Suga

     Hoje encontrei algo que me origina um medo nunca antes presenciei em minha vida, algo que me faz estremecer ao mesmo tempo que me faz querer sentir mais disso. Não sei como ela surgiu ou de onde veio, mas seu cheiro me excita ao ponto de me prostituir as suas vontades. Sinto meu corpo se dobrar quando ela passa, como se fosse minha rainha, a soberana do meu ser. É sim, a primeira a me dominar a esse ponto de venerar sem questionar. 
     Como alguém tão inesperado aparece assim do nada? Por qual motivo ela me domina tão facilmente? Ainda não sei seu motivo ou o porquê desse seu jogo, mesmo sabendo que estou em suas mãos. Ela parece ser uma sangue suga com esse seu joguinhos mentais, aonde suga toda minha vitalidade juntamente com meus propósitos. Deve ser por isso que me entrego a ela, parece uma vampira, um demônio esgueirando por entre as sombras da minha consciência. Sim, ela sem dúvidas e uma vampira, me seduzindo dessa forma, me prendendo em suas garras grandes e afiada. 
     Agora sinto meu sangue quente e viscoso escorrendo por meu pescoço, enquanto fico entregue em seus braços. Consigo ouvir o som de meu sangue pingar no piso de madeira do segundo andar desta casa velha, em frente a uma janela com a luz do luar banhando meu corpo nu. Sinto sua pele fria me acalmar por dentro como se fosse uma cama banhada pelo sereno em uma noite de verão. 
     Me desculpe por ser tão insensível com seu modo de guiar, parece que minha alma não terá salvação se me entregar mais uma vez meu corpo em seus braços. Mas lamento por mim, por não conseguir resisti as suas vontades e desejos, por não conseguir lutar contra seu controle sobre mim. Realmente lamento por mim, por achar que seria mais que um escravo ou uma ferramenta de prazer, realmente lamento por esse ser jogado aos seus pés. 
  • 1- Aidan - TEOMAKIA

    Seis anos atrás ele apareceu na porta da nossa casa. Lembro-me que naquela época já faziam alguns anos que minha mãe estava casada com Antonino, na época em que ele já maltratava ela. Eu tinha 10 anos e, como não tinha muitas companhias, vivia brincando de imaginar histórias nas estradas e nos campos próximos de casa. Sempre sonhei alto, e até falava em voz alta quando não tinha ninguém por perto. Imaginava histórias de príncipes e princesas, como se eu fosse uma. Mesmo sendo menina e nova, Antonino já me mandava fazer trabalhos como se eu fosse um rapaz. Eu buscava lenha, conduzia as vacas para o curral antes do amanhecer e para o pasto depois da ordenha, carpia e arava a roça e dava milho para as aves. Além disso, ele me ensinava a ordenhar e a cortar lenha. Era muito exaustivo, tomava a maior parte do meu dia e me deixava com calos nas mãos e dores pelas pernas e costas. Dentro de casa, minha mãe fazia de tudo, lavava roupas no açude, cozinhava, limpava, arrumava e também não tinha tempo livre.

    Somente meu padrasto, por ser dono da chácara, ficava tranquilo e com tempo de sobra. Quando não estava bebendo e jogando cartas num bar na vila, estava na rede, entre as árvores do quintal, mascando fumo de corda. Por vezes, especialmente quando virava a noite fora, chegava em casa no meio da tarde, completamente bêbado e xingando muito a nós duas. Cansei de prometer a mim mesma que um dia nós iríamos sair de lá, ter nossa própria terra e viver felizes. Não que trabalhar fosse o problema, mas as duas trabalhar por três enquanto Antonino, saudável como um cavalo e largo como um boi, vivia as custas do esforço de uma mulher e uma criança, não parecia ser muito justo.

    Claro que não era assim tão simples. Comprar um pedaço de terra era caro, além de muito difícil. Para ganhar uma, dependia de um título de nobreza, coisa que só reis ou o Imperador podiam dar, ao que eu sabia. A opção seria morar na cidade, mas mesmo isso seria muito complicado. Uma casa na cidade também era cara de comprar e difícil de alugar. E eu não fazia ideia do que fazer numa cidade. Precisaríamos trabalhar por dinheiro, e tudo que sabíamos fazer eram serviços de casa, plantar e cuidar de animais. Fora que, embora eu não soubesse na época, quem chegava na cidade sem posses acabava vivendo uma vida muito mais difícil do que no campo, podendo passar fome ou adoecer com muito mais frequência do que na roça. Minha mãe sempre dizia que, na verdade, elas tinham sorte de ter o Antonino. Eu nunca aceitei isso. E foi nessa época que um rapaz misterioso apareceu na porta de nossa casa.

    Numa daquelas noites em que o Antonino desaparecia, eu tinha acordado antes do nascer do sol para tocar as vacas para dentro do curral. Quando percebi que ele não tinha voltado quase voltei para a cama, mas senti algo diferente lá fora. Tive uma sensação de que deveria abrir a porta para ver, de que era algo ou alguém quente, muito convidativo naquela manhã tão fria de inverno. É, eu sei que é estranho sentir que há alguém quente mesmo sem sentir calor e estando longe, mas era esse sentimento vago que eu tive naquele dia.

    Ao abrir a porta vi, através da névoa e dos primeiros raios de sol, um cavalo preto muito bonito, daqueles dos desertos do leste, muito grande e muito forte. Ele estava vindo em direção à casa, num trote lento e pesado. Quando foi se aproximando eu pude perceber que tinha um homem desacordado no lombo. O homem era jovem, estava bem vestido e não parecia ferido.

    Assim que o cavalo chegou bem perto de mim, parou. Ele deu um relincho baixo e o homem acordou. Eu não podia acreditar que ele estava simplesmente dormindo sobre um cavalo trotando. Mas estava. O rapaz me olhou, pestanejou por alguns segundos e sorriu. Que olhos diferentes! As íris dos olhos dele eram de um vermelho tão profundamente brilhante! Tinha cabelos longos, barba por fazer e parecia ter uns vinte anos. Ele, após alguns longos segundos, finalmente começou a falar.
    - Bom dia, pequena. Como'stai? Seus pais estão? - disse com uma voz grossa e rouca, provavelmente pelo sono. Esse "como'stai" era estranho. Nunca tinha ouvido falar, mas parecia significar "como está".
    - Bom dia, senhor. Bem. Só minha mãe está agora. Quer algo? Quem é voc... o senhor? - tentei falar da forma mais educada que sabia. O jeito dele falar era muito claro, com as palavras completas, mesmo com um sotaque um pouco diferente. Será que era um nobre? Príncipe não era, já que o cavalo era preto e ele era moreno. Mas, pensando bem, eu nunca tinha visto um príncipe fora dos sonhos acordada.
    - Chamo-me Aidan. A Quem pertence esta propriedade? Ou melhor, poderia chamar tua mãe?

    Resumindo, chamei e eles conversaram por mais ou menos uma hora. Oferecemos café, queijo e cuscuz com manteiga. Ele aceitou. Não conhecia cuscuz, mas disse que gostou muito. Apesar disso, comeu bem pouco. Sobre a conversa, ele perguntou sobre o Antonino, sobre o casamento da minha mãe e sobre como ele nos tratava. Perguntou muitas coisas, sobre nossas vidas, como vivíamos antes e sobre as coisas que gostávamos de fazer. Minha mãe não quis dizer nada sobre os maus tratos e nem sobre meu padrasto ser um preguiçoso. E por incrível que pareça, ele parecia bastante interessado em tudo que dizíamos. Quando falava dele, contava sobre a vida na cidade e sobre a infância. Contou que perdeu o pai ainda jovem, que trabalhava bastante desde muito jovem, por que o pai não gostava da ideia de ter escravos, e a mãe acabou seguindo pelo mesmo caminho. Parecia ser uma pessoa muito justa e boa. E também falou que queria aprender a fazer cuscuz. Depois disso, ao saber que o Antonino provavelmente não chegaria tão cedo, se ofereceu para ordenhar as vacas e buscar e cortar lenha. Como retribuição, queria minha companhia. Aceitamos.

    Quando estávamos no curral e depois na mata coletando lenha, ele me perguntou de novo sobre todas aquelas coisas. Longe de minha mãe eu falei sobre as coisas que ela não tinha falado. Porém, agora Aidan não mostrava mais aquela cara de interessado. Fazia todos os trabalhos com o rosto imóvel, parecendo não ter nenhuma impressão do que eu dizia, a não ser quando falei das agressões, quando ele travou por um segundo. Bom, depois eu percebi que esse era só o jeito dele mesmo. Que por dentro ele reagia. E aquela sensação calorosa continuava firme e forte. Depois de tudo falado, uma coisa que falamos não saiu mais da minha cabeça:
    - Mereces mais. As duas merecem, sim, entretanto tu... tu tens tudo para um dia ser quem sou. Sou um Dragão do Império¹.
    - Um Dragão??? - eu tinha certeza de que não conseguia esconder minha surpresa. Meus olhos certamente estavam saltados. Ele riu disso. - Mas os Dragões não são apenas homens nobres?
    - Sim. Eu sou um homem e sou barão².
    - É. Mas eu sou mulher, cabocla e plebeia. Eles não me aceitariam nunca! - não sabia quem exatamente seriam "eles", mas tinha certeza de que não aceitariam.
    - Sim, eu sei. - o sorriso dele mudou. Parecia estar se divertindo com aquilo. - Mais um excelente motivo. Eu tenho só mais uma pergunta, mas essa é sobre sua mãe. - voltou ao tom sério. - Ela ama o senhor Antonino? Ela deseja continuar vivendo com ele?

