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literatura marginal

  • Physika MystiKa

    Cansado da procura infinita do fora de si, ao estudar os muitos processos intermediários e primários do existir, em que se entregara a resolução de conflitos dualísticos do corpo-mente, espírito-matéria pelas muitas filosofias mesopotâmicas e posteriormente egípcias, gregas, hindus, hebraicas, árabes, ameríndias, yorubas e congolesas… absorveu o problema da existência mundana e consciência divina sobre outra pressuposição, e se perguntara em pensamentos avassaladores onde estariam os segredos superiores, senão dentro de si mesmo, em seu próprio corpo, psique e coração… resumindo… a vida do aqui e agora, o momento presente, o falar, o respirar, o agir, o sentir… enfim, o viver e depois morrer… a própria existência com todas as suas dores e alegrias, ilusões e fantasias… o bailar constante do bem e mal em si que o movimentava.

    Passou muito tempo até agora na infinita busca externa do Grande Mistério, e olhando para si mesmo… se percebeu esse Grande Mistério.

    Ao sentir-se misterioso, se envolveu em si mesmo com paixão, examinando a si por completo. Vira-se como uma fragrância do todo em tudo, e nele mesmo exalava um perfume do néctar dos deuses. E se auto questionou, dizendo em voz alta para si, em um diálogo monólogo do externo com o interno:

    — Ó matéria pela qual sou constituído, veículo orgânico e atômico de mim mesmo… Ó Sagrado que habita em cada partícula e onda de energia em mim. Foste constituído pelos deuses a Ordem Magna da Consciência Una Superior… A Fonte em que jorra o rio da Sagrada Mística Sabedoria na física de mim mesmo… se te vejo fora não estou dentro, pois, sei que até o que julgo como fora saiu de dentro da outra forma individualizada de Ti mesmo. Então, tudo que saiu de Ti, deve por ordem e dever retornar a Ti. Porque se me conheço e sou conhecido, não é por mim, e sim pelo outro. O que é o externo, senão, o interno alheio exteriorizado em criação e concretização? Ó Sagrada Mística Sabedoria… divina, amada e desejada… te venero em mim mesmo, e a partir de agora não vejo e nem sinto diferença entre o eu e o outro, entre a mente e o objeto… ao te procurar em mim mesmo, percebi que tudo era eu, diferente de quando eu te procurava fora, onde tudo era o indiferente outro externo fragmentado, partidário e polarizado … estava eu perdido procurando fora o que sempre estava comigo. Ó Grande em mim mesmo, revela-se para mim! Porquanto, sou a chave da minha própria prisão… a resposta da minha própria pergunta… o achado da minha própria busca. Dentro de mim está o mercúrio, o sódio, o enxofre e todos os elementos para constituir o ouro puro dos alquímicos, forjado no forno do meu ser, constituindo a Grande Obra em mim mesmo. Assim Eu Sou! Sempre uma única coisa… o superior… o algo mais… o coletivo individualizado… a supra consciência multiversal uniforme que me forma.

    Tornando-se ao ‘UM’, ao se livrar do julgamento que discrimina e separa todas as coisas, vira que o fragmento era uma mera ilusão e verdadeira ignorância… era a criança; o velho; a bela donzela; a senhora fragilizada; o rapaz bonito e valente; o fraco doente; o vivo; o morto; a barata; o verme; o cachorro; o tomate; a carne; o theion divino… não havendo em si e no outro diferença, a partícula se dissolveu em ondas de energia penetrando todas as coisas existentes inexistindo… e de todos teve compaixão, em que ele mesmo era o todo em tudo apaixonado.

    O canto do grilo noturno era ele mesmo a embalar o movimento das estrelas no escuro dos céus…

    Era o próprio galo o despertando pela manhã…

    O gato ao caçar o rato…

    A venenosa serpente a descamar-se…

    O velho vizinho que lhe desejara bom dia era ele mesmo criando vínculos de proximidade em gentilezas…

    O garoto arrogante e brigão…

    O homem chato…

    A lesma se rastejando em sua gosma…

    O esquadro e o compasso de sua própria construção…

    A mesma escada que tanto desce como sobe…

    O engodo de si mesmo e a verdade do outro…

    Assim, em sua livre busca se perdeu nele mesmo em quietude… se encontrando no outro em prisioneiro movimento… em um labirinto em que o dentro e o fora o representava inconscientemente no coletivo individualizado do ordinário Grande Ser em sua pequena forma extraordinária.
  • Poema de A a Z (PoemAZ)

    Cantar contra

    todo encanto

    enquanto tudo

    contar contra

     

     

     

  • Precauções do COVID-19

    Se cuide do jeito certo
    Se os sintomas surgir
    Se afaste de perto 
    Depois chame um médico

    Mantenha distância do infectado
    Fique o mais possível afastado
    Mantenha-se mascarado
    Faça tudo que logo estará curado

