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  • A Resposta Que Não Encontrei

    Não estamos todos nós sendo ameaçados o tempo todo por nós mesmos de sermos amarrados e jogados na infinita vastidão que é a nossa melancolia,criada por nós com o objetivo de sermos presos imaturamente no nosso egoísmo e falta de empatia ao percebemos que não somos o centro do mundo e nem da nossa própria vida?
    Sim...
  • A Riqueza Salva

    No começo a tecnologia era vista com entusiasmo. O futuro era visto de maneira brilhante com diversos inventos fantásticos, muitos deles estranhamente ligados ao atributo de voar. Parecia algo surreal e mágico substituir as rodas por nada, podendo admirar de maneira simples toda a beleza que um pássaro vê cotidianamente. Mas o pessimismo foi lentamente tomando conta das mentes e o futuro passou a aparecer de maneira sombria.
    Alguns apostavam no aquecimento global, outros em um vírus mortal que é liberado sem querer de algum laboratório, e ainda tinha aqueles que acreditavam que as máquinas iriam adquirir inteligência e dominar o mundo. O grande problema é que tudo isso desconsidera o fator humano. Há muito já se discutia se era a sociedade a responsável pela maldade humana ou se nós já nascemos assim. A resposta, embora importante, só revela que somos maus. E, sendo maus, nós temos que ser o grande protagonista do nosso fim, pois, se não for assim, provavelmente não é o fim.
    Esse pessimismo mostra que, tanto para o pobre como para o rico, o mundo iria acabar num futuro próximo. Talvez não o mundo, mas com toda a certeza pelo menos a existência da raça humana. O grande problema é que os pobres não têm muito poder de ação individualmente e juntar todos a nível mundial para ter alguma mudança é um trabalho muito árduo, difícil e alguns até diriam que impossível. Mas os ricos estão em um número bem menor e o dinheiro deles carrega um poder quase sobrenatural.
    Tudo, como sempre, começa com o medo. Basta uma pandemia para que a venda de bunkers dispare como se fosse um sinal do final dos tempos. Os bilionários acabam desabafando com os seus amigos, que também são bilionários, sobre esse pessimismo e percebem que é um sentimento comum. E, talvez durante uma conversa no balcão de um bar enquanto bebem um whiskey mais caro do que um carro popular, acabe surgindo ideias de como sobreviver a tudo isso sem perder a qualidade de vida. No princípio, as ideias pareciam absurdas, mas vão se complementando. No fim, fica um silêncio constrangedor. Os pensamentos foram longe demais, reais demais e sedutores demais. Afinal, por que não? É só a morte, a velha companheira que está direta ou indiretamente presente em nossas fortunas e em nosso conforto. Por que não pode participar da nossa riqueza e conforto eternos? E não é difícil conseguir gente o suficiente. Basta convencer as 26 pessoas mais ricas do mundo que já terá poder o bastante e os outros terão que vir se quiserem sobreviver. Bilhões de dólares podem se livrar facilmente de bilhões de pessoas.
    A ideia era bem simples na realidade. Bastava continuar desenvolvendo a tecnologia como se nada de diferente estivesse acontecendo, mas lentamente ir acelerando esse ritmo. O foco principal era desenvolver a inteligência artificial para que ela conseguisse chegar ao ponto de criar as suas próprias invenções, além de máquinas que conseguissem substituir o trabalhador humano nas fábricas. Mas esse último era mais simples já que estava em curso há muito mais tempo. Depois disso, o segundo passo poderia ser posto em prática: a aniquilação de todos que não faziam parte do plano. Pode parecer algo complicado à primeira vista, mas só é necessário o caos inicial. É possível fazer isso de diferentes maneiras. Dá para envenenar lotes de sal e açúcar ou até mesmo o sistema de abastecimento de água de um país, sendo escolhido um veneno de ação lenta para que os sintomas fossem confundidos com os de alguma doença. Também dá para simular desastres naturais, como um enorme tsunami, ou diversos ataques terroristas atribuídos a grupos radicais de fachada. Por fim, mas ainda bem longe de terminar uma enorme lista, é possível criar eventos sobrenaturais como boa parte de uma cidade ter morrido eletrocutada durante uma enorme e súbita tempestade formada por uma bomba de pulso elétrico.
    Assim que o caos se instala, gerando a maior (e última) crise do capitalismo, o fim começa a caminhar por si só. As pessoas não veem o inimigo invisível e talvez não ligassem mesmo se o vissem. O mais importante para elas é não passar fome enquanto sonham em voltar ao estilo de vida antigo. Por isso se separam em grupos e começam a brigar entre si pelo mínimo de recursos. Eles mesmos começam a se exterminar para tentar sobreviver. E essa luta se torna ainda mais difícil porque a maioria das pessoas não sabe técnicas de sobrevivência, como produzir alimentos e nem como funcionam as coisas eletrônicas que usamos cotidianamente. Então só resta lutar pelas coisas que já foram fabricadas e, se tiverem sorte, encontrar algum grupo que detenha esses conhecimentos.
    Para os ricos essa fase também é um pouco tensa, pois é crucial. Eles têm que se manter escondidos até a poeira abaixar e proteger os meios de produção, pelo menos o suficiente para que possam reconstruir rapidamente as suas casas e fábricas. Mas essa parte não gerava tanta preocupação já que tinham uma avançada tecnologia e não precisavam chegar ao mesmo ritmo produtivo de antigamente. Cada um era responsável pelo seu esconderijo e os principais eram debaixo da terra, em plataformas marítimas ou até mesmo debaixo do mar em submarinos de luxo. Assim que essa fase acabasse, seria possível deixar que a natureza se recuperasse sozinha devido as reduções drásticas com a super população e do problema da poluição. Na realidade, o próprio fim do capitalismo levaria consigo a maior parte dos problemas. Como os próprios bilionários diziam com suas vozes pomposas e orgulhosas: “Esse é um amargo remédio, mas é a única esperança para a sobrevivência da humanidade e do planeta”.
    No fim dessa fase, a própria inteligência artificial começaria a planificar a economia para decidir o que seria produzido, o local de produção, a quantidade e para quem ia primeiro com base na logística e em qual plano seria o mais rápido para recuperar a luxuosa vida de todos. É claro que ainda havia desafios, afinal alguns sobreviventes, que os ricos apelidavam de baratas, ainda andavam e sobreviviam nas ruínas das cidades. Por sempre andarem escondidos, não havia um censo de quantos ainda resistiam ao domínio mundial dos ricos. Ao todo 15 milhões de milionários foram chamados para participar do plano criado pelos bilionários e logicamente todos aceitaram. Como podiam abrigar a sua família e alguns amigos, o número de sobreviventes ricos deveria rondar os 40 milhões, mas muitos não aguentaram carregar a culpa e acabaram se suicidando. Já outros tentaram sair dos seus esconderijos muito cedo para reconstruir a sua vida normal e acabaram assassinados. E ainda teve aqueles que não se esconderam muito bem, foram encontrados e mortos por baratas famintas. Ao todo devem ter restado uns 25 milhões de ricos espalhados pelo mundo.
    Um desses ricos era Thomas, um homem que fez sua fortuna no mercado tecnológico após criar uma startup de investimentos. Ironicamente o slogan da empresa era “Sobreviva como um rei, invista com a gente e faça a sua fortuna”, mas ele deve ter sido o único ligado ao aplicativo que continuava vivo. Ele tinha uns 25 anos e 1 filho pequeno no momento em que o plano de extermínio foi posto em prática. Quando sua mansão superprotegida estava pronta, saiu do seu luxuoso bunker com um pouco mais de 65 anos e 5 filhos. Mas se alguém o visse na rua em um dia qualquer provavelmente acharia que ele tinha uns 40 anos. As dicas e tratamentos de beleza que a inteligência artificial oferecia eram valiosos, ajudando os ricos a terem uma vida longa e saudável. Além disso, ela criava um belo conteúdo de entretenimento a partir dos gostos dos moradores, o que evitava a culpa e o estresse, influenciando e muito na aparência deles.
    Já o contrário parecia acontecer com Isaac que tinha somente 30 anos, mas aparentava uns 50. Ele nasceu durante a época do extermínio, então era mais fácil lidar com a realidade já que nunca viveu nada diferente do caos. O estresse e a culpa eram sentimentos cotidianos, sempre estando misturados com a raiva e frustração. Ele era negro e seus músculos eram definidos, mas isso acontecia mais pela desidratação e uma dieta irregular do que por uma rotina dedicada a musculação. A barba e o cabelo eram aparados com uma faca sempre que atingiam comprimento o suficiente para puxar e cortar, os deixando com uma aparência de ninho de pássaro. Os cuidados com os dentes eram precários, mas o suficiente para deixá-los lá. Tanto o cheiro do corpo como o das roupas eram azedos, pois ninguém confiava na água dos rios desde o envenenamento em massa. A preferência era sempre pela água das chuvas e somente em épocas de estiagem era que a água do rio era usada, mas sempre com cautela. Embora não tenha vivido a parte mais bruta do extermínio, sempre ouvia as histórias do pai e seguia os seus ensinamentos como se fossem regras canônicas.
    O seu pai, que se chamava Francisco, morreu quando ele tinha apenas 15 anos, enquanto a sua mãe morreu dando à luz. Quando tudo era normal, ele era o mordomo de Thomas que preferia um humano tomando conta de sua casa do que um robô, além de acreditar que ajudaria o seu filho a ser mais empático ao crescer do lado de humanos. Embora fosse constantemente abusado verbalmente, Francisco não poderia se dar ao luxo de pedir demissão já que não tinha muitos empregos lá fora e a maioria das pessoas trabalhavam como autônomas. Ele achava engraçado como elas formavam quase um mercado fechado: autônomo vendendo para outro autônomo e assim todos vivendo de forma apertada, mas sobrevivendo.
    Era bem diferente de como Isaac vivia e, sempre que ele se lembrava das histórias do pai, ficava com uma sensação de que era um conto de fadas impossível de se tornar realidade. Ele vivia com um grupo de 4 pessoas, todas mais jovens do que ele. Eles moravam entre uma pequena floresta, que antes era um parque, e os escombros de um antigo prédio que ainda tinha parte de alguns andares em pé. O verde já tinha recuperado uma boa parte do cinza da cidade e, como o parque já tinha um grande número de árvores antes, nessa área a recuperação foi mais rápida. Eles dormiam em uma pequena cabana feita de lona com duas valas escavadas ao lado. Isso permitia que a água da chuva fosse captada mesmo quando ninguém estivesse no acampamento. Assim, eles conseguiam fazer trocas com grupos que moravam nos esgotos sempre que ficavam sem conseguir caçar alguma coisa no parque. A troca não era agradável, mas aqueles que moravam nos esgotos sempre tinham uma abundante criação de baratas e uma escassa captação de água. Pronto, a troca perfeita estava feita: um pote de água por um de baratas. No começo é nojento comer elas, mas você vai fritando, as observando e pensando em sua fome. De repente, param de ser tão nojentas e passam a ser desejáveis ao pensar na crocância do exoesqueleto sendo esmagado pelos seus dentes, no gosto salgado se espalhando em uma boca que não sente nada a dias e na satisfação de ter alguma proteína no seu estômago. Mas graças a Michelle, que era a responsável pela montagem das armadilhas no grupo, esse canibalismo nem sempre acontecia. Ela aprendeu tudo que sabia com a sua mãe e tentava passar para a sua irmã mais nova Micaella, mas ela sempre esteve mais interessada nas histórias do mundo do passado que Isaac contava. Já Yuri e Regis eram os responsáveis pela segurança e arrumação do abrigo, sempre pensando em jeitos de afastar outros grupos, além de deixar tudo limpo e funcional. Como era o mais velho, Isaac supervisionava todos e sempre preparava as refeições. Era um grupo bem limitado que foi formado pelos pais de Michelle e Isaac, mas que de alguma maneira inexplicável continuava sobrevivendo.
    Antigamente havia mais membros, chegando a ter 15 pessoas em seu auge. Porém, como o acampamento ficava muito perto da mansão de Thomas, muitos eram capturados e outros fugiam com medo de terem o mesmo destino. A última baixa do grupo foi Juan que, enquanto caçava com uma lança, foi visto por um drone que patrulhava os arredores da mansão. Ele tentou correr, mas, com o lançamento de um projétil menor que uma bola de gude e macio como uma pena, ele caiu no chão imobilizado. Logo depois foi recolhido por um robô que voava a poucos centímetros do chão e que era do tamanho de uma van. Alguns diziam que a pessoa capturada era torturada por informações assim que acordava, já outros diziam que virava fertilizante para a plantação de flores dos ricos.
    Na realidade, ninguém sabia o que acontecia dentro da mansão e nem como ela era por causa dos enormes muros que separavam as duas realidades. Era até amedrontador olhar para ele toda noite antes de dormir, pois, mesmo em meio a tanta escuridão, ele ainda se destacava como se fosse um corpo vivo que se aproximaria de você durante o seu sono e te mataria enquanto estivesse indefeso. Já durante o dia, ele perdia um pouco dessa magia. Embora só tenha visto a barragem de uma hidroelétrica em um antigo e acabado livro de geografia, Isaac imaginava que deveria ser muito parecida com esse muro, mas só que ao invés de ter comportas para liberar a água, tinha pequenos buracos por onde saiam drones de vigia e alguns outros robôs. Mesmo de longe dava para perceber a vegetação subindo pelo muro e um musgo verde se formando na base enquanto lutava contra o preto da sujeira. De resto, parecia ser originalmente cinza escuro e totalmente liso, sem nenhuma imperfeição à vista e sem nenhuma chance de ser escalado, pelo menos não antes de ser visto pelos gélidos vigias.
    Isaac pensava muito nesse muro e se lembrava de uma história que o seu pai lhe contou, mas que nunca compartilhou com mais ninguém. Segundo ele, era uma história perigosa demais para ser divulgada e que poderia comprometer a vida de muitas pessoas. Talvez até mesmo se tornando a nova lenda de El Dorado. Era sobre um dia de trabalho comum, bem cansativo como sempre, e ele preparava um chá para levar até a sala de reuniões de Thomas. Logo depois de bater na porta e entrar, ele viu uns engenheiros apresentando um projeto de uma bela mansão com grandiosos muros. Na hora ele achou que o senhor Thomas ia reformar ou se mudar para um outro terreno, então não se importou muito. Mas, graças a sua memória fotográfica, viu os mesmos muros se erguerem no final da fase bruta do extermínio. Isso não seria de grande ajuda se ele não tivesse percebido que a mansão do projeto era exatamente igual e no mesmo lugar que a mansão onde trabalhava. Portanto, deveria ser a mesma ou pelo menos ter a mesma base e, se for assim, provavelmente ainda teria o mesmo túnel de fuga entre o corredor do primeiro andar e o quintal. Ele tinha sido criado na época da 2º Guerra Mundial para ser usado se algum exército inimigo invadisse. Depois foi reformado ao longo dos anos para o caso de haver um golpe comunista. No fim, só foi usado por gerações e mais gerações de adolescentes para fugir de casa, mas mesmo assim ainda deveria estar lá. Isaac se lembrava de um desenho que o seu pai fez para ilustrar o que estava contando e onde mais ou menos deveria ficar cada coisa hoje em dia. E, logo quando terminou a história, pediu para que ele só tentasse usar essas informações no momento em que soubesse que estava sem saída, pois as chances de morte eram muito maiores que as de sucesso. Ele falava que era como apostar na loteria, mas Isaac nunca entendeu muito bem essa expressão.