    Nessa hora eu exitei. Eu não tinha certeza, mas achava que ela não o amava mais. Ele era arrogante, muitas vezes cruel e violento. Eu queria muito dizer pro Aidan que nós só queríamos ser livres, mas o que ele podia fazer? Barão era um título mais baixo, não tinha como fazer nada por nós. Mas um Dragão do Império com certeza tinha contato com nobres maiores. Antes que eu pudesse responder, ele continuou.
    - Entendi. Acho que ele está perto de chegar. Vamos recebê-lo em casa.

    Não entendi como ele percebeu, mas realmente Antonino estava chegando no exato momento que nós voltamos para frente de casa. Minha mãe, que estava lá fora, ficou branca como papel. O homem veio atacado, de cara feia, como se fosse agredir alguém. E eu percebi que ele ia agredir o barão. Aidan, por outro lado, estava com uma postura dócil, de pé perto da porta, com um sorriso convidativo no rosto.
    - Seja bem-vindo, senhor Antonino. Como'stai? É um prazer conhecê-lo!
    - O que faz na minha casa, maldito? - meu padrasto era um palmo mais alto do que o rapaz, e tinha mais que o dobro da largura, a maior parte disso em músculos, mas também era um tanto gordo. - Não te conheço. Suma ou eu te mato.

    O sorriso continuou no rosto do Dragão. Ele se despediu de nós duas, parecendo ignorar Antonino. Estávamos assustadas. Até que se virou, deu três passos até ele, colocou a mão em seu ombro e disse, ainda de maneira educada:
    - Sou Aidan, Dragão Imperial e Catedrático³ do Fogo. Sabes por que um homem é mais forte que uma mulher? Para protegê-la. Pois bem. Se eu descobrir que o senhor agrediu fisicamente uma das duas eu voltarei, o levarei a um passeio atado ao meu cavalo, o arrastarei por muitas léguas nas estradas do nosso Império, até o Paço Imperial onde, caso chegue vivo, será julgado e condenado a morte. Eu mesmo cortarei sua cabeça com um serrote. Tenha um excelente dia, senhor Antonino!

    Sem ter retirado o sorriso do rosto em momento algum, o Dragão montou seu cavalo e foi embora. Desde o momento que ouviu o nome de Aidan, Antonino mudou o semblante, parecia temeroso. Depois disso, sem falar nada e com a cabeça baixa, ele entrou e foi direto para o quarto, onde ficou por horas trancado. Daquele dia em diante, por muitos meses, ele não mais nos tratou mal.Por alguns anos eu não pude compreender o terror que meu padrasto viveu naquele dia.

    ¹ Dragões do Império: a ordem de elite, guarda pessoal da família imperial em tempos de paz, unidade de operações especiais em tempo de guerra. Tem um número limitado de indivíduos, cavaleiros cuja lenda diz terem poderes sobre-humanos.

    ² Barão: título mais baixo da nobreza do Imperio. Tem direito a uma terra e alguns escravos.

    ³ Catedrático: detentor de uma cátedra (cadeira), neste caso, uma das quatro lideranças do exército imperial. Seria o mesmo que um general.

  • 2- Sim (Roupas) - TEOMAKIA

    Queria ter tido tempo de se vestir melhor, mas nesse dia não teve. Fazia anos que ele a tinha visto sem nenhuma maquiagem ou em roupas tão simples. Dessa vez, por ter acordado tarde, vestiu um robe sobre o pijama. Escolheu o robe vinho, já que ele parecia gostar dessa cor. Apesar de serem bem lisos, amarrou os cabelos, pois não teve tempo de penteá-los. Maria tinha crescido rapidamente nos últimos meses, além de ter tomado algum corpo. Os 14 anos de idade lhe fizeram bem. E por isso mesmo preferiria estar bem vestida. Ele, por outro lado, que já era um homem feito desde que o havia conhecido, agora parecia ser mais homem ainda. Ombros largos, braços fortes... e que belas pernas! Não queria pensar naquilo, mas os pensamentos vinham a sua mente sem ser convidados. Mas de longe, a marca registrada dele era o olhar. Olhos vermelhos sangue, únicos no mundo.

    O próprio sobrado, uma casa de dois andares a poucas ruas do Palácio Imperial, fora uma cortesia dele. Desde que Aidan ficou sabendo que o padrasto de Maria tinha voltado a agredir sua mãe, ele agiu imediatamente. Assim que as transferiu para sua casa na capital, Antonino nunca mais foi visto por elas. O palpite da menina era que o Dragão do Império havia cumprido com sua antiga promessa. Ele mesmo se recusava a falar sobre isso. Talvez fosse melhor assim, já que sua mãe ainda poderia nutrir sentimentos pelo homem.

    De qualquer forma, a vida das duas mudou drasticamente para melhor. Haviam três empregados, sendo um mordomo, uma governanta e uma cozinheira, ambos muito amáveis e gentis. Até mesmo uma tutora havia sido mandada a casa três dias na semana, para ensiná-las leitura, escrita, matemática básica e todas as etiquetas possíveis. Aidan dizia que não bastaria que elas se adaptassem a viver na capital, elas deveriam estar aptas a viver na própria corte, embora ao longo de todo aquele tempo elas não tenham ido nenhuma vez até o Palácio. Eram tutoradas em conhecimentos básicos e bons modos. Aprendiam a se vestir, se portar, como comer em público e até mesmo em dança. Foram dois anos de um frutífero aprendizado. Maria adorava dançar, e sonhava que um dia dançaria com Aidan na corte.

    O Barão Aidan estava bem vestido como sempre, muito elegante e bonito. Havia deixado os cabelos crescerem um pouco, tinha a barba por fazer emoldurando um rosto quadrado e másculo. As pernas da menina deram uma leve bambeada. Seria a vergonha do ano rolar escada abaixo na presença dele. O homem estava maior. Agora ele certamente tinha mais de um metro e oitenta, sim, mas o que mais impressionava era que agora não era mais o esguio rapaz da ultima vez. Ele agora tinha porte. De frente para ele, Ana Rosa chorava. Maria percebeu isso assim que desceu as escadas. Não estava chorando na hora, mas os olhos marejados e o nariz vermelho não enganavam ninguém. Era incapaz de disfarçar isso. Aidan parecia a estar confortando, sentado de frente para sua mãe, com um ar de ternura no olhar e um meio sorriso. E então desviou o olhar para a filha. Sua expressão mudou repentinamente. Parecia estar trazendo novidades boas.

    - Pequena! - aquilo derrubou toda a expectativa que ela tinha de parecer uma mulher para ele. - Como'stai? Venho oferecer-te um convite. Caso aceite, iremos ao Palácio Imperial. Hoje haverá a apresentação dos novos pupilos dos Dragões do Império. Tenho certeza de que lhe agradará conhecê-los.
    - Estou bem, Senhor Aidan. E o senhor? Eu creio que eu vá gostar. - disse Maria, tentando em vão esconder a empolgação. - Quando será?
    - Será hoje ao cair da noite. Passarei por aqui antes do pôr do Sol para levá-las. Maria, quero que vista-se passando mais força do que fragilidade, entende o que quero dizer?
    - Não entendi. De toda forma eu não sei como faria isso. Mas, por que motivo eu deveria me vestir dessa forma? - Mais uma dele. Será que era para que fossem parecendo um casal? Aidan se vestia de maneira imponente sempre, tanto com farda militar quanto usando sobretudo.
    - Talvez encontremos alguma resistência por lá. Bem sei que tens alguma noção de como se porta a nobreza, não é? Mas não preocupe-se. Mandarei a roupa com antecedência. De toda forma, não use muita maquiagem. Ou use... não sei... podes escolher essa parte. Tenho até vontade de pedir-te para que vá vestida como uma princesa, mas não precisamos colecionar ainda mais problemas do que já teremos a princípio. - problemas? A forma como ele falava dava a entender que Maria seria testada ou sabatinada de alguma maneira. Aquilo a preocupou, mas tentou não pensar nisso.