    Se o resultado der negativo
    A proteção deverá continuar
    Se esforce para seguir protegido
    Que logo a vacina chegará
  • Primeiro dia

    Hoje é o primeiro dia,
    Por isso aprecie bem o caminho,
    Valorize, esteja ou não sozinho,
    Agradeça o instante com alegria;

    Hoje é o primeiro dia
    Em que podemos mudar
    Bem ou mal que nos fez aqui chegar,
    Agradeça se tiver ou não companhia;

    Hoje é o primeiro dia
    Dos melhores em nossa vida
    Plantemos as sementes dos nossos desejos,

    Agradeça cada segundo com alegria
    O amanhecer, a água fresca bebida
    Porque o que é bom é muito bom mesmo.
  • PRÓXIMA PARADA

    Toda manhã, Mazin passava na 'padoca' no caminho para a estação. Levantava o indicador para o atendente e pedia: "O de R$3!".
    Seu Dadá, velho morador do bairro e dono da padaria era quem atendia, servia-lhe meio copo americano de café preto e uma fatia de pão quente.
    A viagem de trem levava pelo menos duas horas. De uma estação terminal a outra. No caminho, alguém puxava conversa e Mazin se limitava a resmungar trivialidades, como estar fazendo sol ou chuva.
    Numa manhã, o trem parou por quinze minutos que pareciam horas. Um acidente na linha do trem. "Esta composição está aguardando a liberação da linha", o aviso veio pelos auto falantes. Em meio a multidão espremida, Mazin avistou a mulher mais encantadora que já viu.
    Com esforço se aproximou da moça. Tentou falar de cinema, TV, games, música e até falar mal do governo genocida. Gastou seus melhores clichês em quinze minutos.
    A mulher o olhou e deu um breve sorriso, mal pôde ver seus dentes. Ela ameaçou tirar os fones e apenas resmungou, "Ainda bem que está nublado. Seria péssimo se estivesse aquele calor."
    "Seguindo. Próxima Parada Cascadura", anunciou o maquinista.
  • Quarta Feira de Cinzas de 2022

    Meditação do Santo Terço por MTBE em: 02/03/2022 as 08:00. Inicio hoje refletindo sobre o “tripé” que fundamenta o tempo litúrgico que se inicia: a Quaresma, a Quarta-feira de Cinzas marca o início desse tempo que é forte, simbólico e me remete a uma espiritualidade engaja e comprometida com o bem comum, mas penso que o JEJUM, a CARIDADE e a ORAÇÃO precisam também ser resultado de uma prática engajada e comprometida, por isso peço a Deus iluminação e sabedoria para meditando o Santo Terço trazer uma reflexão pertinente à nossa realidade.
    Primeiro Mistério, certamente a caridade me trona ainda mais apto à Misericórdia Divina, não penso em “romantizá-la”, mas é partindo dela que posso atingir o dom da  Humildade e assim reconhecer minha limitação diante dos mistérios da vida e para isso preciso estar em estado permanente de oração engajada e comprometida socialmente. Que assim como Maria que ouviu o anúncio do anjo e acolher a vontade de Deus, eu possa compreender os fatos atuais com esperança e otimismo.
    Segundo Mistério, a caridade também é muito mais que dar esmolas ou fazer ações filantrópicas, muitas das vezes para aparecer bem na foto ou nas propagandas midiáticas, creio que Ela deva ser resultado de um amor-doação, quer seja por uma causa, quer seja por um projeto de vida, por mais que na política e na religião algumas vezes essas duas vertentes se contrastem. Penso muito em Maria que não reputou e dirigiu-se apressadamente, mesmo com as dificuldades, grávida e pela região montanhosa a ir servir sua prima Isabel, ela pôs sua oração em prática mesmo quando poderia ter ficado apenas na intencionalidade de que “Deus já está no comando”.
    Terceiro Mistério, abdicar do que eu gosto nunca foi fácil, no entanto, inúmeras vezes tive que assim fazer devido à casualidades da vida, é um processo difícil e se torna ainda mais complicado quando oque tenho que renunciar ao mesmo tempo me dá prazer. Nesse período da quaresma costumamos fazer abstinência de carne, por exemplo, mas fico me questionando, será que me compensa não comer carne e continuar a meu bel-prazer julgando, caluniando e menosprezando as pessoas e não fazer o mínimo esforço para compreender todas as pessoas como próximas? Pensando que nossa sociedade vive vários retrocessos me pergunto, “qual deve ser minha posição política e religiosa, ser omisso diante de ações e atitudes que não proporcionam a vida, ou reconhecer que Jesus nasceu na pobreza, foi um refugiado e que diariamente varias  crianças passam pela mesma situação, vitimas e refugiadas?”. Que assim como Maria e José que souberam suportar as dificuldades que foi o nascimento de Jesus, eu possa ter as condições de lutar por uma sociedade de fraternidade e paz e também as famílias tenham a mesma força e coragem para seguir adiante.
    Quarto Mistério, a quaresma é um tempo propagado como de mudanças de vida, acredito que essa mudança passa pela adesão a um conhecimento que liberta e aí contemplo Jesus diante da sabedoria de Simeão, percebo aqui o quanto é importante reconhecer na ancestralidade o potencial que gera, não somente alegria, mas aponta para as consequências do transpassamento da dor. Que nessa quaresma Maria seja esse exemplo de fortaleza e de oração comprometida para tantas mães e pais que experimentam o abandono da Educação pelo poder público por isso sofrem a transpassação da dor diante do avanço da criminalidade em suas casas.
    Quinto Mistério, acredito que contemplando Jesus entre os doutores da lei eu possa compreender melhor o quanto Ele preza pela sabedoria. Estou certo que este mistério está profundamente relacionado à Campanha da Fraternidade desse ano, “Fraternidade e Educação” Fala com amor, ensina com sabedoria. Certamente Jesus respeita os ensinamentos dos judeus, mesmo tendo sua convicção sobre o testemunho da verdade, com isso Jesus me mostra o quanto é importante escutar com amor para também alcançar à sabedoria. Que nesse tempo eu possa vivenciar muito mais que discursos, falas e palavras e que a oração seja ação, que o jejum seja abrir mão do que me leva a errar e que a caridade, seja muito mais que dar esmolas para fins filantrópicos e seja mais dar amor, atenção e acolhimento. Assim seja.
  • Rato condicionado perdido no labirinto de Skinner [conto]