    Ele guardou esse segredo durante anos, tentando descobrir quando era a hora certa já que havia só uma tentativa antes do boato se espalhar ou se perder para sempre. Guardou até que Micaella foi capturada enquanto verificava se as armadilhas tinham pego algum animal. A sua irmã estava longe e não pôde fazer nada. Michelle ficou chorando durante uns dois dias seguidos, se culpando e imaginando pelo o que a sua irmãzinha estava sofrendo. Via ela em todos os cenários que diziam ser o destino dos capturados, mesmo sabendo que a maioria eram apenas histórias para assustar os mais jovens. Mas talvez alguma fosse verdadeira, não é? Alguma tinha que ser a verdadeira. Talvez não criassem as pessoas como gado para o abate e nem lutavam até a morte entre si para entreter os ricos, mas com toda a certeza morriam. Esse era o final de todas as histórias.
    Nesse momento, Isaac teve que admitir pela primeira vez que estava sem saída. Na realidade, há muito tempo não tinha nem sequer um caminho para o qual poderia seguir. Ver o seu grupo definhar ao longo dos anos e estando mais perto da extinção a cada dia doía como uma ponta de lança presa em sua carne, então Isaac teve que contar a história para o grupo. A decisão não seria dele, mas havia somente duas opções: eles podiam ir para o mais longe possível do muro e esquecer tudo ou podiam ficar, tentar invadir e torcer para não morrer. Houve um pouco de revolta por ter contado isso só agora, mas ele sabia que o tempo faria com que todos entendessem o porquê de ele ter escondido. Mas, como estavam cansados da realidade e do terrível cotidiano, decidiram lutar ao invés de fugir e assim começaram a elaborar o plano para a invasão.
    No dia seguinte, tudo que foi planejado já começou a ser colocado em prática. Eles entraram no esgoto logo após o parque e seguiram por ele até ficarem a mais ou menos uma quadra de distância do muro. Eles sabiam que entrando depois do parque não iam se deparar com nenhuma outra pessoa porque ninguém era tão louco de chegar tão perto daquela muralha amaldiçoada. O cheiro não era o pior do mundo já que não recebia esgoto há muito tempo, mas mesmo assim a sensação de ser algo sujo e nojento ainda prevalecia. Para organizar o trabalho, eles se dividiram em duplas que iam trabalhar por 12 horas seguidas. Isaac e Michele ficaram com o primeiro turno, o que foi um alívio já que ela era a única pessoa com quem conseguia ficar em silêncio sem se sentir constrangido. Com os outros dois, sempre parecia que algo estava errado e precisava ser preenchido com papo furado. Portanto, essa divisão seria ótima já que as conversas somente atrasariam o imenso trabalho que teriam pela frente.
    Em uma escavação todas as partes são difíceis, mas a mais difícil sempre é a que você está fazendo naquele exato momento. E, nesse caso, o começo era a parte mais difícil. Isaac tinha que calcular exatamente o ângulo em que o túnel tinha que seguir para atingir a passagem subterrânea do quintal. Depois de conferir milhares de vezes o mapa e ouvir diversos “não sei” de Michelle quando perguntava se estava certo, marcou com algumas pedras a direção e ficou feliz em perceber que era onde o concreto do esgoto estava cedendo. Ele trabalhou durante uma hora e conseguiu atingir a parte de terra do túnel. Michelle continuou e conseguiu fazer o comecinho da passagem. E assim eles foram se revezando de 1 em 1 hora para que pudessem descansar um pouco. Eles marcavam o tempo com uma ampulheta improvisada a partir de uma antiga garrafa pet e escavavam com pedaços de metal antigo presos em pedaços de madeira que originalmente seriam utilizados em armadilhas. Não eram as melhores ferramentas e quebravam facilmente, chegando inclusive a fazer alguns cortes quando a parte de ferro soltava com um golpe forte, mas era o melhor que podiam fazer.
    Quando acabou o seu turno e pôde voltar para o acampamento para descansar, só queria ficar deitado na terra amaciada pela grama e olhar para o céu enquanto ainda tinha a chance. Logo ele iria cair no sono, acordar e voltar para a escuridão. Ele tinha medo de voltar para lá. Não um medo paralisante, mas um que embrulha o estômago e te deixa trêmulo. O máximo de luz que eles tinham era um pouco de gordura que eles deixavam queimar no meio do caminho. O cheiro de animais em decomposição predominava, se sobrepondo ao cheiro de terra úmida. E, por estar fazendo bastante esforço físico, era obrigado a respirar mais vezes, sentir esse cheiro pútrido invadir as suas narinas e dominar a sua mente. Mas o que o deixava mais irritado era saber que ia demorar e que provavelmente já seria tarde demais para encontrar Micaella viva. E a cada dia que passava, a demora só irritava ainda mais. O problema não era mais a intensidade do trabalho, mas a longa distância que estava se formando. Os turnos tiveram que passar de 1 hora por pessoa para 3 horas porque simplesmente demorava muito para se rastejar até o fim do túnel. As discussões aumentaram e a maioria tinha Isaac como alvo, indo desde o quanto cada grupo estava escavando até questionamentos em relação a direção em que estavam seguindo. Mas todos que discutiam não acreditavam realmente no que falavam, era só uma forma de se livrarem de toda a raiva e frustração que acumulavam. Eles precisavam descontar em alguém porque também tinham medo de ter tomado a decisão errada. Tinham medo de ter escolhido a morte e literalmente estarem cavando o seu próprio túmulo.
    Depois de 1 semana e meia trabalhando 24 horas por dia, Isaac fincou a sua pá na terra e ela quebrou ao se chocar com o concreto. Ele fechou os seus olhos enquanto a sua pupila olhava para cima, respirou fundo e sentiu uma lágrima caindo do seu olho direito. Finalmente tudo estava próximo de acabar, seja de uma maneira boa ou ruim, mas acabar. Os próximos passos já estavam traçados e prontos para serem postos em prática no pôr do sol, logo quando os pássaros começam a cantar. Enquanto Isaac quebrava o concreto e invadia a mansão, o resto do grupo iria se separar em volta do muro e começaria a queimar uma série de bonecos de palha para distrair uma parte dos robôs responsáveis pela segurança. Logo depois disso, os três iriam se reagrupar dentro do parque e esperar o sinal de Isaac. Seria algo simples, talvez até invisível para alguém com olhar desatento. Ele faria uma fogueira dentro dos muros e pela primeira vez todos que estavam lá fora veriam fumaça saindo da fortaleza. A lenha seria os corpos dos ricos que moravam lá. Talvez possa parecer radical, mas o único jeito de uma barata não morrer é quando o exterminador tem medo dela. Ele tinha certeza que essa história se espalharia e faria com que todos os ricos temessem as baratas novamente.
    Logo após o primeiro pássaro piar e chamar todos os outros para o céu numa revoada que passa dançando pelas nuvens, as faíscas começam a surgir em bonecos de palha e os drones se juntam aos pássaros. O som surdo de uma haste de metal sendo golpeada rápida e sucessivamente por uma pedra encoberta de panos ecoa baixinho pelos esgotos. O suor descendo pelo rosto de Isaac como se ele tivesse acabado de sair de uma chuva não negava o esforço que ele fazia na luta contra o concreto. No começo, o seu adversário resistia em ser perfurado, sendo desgastado lentamente, mas, quanto mais era danificado, maiores eram as lascas que caiam. Depois de meia hora, já conseguia ver a luz do outro lado e bastou só mais 20 minutos para que conseguisse passar pelo buraco. Enquanto se espremia para alcançar o outro lado, sentia as lascas de concreto arranharem cada centímetro do seu corpo e o sangue quente brotando com ardência em alguns dos cortes. A primeira parte do corpo a sentir o cimento frio do outro lado foram as suas mãos e logo depois os pés, deixando o buraco para trás.
    Antes de prosseguir, Isaac decidiu ficar sentado por uns cinco minutos no chão para descansar e aproveitar o sorriso debochado que se formou em seu rosto após essa primeira conquista. Estava dentro. Não era um túnel grandioso e requintado, mas era do lado de dentro dos muros. Tudo à sua volta era cinza e escuro. A única iluminação eram pequenas luzes de emergência grudadas na parede separadas por uma distância tão grande que não iluminava todo o túnel. Mesmo assim pareciam grandiosas para alguém que viu somente alguns poucos LEDs no decorrer de sua vida. Chegavam a ser tão fascinantes que até o hipnotizavam por alguns segundos. Mas chegou a hora de se levantar e continuar, então tirou uma faca do cinto e começou a andar silenciosamente. Ele saia da luz de uma lâmpada, entrava na escuridão e seguia o caminho até encontrar outra luz mais adiante. Isso se repetiu umas dez vezes até encontrar uma grande porta de ferro na sua frente com um enorme leme grudado nela e que era usado para trancá-la. Ela estava com limo em algumas partes e já dava para ver sinais de ferrugem lutando contra a sujeira. Isaac sabia que seria difícil de girar e puxar a porta, então deixou a faca no chão, respirou fundo umas três vezes e jogou todo o seu peso contra o leme o forçando a girar no sentido anti-horário. Depois de alguns segundos sem se mover nem um milímetro, um clique foi ouvido e a roda começou a girar lentamente. Quando não conseguia mais girar, puxou a porta com toda a sua força até que tivesse espaço o suficiente para passar. Os rangidos soltados por ela o faziam praguejar em sua mente com todos os palavrões que sabia. Não tinha como fazer silêncio nessa parte, então só podia torcer para que ninguém ouvisse.
    O lado de dentro da porta era mais brilhante. Essa foi a primeira coisa que percebeu quando chegou ao outro lado. Logo depois, pegou a faca e passou um pé de cada vez pela porta. O piso era de uma madeira lisa e o ar, que no túnel era frio, estava em uma temperatura perfeita, nem quente e nem frio demais. A sua direita tinha uma escada com uma porta de madeira no topo e a esquerda havia dezenas de barris na horizontal com torneiras fixadas na tampa. E bem na sua frente tinham fotos em preto e branco de pessoas sorrindo. Demorando um pouco para juntar as letras, viu que em cima delas estava escrito “Mural do agradecimento”. A voz da mãe de Michelle surgiu em sua cabeça falando “Os ricos são pessoas estranhas, cada um tem a sua excentricidade.”. Essa foi a resposta dela quando Isaac perguntou porque existiam drones que tentavam machucá-los. E agora ecoava em sua mente. Talvez por isso decidiu se aproximar e olhar quem eram. Foi passando o olho rapidamente em cada uma das fotos. Como não reconhecia ninguém, pensou que poderiam ser os bilionários que participaram do plano ou dos descendentes de Thomas. No momento em que chegou na última foto, já estava preparado para fazer o movimento de voltar e subir as escadas, mas parou. Os seus músculos paralisaram totalmente e o único movimento que aconteceu nos segundos seguintes foi uma lágrima rolando do seu olho esquerdo. A foto era de Micaella. Ela estava mais limpa e com o cabelo arrumado, mas com o mesmo sorriso que dava quando Isaac contava as histórias do passado. Ele reconheceria esse sorriso em qualquer lugar porque normalmente era a única parte do seu dia que valia a pena. Às vezes era o que o fazia ter esperanças.
    A raiva, que já era grande, só aumentou. Ele fechou os punhos com força e limpou a lágrima. Não queria ver mais nada lá embaixo, só acabar com tudo. O mais rápido possível de preferência. Então subiu as escadas, abriu a porta e seus olhos se fecharam com a luz intensa. Aos poucos seus olhos se acostumaram e começou a identificar o local. Era como um corredor largo e decorado com um papel de parede branco com formas amarelas retorcidas, como se estivessem dançando. Havia três quadros bem coloridos, mas sem nenhum desenho em específico. Mas o que mais o fascinou foi o tapete. Ele era bem peludo e, quando colocou os pés nele, foi como se estivesse sendo absorvido pela areia molhada depois de uma onda. Era acolhedor, mesmo estando em terreno hostil.
    Depois de se acostumar, tinha que decidir se iria pela esquerda ou direita. Não tinha nada que indicasse o caminho certo, então foi para a direita. Os seus passos eram lentos. Bem lentos. Um pé de cada vez. Sem se apressar. E assim chegou perto de uma porta que estava em uma completa escuridão. As palmas da sua mão suavam e molhavam o cabo da faca enquanto o medo aumentava. Respirou fundo e deu um passo para a frente. Poucos centímetros antes do seu pé encostar no chão, viu uma sombra surgindo na sua frente. Em um movimento rápido e puramente instintivo, levantou o braço até a altura do queixo e tentou atingir a sombra com um golpe de faca no peito. A sombra foi mais rápida, golpeou com uma das mãos a articulação do braço e com a outra forçou a faca a se voltar contra o corpo de Isaac que a sentiu perfurando o seu estômago. Uma ardência mortífera se espalhou por onde a faca passou e, mesmo quando a soltou, ela continuava pendurada em sua barriga. A única reação que conseguiu ter foi dar alguns passos para trás e se apoiar na parede. Isso fez com que a sombra andasse para a frente e se revelasse. Ela tinha o rosto de alguém morto. De alguém simplesmente impossível. Enquanto começava a engasgar com o seu próprio sangue quente, via o seu pai com um terno preto e com uma aparência bem mais jovem se aproximando. Era ele que o tinha esfaqueado, mas era impossível que estivesse ali. Isaac o viu morrer em seus braços há 15 anos atrás e, mesmo se não tivesse, ele não o mataria, não o seu pai. Os pensamentos de Isaac já não fluíam de forma ordenada quando aquela coisa se aproximou de seu ouvido e falou com uma voz calma e familiar “O Sr. Thomas não gosta de baratas em sua casa, então vou ter que pedir para se retirar.”. Ele torceu a faca logo depois da última palavra e uma pontada de dor se irradiou pelo seu corpo como se tivesse sido atingido por uma forte corrente elétrica. A última reação de Isaac foi encostar no pescoço de seu pai e encarar os seus olhos enquanto a escuridão se aproximava. Não existiam batimentos em seu pai e logo não existiriam nele mesmo. A sua cabeça caiu pesadamente para frente e os seus olhos ficaram abertos, mas não enxergavam nada além da escuridão.
  • A Rotina De Quem Ama O Que Faz