    Depois de conversarem bem pouco, Aidan infelizmente foi embora cedo. Reforçou que mandaria as roupas e sugeriu que Maria aguardasse elas para escolher a maquiagem, caso estivesse em dúvida. Quando chegaram, percebeu que ele estava falando sério: a roupas eram quase masculinas. Uma casaca preta de mangas longas, uma camisa feminina em um tom de vermelho tão profundo quanto os olhos dele, um par de calças pretas e outro de botas militares. Na verdade, exceto por serem modeladas para um corpo como o dela, aquelas roupas realmente pareciam as dele. Será mesmo que ele não a via como uma mulher? Bem, não tinha como questionar o Barão. Perguntaria quando chegasse. Curiosamente, ele acertou as medidas dela em cheio: nada folgado, levemente justo, o traje valorizava cada curva dela. Talvez ele reparasse... Maria não queria pensar nisso, mas todas essas coincidências a deixava mais animada com a ideia de que ele prestava atenção nela.

    Maria tentou puxar a língua da mãe para saber do que se tratava. Ana Rosa certamente sabia de algo, já que estava chorando tanto. Mas ela não quis dizer, alegando que foi o que Aidan a fez prometer. Limitou-se a dizer que, mesmo ela não gostando nem um pouco, a filha provavelmente adoraria.


    Quando a charrete chegou, Aidan estava bem mais sério. Parecia preocupado com algo. Mal olhou para as duas. Até que, de rompante, olhou para Maria novamente. Toda a seriedade se desfez numa cara de travesso.
    - Eu escolhi muito bem mesmo. Como esperado de mim.
    - As roupas me serviram bem, Barão. - Maria estava subitamente tímida.
    - Ah sim, as roupas. Eu também as escolhi bem. - e após essa demonstração gratuita de safadeza, voltou a sua introversão inicial. Maria ficou especialmente desconcertada e devia estar vermelha como um tomate. Mas a satisfez saber que ele estava falando dela. A mãe apenas conteve o riso. Pelo menos aquilo tinha distraído ela. Ana Rosa não quis dizer a ela qual o motivo do choro mais cedo, mas passou o dia toda diferente, ora triste, ora dispersa. Enfim, mesmo que ninguém perguntasse, após dez longos minutos que pareciam uma eternidade naquele silêncio, Aidan finalmente disse do que se tratava.
    - Maria, eu a escolhi como minha sucessora. É uma apresentação dos pupilos, e você será a minha. - aquilo a assustou. A menina travou, de queixo caído.

    Maria teve uma explosão de vários sentimentos naquela hora. Estava feliz por ser escolhida, profundamente surpresa por jamais imaginar que poderia ser, ansiosa por estar indo para um evento tão importante, nervosa por saber que não será nada fácil convencer o Império inteiro de que pode ser uma Catedrática... e, claro, um pouco desapontada, afinal, ela queria muito dançar com Aidan. Ou mesmo ser pedida em noivado. O que? Como assim? De onde saiu isso? Agora sim, Maria estava desconcertada, envergonhada por ter pensado nisso, começou a suar frio. Claro, apenas por um segundo, até perceber que ninguém saberia sobre esse pensamento. Mas sabia que agora não conseguia mais tirar da cabeça esse novo sonho. A puberdade é realmente confusa. Finalmente se recompôs:
    - Mas... não são somente homens que podem ser Dragões? Quero dizer, homens, nobres, com ascendência e tudo mais? - tinha aprendido sobre aquilo tudo com a tutora ao longo dos últimos anos.
    - Sim sim, isso... e tudo mais. - respondeu com desdém. - Essas são as regras. Mas o princípio, a ideia central, o verdadeiro cerne da questão, é que eu escolha alguém de confiança, a melhor pessoa possível para me substituir. Mas, sim, todas essas regras são seguidas à risca ao longo de gerações.
    - E então. Vai descumprir as regras? Por que? - agora ela estava mais confusa do que nunca.
    - Eu sigo princípios, não regras. Entenda, as regras podem voltar-se contra você, podem ser injustas. Os princípios não. Siga princípios e será bem-sucedida.
    - Barão, eu nem sei o que dizer... - Maria realmente estava confusa. Era uma missão complicada. Ela não gostava nem um pouco de conflitos. Também odiava pressão. Mas não conseguia negar um pedido do Aidan. Por que ele não deu a ela tempo pra pensar?
    - Diga apenas que sim. Sempre diga sim para mim, pequena! - Aidan fez aquela cara... como negar algo para aquela expressão? Parecia um menino pedindo carinhosamente. E esse "sempre diga sim para mim" despertou sentimentos. Voltou a pensar no tal noivado. Aidan estava começando a mexer com o coração de Maria. Ela não tinha outra escolha. Aceitar significava ficar com ele.
    - Sim, sempre sim! - se viu dizendo. Não tinha volta. Que viessem as lutas. Maria lutará por Aidan sempre.

  • 3- Catedráticos - TEOMAKIA

    O Palácio Imperial era muito bonito, em estilo barroco, de cor clara. Tinha dezenas de janelas e muitas portas. Entraram pela principal. Havia muita gente entrando e saindo do Palácio, tanto militares quanto civis, porém parecia que a grande maioria era nobre, pois se vestiam muito bem. Assim que entraram, havia um salão muito comprido e largo, com uma decoração muito rica e bonita. Havia muita alusão a santos nos vitrais, muitos mosaicos em cores muito vivas, algumas armaduras ao lado das grandes janelas e um teto abobadado com uma pintura tão linda que era difícil desviar o olhar: uma miríade de anjos cantando em nuvens que circundam uma forte luz central sobre um céu azul. A frente, sobre um estrado, estavam duas cadeiras douradas ornamentadas com estofados vermelhos. Estavam vazias. Ao lado delas, de ambos os lados, haviam mais algumas. Abaixo do estrado estavam perfiladas muitas dezenas de jovens, claramente homens nobres, com idades variando entre doze e dezoito anos.

    Aidan pediu para que Maria fosse para perto deles e aguardasse. Assim que ela chegou ao local, um burburinho se iniciou entre eles, provavelmente por causa dela. Tentou conter o nervosismo de estar ali no meio de todos. A frente dela, por todo o salão, centenas de pessoas, em sua maioria homens, muitos deles militares, discutiam calorosamente. Logo, cada vez mais deles olhavam para ela, o que a deixou tremendo de nervoso. Então, três militares jovens, que estavam caminhando e cumprimentando cada um dos jovens que ali estavam, chegaram até ela.

    - O que faz aqui, garotinha? - disse o primeiro, um homem mais alto e mais largo que Aidan, com queixo partido e cabelos castanhos abaixo dos ombros. Seus olhos eram verdes claros, com um brilho profundo.

    - E-eu... eu fui indicada... - gaguejou Maria, tentando parecer mais calma.

    - E quem é o seu mestre? - o segundo indagou, um homem loiro, com olhos azuis lindos. Parecia ser o mais jovem deles, e certamente o mais bonito.

    - Não é óbvio? - o terceiro interrompeu a conversa antes que Maria pudesse responder. Era um rapaz de estatura média, mais esguio e de cabelos estranhamente mais claros, quase grisalhos. Olhos dourados. Soltou uma gargalhada alta e continuou - Ele sempre me surpreende. Essa eu quero ver.

    Os outros dois lançaram a ele olhares de reprovação. Seguiram para o próximo garoto. Parecia óbvio, esses eram os outros Catedráticos. Maria começou a se sentir frustrada. Será que Aidan estava brincando com ela? Ao procurar na multidão, não conseguiu vê-lo.

    Quanto mais tempo passava ali, mais raiva nutria pelo Barão. Maria não admitiria ser tratada como um brinquedo. Por mais que ele fosse seu mecenas¹, isso não se faz. Pouco a pouco a multidão começou a se aquietar e tomar seus lugares. Em pouco tempo, somente os militares permaneceram no salão baixo, enquanto as demais pessoas subiram as escadas para os mezaninos. Maria sentia todos os olhares postos sobre si, o que aumentava aquele sentimento negativo. Enfim, o silêncio começou a reinar ali e iniciou-se uma discussão mais pontual.

    - O que significa isto? - bradou um homem, um tanto mais velho, já grisalho e com entradas proeminentes, apontando em direção a ela. A vergonha a consumia.

    - Se está referindo-se a minha aluna, é melhor começar a utilizar os pronomes de tratamento adequados. - Aidan, com uma voz mais grossa do que o normal, finalmente apareceu no meio daquela multidão de homens e tomou a frente. Um calafrio subiu pela espinha de Maria. - Minha sucessora deve ser tratada tal como o que ela é: a futura Catedrática do Fogo!

    - Afronta a todos nós com esse disparate! - outro homem falou, e parecia furioso. Um burburinho voltou a se iniciar. - Sabe quais são as regras, Barão! Não iremos permitir.

    - E farão o quê? - Aidan, em tom de desafio, questionou. - A unica regra que conheço é que eu escolho meu sucessor e os senhores aceitam calados. Eu é que não permitirei ingerências sobre as prerrogativas que me cabem. Lembre-se de que está falando com um Catedrático, Dragão.

    Os outros três Catedráticos apenas observavam calados. O de cabelos grisalhos segurava o riso. Aidan a defendia como um leão. Não, não era uma brincadeira, ele estava falando sério. - Tudo isso é pelo fato de ter sido desprezado? - voltou a indagar o primeiro, agora em tom de ironia - Ora, vamos garoto! Já te aceitamos, mesmo não sendo um alto nobre. Não há necessidade de sentir-se inferior. - Eu nunca me imaginei inferior a nenhum dos senhores. São fracos, não possuem fibra, seriam incapazes de me suceder. A unica coisa que consigo sentir pelos senhores, quando me lembro que existem, é pena. E uma certa compaixão também, que é o que os permite continuar essa conversa desnecessária. - Quem faz muitos inimigos não sabe de vem o punhal... - um terceiro homem recitou um ditado antigo. - Cuidado, jovem Barão! - Cuidado Luciano, cada um segue suas tradições. Os senhores seguem o costume de nomear sucessores homens e nobres. Eu sigo o antigo costume de não deixar que um homem que me ameace veja o próximo nascer do Sol. Espero que não seja o caso. - a voz de Aidan estava fria. Por um momento, Maria conseguiu sentir o ar muito mais denso. Um silêncio acompanhado de um clima pesado se abateu sobre o local.

    De repente o clima mudou. Cada um dos Dragões caiu sobre um dos joelhos e abaixaram suas cabeças, inclusive Aidan e os mais exaltados. Então, Maria e os demais aprendizes se viraram e logo começaram a fazer o mesmo. Era o Imperador Tiago I, que estava de pé a frente de uma das cadeiras do centro.

    - Podem se levantar. O que está acon... - assim que colocou os olhos sobre Maria, ele pareceu entender do que se tratava. Um leve sorriso de canto de boca tomou seu rosto. - certo. Entendi. Aidan, por favor, explique.

    - Sua Majestade Imperial, obrigado por me dar a palavra. Eu escolhi meu sucessor, mas os demais não aceitam.

    - Imperador, isso é um absurdo. Visivelmente ele escolheu uma mulher, plebéia e mestiça. - atravessou na frente da conversa o primeiro homem que havia reclamado. Aidan agora estava furioso:

    - Se o problema é ser mestiça, saiba que isso em nada influi na índole ou na capacidade dela. Se o problema é ser mulher, saiba que não existe a menor possibilidade de um aprendiz meu ser inferior a um dos vossos. Quanto a ser plebeia, foi o exato motivo pelo qual a escolhi. Se questionar minhas decisões novamente, considere-se desafiado para um combate.

    - Chega! - o Imperador vociferou. - quero esclarecer algumas coisas aqui hoje. Em primeiro lugar, não admito ameaças aqui. Em segundo lugar, não falem, a menos que eu lhes tenha dado a palavra. Essas duas regras garantem que possamos conversar civilizadamente. Em terceiro lugar, não há regras para a sucessão. A escolha é feita por cada um dos Dragões, como lhes parecer melhor. - voltou os olhos para Aidan - Me diga, sua escolha é essa mesmo? A garota atende a seus critérios?

    - Sim, Majestade, Maria é como eu. Viveu trabalhando arduamente desde a infância, sem pai e sem escravos ou servos. Tem uma boa índole, é humilde e inteligente. Ela tem o que é necessário para ser melhor do que eu. E, obviamente, muito melhor do que qualquer um dos presentes aqui. - Aidan falava com convicção. Maria chegou a marejar os olhos ao se lembrar de tudo o que passou e ainda mais por ouvir aquelas palavras do homem que ela mais admirava. Não pôde evitar um leve sorriso de satisfação.

    - Muito bem. Está encerrado o caso. Aceitem, é uma ordem. Caso desafiem meu pupilo, não terei como contê-lo. - terminou o Tiago I.

    "Meu pupilo"? Maria estava perplexa. Aidan havia sido pupilo do próprio Imperador? Aquilo era chocante. Ainda mais por saber como as regras do Império funcionavam. Havia pouco tempo, ela tinha estudado sobre isso. O Império era composto por diversos territórios, entre eles as marcas, os ducados, os condados e os reinos. A princípio, os quatro reinos se unificaram e formaram o Império. Posteriormente, novos territórios foram agregados, seja por meio de conquistas militares ou de negociações com chefes de Estado. Esses novos territórios ganharam o status de marcas. As marcas eram territórios periféricos, que faziam fronteira com reinos bárbaros. Quando o Império continuou se expandindo, algumas marcas deixaram de fazer fronteira com outros reinos, e então passaram a ser condados e ducados, dependendo do prestígio que tinham junto ao Imperador.

    Os marqueses, condes, duques, reis e o Imperador passavam seus títulos a herdeiros aparentes. Entre os reis, o herdeiro aparente era, preferencialmente, o filho mais velho do sexo masculino. Caso ele não tivesse filhos homens, a sucessão passava para os irmãos, isto é, os filhos do pai dele, seguindo a mesma regra de primogenitura² e de masculinidade. Outros nobres seguiam uma regra parecida, tendo como diferença que podiam passar o título para mulheres. Para o Imperador, a regra era semelhante, mas como não era um título essencialmente hereditário, o herdeiro aparente podia ser um apadrinhado, um pupilo ou alguém próximo. Seguindo essa lógica, a menos que Dom Tiago tivesse filhos ou outros apadrinhados, Aidan podia muito bem ser o próximo Imperador. De qualquer forma, a aclamação deveria ser feita por um conselho de nobres. Isso talvez dificultasse as coisas para o Barão.

    ¹ mecenas: financiador, patrocinador. Pessoa que investe em algo ou alguém, em geral visando retorno.

  • 728571 passos

    Bom, conheci um garoto, o nome dele é Leandro, como ele é? ele tem um cabelo cacheado, em formas de caracol, deve ser tão cheiroso e macio, fico imaginando o cheiro todos os dias, acho que ele brigaria muito comigo, pois eu iria mexer e cheirar toda hora, aqueles olhos dele de "demônio" com os cílios enormes, aquele olhar que enxerga as profundezas que te deixa todo desconcertado, nem pode se esquecer daquela boca(deve ser tão macia e gostosa), com um sorriso que me encanta, amo os vídeos/fotos dele sorrindo, são os melhores, fico extremamente boiola, aquela altura de 1,80 , fico imaginando eu andando abraçado ou de mãos dadas ao lado dele com meus 1,65 todo baixinho, olhando para o rostinho dele ficando boiola e dando aquele sorriso bobo. Como nos conhecemos? bom comecei a seguir ele no instagram, ate que um dia ele postou um stories, que se tratava que ele usava a figurinha da xicara triste, e eu super me identifiquei e comentei, disso eu super gostei da vibe dele e começamos a conversar mais e mais, percebi que ele era um garoto diferentes dos demais pelo jeito que ele se  conversa, preocupa e se importa comigo, quando percebi virou uma rotina(Melhor rotina da minha vida) e quando não nos falamos eu fico péssimo, sempre que estamos conversando eu sempre fico dando sorriso com as bochechas vermelha, parecendo um tomate SAKFNSAFDSAKFNSA . e quando espero ele me responder, qual quer notificação que chega no celular, eu vou doido correndo atrás do meu celular( e quando é eu infarto),amo demais a nossas playlist/filme no rave, eu fico extremamente muito ansioso para que chegue a noite para a gente fazer a playlist, inclusive estou escrevendo escutando "Goodnight n go", nossa musica. fico o dia todo pensando nele, literalmente 24 horas, acordo pensando nele( me perguntando se ele esta bem ou dormiu bem), tomo café pensando nele( fanfico eu na cozinha fazendo o café de cuequinha e ele me abraçando pelas costa e me dando um beijo no pescoço e me dando bom dia, saudade de quando eu estava aprendendo a fazer café, e ele perguntava se eu tinha feito muito doce ou sem açúcar), almoço pensando nele( fico imaginando ele me ensinando a cozinhar, pois eu não sou muito bom não kfsanfksabnfsan), tomo banho pensando nele( imagino a gente tomando banho juntos, um lavando o cabelo do outro, a agua caindo sobre nossos corpos e a gente se beijando lentamente), janto pensando nele( imagino a gente jantando e conversando/dando risada de como foi o nosso dia), vou para escola e fico pensando nele( as vezes eu estou fazendo algo, eu paro e fico olhando para o nada, e começo a pensar nele, imaginando oque iriamos fazer se estudássemos juntos, durmo e sonho pensando nele( essa e a melhor parte, aonde eu mais fanfico, fico pensando e imaginando a gente dormindo, eu abraçando ele, uma mão debaixo da cabeça dele e a outro na cintura, com a cabeça no peito dele, minha perna entre as pernas dele), mas sempre tem um porem..., só de imaginar que estamos aproximadamente 728571 passos um do outro me deixa tão triste, meu maior desejo e encontrar ele, tocar ele, sentir o cheirinho dele, dar um abraço tão forte e não desgrudar, encher ele de beijinhos, ir no cinemas assistir filmes de terror, eu levando susto e te abraçando, fazer a noite do pastel, fazer skincare juntos, ir passear e fazer um piquenique no igapó, ir na  ponte de guarda chuvas, aonde ele disse que seria nosso primeiro beijo, escutar e dançar(a dança de centavos kassgdsgakfnsakfnsakn) álbuns da Lana Del Rey e ariana juntos, fazer aquele jantar surpresa para ele com a comida que ele mais ama(macarrão ao molho branco), só queria ter você por perto...
  • 73 Anos de Dolorosos Dias