    Tomar banho para limpar as impurezas do corpo;
    Ler para limpar as impurezas da mente;
    Escrever para limpar as impurezas do coração.
  • A SAGRADA UNIDADE EM MANIFESTAÇÃO NA TERRA

                “CONHECE-TE A TI MESMO”
     
    Para manifestar a unidade é preciso um corpo carnal são e na alma uma aspiração pura,
    Na unidade COMIGO Deus em seu coração é preciso na mente uma concentração perfeita em toda ação
    Somente no equilíbrio, na harmonia e na paz na Chama da vida do coração é encontrada MINHA força,
    Esta é a condição necessária para atrair átomos e elétrons puros, com meu alento na eterna respiração. 
    Respire visualizando a MINHA luz no alto da cabeça e sinta na Chama da vida eterna no coração,
    Esta é a eterna respiração de átomos e elétrons puros, movimentando a MINHA luz universal,
    O MEU eterno alento ou respiração da vida eterna representa o batismo do fogo
    EU SOU a vida na respiração e este é o potencial para expandir e irradiar a luz, a vida eterna e espiritual.
    SIM, SOU EU que respiro átomos e elétrons puros e movimento a MINHA mais elevada força da vida,
    É importante entender que a respiração externa tem afinidade com os pensamentos na mente carnal
    Na respiração carnal, a consciência externa não lembra que EU respiro até mesmo quando o corpo dorme,  
    Porém agora toma conhecimento, que a eterna respiração é do Cristo no coração e não do corpo carnal.
    Pratique o MEU eterno alento, consciente de que MINHA eterna mente é a sua mente na Chama do coração,
    Depois de praticar o eterno alento e sentir MEU poder, ofereça para benefício da vida universal,
    Esta é a verdadeira e eterna caridade que é expandir e irradiar a luz e trabalhar para expansão do universo
    Com esta prática você se torna um imã que atrai átomos e elétrons vitalizadores da vida eterna e espiritual.
    Se o espírito, o Cristo, a Chama do coração respira, como é projetado os raios de luz na respiração? 
    EU Deus-Pai-Mãe acima da cabeça, pelo cordão de prata irradio a luz, o alento eterno na Chama do coração,
    Visualize MINHA onipotente Chama da vida no coração respirando dentro dela mesma o mar de luz
    A Chama é você, o espírito, o Cristo, este é o inteligente e eterno o corpo de luz, MINHA divina perfeição.
    Assim o homem e a mulher eternos, o espírito, o Cristo no coração, respira segundo o ritmo da natureza,
    Usa o ritmo da vida mantido na respiração, na mais profunda paz e sabedoria,
    Transmuta tudo que não serve a luz com o Cristo, a Chama da vida eterna no coração,
    Dentro da câmara secreta do coração, vive a vida eterna, com MINHA luz que irradia.
     
    Então mesmo no corpo carnal com os instintos, deve-se viver a sensibilidade espiritual com a eterna razão?
    A ordem de manifestação da vida é o instinto de sobrevivência, e a sensibilidade espiritual,
    Com o instinto de sobrevivência da carne, a luta é somente para satisfação dos desejos inferiores,
    A sensibilidade espiritual é viver para expandir e irradiar a luz, esta é a eterna razão celestial.
    Como entender melhor a sensibilidade espiritual e a eterna razão celestial?
    A sensibilidade espiritual equilibra-se pela prática do eterno alento na Chama do coração
    Com o pensamento da unidade universal do Cristo eterno no coração, compreenda o poder criador da vida,
    Isto é manifestar a MINHA vontade na terra, a razão eterna da mente no coração, com a luz e sua irradiação.
      
    Pense com a minha eterna mente que é sua divina mente na câmara secreta no coração
    Antes de falar e agir,  aprenda a consultar MINHA voz na Chama da verdade eterna, a vida espiritual     
    A evolução e crescimento espiritual é expandir a consciência, a Chama da vida eterna em si mesmo,
    O intenso desejo de ME servir leva a manifestação da sensibilidade espiritual e a eterna razão celestial.
     
    EU SOU a unidade na divina intenção da energia espiritual, expansiva e doadora de vida da criação,
    Sinta a unidade COMIGO, desta forma, manifesto interna e externamente o equilíbrio na humanidade,
    Na ação, sinta o que diz e aja de acordo com o pensamento universal e MINHA vontade com justo uso,
    Este é o céu, a MINHA sagrada unidade, a eterna luz criadora que ilumino todo pensamento na eternidade.
  • A Sara se foi, em um...