    Me sento na cama e vejo o sol entranto pela janela do meu quarto.Em algum lugar lá fora tem um cachorro latindo e pássaros cantando.Abro as cortinas e vejo a rua calma,poucas pessoas na rua,uma brisa gostosa balança os cabelos de uma garotinha,folhas caem das árvores,tudo tão sereno.Ultimamente tem sido assim,calmo demais.Minha vida costumava ser mais agitada.Mas as coisas mudam.Já estou viuva há alguns anos,meus filhos cresceram e tomaram rumo na vida,vejo meus netos nos finais de semana e estou aposentada.Quando eu era mais jovem não via a hora de tudo isso acontecer,a paz,descanso talvez...Mas não é isso que eu quero.Tantos anos de vida e eu continuo indecisa.Amo ponderar sobre a estúpidez que compartilho com outros da raça humana.Pensar em cada erro,cada palavra.
      Ainda me lembro das tardes de domingo que eu e meu marido viámos as crianças correrem pelo quintal.Na minha adolescência,muita bebedeira.Era uma época em que eu acreditava que ia ser livre,totalmente livre,mas me prendi nos mais lindos olhos castanhos.Nunca pensei que ia me apaixonar tão cedo.Ele foi meu parceiro de bebedeira,de risadas,de lágrimas,de gritos,ele era meu companheiro de todas as minhas aventuras.Se passaram alguns anos e eu me apaixonei novamente.Me apaixonei por um pedaço de mim,tão pequeno,indefeso.Eu me prendi de novo nos olhos castanhos.Dois anos depois eu produzi uma cópia minha,me apaixonei de novo.Por décadas a minha vida foi assim,me apaixonando diariamente pelas razôes do meu coração bater,meu marido e meus dois filhos.
      Vou até ao quadro na parede e dou bom dia a minha primeira paixão.Há dois anos atrás eu me apaixonei novamente,mas não era meu,era do meu filho,minha segunda paixão.Acho que não tem alegria maior que ver eles terem a mesma felicidade que tive na minha vida.Há quatro anos atrás eu comprei uma briga contra o câncer,e eu perdi meu marido,o primeiro e único.Acho que não é uma coisa que o ser humano possa se acostumar,é um sentimento frequente na minha vida,a única coisa que vou levar ao túmulo.Há um ano eu perdi a minha réplica em um acidente de carro.Nunca provei de um sentimento tão...difícil.Quando perdi meu marido senti que quando nos despedimos de alguém podemos nos despedir de todo mundo no final.E com minha filha não foi diferente,eu perdi ela também.Mas a vida é uma sucessão de despedidas.
  • A arte diante de ti!

    Eu vi você sair daquela porta

    Com aquele jeito "encantador"

    E ao mesmo tempo despojado

    Ao ponto de ser engraçado!





    Só queria expressar

    Ou melhor tentar

    Expressar que você

    Me conquistou

    Com seu "jeitão" de ser!





    Toda vez que você sair

    Por aquela porta

    Irei te expressar de uma

    Forma diferente

    Daquilo que já foi visto!





    Por quê amor é algo inexplicável

    Não estou aqui para explicar

    Ou expressar amor algum

    Por alguém!

    Apenas estou expressando

    A minha arte ao meu ver!
  • A Beleza de uma amada

    Ela é tão linda que as vezes fico me imaginando
    se ela é real ou é uma pintura de Vincent van Gogh
  • A canção que fiz

    cancao de amor e
         Como começar esta canção? Tem que ter o mar, o som do mar num dia claro para o inicio, no meio o barulho de alguém pulando neste.
         Tampei os ouvidos para não escutar tal musica depois de pronta, me trazia solidão. Mas por quê? Se é tão bom e belo o convite do mar as suas águas.
         A música deve falar de amor, de uma mulher a quem se teve amor e este se desfez por algum ato final.
         Não sendo uma novela daquelas que um morre no fim, mas sendo mais ou menos assim, pois a de morrer de amor um dia.
         O refrão tem que ter gritaria, mas uma boa gritaria para os ouvidos, gritos de amor e não de desespero ou medo.
         Tem que sentir alguém lhe apertar o pescoço de tanto amor que tem para te dar e não sabe como fazê-lo.
         Como terminar esta canção? Já o fim... O fim tem que terminarem juntos porque de tanto brigarem acabam se amando e perdoando.
         Esta é a novela musical de muitos amantes e atrizes, esta é a canção que vai tocar lhes o coração.
         Somos amantes do mar, amantes no mar, amantes da paixão que penetra em nossos corações e nos faz sentir.
         Ao terminar esta musica saio pela porta e após dormir acordo me perguntando se a fiz.
         Por fim quebro o violão, para me dar mais inspiração e terminar dizendo assim:
         -Uma canção que me faça esquecer, esquecer-se de ti e recomeçar aqui, da mesma forma que antes começamos e agora esperando um novo fim!
         Então começo uma nova canção, se no caderno, novas paginas rabisco e nelas eu acredito.
         O vento vem para me dizer:
         -Vá me ouvir no mar! E é assim que eu vou compondo. E é assim que sua vida vai se juntando, a mim, ao me ouvir depois da musica pronta a cantar.
         Cantando para vocês a quem nem conheço, mas me faz ter endereço, um caminho longo a seguir cantando e encantando, encantado por tudo a seguir.
         Obrigado por lerem, a canção que eu fiz, desta outra nova fiz e aqui se fez ler para depois você ouvir.
         Oh, querida.
  • A Canção que Purifica.

    Ela é toda canção;
    Ela é jazz e reggae;
    Ela é hino que purifica a alma e mente;
    Todas as outras coisas vieram depois;

    Ela tem um corpão violão;
    Seu andar é uma valsa;
    Sua risada é melódica;
    O seu olhar é a letra de uma música intensa;

    Ela é uma música chiclete que não desgruda do meu coração;
    Seus pensamentos estão em harmonia com os meus,como dó,ré,mi;
    De sua boca só sai palavras que são músicas aos meus ouvidos;
    Ela é toda melodia.
  • A culpa é minha

    Eu sei, a culpa é inteiramente minha, eu que me iludi sozinha, criei expectativas onde não deveria, eu que gostei demais, eu que coloquei muita intensidade, eu que deixei minha felicidade depender de uma só pessoa, a culpa e minha sim, e estou arcando com as consequências disso.

  • A Distância

    Me segurei. Não liguei. Guardei. Escrevi. Li. Apaguei.
    Te respeitei. Me machuquei. Antes relembrei. Nossos dias, nossa praia, nosso calor. Nossas noites, nosso mel, nossas bocas, nosso sabor. Tentei fingir. Me distrair. Fugi. Não consegui. Você ainda está aqui. E eu nem sabia o quanto a distância podia mostrar. Cutucou. Evidenciou. Judiou. De todas as vezes que não fomos dois. De todas que fomos um. De tudo que foi tão pouco. Do pouco que mudou tudo. Vivi. Desejei. Perdi. Agora é seguir. Torcendo pra distância doer aí.
    Te trazer. Te tocar. Me fazer ouvir. 
  • A empinadinha da moto vermelha

    Quando ela passou com seu lindo e diferente trejeito
    De maneira original, bela imagem, porém diferente
    Fiquei logo ruborizado e confesso, meio sem jeito
    Porém com a leve certeza que a veria mais pra frente
    Rondava às vezes a rua arborizada da minha casa
    A rota era a varanda, onde eu gostava de sempre estar
    Quando me olhava de lado como um anjo sem asas
    Meu romântico coração já começava a incendiar
    Eu nem percebia o estridente barulho da sua moto
    Pois seu belo tórax empinado chamava mais atenção
    Em minha mente já se formava a moldura de uma foto
    Nós dois juntos viajando em delírios únicos de sensações
    Foi paixão rápida, suave, porém em chamas incandescentes
    Que me tirou o norte, me aquecendo em centelhas
    Nunca mais esquecerei o porte daquela musa diferente
    Que me encantou empinadinha em sua moto vermelha
  • A escolha