    A Sara se foi, em um...
    ... surto tecnológico e mental, acabei por me assustar pela rapidez que uma paixão pode ser gerada.
    A tentativa de conectar o título ao texto em si, faz sentido em minha cabeça, principalmente quando pendo e "despenso" na Sara a cada instante desta noite. Espero que esse vento noturno de noite vermelha não passe.
    Vagando pela rede eu encontrei Sara, ela me elogiou como apenas minha mãe sabe fazer; e como um bom rapaz latino-americano romanticamente frustrado, eu já imaginava nossos passeios de bicicleta ao redor dos lagos paranaenses, apenas observado seus recém descobertos cachos sambarem na frente dos pedestres.
    Oi, tudo bem?
    Olá, como vai?
    Oieeee, tudo bom?
    Olá, gostei de você! (tentativa de iniciação de conversa nº4)
    Por um instante eu me desespero e Sara desaparece, quem poderia prever se iríamos esbarrar nos gostos em uma parede líquida, ou que alguma fagulha de um amor estava apenas em seu estado de semente, sem raízes.
    Escrevo com palavras bonitas, veja bem. Só assim eu puder tornar minha experiência de 30 minutos com a Sara brevemente imortalizada. Pra ser sincero comigo mesmo, o mesmo "Eu" definido naquela parte de mim que não acredita ser possível perder alguém em um aplicativo de relacionamento: eu não sei bolar uma reação ou resposta concreta sobre o que aconteceu. Isso caro escritor deste texto, é óbvio, já que Sara não está mais entre nós.
    Tenho certeza que o destino me impediu de encontrar o amor da minha vida. Pode ter ocorrido um erro e Sara deixou de existir no meu futuro, e nunca mais vou encontrar outra Sara de 30 minutos.
    Prefiro pensar que o universo se jogou em cima de mim, de maneira tão rápida e abrupta afim de preservar minha sanidade, que até que eu possa encontrar uma outra Sara, ela terá outro nome por mais de 30 minutos.

     

  • A sociedade perfeita

    Nessa barafunda que se transformou a eleição presidencial, eu li – dias atrás – um enunciado do tipo: “O Brasil precisa de trabalhadores, mas não de professores, artistas e intelectuais”. A pessoa deve ter se aplaudido e julgado muito criativa ao emitir tal opinião. Ocorreu-me que talvez não o fosse.
                Se eu não me equivoco, Platão, em “A República”, esboçou um ideal de sociedade. Em primeiro lugar, segundo o filósofo, as mães eram nocivas aos filhos e, por isso, eles seriam apartados após o nascimento; até os 10 anos praticariam exercícios físicos e estudariam música – para moldar o caráter. Até os 20 anos, teriam uma iniciação religiosa, que lhes permitisse conhecer o bem, naquela concepção clássica de mera oposição ao mal. Nesse ponto, os jovens passariam por uma grande prova de “eliminação”, em que os reprovados passariam a atuar como “guardiães” (soldados), fadados aos trabalhos braçais, que não exigissem esforço intelectual; os bem sucedidos teriam mais 10 anos de estudo e enfrentariam uma nova prova, cujos aprovados, a partir daí, poderiam dedicar-se à Filosofia, ao mundo das ideias, à intelectualidade. De qualquer forma, para alguns restaria o trabalho sem reflexão, a mera repetição de atividades físicas, enquanto que a outros seria dada a possibilidade da divagação, da contemplação, de elevação da alma, de “cultivo” do caráter. A sociedade era e é múltipla, os diferentes não se excluem, mas se respeitam, logo, em tese, a convivência deveria e deve ser pacífica.
                De qualquer forma, grosso modo, na sociedade perfeita de Platão, a classe inferior era formada pelos fazendeiros, lavradores e negociantes; a classe média reunia os soldados; e os sábios, os filósofos, dotados de uma mentalidade superior, mais afeitos à arte e ao livre pensar, compunham o extrato mais elevado da população.
                Discutir aqui a função da arte e, como corolário, a função do artista é impensável. Não há espaço. Mas lembro que, entre tantas possibilidades, Aristóteles, discípulo de Platão, postula que a arte está a serviço da moral. A ideia básica – corrijam-me se estiver errada – é que a riqueza e a cultura não são, muitas vezes, suficientes para tornar um ser humano virtuoso. O exercício das nossas virtudes morais é uma recorrência diária e elas podem ser subvertidas pelas circunstâncias que nos são externas (não atire pedras porque todo seu telhado é de vidro!). Revisitar as tragédias gregas, reler os romances consagrados pela literatura pode libertar-nos dos preconceitos mais simplórios.
  • A solidão

    Ela chama os que sabe dos teus nomes
    te grita mas não te envergonha

    Ela nunca te acompanha
    o passo dela não te abandona

    Não finge que é de verdade
    Não brinca com o que você sonha

    Não multiplica o que te divide
    Não subtrai o que você soma

    Não te afoga quando te inunda
    com nadas

    Não nada no que te afunda
    Não some

    A última gota dela é a que te transborda.
    Um único grão dela te mata a fome.
  • A tela do meu telefone

    Eu me sinto estranha. Em um breve segundo uma lágrima escorre e sei que o que vejo nessa tela nunca será meu. Estou sorrindo e o motivo nem me pertence, aquele que me faz rir não sabe que eu existo e nunca me amará do jeito que eu o amo, estou a somente 15 centímetros dele e mesmo assim jamais poderei tocá-lo. 
      Não sei porque o amo e nem quando comecei a amá-lo, a lágrima que desce agora deve ter escorregado porque no fundo sei que existe também alguém que me ama, mas que já tem quem o chame de seu. Nessa noite tão solitária quanto a minha alma, os únicos barulhos que escuto agora são o de um grilo que nunca para de cantar e o do meu coração que bate como um louco depois das cenas que sei que nunca protagonizarei. 
      Meu amor é passageiro mas não sei quando irá passar, estou com medo das madrugadas que passarei chorando sem que eu possa justificar, estou com medo do que eu disse antes ser realmente verdade, e que ele nunca irá me amar.
  • A tríade do mau em si

    Decidiu ir muito mais além do que se possa imaginar em sua estadia no plano físico-orgânico e tridimensional. Resolveu descortinar-se, despindo do manto de ignorância da sua própria persona programada, alienada e fragmentada. Parou de culpar o mundo… as pessoas… as coisas… tudo! Vira a culpa em si mesmo, e se vendo em sua dramática lastima percebeu-se sabotador de si mesmo, porquanto, ainda não se conhecia.

    A medida em que se observava, vira a tríade mental do seu ser mundano e civilizado psicológico: o EU INTELECTUAL; o EU EMOCIONAL; o EU SEXUAL. E se viu em uma sala completamente espelhada, em que cada ‘EU’ do triângulo de si, se multiplicava infinitamente no amago de sua personalidade inconstante e provisória.

    Ao se perceber equacionado em si mesmo… expressadamente contido entre parênteses, colchetes e chaves. Multiplicado e dividido meditou em manter a ordem dos fragmentos opostos, para por último se resolver em fatores de subtrações e adições, em toda complexidade de somatórias minimalísticas, entre efêmeras igualdades e variadas situações dos seus multifacetados ‘eus’ aplicativos do mau em si.

    Muito além de sua complexidade mental psicológica… degenerativas de todos os orgânicos e inorgânicos sentidos do corpo-mente… em que o ‘EU INTELECTUAL’ se aplica, elaborando seus conceitos e preconceitos a partir das múltiplas percepções externas e internas que adultera a Arte Sagrada, a Filosofia Primordial e a Santa Religião… o que já era pesado demais para resolver… tinha ainda que lidar com o automatismo instintivo do seu corpo físico-orgânico, pelo qual confeccionara o ‘EU SEXUAL’. Porém, mais ainda perigoso e desastroso, entre outros e esses fatores… era lidar com o insaciável e temido ‘EU EMOCIONAL’, a cabeça do meio do Dragão-de-Três-Cabeças, em que os outros dois ‘eus’ eram-lhes subservientes.

    Fora impactado pela tríade do ‘EU’ desde o nascimento, o que adoecia o corpo-mente, levando a uma total inconsciência ignorante de si, do outro e ao redor na cadeia ponto-espaço-tempo. Passara por longos e agoniantes momentos de transformações decadentes, ao receber do mundo exterior falsas imagens e impressões da realidade descendente em infra-normalidades, se afeiçoando as falsas qualidades antagônicas terrivelmente negativas do materialismo, baixo espiritualismo e vaidosas “verdades” sociais, econômicas e étnicas de si. E assim, decidira com afinco trabalhar na educação de sua forma infra-humana enfrentando o Dragão-de-Três-Cabeças, o Macho Alfa de suas bestialidades, brutalidades, temores, vaidades, traumas, vícios, costumes, psicoses e luxurias… a parte do partido egocêntrico, humanoide-animalesco em que adormece e entorpece a Sagrada Consciência Divina em sua gnose.

    Assim, almejava o retorno a sua Pureza Original, ao se render as espadas flamejantes das sentinelas-querubins que guardavam o caminho de acesso à Árvore da Vida.

    Aprofundando-se mais e mais em si mesmo, silenciou-se em sua retorta, destilou-se no Alkahest (solvente universal) de sua vontade, para ser posto em uma das câmeras do At-tannur (forno alquímico) de sua consciência, almejando ser purificado dos constituintes de seus ‘eus’ em sua solitária espargia espiritual.

    Os muitos questionamentos… as muitas perguntas… o excesso de gesticulações… as queixas e tagarelices de si, e as reclamações do mundo externo… o que não era ou estava bom em sua vivência… a falta de atenção e elogios alheios não mais o perturbavam em sua busca meditativa, em íntima contemplação.

    Apenas deixou-se ser arrastado pelo Rio (o Criativo), guiado em inércia e não-ação para o Mar (o Receptivo).

    Assim!

    O Amante, em Amor, uniu-se ao Amado…

    O Masculino penetrou o Feminino…

    O Homem conheceu a Mulher…

    O Pai gerou o Filho na Mãe…

    O Céu cobriu a Terra…

    O Sol em sua potência iluminou a Lua…

    O Criador, na Criação, manifestou-se em Criatura…

    E o Fogo Sagrado derreteu o tenebroso gelo nos empedrados corações.
  • A união do complexo medo atraente

    Penetrara no karma atual da moderna sociedade virtual em que nasceu, cresceu e ainda vive, mergulhado numa atmosfera de medos e complexos que lhe foi imposto por uma sociedade de valores hipócritas e sentimentos ilusórios. Essa triste “realidade” que até então vivenciava, teve sua extrema abrangência com o poder que lhe foi outorgado através da internet e seus recursos digitais. Passara em muito pouco tempo de um simples telespectador para um aspirante astro internauta autodidata.

    Através da internet e suas redes sociais, como um cyberpunk moderno, percebeu que a espada encantada cravada na grande pedra, não pertencia somente ao lendário e valente Rei Arthur e seus cavaleiros da távola-redonda, como era antes o caso monopolista da grande mídia. Agora sabia que também ele obtivera o direito de possuir sua própria espada mágica, e, foi encantado e possuído por ela.

    No início não podia prever as consequências de tal poder. Tudo era maravilhosamente maravilhoso. Estava perplexo diante dos inúmeros portais mágicos que lhe fora aberto por esses dispositivos radiativamente encantados, onde tudo começou com o poder telepático de enviar e receber nossos pensamentos, desejos e sentimentos nos virtualizando em palavras, falas e imagens. Abrangendo nossas perspectivas limitadas, além dos nossos vínculos sociais mais próximos, alcançando o desconhecido em milésimos de segundos, entre os milhares quilômetros de distâncias. Até o Mago Merlim se aqui entre nós, nesse momento, estivesse, ficaria impressionado com tamanho poder e proeza outorgado a todos.