    1
    Jeff morava sozinho, gostava de sua privacidade. Deixara seus pais no interior há muitos anos e fora para a cidade grande estudar e testar sua sorte. Era um belo rapaz de cabelos loiros, muito inteligente e dedicado, que encontrou o amor em Barbara, amiga de infância, cinco anos mais nova, com quem sempre dividiu todos os seus momentos preciosos e queridos.
    Barbara ainda morava com os pais, que se mudaram para a mesma cidade de Jeff, três anos depois dele. Foi uma benção para aquele rapaz perdido, pôde retomar seu romance com seu eterno amor. Seus pais foram vizinhos por mais de 30 anos.
    - Oi amor, estou indo para sua casa sim, vou só acabar de limpar as coisas por aqui e pego meu carro.
    - Tudo bem, te espero amor. Meus pais não estão hoje, só que chegam da praia de madrugada. Sabe que, infelizmente, é melhor ir embora antes deles voltarem, não?
    - Claro. Adoro a Suzy e o Neil, mas acho que poderiam ficar sem gasolina ou algo do tipo e dizer que vão ficar mais um dia na praia, eles precisam relaxar mais – Diz ele rindo.
    - Não seja ruim, amor, eles vão trabalhar amanhã. Praticamente direto da praia. Acho que voltam de madrugada para nos dar tempo, mesmo dizendo que não podemos nos ver sem eles.
    - Tudo bem. Vou acabar as coisas aqui e logo menos estou por ai. Beijos meu amor.
    - Beijos, paixão.
    Jeff olhou à sua volta e viu a desgraça que era sua casa. A pia lotada de louça da semana inteira. O colchão não via uma roupa de cama desde a última vez que Barbara esteve lá (talvez por isso ela preferisse que os encontros fossem na casa dela, afinal, ela que teve que colocar aquela roupa), as contas vencendo, pois ele estava “entre empregos” havia dois anos, conseguindo só alguns bicos pequenos. A internet era a única conta que pagava no vencimento, o cabo ele conseguiu puxar do vizinho com ajuda de seu pai. Para as roupas sujas ele aguardava, ansiosamente, a próxima visita de sua mãe, ou um final de semana prolongado para ir visitá-la com sacos de suas vestimentas.
    Apesar da sujeira, era um bom apartamento, não muito grande, do tamanho ideal. Tinha apenas um quarto, com sua cama, uma escrivaninha e um armário fixo na parede. Um banheiro entre o quarto e a sala, sendo que este cômodo era pequeno, apenas com um sofá-cama e a televisão, com uma cozinha acoplada. Ele não precisava de muito mais do que isso, só que via nos olhos de Barbara que ela queria. E tinha certeza de que ela merecia.
    “Hoje vou arrumar tudo isso”
    O pensamento contagiou Jeff, inflando-o de energia. Tirou uma camiseta do chão (havia completado uma semana naquela mesma posição) e imaginou que poderia arrumar toda aquela casa antes de sair. Esse pensamento durou até o primeiro prato lavado.
    “Não tenho tempo para isso. A Barbara está me esperando, se não fosse por isso eu arrumaria tudo.” – sempre havia uma desculpa...
    Pegou seu carro ligou o som no máximo, seu celular mostraria o caminho (usava o aplicativo do celular principalmente para ver as câmeras de trânsito), colocou o cinto de segurança e dirigiu freneticamente ao som de Bitting Elbows, Limp Bizkit, Three Days Grace e qualquer outra banda barulhenta que lhe fizesse esquecer que não tinha um emprego digno, nem nada em sua vida que valesse a pena, a não ser o amor daquela garota encantadora.
    A rua Heitor Penteado tinha um trânsito intenso, como sempre pra aquele horário, e ele só pensava em acelerar, sua pressa era mais importante do que a de todos os outros. Recebeu uma mensagem de sua namorada “Estou te esperando” e, anexo, uma foto nua. E outra. E outra. Agora Jeff tinha pressa e um pau duro. Com aquele sangue a menos no cérebro, começou a fazer manobras mais arriscadas e atravessou um farol vermelho. Por sorte ninguém passou junto com ele.
    Quinze minutos depois chegou à casa de Barbara. Tocou a campainha e a porta se abriu. Subiu as escadas para aquela bela casa rosa de quintal vasto, em que passou tantos finais de semana felizes com aquela garota. Ela abriu a porta, vestia apenas uma calcinha. Não teve um “oi”, apenas um “uau” e transaram ali no sofá.
    Depois foram para o quarto, transaram mais duas vezes e pararam para se hidratar. Jeff não havia almoçado ainda, foi só quando pararam que a fome apertara. Ele sabia cozinhar, ela não. Então preparou um almoço para ambos. Nada muito rebuscado, apenas um macarrão rápido à bolonhesa, era o que tinha na dispensa da casa. Ficou excelente. Ela dizia que ele deveria ser Chef ou algo do tipo, ele dizia que as longas horas não compensavam e que cozinhava só por prazer, não queria que virasse um estresse.
    Conversaram sobre o trabalho dela, como ele subia na carreira e já falavam em outra promoção. Jeff tinha muito orgulho daquela garota e, às vezes, achava que ela era boa demais para ele. Talvez se não fossem vizinhos, com tanto tempo pela frente e sonhos infantis, ela nunca tivesse gostado dele. Isto não era verdade, embora ele tenha sido o primeiro namorado dela, ninguém nunca a tratou tão bem. Ele a mimava de uma maneira boa e a apoiava em todos os seus planos. Mudou-se para a cidade grande quando brigaram e terminaram, ele sentiu que não haveria mais nada para ele naquela cidadezinha. A verdade é que ele passou anos deprimido até tê-la de volta.
    Ela também ficou arrasada com o término, não soube lidar com ele, assim como ele não soube lidar com ela. Hoje, isso mudou e já não se preocupava com o fato dele nunca ter um emprego fixo. Não se importava se precisasse sustentar aquele homem, pois sabia que seu coração era puro e que só tinha amor por ela.
    2
    - Já é tarde amor, melhor ir embora antes que seus pais cheguem.
    - Queria que ficasse mais.
    - Não podemos deixá-los bravos, já faz algum tempo que eles não gostam tanto de mim. Vou melhorar, você vai ver. Conseguirei um emprego decente. Serei tudo aquilo que você merece.
    - Você já é, amor.
    Eles sorriram e se beijaram. Fizeram amor uma última vez no chuveiro, Jeff nunca se sentiu tão bem. Então, pegou seu carro.
    Não tinha pressa, sua casa não era tão longe, vinte minutos no trânsito da madrugada, eram 3h da manhã, os pais de Barbara deveriam chegar em uma hora mais ou menos. Conseguiu sair com tempo de sobra e não tinha nenhum bico para o dia seguinte. Talvez arrumasse a casa, talvez cumprisse suas promessas de ser uma pessoa melhor e mais esforçada...
    Não Jeff, você não iria fazer nenhuma dessas coisas.
    Todas as ruas estavam vazias sob a escuridão daquela noite, de poucas estrelas e sem luar. Aqueles momentos agradavam o sonolento Jeff. Como sempre, seu som tocava alto, desta vez era Moves Like Jagger.  Uma eterna ironia que as últimas palavras que ouviu em vida foram "I got the moves like Jagger".
    Em seu retorno, percorreu a Heitor Penteado, parou em todos os faróis e respeitava, razoavelmente, os limites de velocidade. Foi então que na altura do 1700, ouviu um estrondo, algo parecido com um tiro.
    Não teve muito tempo para uma reação, apenas olhou para o lado, com cara de susto, e viu uma Fiorino desgovernada. Seu pneu havia estourado. Aquela moça que corria na faixa contrária perdeu completamente o controle, atravessou para a faixa de Jeff e colidiram de frente. Tudo ficou branco na mente daquele rapaz. No impacto seu carro se contorceu o suficiente para espremer todos os ossos de seu motorista, muito além de qualquer reconhecimento. Os dois carros se mesclaram em um obra de arte urbana caótica, com líquidos negros, dourados e vermelhos escorrendo livremente. Não sobrou nada de Jeff para contar a história. Pelo menos, todos acharam que ele não sofreu.
    3
    Jeff acordou em um lugar apertado e escuro, um pouco maior que o interior de um armário. Não enxergava nada além de um totem com tela touch que dizia “Por favor, retire sua senha aqui”. Ele não entendia o que acontecia, lembrava apenas do barulho daquela batida e da dor de morrer. Mesmo que sentida apenas por um segundo, a dor de ter seu corpo esmagado por toneladas de aço retorcido fora excruciante. Decidiu apertar o botão “senha” no console. Conseguiu “M-14”.
    Quando retirou aquele pequeno pedaço de papel da máquina, viu a parede atrás dela se abrir, dando acesso a uma ampla sala de espera. Suas paredes eram todas brancas, a pintura parecia recente, contudo não havia cheiro de tinta. Observou em volta e não via quadros, nem janelas, reparou que o chão também era branco. Embora o piso fosse de azulejo, muito bem encerado e brilhante, a aderência era boa. O teto seguia a cor de todo o cômodo, com a limpeza impecável. Não era possível ver lâmpadas (então de onde vinha toda aquela iluminação?). Não lembrava de como chegara até ali. Não havia porta de entrada, não havia porta de saída. Apenas quatro paredes instransponíveis e o pequeno “armário” de que saíra não existia mais. Viu um pequeno monitor à sua frente rodando números e escrito “agora atendendo as senhas C-38, D-19, M-11, I-158, R-35”.
    Olhando ao seu redor, reparou cerca de 40 cadeiras. Eram pequenas e verde florescente. Imaginou que alguma pessoa mais gorda não poderia sentar ali, deu uma risadinha e sentou. Olhou no painel novamente, parece que o atendimento do número 11 não acabara. Novamente, olhou para os lados e não viu ninguém. A senha mudou para 12. Preferiu esperar. Como não tinha relógio imaginou que se passara cerca de 40 minutos até aquela senha mudar para 13.
    (Que porra está aconteceu?)
    Uma hora depois seu número foi chamado. E na parede à sua frente surgiu um corredor. Seu piso era negro e pegajoso. Decidiu que era a única saída dali e seguiu seu caminho. Ao final do corredor havia uma abertura à esquerda. Fez menção de virar e a abertura se fechou.
    - Desculpe o equívoco. – disse uma voz que parecia ter vindo de um auto falante inexistente.
    - O que?
    -...
    Não houve respostas, mas agora havia uma abertura à sua direita. Ali incontáveis cubículos cinzas se espalhavam pelo horizonte. Um barulho ensurdecedor de “Tec, tec, tec” assombrava aquele lugar. Um painel à sua frente dizia “Por favor, siga a faixa iluminada no chão”. Então, surgiu uma faixa amarela brilhante à sua frente. Jeff a seguiu, achou mais sensato apenas seguir as ordens naquele lugar. Não conseguia espiar dentro de nenhum cubículo, eles não tinham entrada ou saída. Tentou pular para vê-los de cima, apenas para ver tetos cinzas e baixo. Uma pessoa não poderia ficar de pé ali. Andou por 15 minutos, até que a faixa virou a direita. 50 metros depois virou a esquerda e o cubículo à frente tinha uma entrada e não tinha teto.
    - Seja bem-vindo, Jeff. Por favor, sente-se. – disse seu interlocutor com um sorriso amigável.
    Naquele cubículo havia uma mesa onde repousava uma máquina de escrever negra, brilhante, de aparência antiga, contudo, sua conservação era primorosa. O papel dela começava em uma pequena fissura no piso, seguia para dentro da máquina e terminava em outra fissura ao lado da primeira. Não parecia ter fim. As paredes do cubículo cinza, eram adornadas com fotos de 12 garotas diferentes, só que se vestiam de uma maneira peculiar, antiga, como Jeff vira em filmes de época, antes da primeira guerra mundial, tinha certeza, poderiam ter sido cortesãs da época. Aquele homem escrevia freneticamente na máquina, não parava mesmo enquanto conversava com Jeff.
    - Quem é você? Que lugar é esse?
    - A sim, você é novo. É sua primeira vez aqui, imagino. Sou conhecido como Jack e vamos direto ao ponto. Jeff, você está morto.
    - Imaginei. Eu lembro de morrer e sei que não foi um sonho.
    - Que bom, você é mais inteligente do que os outros. Podemos prosseguir mais rápido.
    Jeff se concentrou naquela figura pálida à sua frente. Usava um bigode curioso, claramente pertencia a outra época. Seu sotaque parecia britânico, não reconhecia se natural ou de alguém que morou muito tempo por lá. O cabelo era bem arrumado e suas feições positivas acabavam por ai. Vestia um terno surrado e gravata, que não escondiam sua magreza, era um sujeito claramente subnutrido (se estamos mortos, por que ele é assim?), sua postura torta, quase como um gancho. E o que viu de mais tenebroso foram aqueles longos dedos tortos, de uma cor negra intensa como se necrosados, sangrando perenemente na máquina de escrever.
    - Eu digito nessa máquina há mais de 100 anos. Por isso meus dedos ficaram assim. E eles doem, cada vez que movimento eles a dor é intensa e incessante.
    - Desculpe, eu não queria encarar.
    - Não se preocupe, eu faria a mesma coisa se visse essas coisas nojentas pela primeira vez. – ele não conseguiu segurar uma risada – eu apertaria sua mão, mas como pode ver, elas estão bem ocupadas e não tenho permissão para tirá-las daqui.
    - Permissão de quem?
    - Eu não sei. Apenas não consigo parar de digitar, imagino que tenha algo como permissão aqui.
    - Mas você não parece sentir dor.
    - Bom, antes de explicar isso, acho que preciso responder sua outra pergunta. Onde estamos. Este lugar, para mim, é o inferno. Quando morri, vim parar aqui onde fui desprovido de todo livre arbítrio. O que me mandam fazer eu faço, mandaram eu nunca expressar minha dor aos outros, então sigo a ordem, ou gritaria sem parar, acho que todos aqui gritariam, ai seria o inferno de todos, não apenas nosso. – ele riu novamente, agora de uma forma um tanto maníaca - Os sentimentos que não tinha em vida, como empatia, voltaram de forma acentuada. Vê essas garotas na parede? Eu matei todas elas e há mais de 100 anos. Observo essas fotos na minha frente e choro constantemente. Lembro de cada instante e de tudo que fiz com elas. Pobres garotas, não mereciam, não importa a profissão delas ou o que elas fazia da vida. Mary foi a primeira, ainda sinto a vida dela se esvaindo por minhas mãos e todo o resto que fiz depois, para meu deleite. Eu até ria enquanto fazia, tinha esse vazio em mim, sabe? E nunca fui pego por esses crimes.
    - Entendo – responde Jeff com uma expressão se assemelhando ao pavor.
     - O meu arrependimento é profundo e sincero, também não consigo mentir aqui, fui ordenado a nunca mentir, então só posso obedecer. Sei que pedir desculpas não vai me livrar deste inferno, sei que sofrerei por toda a eternidade. Imagine, usar essa máquina de escrever pesada, com teclas duras que não funcionam direito, atendendo pessoas que estragaram suas vidas de alguma forma e escrevendo suas histórias para sempre, sem descanso algum. Eu também sinto fome e sede o tempo inteiro, mas algo me faz atender todos de bom humor, foi outra ordem que recebi. De tempos em tempos trazem comida, uma vez por mês eu acho, a noção de tempo é confusa aqui. Jogam a comida no chão como se fossemos animais enjaulados ou algo do tipo. Não consigo me controlar e ataco aquele prato. Como tudo rápido demais, meu corpo não consegue processar a quantidade de comida tão rápido, então vomito logo em seguida. O pior é que ainda tenho essa fome incontrolável, então como o vômito do chão. O processo se repete uma segunda vez. Então, mandam eu ficar parado contra a parede e obedeço, ai eles limpam a sujeira. Sabe, eu sei o que fiz e sei que durante toda minha vida não me arrependi e sai impune. Não posso reclamar de minha punição agora, acho que ainda pegaram leve comigo. Nada de fogo e tridente aqui – diz Jack c com um riso histérico entre lágrimas.
    - Quer dizer que eu vim parar no inferno? Minha vida não foi tão ruim assim, sempre tentei fazer o bem aos outros.
    - E aquelas formigas que matou? Aquela barata que pisou para ajudar Barbara, acha que elas não contam? Aquele alface que comeu, afinal, plantas são seres vivos também. Quanto churrascos você já não foi?
    - Meu Deus! Mas todo mundo faz isso, eu nunca parei para pensar sobre esses insetos....
    - Calma, Jeff, estou brincando. Não estou nem ai para esses insetos ou o que você come. E acho que o pessoal lá de cima, ou de onde quer que façam as regras, também não ligam.
    Jeff riu de maneira nervosa. Não se sentia confortável ali e não queria ficar tão próximo de uma assassino em série.
    - Não, Jeff. Como lhe disse, é o MEU inferno, não o seu. Para você é apenas um local de instrução. Pense na sala que entrou quando saiu do quarto escuro. Aquela sala estava cheia, você não vê as almas, nós vemos. Ela está cheia. Na sua cadeira, por exemplo, haviam 5 pessoas sentadas. É uma cena curiosa, talvez um dia veja, se morrer e lhe for escolhido esse inferno. Acho que existem outros, não tenho muitas informações, ninguém conversa comigo, só as almas que atendo, os outros só dão ordens que não posso discutir, apenas acatar. Muitos também reencarnam, deve ser bonito ter uma vida nova sem se lembrar de nada. Eu só lido com esses dois tipos, os que reencarnam e os que precisam fazer uma escolha. Você, e lamento dizer isso, é do tipo que fará uma escolha. Mesmo assim eu queria muito o que você vai ter. Uma segunda chance. Digamos que é um teste. Faça direito, só terá uma chance.