    Porém, a espada de Arthur continha dois gumes e cortava dos dois lados.

    Percebeu-se ainda, que, não tarde, o poder que lhe foi ofertado pelos deuses tecnológicos exigia de nós sabedoria para possuí-lo. Essa poderosa espada mágica Kaledvouc’h como se outrora pensava, estava inacessível ao grande público há tanto tempo, encrustada na grande pedra, pelo nobre motivo daquele a quem seria o seu possuidor, ter que passar por ensinamentos de vida rigorosos, pelo qual o seu espírito e o seu coração fossem meticulosamente testados. Só assim, teriam a primazia de obter a força dos deuses para puxar a espada da grande pedra. Essa sagrada espada é raramente denominada “Excalibur”, e é retirada por Arthur como símbolo milagroso de sua Nobreza e direito ao trono da Bretanha.

    Entretanto, agora se questionara: Será que todos possui esse direito e nobreza do Rei Arthur?

    Fomos preparados e disciplinados para empunhar tamanho poder?

    Virtualmente, se deparou com os muitos casos de jovens que por uma simples brincadeira nas redes sociais, acabaram causando dor e destruição a si mesmos e aos outros. Como foi o caso da menina russa de 17 anos que morava nos Estados Unidos, que filmou um ato de estrupo em um aplicativo de postagens de vídeos, com duração de nove minutos, só para obter likes. Intentara que naquele momento durante a filmagem, a jovem poderia usar o seu dispositivo para pedir ajuda ligando para polícia, ou um adulto responsável, também notara, que as pessoas que estavam assistindo o vídeo online, em vez de dar likes, poderiam aconselhá-la para impedir aquele ato brutal. Que alcançou milhares de visualizações.

    Daí, meditara, que o poder sem a responsabilidade é cegamente egoísta e brutal.

    Entretanto, dualisticamente, não esquecia ele, que Excalibur é uma espada pontuda afiada de dois gumes que corta, penetra e dilacera. Podendo afastar as pessoas, ou uni-las. Mas, nesse bidimensional mundo de algoritmos binários computacional e ilusório, afirmava ele somente conhecer causas e efeitos mecânicos, e nunca as Sagradas Leis Naturais em si mesmas. Por isso, que ao unir as pessoas, afastava a solidariedade entre elas, em que camuflado e protegido em sua privacidade, por detrás das telas negras caleidoscópicas brilhantes, o indivíduo se julgava ir além do respeito e dos sentimentos fraternos, soltando sua naja língua pensante, em seus rápidos dígitos dedos, envenenada nos seus mais mesquinhos sentimentos obscuros de inveja, cacoetes, ego e porcas maldades. Que no mundo fenomenal das aparências, só percebia bidimensionalmente ângulos e superfícies, e nunca o integral das coisas.

    Obviamente, ele sabia que a dialética da consciência da proximidade física dos corpos pensantes, que tudo entende por intuição, através das palavras audíveis, figuras simbólicas, gestos, movimentos, olhares e expressões voluntárias e involuntárias fora cruelmente ofuscada pela dialética racional do intelecto presente nas redes sócias, fóruns e plataformas proprietárias de mensagens instantâneas baseadas em nuvem, que nada tem de essência natural humana, e sim, apenas o ilusórico poder formulativo de ideias e conceitos lógicos preconcebidos, que por mais brilhante que seja, e por mais que se julgue de qualidade e de utilidade nos inúmeros aspectos da vida prática e cotidiana, nada tem de valor para existência e ecologia humana, resultando apenas em obstáculos subjetivos, incoerentes, torpes e pesados para nossa simbiose como seres fraternais coletivos, e que nada tem de verdade.

    No fim, diante da verdade, percebeu-se sendo o pobre poderoso, precisando de alento (likes, em legais polegares opositores), precisando de algo que o anime (coraçãozinhos vermelhos, e rostos redondos sorridentes amarelados), sentiu-se com o ego demasiadamente forte e personalidade terrivelmente débil, por sua própria mesquinha natureza apodrecida em si mesmo, encontrando-se numa situação completamente desastrosa, e sem vantagens, em que o sono lhe foi roubado, a ansiedade descontrolava as batidas do seu coração, e a vaidade tomara o controle de sua alma, tendo a depressão como amante e companheira.

    E no seu estado deprimente, porém, contemplativo, sabia ele que nos primórdios da nossa existência como uma das muitas espécies que habita esse ecossistema terráqueo, éramos simplesmente um ser coabitando e interagindo com os outros inúmeros seres aqui existentes. Não víamos a natureza como esse belo quadro pintado a óleo ou aquarela, ou como as ‘pixeladas’ imagens digitais no fundo dos nossos desktops eletrônicos e dispositivos móveis. Não ansiávamos pela chegada do tempo limitado do fim de semana para passear com a família nos bosques e pradarias, e nem tão pouco esperávamos a chegada das férias para curtir os muitos lugares paradisíacos, ou nos aventurar em trilhas, escaladas e caminhadas nos ditos ambientes naturais e ecológicos. Essa coisa alheia que hoje denominamos “NATUREZA” era intimamente o único e o primeiro mundo vital e cultural que existíamos. Nossos antepassados não só viviam em contato íntimo com as outras criaturas vegetais, animais e inanimadas, como se comunicavam diretamente com os seus espíritos e coração. Daí que surgem as fabulosas histórias e contos de fadas, gnomos, duendes, devas, ninfas, curupiras, orixás, anjos, caboclos, entre outras inúmeras manifestações do que hoje classificamos como “espíritos inorgânicos da natureza” em diversas culturas humanas espalhadas pelo mundo.

    Por isso, ficou muito difícil para o seu entendimento humano separar a sua espiritualidade, cura e boa qualidade de vida da Mãe Natureza. E, entendeu o porquê dos diversos movimentos esotéricos, xamanísticos, taoístas, hinduístas, budistas, cabalistas, sufistas, gnósticos, wicca, candomblé, entre outros da busca da espiritualidade, como também os movimentos de cura, saúde mental, e medicina ancestral e alternativa se situarem em ambientes naturais abertos e ecológicos.

    Nisso, percebeu que ao longo do nosso rigoroso processo civilizatório, em que gradualmente nos separamos do nosso natural habitar, que o SAGRADO em nós foi naturalmente esquecido. Deixamos de ouvir as MENSAGENS DOS VENTOS, paramos de falar a LÍNGUA DAS ÁRVORES E MONTANHAS, abandonamos o afeto de SENTIR COM O CORAÇÃO, e os nossos olhos se cegaram para o MUNDO INVISÍVEL. E, para piorar mais ainda a sua situação, vira que como espécie se transformara no pior predador que já existiu em todos os tempos, ‘Satânico Aniquilador’ das muitas culturas existenciais em todos os aspectos da natureza, e, dele mesmo.

    Meditara ainda mais profundamente de que como espécie, nos tornamos existências humanas desencantadas, prisioneiras de nós mesmos em frente a uma tela Touch Screen de valores, e, de falsas concepções virtuais, mendigando uma irreal atenção em salva de palmas, likes e emotions de coraçãozinhos vermelhos, rostos redondos amarelados (caras de bolachas) e legais polegares opositores. Vira que as proximidades humanas se basearam em distantes conexões WI-FI, em que ignoramos cruelmente os nossos presentes íntimos entes queridos a nossa volta, em ser um direto participante na criação do Aqui e Agora, para nos tornar um observador e um observado distante do passado alienado dos desejos, anseios, críticas e felicidades do desconhecido “amigo” internauta. Preferimos viver solitários com políticas de privacidade essa virtual ruptura do contato natural, nos separando plenamente do sentido existencial da vivência humana, e minimizando a nossa consciência social, afetiva e emocional ao estado simplista do observador e do observado, e de que a tecnologia não promove e nunca promoverá, assim, como, as propostas da comunidade científica, uma fusão harmoniosa com a existência humana e a natureza. Sua meta desde a revolução industrial é unicamente modificar. Acreditando melhorar, otimizar, maximizar, implantar, oportunizar e assegurar um conceito evolucionário de humanidade ciberneticamente supranatural, onde poderíamos viver sem depender dos recursos naturais e afetos sociais para nossa existência. Para assim, em vez de (como eles acreditam) subsistirmos, ‘sobre-existirmos’ na lua, em Marte, ou em uma cosmológica galáxia distante como prega e aliena a NASA e Hollywood.

    Sentira que perdera a simplicidade da vida e o seu primeiro amor, e se tornara um ser imediatista, arrogante, conformista, impaciente, tempestuoso, depressivo e penoso. Ignorava suas crianças, e assim, fazia com que elas o ignorasse, transformando-as no subproduto mesquinho dele mesmo. Nisso, vira que ignoramos os nossos semelhantes como nunca antes já vivenciado no mundo, em todos os tempos de nossa comunal existência, ofertando para os nossos irmãos e irmãs o que tem de pior em nós mesmo. E, dessa forma e maneira, acumulamos dores e sofrimentos para o nosso último sopro de vida, e assim, morremos existencialmente porque matamos nossa essência dentro dos nossos filhos e filhas, chegando a tal ponto de não mais nos perpetuarmos nos novos corpos.

    Percebera que a verdadeira expressão para o mundo tecnológico de hoje é ABSOLUTA TRISTEZA. E isso dói na alma… adoecemos! E o pior é de que não sabemos que estamos existindo enfermos. Acumulamos muitos bens do Aqui e pouca coisa do Agora, e a Magia da Alegria abandonou a Morada do Coração, e o Sagrado Entendimento que em tudo dança se ocultou. Então, eis a questão e desafio existencial da nossa cultura humana: ATÉ QUANDO FICAREMOS CALADOS E INERTES, TRANSMITINDO PARA AS GERAÇÕES FUTURAS ESSA GRANDE DEPRESSÃO EXISTENCIAL, PELO QUAL NOS CONVERTEMOS NO TIRANO PROBLEMÁTICO DESTRUIDOR DA BELEZA DE TODAS AS COISAS? Entretanto, quem se movimentará e falará com loucura e paixão para o despertar da grande massa? Quem será esse novo Meshiach e Avatar? Mas, enquanto ELE ou ELA não chegar ficaremos inertes, atrofiando nossa mente e coração nas telas e internet? Imbuído nessas íntimas e totalitárias questões, analisara que os desafios para o retorno do SAGRADO em nossas vidas são tremendamente numerosos.

    E, contemplando todo aquele panorama, se viu com sua poderosa espada na palma de sua mão, a mágica Kaledvouc’h, o espelho negro. E como um pedaço de madeira arrastado pelo rio, tentando resolver as coisas por sua própria conta, reagindo ante qualquer dura palavra, qualquer problema e qualquer dificuldade, lamentavelmente, o medo empoderou o seu ser, fabricando nos cinco cilindros da máquina orgânica, em que lhe compunha e que o seu SER habitara, os inumeráveis multifacetados eus-demônios, aplicativos escravos de si mesmo.

  • A união do complexo medo atraente

    Penetrara no karma atual da moderna sociedade virtual em que nasceu, cresceu e ainda vive, mergulhado numa atmosfera de medos e complexos que lhe foi imposto por uma sociedade de valores hipócritas e sentimentos ilusórios. Essa triste “realidade” que até então vivenciava, teve sua extrema abrangência com o poder que lhe foi outorgado através da internet e seus recursos digitais. Passara em muito pouco tempo de um simples telespectador para um aspirante astro internauta autodidata.