    - Então qual a instrução? O que eu devo fazer? Qual a escolha que devo tomar?
    - Eu não sei. Isso só você pode saber. Algo causou a sua morte e você tem que mudar isso. Voltará para o seu dia, assim que acordar. Só que não se lembrará de nada do que aconteceu aqui, a não, isso é proibido, completamente proibido, ninguém pode se lembrar daqui. Se um dia voltar para o cubículo de Jack lembrará, antes não, você foi indicado ao Jack, Jack sempre te atendera...
    - Jack, você está divagando.
    - Desculpe, às vezes isso acontece comigo. – ele diz chacoalhando a cabeça - Tente digitar em uma máquina de escrever vendo fotos de garotas mortas por 100 anos e veja se não solta alguns parafusos também! – ele dá uma gargalhada histérica.
    Jeff ficou com medo de interrompê-lo. Não sabia o que poderia acontecer, então esperou a risada de seu novo colega medonho acabar.
    - Onde eu estava? A sim, você não lembrará de nada. Mas no seu íntimo terá um pressentimento incontrolável, ao qual não poderá negar. Isso vai acontecer no momento em que poderá mudar a sua história... para sempre, Jeff. Vai mudar para sempre e vai salvar a sua vida! Isso, salvará sua vida! A vida que você tinha será salva! E você só terá uma chance nova. Se cometer um erro voltará para cá mais rápido do que a primeira transa de um adolescente e não acho que irá embora. Se acertar, poderá viver uma vida longa, eu acho. Não tenho muita certeza se as regras são assim, mas imagino que esteja certo. É, talvez esteja certo. Tem que estar certo. Acho que é isso mesmo. Sim, é isso, essas são as regras. Só que posso ter errado alguma parte.
    - E você já viu muitas pessoas voltando?
    - A maioria volta, pode demorar, mas voltam. A maioria toma a decisão errada. Alguns tomam a decisão certa. Já vi dois que chegaram a reencarnar como prêmio. Foi divertido vê-los após a morte da reencarnação, eles lembram de tudo, já me chamam pelo nome. Eu gostaria de reencarnar e tentar de novo. Talvez me livrasse desse inferno. Será que um dia terei essa chance? Será que nesse inferno eu posso me redimir de alguma forma? Seria interessante, eu iria adorar, não iria matar mais. Não senhor, não, Jack não mataria mais uma formiga se tivesse uma segunda chan...
    - Pare de divagar e apenas instrua, número 587.476 – disse o auto falante inexistente
    - Verdade, eu tenho um número também. Às vezes esqueço isso. É tudo muito organizado por aqui.
    - Jack, foco! Por favor. O que eu preciso fazer agora?
    - A sim, claro. Você não lembrará de nada. Eu já disse isso não? Então tudo o que precisa fazer agora, é fechar os olhos... e acordar.
    4
    Jeff acordou com uma sensação estranha. Levantou da cama meio zonzo e cambaleou até o banheiro para escovar os dentes, já eram 11h da manhã. Quando saiu dali seu telefone tocou. Era Barbara.
    - Oi amor... – ele teve a sensação estranha de novo - poderíamos ficar aqui em casa hoje? Não estou me sentindo muito bem, acho melhor não dirigir hoje.
    - Tudo bem, estou indo pra ai daqui a pouco, amor. Meus pais não estão hoje, só que chegam da praia de madrugada. Sabe que preciso voltar para minha casa antes deles voltarem, não?
    - Claro. Adoro a Suzy e o Neil, mas acho que poderiam ficar sem gasolina ou algo do tipo e dizer que vão ficar mais um dia na praia, eles precisam relaxar mais – Diz ele rindo.
    - Não seja ruim, amor, eles vão trabalhar amanhã. Praticamente direto da praia. Acho que voltam de madrugada para nos dar tempo, mesmo dizendo que não.
    - Tudo bem. Vou acabar as coisas aqui, deixar tudo arrumadinho pois sei que prefere minha casa assim. Beijos meu amor.
    - Beijos, paixão.
    Jeff se esforçou para arrumar a casa. Depois do primeiro prato lavado teve preguiça do segundo. Lutou bravamente contra isso e em 20 minutos toda a louça brilhava. Recolheu a roupa suja do chão e só não a lavou porque não sabia como usar a máquina de lavar. Procurou um pouco na internet, só que achou melhor arrumar a cama (a Barbara pode me ajudar com isso depois, espero). Ele levou 1h30 para arrumar toda a casa e foi tomar banho. Sua namorada tinha a chave do apartamento e foi entrando. Viu Jeff saindo do banheiro de toalha enrolada na cintura.
    - Não achei que estaria vestindo tudo isso quando eu chegasse. – ela diz com olhar libidinoso.
    - Eu já falei que te amo hoje? – ele diz deixando a toalha cair.
    - Não sei, mas pode repetir.
    - Eu te amo Barbara, você é o melhor ser humano que já conheci neste mundo.
    - Também te amo. O que deu no seu humor hoje? Está tão romântico.
    - Não sei. Tenho a sensação de fazer a coisa certa, sabe? Estou feliz.
    - Então fique feliz, dentro de mim – disse ela empurrando-o contra a parede.
    Transaram ali mesmo, depois foram para o quarto e depois na pia, que não tinha nenhuma louça suja, enquanto preparavam o almoço tardio. Passaram o resto do dia assistindo televisão, conversando e transaram mais uma vez na sala.
    5
    Já era madrugada quando lembraram que Barbara precisava ir para casa.
    - Já é tarde amor, melhor ir embora antes que seus pais cheguem.
    - Queria ficar mais.
    - Não podemos deixá-los bravos, já faz algum tempo que eles não gostam muito de mim. Vou melhorar, você vai ver, vou conseguir um emprego decente. Serei tudo aquilo que você merece.
    - Você já é, amor.
    Eles sorriram e se beijaram. Fizeram amor uma última vez no chuveiro, Jeff imaginou que se sentira tão bem apenas uma outra vez, mas talvez em outra vida. Barbara pegou seu carro e foi embora. Não tinham pressa, ela saiu de lá às 3h da manhã e seus pais chegariam em casa dali uma hora ainda.
    Jeff sentiu-se pleno por ter arrumado a casa e pela mulher maravilhosa que tinha em sua vida. Decidiu que iria se exercitar regularmente, buscar um emprego de verdade. Não começaria a ser mais esforçado amanhã. Começaria hoje, agora.
    Antes de dormir decidiu ouvir uma música para relaxar, a rádio passava “Moves like Jagger”, era uma boa música, bem divertida, mas lhe trouxe algum pesar, não entendeu o porquê, também não entendeu porque não conseguia mudar de música. Mesmo assim, foi dormir feliz.
    Por volta das 4h30 da manhã recebeu uma ligação que o acordou. Era Suzy.
    - Jeff. Bateram no carro da Barbara. Ela estava na Heitor Penteado, na altura do 1.700. Ela voltava da sua casa. Não era? Parece que uma Fiorino vinha no sentido contrário, o pneu estourou e o rapaz que dirigia em alta velocidade perdeu o controle. A Barbara não sobreviveu. – sua voz falhou nesse final e foi possível ouvi-la chorar.
    O telefone desligou. Jeff ficou paralisado, sentado em sua cama quente e confortável, com o cobertor em cima de si. Imaginou aqueles últimos momentos que passaram juntos, todo o amor que sentiam. Como ela merecia mais do que aquilo, muito mais. Ela não podia morrer daquele jeito. Seu estado era de choque, até que finalmente balbuciou algumas palavras.
    - Deus, se pudesse fazer algo para mudar isso, eu faria....
    Colocou as mãos nos rosto e deitou chorando. Quando as retirou estava naquela sala de espera, vazia, sua senha era R-39.
    6
    - Jack, que porra!? Ela morreu, que merda que aconteceu?
    - Como acho incrível já me conhecerem na segunda visita – disse Jack com um sorriso sincero no rosto - A sim, eu esqueci de te avisar esse pequeno detalhe. Onde uma vida é recuperada, outra é perdida, nas mesmas condições. Eu tive uma alma de um homem que morreu com o pênis arrancado por um cachorro. Nunca descobri se a contraparte dele era uma mulher e como ela morreu, seria curioso. Mas ele nunca mais voltou aqui, então acho que ainda está vivo. Não sei quanto anos fazem que isso aconteceu.
    - Mas que merda de escolha é essa? Ou eu morro ou ela?
    - Agora você sabe as duas opções. Cabe a você escolher, sem se lembrar. Deve tomar a decisão agora e irá voltar uma última vez. Você pediu por isso, chorando em sua cama, Jeff. Agora decida. Deveria ter falado “por favor, Jack”, não ajudaria em nada, só que seria engraçado por aqui. Enfim, ou sua vida acaba, ou a dela. De uma forma ou de outra um dos dois irá morrer. A escolha é sua. De novo não irá se lembrar, mas seu pressentimento lhe guiará para a resposta que escolher.
    7
    - Oi amor, estou indo para sua casa sim...

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