    Através da internet e suas redes sociais, como um cyberpunk moderno, percebeu que a espada encantada cravada na grande pedra, não pertencia somente ao lendário e valente Rei Arthur e seus cavaleiros da távola-redonda, como era antes o caso monopolista da grande mídia. Agora sabia que também ele obtivera o direito de possuir sua própria espada mágica, e, foi encantado e possuído por ela.

    No início não podia prever as consequências de tal poder. Tudo era maravilhosamente maravilhoso. Estava perplexo diante dos inúmeros portais mágicos que lhe fora aberto por esses dispositivos radiativamente encantados, onde tudo começou com o poder telepático de enviar e receber nossos pensamentos, desejos e sentimentos nos virtualizando em palavras, falas e imagens. Abrangendo nossas perspectivas limitadas, além dos nossos vínculos sociais mais próximos, alcançando o desconhecido em milésimos de segundos, entre os milhares quilômetros de distâncias. Até o Mago Merlim se aqui entre nós, nesse momento, estivesse, ficaria impressionado com tamanho poder e proeza outorgado a todos.

    Porém, a espada de Arthur continha dois gumes e cortava dos dois lados.

    Percebeu-se ainda, que, não tarde, o poder que lhe foi ofertado pelos deuses tecnológicos exigia de nós sabedoria para possuí-lo. Essa poderosa espada mágica Kaledvouc’h como se outrora pensava, estava inacessível ao grande público há tanto tempo, encrustada na grande pedra, pelo nobre motivo daquele a quem seria o seu possuidor, ter que passar por ensinamentos de vida rigorosos, pelo qual o seu espírito e o seu coração fossem meticulosamente testados. Só assim, teriam a primazia de obter a força dos deuses para puxar a espada da grande pedra. Essa sagrada espada é raramente denominada “Excalibur”, e é retirada por Arthur como símbolo milagroso de sua Nobreza e direito ao trono da Bretanha.

    Entretanto, agora se questionara: Será que todos possui esse direito e nobreza do Rei Arthur?

    Fomos preparados e disciplinados para empunhar tamanho poder?

    Virtualmente, se deparou com os muitos casos de jovens que por uma simples brincadeira nas redes sociais, acabaram causando dor e destruição a si mesmos e aos outros. Como foi o caso da menina russa de 17 anos que morava nos Estados Unidos, que filmou um ato de estrupo em um aplicativo de postagens de vídeos, com duração de nove minutos, só para obter likes. Intentara que naquele momento durante a filmagem, a jovem poderia usar o seu dispositivo para pedir ajuda ligando para polícia, ou um adulto responsável, também notara, que as pessoas que estavam assistindo o vídeo online, em vez de dar likes, poderiam aconselhá-la para impedir aquele ato brutal. Que alcançou milhares de visualizações.

    Daí, meditara, que o poder sem a responsabilidade é cegamente egoísta e brutal.

    Entretanto, dualisticamente, não esquecia ele, que Excalibur é uma espada pontuda afiada de dois gumes que corta, penetra e dilacera. Podendo afastar as pessoas, ou uni-las. Mas, nesse bidimensional mundo de algoritmos binários computacional e ilusório, afirmava ele somente conhecer causas e efeitos mecânicos, e nunca as Sagradas Leis Naturais em si mesmas. Por isso, que ao unir as pessoas, afastava a solidariedade entre elas, em que camuflado e protegido em sua privacidade, por detrás das telas negras caleidoscópicas brilhantes, o indivíduo se julgava ir além do respeito e dos sentimentos fraternos, soltando sua naja língua pensante, em seus rápidos dígitos dedos, envenenada nos seus mais mesquinhos sentimentos obscuros de inveja, cacoetes, ego e porcas maldades. Que no mundo fenomenal das aparências, só percebia bidimensionalmente ângulos e superfícies, e nunca o integral das coisas.

    Obviamente, ele sabia que a dialética da consciência da proximidade física dos corpos pensantes, que tudo entende por intuição, através das palavras audíveis, figuras simbólicas, gestos, movimentos, olhares e expressões voluntárias e involuntárias fora cruelmente ofuscada pela dialética racional do intelecto presente nas redes sócias, fóruns e plataformas proprietárias de mensagens instantâneas baseadas em nuvem, que nada tem de essência natural humana, e sim, apenas o ilusórico poder formulativo de ideias e conceitos lógicos preconcebidos, que por mais brilhante que seja, e por mais que se julgue de qualidade e de utilidade nos inúmeros aspectos da vida prática e cotidiana, nada tem de valor para existência e ecologia humana, resultando apenas em obstáculos subjetivos, incoerentes, torpes e pesados para nossa simbiose como seres fraternais coletivos, e que nada tem de verdade.

    No fim, diante da verdade, percebeu-se sendo o pobre poderoso, precisando de alento (likes, em legais polegares opositores), precisando de algo que o anime (coraçãozinhos vermelhos, e rostos redondos sorridentes amarelados), sentiu-se com o ego demasiadamente forte e personalidade terrivelmente débil, por sua própria mesquinha natureza apodrecida em si mesmo, encontrando-se numa situação completamente desastrosa, e sem vantagens, em que o sono lhe foi roubado, a ansiedade descontrolava as batidas do seu coração, e a vaidade tomara o controle de sua alma, tendo a depressão como amante e companheira.

    E no seu estado deprimente, porém, contemplativo, sabia ele que nos primórdios da nossa existência como uma das muitas espécies que habita esse ecossistema terráqueo, éramos simplesmente um ser coabitando e interagindo com os outros inúmeros seres aqui existentes. Não víamos a natureza como esse belo quadro pintado a óleo ou aquarela, ou como as ‘pixeladas’ imagens digitais no fundo dos nossos desktops eletrônicos e dispositivos móveis. Não ansiávamos pela chegada do tempo limitado do fim de semana para passear com a família nos bosques e pradarias, e nem tão pouco esperávamos a chegada das férias para curtir os muitos lugares paradisíacos, ou nos aventurar em trilhas, escaladas e caminhadas nos ditos ambientes naturais e ecológicos. Essa coisa alheia que hoje denominamos “NATUREZA” era intimamente o único e o primeiro mundo vital e cultural que existíamos. Nossos antepassados não só viviam em contato íntimo com as outras criaturas vegetais, animais e inanimadas, como se comunicavam diretamente com os seus espíritos e coração. Daí que surgem as fabulosas histórias e contos de fadas, gnomos, duendes, devas, ninfas, curupiras, orixás, anjos, caboclos, entre outras inúmeras manifestações do que hoje classificamos como “espíritos inorgânicos da natureza” em diversas culturas humanas espalhadas pelo mundo.

    Por isso, ficou muito difícil para o seu entendimento humano separar a sua espiritualidade, cura e boa qualidade de vida da Mãe Natureza. E, entendeu o porquê dos diversos movimentos esotéricos, xamanísticos, taoístas, hinduístas, budistas, cabalistas, sufistas, gnósticos, wicca, candomblé, entre outros da busca da espiritualidade, como também os movimentos de cura, saúde mental, e medicina ancestral e alternativa se situarem em ambientes naturais abertos e ecológicos.

    Nisso, percebeu que ao longo do nosso rigoroso processo civilizatório, em que gradualmente nos separamos do nosso natural habitar, que o SAGRADO em nós foi naturalmente esquecido. Deixamos de ouvir as MENSAGENS DOS VENTOS, paramos de falar a LÍNGUA DAS ÁRVORES E MONTANHAS, abandonamos o afeto de SENTIR COM O CORAÇÃO, e os nossos olhos se cegaram para o MUNDO INVISÍVEL. E, para piorar mais ainda a sua situação, vira que como espécie se transformara no pior predador que já existiu em todos os tempos, ‘Satânico Aniquilador’ das muitas culturas existenciais em todos os aspectos da natureza, e, dele mesmo.

    Meditara ainda mais profundamente de que como espécie, nos tornamos existências humanas desencantadas, prisioneiras de nós mesmos em frente a uma tela Touch Screen de valores, e, de falsas concepções virtuais, mendigando uma irreal atenção em salva de palmas, likes e emotions de coraçãozinhos vermelhos, rostos redondos amarelados (caras de bolachas) e legais polegares opositores. Vira que as proximidades humanas se basearam em distantes conexões WI-FI, em que ignoramos cruelmente os nossos presentes íntimos entes queridos a nossa volta, em ser um direto participante na criação do Aqui e Agora, para nos tornar um observador e um observado distante do passado alienado dos desejos, anseios, críticas e felicidades do desconhecido “amigo” internauta. Preferimos viver solitários com políticas de privacidade essa virtual ruptura do contato natural, nos separando plenamente do sentido existencial da vivência humana, e minimizando a nossa consciência social, afetiva e emocional ao estado simplista do observador e do observado, e de que a tecnologia não promove e nunca promoverá, assim, como, as propostas da comunidade científica, uma fusão harmoniosa com a existência humana e a natureza. Sua meta desde a revolução industrial é unicamente modificar. Acreditando melhorar, otimizar, maximizar, implantar, oportunizar e assegurar um conceito evolucionário de humanidade ciberneticamente supranatural, onde poderíamos viver sem depender dos recursos naturais e afetos sociais para nossa existência. Para assim, em vez de (como eles acreditam) subsistirmos, ‘sobre-existirmos’ na lua, em Marte, ou em uma cosmológica galáxia distante como prega e aliena a NASA e Hollywood.

    Sentira que perdera a simplicidade da vida e o seu primeiro amor, e se tornara um ser imediatista, arrogante, conformista, impaciente, tempestuoso, depressivo e penoso. Ignorava suas crianças, e assim, fazia com que elas o ignorassem, transformando-as no subproduto mesquinho dele mesmo. Nisso, vira que ignoramos os nossos semelhantes como nunca antes já vivenciado no mundo, em todos os tempos de nossa comunal existência, ofertando para os nossos irmãos e irmãs o que tem de pior em nós mesmos. E, dessa forma e maneira, acumulamos dores e sofrimentos para o nosso último sopro de vida, e assim, morremos existencialmente porque matamos nossa essência dentro dos nossos filhos e filhas, chegando a tal ponto de não mais nos perpetuarmos nos novos corpos.

    Percebera que a verdadeira expressão para o mundo tecnológico de hoje é ABSOLUTA TRISTEZA. E isso dói na alma… adoecemos! E o pior é de que não sabemos que estamos existindo enfermos. Acumulamos muitos bens do Aqui e pouca coisa do Agora, e a Magia da Alegria abandonou a Morada do Coração, e o Sagrado Entendimento que em tudo dança se ocultou. Então, eis a questão e desafio existencial da nossa cultura humana: ATÉ QUANDO FICAREMOS CALADOS E INERTES, TRANSMITINDO PARA AS GERAÇÕES FUTURAS ESSA GRANDE DEPRESSÃO EXISTENCIAL, PELO QUAL NOS CONVERTEMOS NO TIRANO PROBLEMÁTICO DESTRUIDOR DA BELEZA DE TODAS AS COISAS? Entretanto, quem se movimentará e falará com loucura e paixão para o despertar da grande massa? Quem será esse novo Meshiach e Avatar? Mas, enquanto ELE ou ELA não chegar ficaremos inertes, atrofiando nossa mente e coração nas telas e internet? Imbuído nessas íntimas e totalitárias questões, analisara que os desafios para o retorno do SAGRADO em nossas vidas são tremendamente numerosos.

    E, contemplando todo aquele panorama, se viu com sua poderosa espada na palma de sua mão, a mágica Kaledvouc’h, o espelho negro. E como um pedaço de madeira arrastado pelo rio, tentando resolver as coisas por sua própria conta, reagindo ante qualquer dura palavra, qualquer problema e qualquer dificuldade, lamentavelmente, o medo empoderou o seu ser, fabricando nos cinco cilindros da máquina orgânica, em que lhe compunha e que o seu SER habitara, os inumeráveis multifacetados eus-demônios, aplicativos escravos de si mesmo.

  • A Vida de Outrem

    Na aquiescência do olhar lúbrico,
    Estão os que muito observam
    Em sua grande vontade de estarem
    Sendo vistos, apercebidos do real valor
    De sua presença, sua imagem única de muitas.

    — Ser a única!

    Falar pelo que se expressa na tangibilidade,
    É um denodo raro. Preservar humildemente
    O ato que de melhor pode fazê-lo, sublime,
    Mais admirável, pois não se esquece fácil
    O que se procura diariamente.

    — E é a única coisa que queremos.

    Quem está em não estar,
    Quem diz pela vida de outrem,
    Que não a sua mesma!
    Quem diz pela sua vida,
    Que não a de outrem!
  • A vida é um relógio e nós somos os ponteiros

    No tic tac desse relógio como ponteiros presos a seu pusher, seguimos em sentido horário, nesse movimento circular de rotação que acontece em um plano, sempre da direita para esquerda; em alguns momentos esse relógio nos joga para cima em outros para baixo, mas nunca para trás, voltamos para o ponto original que é o topo.
    E assim o relógio funciona nessa constante dinâmica, embora caminhe para frente esse movimento circular acaba por despertar uma sensação de déjà vu; os ponteiros passam pelos mesmos pontos apesar de não serem os mesmos, porque assim é a vida, nada é igual, por mais semelhante que se possa parecer; inclusive os ponteiros que cansados desse movimento não conseguem observar as metamorfose que sofreram ao longo desse compasso.
    E por trás desse mecanismo, invisível aos nossos olhos, têm-se cogwhell que alavanca a vida controlando sua velocidade, nem acelerado nem vagarosamente, mas de maneira absolutamente perfeita para que desta maneira, todos tenham a mesma oportunidade de um dia subir ao topo e lá permanecer.
    E, assim a vida segue noite e dia sem parar.
  • A voz concelheira

    Espere!
    Tem algo errado aqui, outro ali, olha! Agora acredita em mim? Você é feia.
    Magrela!
    Ossuda!
    Tabua!
    Já pensou em não sair mais? Faria bem aos olhos da sociedade.
    Não use essa roupa, sabe que não ficaria legal com ela.

    Sai de perto!
    Sua presença é chata, fique quieta!
    Se comporte, não fale, não opine, ninguém quer te ouvir.

    Não o faça!
    Você não tem a capacidade, acredita mesmo que irá conseguir?

    Ele realmente é bonito, não?
    Tão encantador, pena que que nunca vai te olhar, você é lamentável, não se iluda.

    Não chore!
    Não quero te magoar, acredite em mim, faço pelo seu bem.
    Então apenas, ouça-me...
  • Abortando sonhos

    "Meu pai está demorando muito", pensei. Estava na sala, deitado no sofá tentando resolver questões fracionárias de matemática. Meu irmão disse que me ensinaria, mas até agora não chegou com meu pai. A televisão estava ligada, em um programa que ensinava mágica. Começou a chover, e mesmo às onze horas da noite, senti vontade de encarar a chuva com a audácia de um garoto de dez anos. Pela janela coberta pela cortina, eu via os relâmpagos repentinos iluminar abafadamente a sala. Com os dedos dos pés, eu roçava a superfície áspera do sofá. Não me dei conta de quando percebi. Quando uma coisa é harmônica, dificilmente é percebida. Às vezes estamos dançando, e percebemos depois. Mesmo com chuva e ruídos da tv, eu ouvia uma doce melodia ser tocada. Tão linda que eu poderia vê-la, e tão elegante que eu poderia incorpora-la. Minha visão lentamente girava, eu sentia meus músculos tensos. Tudo se movia, e eu permanecia parado. Minha mão empurrou a porta, e quando ela foi aberta, o quarto foi em direção ao meu corpo. Minha mãe estava sentada na cama de casal, de costas para mim tocando um teclado eletrônico que ela mesma ajustou à sua frente encima da cama. Não pareceu ouvir a porta ser aberta ou eu me aproximar. O mundo nesse momento não a interessava. Ela buscava harmonia, e desmanchava sua solidão em poesia, como uma talentosa alquimista. Eu nesse tempo estava focado demais na matemática, ainda na ponta do iceberg da razão, conhecendo agora os profundos vales da emoção, navegando por vias que eu não queria deixar, conhecendo universos que eu não conseguia compreender. Reflexos de minhas inquietações e angustias, dúvidas e medos. Me olhava num espelho embaçado, e via apenas minhas costas. De repente tudo se dissipou quando ela parou de tocar. 
    "Nem vi quando você chegou", disse ela, me encarando, depois me deu um apertando abraço, me dando incontáveis beijos na bochecha, "pedi emprestado isso a um amigo meu. Nossa, há muito tempo que não toco. É tão nostálgico..." 
    "Nostálgico?" 
    "Deixa eu te contar", disse ela, enquanto fazia tranças em meu cabelo. Ela tinha essa mania estranha. "Quando eu era mais nova, eu passava a maior parte do tempo na casa de minha madrinha. Ela morava sozinha e gostava de minha companhia, e além do mais minha mãe passava o dia inteiro no mercado, ai você já pode imaginar a razão de eu passar a maior parte lá. E o que deixou minha infância especial foi conhecer os discos de vinis que ela tinha, e, obviamente, poder praticar piano". 
    "Ela tinha piano? Que legal! A gente podia ter um também." 
    Ela riu. Um riso enfadonho. 
    "E imaginar que um dia meu sonho era ser tão divina como Mozart, Chopin, Beethoven... me via em conferências, encantando plateias com minhas melodias." 
    Agora você encanta minha alma. 
    "... bom", continuou ela, "não é bom perder tempo lamentando o tempo perdido. Melhor eu esquentar logo o jantar no micro-ondas. Eles já devem estar chegando".
  • Abstração de vida

       Dois meninos, deitados no capim que parece mais uma grama. Mesmo em cima da camisa, volta e meia o capim pinica as costas. Estão bem em frente para a estrada de asfalto, que trouxe o “progresso” a comunidade rural.
        Nenhum deles liga pro asfalto quente. Mas os carros que passam sobre ele sim. A escola era pela manha. Já tinham feito suas obrigações na roça e agora estavam ali a contar as três horas da tarde, quantos subiam e quantos desciam.
       Os que desciam eram de um, os que subiam do outro. Quando um carro dava marcha ré, não discutiam, negociavam ate chegar a uma conclusão. Alguém lembra que tem carros demais e diz “não, fica já tenho muitos da cor vermelha”, e o amigo respondia “não eu tenho muitos chevetes”. Doa o carro e fim de papo. Ambos possuem tantos carros que poderiam abrir ate uma concessionária
        Mas e as motos? As motos também, as bicicletas e ate os carros de mão. Estavam ali tão despreocupados. Não tem filhos para alimentar, educar, mulheres para cobrar nada deles. Por isso viviam assim, como diria o poeta “Êta vida besta meu Deus”.
       Um deles esboça um sorriso, o outro senti pena daquelas pessoas a descer e subir no asfalto, a passarela do progresso. Eles pouco se importavam com ele, queriam mesmo era sonhar que eram donos do que passava por ela.                                                              
  • Ação e Reação

    Tenho ouvido por ai a lei da ação e reação. Ela é usada em qualquer situação social e vou me ater, somente, no momento de desentendimento num relacionamento a dois, não vem ao caso qual seja o tipo de relacionamento, ampliarei para todas as classes, seja homo, seja heterossexual. Acontece que em momentos de conflitos conhecemos verdadeiramente quem é o nosso parceiro. Não é no sexo, nem no cinema, nem na casa da sua mãe, nem na viagem e no jantar romântico. É aqui (no desentendimento), que poderemos identificar qual é a sua personalidade e acredite: Se você não gostar da ação ou reação do seu parceiro, tome cuidado! Desde da violência física, verbal e consequentemente psíquica até aos atos de suposta traição ou desejo de trair. Acontece que no período de conflito é que demonstramos quem somos de verdade. O quanto de autocontrole e respeito para com o outro temos. Aqui demonstramos o nosso verdadeiro afeto e amor e o mais importante nossa índole. Se somos pacientes, altruístas, fieis, respeitosos e bondosos com o outro. O importante é se relacionar com quem lhe entenda e te aceite nos momentos felizes e saiba te tratar ainda melhor em tempos de conflitos. Mas por favor, saiba identificar e valorizar o comprometimento do próximo, pois você também está sendo analisado.
  • Acordei com a energia de construir

    Acordei com a energia de construir mais um planeta. Seja bem-vindo à nova superfície, ao entrar apenas sorria e veja que a vida pode ser bem mais simples.
  • Acordes do tempo

    Como se sente hoje? Essa pergunta ecoou pela velha e sombria sala que lhe protegia da gélida manhã de inverno. Através de um único e embaçado vitror, ainda se era possível ver parte da colina e da neve que a cobria. Quem nunca se prendeu por um amor, ele pensou enquanto se sentava sobre a cadeira de couro, enrigecida pelo tempo.
    Sinto-me como uma galáxia, respondeu ao senhor de óculos redondos e casaco azul, a sua feição de surpresa ao ouvir tamanha besteira, não lhe assustou, ao contrário lhe ofereceu o incentivo necessário para continuar. As vezes pela manhã observo o cantarolar dos pássaros, toco uma bela sinfonia de Mozart e preparo-me uma xícara de chá, e sentado sobre cadeira construída pelo meu pai em seus anos de glória, espero pela chegada do carteiro, pontual e infalível como o tempo, mas esse dia se repete incansavelmente com uma única diferença, cada vez sinto-me mais e mais cansado.
    Dentre tantas as cartas entregue pelo meu fiel escudeiro, estava um envelope amarelo e sem remetente, logo imaginei mil coisas,seriam notícias de algum conhecido, ou então um convite para dizer adeus ao tempo. Então resolvi guardá-lo em uma gaveta feita sob medida por um orvalho cortado a mando de minha excêntrica mãe.
    O senhor se casaco azul o observava com inquietude, preste a julgá-lo por insanidade, quando depois de um suspiro profundo e um sorriso carregado de lembranças, responde a pergunta que lhe atorduava. A maioria das pessoas em meu lugar provavelmente teriam aberto o envelope, mas porque eu faria tamanha idiotice, se a resposta para o que está lá dentro eu encontraria apenas olhando-me para o espelho.
    Quem alguma vez sentiu a briza do mar sobre sua pele sabe como é experimentar por segundos a sensação de liberdade que os homens procuram durante toda a sua vida. Na escola um de meus professores perguntou a classe o que faríamos se estivéssemos com o caixa do gato de schrödinger, os fortes e corajosos responderam que abririam é enfim descobriram de uma vez por todas o que aconteceu com o pobre gato, já os tímidos e emocionais optaram por manter a caixa fechada, pelo menos não teriam que lidar com a perca de esperança, sinceramente não via sentindo em nenhuma das respostas, afinal a dúvida encoberta pela esperança sempre continuaria sobre nossas mente, por outro lado o medo de se comprovar aquilo que tememos é igualmente destrutivo.
    Preenchendo uma folha em branco o senhor de óculos redondos parmanecia em silêncio, apenas movendo suas mãos sobre a página quase toda rasurada, após poucos minutos. Imagine se pudéssemos viajar no tempo, e que o passado, presente e futuro, coexistem ao mesmo momento, seria ironico dizer que o tempo é o nosso criador, ou seria certeiro afirmar que o improvável nada mais é do que uma possibilidade de viver o intocável?.
    Eu já amei... Ele disse soltando um suspiro cheio de sentimentos enquanto observava a foto do que pareciam um casal apaixonado em seu momento de união, mas precisei fingir não amar, apenas para não ser egoísta, escolhi transformar meu amor em distância, dando a chance de minha amada ser feliz com o seu grande amor.
    Libertar-se de quem uma vez eu prendi, me levou ao que sou hoje, um homem cansado, sem laços e preste a ver a história de várias gerações se deteriorarem e se tornarem pó, assim como seu último personagem ainda vivo.
    Eu fui o único da minha antiga turma que não respondeu a pergunta feita pelo professor, e hoje se tivesse a oportunidade de voltar no tempo eu continuaria em silêncio, apenas observando as manifestações de medo e dúvidas em suas mais diferentes formas.
    Não importa o que meus olhos veriam dentro da caixa, isso de fato não mudaria a minha maneira de encarar a verdade, nunca estaremos prontos para sermos livres de nossas próprias inseguranças. No final tudo volta para nos dizer adeus.
    O tempo é nosso maior presente, e ao mesmo tempo nosso pior inimigo, ele nos dá tudo o que somos e nos tira tudo o que nos tornamos.
    Se me sinto uma galáxia não é porque brilho e rodopio, embora tenha brilhado por muito tempo, sempre haverá um buraco negro em meio a galáxia e por não rodopiar sinto que cada vez mais meu interior é preenchido pelo vaziu.
    Nunca saberei o que tem naquele envelope, talvez minha amada se lembrou de nosso aniversário de primeiro encontro ou então meu eu do futuro enviou uma carta para contar-me que meu fim está próximo. Mas nada disso importa, porque carregarei meu medos, minhas dúvidas e inseguranças para a eternidade ou então para uma próxima vida onde terei o prazer de me reencontrar com o tempo.
    O senhor que a tempos não atendia há um paciente, apenas o olhou em seu rosto cheio de rugas e pouco iluminado pela fraca luz da sala, e no brilho de seus olhos enchergou a resposta para o que estava naquele misterioso envelope amarelo.
    Eu lhe agradeço pelo seu tempo doutor, e sem dizer se quer mais uma palavra, ele vestiu seu casaco vermelho e saiu rumo a nevasca, deixando para trás apenas um pouco do que aprenderá com a vida durante sua história, que agora permaneceria viva em uma folha de papel, assinada pelo grande amor de sua amada.
  • Admirando-te

    Em história tão amável
    Disserto com o maior querer
    Desejo afável
    Amor incontestável
    A você
    Dedico palavras pra teu prazer
    No mais culto português
    No mais bruto sentir
    Entrego a ti
    Os porquês
    De tanto amor pelo que és
    Esqueces a dor
    Imploro aos teus pés
    Amas a si
    Por que és
    A flor mais linda
    Do lindo jardim
    E como és...
  • Adverso a mim

    Uma vez um professor me solicitou um epílogo sobre a minha própria vida. Onde eu contasse algo pessoal, talvez ate peculiar, para que eu pudesse assim, me definir. Isto é, que por hora, me fizesse enquadrar ou desenquadrar em algo, e de alguma forma pertencer há alguma objetificação. E ser aspirante a escritora, é cômico. Em sua cabeça, quando solicitado alguma escrita, é sempre sobre os outros, sejam eles quem forem, ou ate às vezes fica a critério da capacidade imaginária e vagante do seu próprio inconsciente. Entretanto, dificilmente é sobre você mesmo. Tal pedido soa muito íntimo. Se autoanalisar para entreter algo ou alguém, e soa também intimidador, ser forcado a olhar para suas sombras no desejo de seguir surpreendendo um possível leitor, positiva ou negativamente. As minhas trajetórias sempre foram complexas, algumas ate demais. Mas, sem nenhuma intenção de me tornar um livro aberto, eu vou me deliciar em contar apenas alguns fragmentos sobre mim — não os melhores, e nem os piores — apenas fragmentos dessa mulher que me tornei hoje. E para isso, eu vou começar fazendo uma analogia a água, assim acredito que será mais fácil compreender a sequência de dores e sabores, de partes dessa trajetória. Imagine comigo uma cachoeira, e pense em seus diversos elementos: o que a compõe, qual o seu fluxo, quais são as suas fases, e qual é o seu início e o seu fim, mas sempre mantendo em mente sua interminável jornada. E assim, podemos começar analisando seu elemento chave, a própria água. Um conglomerado de átomos que se materializa em algo que podemos definir, palpar. Fluida, adaptável, onipresente, e o mais fascinante, eterna. E a água sempre me seduziu muito, e se estou sendo bem sincera, continuadamente me sinto perseguida por ela. Sou leonina ferrenha, e com muitos componentes de fogo no mapa astral — sem um elemento de terra para promover um nivelamento — e me vejo com um ascendente e uma lua em peixes. Nunca cheguei a uma conclusão se isso seria um carma cósmico ou uma dádiva. Logo, durante um momento de angústia em minha vida, esbarrei com uma taróloga, que além do baralho convencional, ela também abriu um oráculo para mim, de forma intuitiva, e era o oráculo dos cristais de água. Ele é baseado nos estudos do Dr. Masaru Emoto, que chegou a conclusão em suas análises que as moléculas da água são afetadas pelos nossos pensamentos, sentimentos e palavras. E na primeira carta de três, onde eu supliquei por um conselho de vida, a carta contava a história de uma montanha milenar no Japão. Eu fiquei deslumbrada com aquela coincidência e me sentei focada, enquanto escutava atentamente cada palavra que ela me dirigia. E ela começou me explicando que em uma das maiores montanhas do Japão, era encontrada a nascente mais pura em seu pé. Mas, que a água passava por poucos bocados, como ela gostou de dizer, para chegar ate lá intacta. Ela precisava mudar de forma, se transmutar, ser esmagada e comprimida, por rochas e por terra, para chegar em seus afluentes, e que, mesmo com tantas adversidades, ela resistia aos infortúnios, e chegava em seu destino como era em sua essência, pura. E eu, enfeitiçada com a história, esperei inquieta meu conselho de vida, que acabou na hora sendo um pouco desapontador, ela me disse: “Seja como a água, Rafaela.”. Porém, com o passar do tempo, tudo foi se tornando mais claro, e eu realizei que foi um dos melhores conselhos que já havia recebido. Até porque, na vida, muitas vezes queremos e buscamos incansavelmente, o ápice. O ápice de um momento, o ápice de uma história, o ápice de um relacionamento fracassado, ou o ápice máximo de prazer em diversas lascas de nossas vidas. E dessa maneira, esquecemos de apreciar as circunstâncias, esquecemos de refletir que dessa vida que nos foi dada, não terá outra igual. Então, como humana, como carne, eu decidi que era o momento de parar com os excessos e curtir os processos — sejam eles de dor ou de amor — e pensar nas coisas simples que estão todos os dias aqui me fazendo feliz. Um sorriso, um flash, o beijo que você me deu. O meu coração acelerado toda vez que eu vejo aquela fotografia. Tão trivial. Tão surpreendente bom de viver.
  • Agora ela

    Ela era profunda como o oceano
    Perdida em mil planos
    Não sabia concluir
    Mas sabia sorrir
    Não entendia como o mundo vivia
    De conexões rasas 
    Que mudavam da noite pro dia
    Ela não queria ter isso
    E sabia que era quase impossível
    Achar alguém que quisesse a mesma coisa
    Então abraçou a solidão
    E criou o amor próprio
    Assumiu sua tristeza que voltava e partia
    E entendeu que ninguém iria
    Faze-la feliz a não ser ela mesma
    Talvez se encontre em si própria
    E tudo volte a ser leve novamente
    Em sua mente doente
  • Ainda Sinto

    Quando você se foi deixou marcas que carrego até hoje no meu peito.
    As mágoas do passado afloram toda vez que fecho os olhos e penso em você.
    Não posso voltar para aquele tempo, tampouco dizer tudo o que penso.
    Você seguiu em frente, sem olhar para trás e talvez já nem se lembre que um dia jurou amor.
    Meu coração teima em não te esquecer, e por vezes me pego pensando em como seria estar ao seu lado hoje.
    Porém, flechas lançadas, palavras ditas e o próprio tempo não voltam mais, assim, sigo tentando acostumar o meu querer em te esquecer.
  • Alguém de cabeça para baixo

    ... gosto de me elevar em pensamentos, e me perder em teologia do Grande Criador, fraco estou em dizer Teu Nome, indigno em cada traço das minhas digitais... me sentindo alegre em escutar uma nova música de um compositor onde admiro bastante, Tiago Arrais (Os Arrais), e em uma música certamente abarrotada de histórias de sua vida, ou apenas de um momento de tensão, uma frase, um eco me castiga sem parar, um eco de apenas uma das frases, e assim diz, suave e ardente, "nós fugimos de nossa real condição", e a música continuava a tocar, e eu nao parava de ouvir apenas esta frase, e ainda ecoa nesse momento que me jogo nessas palavras... costumamos dizer que Deus é gigante, inalcançável, impossível de se conhecer de perto, onde defendi essa bandeira com força e estufar de peito, tomo uma chacoalhada, um empurrão e um sussurro tão alto que quase fiquei surdo, que por não reconhecer, e correr da minha condição esqueço da humildade de um Ser, que Se coloca como homem, que expõe sua vontade, e se deixa ser Chamado por causa das Suas ações, pois tudo que Ele diz, acontece/ou Ele faz, tudo em um tempo que Salomão entendeu... e esse eco musical me surra, sem parar, meu interior se esmaga, meu coração fica do tamanho de uma azeitona, fico extremamente sem ação, apenas dois dedos se movimentam e parece que nao posso mais piscar, a boca não abre, e eu sou detonado por meu maior adversário, o meu próprio eu... Deus é muito real, e eu prefiro correr, Deus é simples eu complico, Deus é perfeito e eu procuro brechas para que eu possa cair em nome D'ele, onde vai parar a minha condição... onde vai parar um ser tão pequeno que até para o pecado precisa do ar Daquele que abomina a iniquidade... de alguma forma ajuda-me Santo de Israel, para que eu possa avisar de Ti a outros...
  • Alguém Politicamente Incorreto.

    Nunca quis alguém perfeito;
    Nunca quis um super-homem;
    Não quero um super herói;
    Não quero alguém que haja como um ser humano politicamente correto;
    Não quero alguém que não erre;
    Quero alguém que erre;
    Que peça desculpas;
    Alguém que chore;
    Alguém imperfeito;
    Um anti-herói;
    Alguém que tenha medo,e que nem sempre seja corajoso;
    Quero alguém que procure em mim um ombro para chorar,um abraço quente para se encolher e ficar.

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