    Acordei de novo. Não lembro do que aconteceu ontem a noite. Não faz muita diferença. Não gosto de lembrar muito das coisas. Lembranças podem arruinar uma vida inteira em busca de porquês. Também não lembro de onde vem as dores, tenho a impressão que elas sempre tiveram aqui. Sempre soube que é muito mais fácil aprender a conviver com os problemas do que tentar resolvê-los. Não gosto de ir contra minhas convicções, e a experiência me mostrou que o melhor jeito de conviver com os problemas é bebendo. Por isso, antes que perceba que estou tremendo a ponto de não conseguir andar sem me escorar na parede, fiz um café com conhaque e raspei dois pinos que achei no bolso da calça de ontem para desentupir o nariz. Foi o suficiente para me sentir vivo, mas quando os urubus no estômago enviaram os primeiros sinais de que precisavam de mais carniça fui para o bar do Jaime.
    Entrei no bar e o velho me olhou como se eu fosse um fiscal do imposto de renda. “Me dá o que essas moedas puderem pagar.” Ele empurrou as moedas para a gaveta e me deu meia dose de pinga. Um tipo texano surgiu como uma aparição do meu lado falando como quem pode mudar o rumo de uma vida. “Tá precisando de dinheiro?” “Um homem precisa pagar suas contas.” Ele estendeu uma nota de cem com uma mão e um trinta e oito com a outra. Não estava preparado para aquilo, não é o tipo de trabalho que normalmente me oferecem num fim de tarde de uma terça-feira ensolarada enquanto estou curtindo meu momento de entretenimento forçado. “Você sabe usar uma dessas?” “Sei.” Não era o que eu estava acostumado a fazer, mas também não estou acostumado a viver sem pagar o aluguel. “Você só me dá cobertura junto com o Grandão ali e o Tonhão aqui.” “Certo.” “Se você sobreviver te dou a outra metade do pagamento.” Essa última fala me fez pensar que talvez aquele trabalho não fosse para mim, além de esperar alguma coisa melhor como informação, tipo: “é um negócio arriscado, então fica esperto” ou “não é nada demais, só precaução.” Ele me mandou esperar na frente do bar com os outros e encostou no balcão para tomar mais uma.
    Ficamos na frente do bar como capangas guardando o QG. O Grandão acendeu um cigarro, pedi um para mim e colei do lado dele. “Que tipo de negócio vamos fazer?” “Não interessa, só se preocupa em proteger o chefe.” “Não sou da polícia, só quero saber onde estou me metendo.” “Você recebeu uma boa grana e uma arma, com certeza não é para olhar as crianças no parquinho enquanto a Dona Dondoca fode com o jardineiro.” Não parecia que seríamos grandes parceiros de trabalho. Também não sei se quero trabalhar com essa organização. Me parece que eles atuam numa faixa de mercado com a qual não estou muito familiarizado. Foi nesse momento que pensei: que bom que eles não sabem que nunca atirei em nada. Em seguida um pensamento atormentador começou a sombrear minha mente: e se eles soubessem que eu não sei atirar só pelo meu jeito pacífico de otário e me pegaram para ser bucha de canhão?
    Quando já estava perto de voltar para o bar e devolver a arma, o dinheiro e pedir desculpas por ter aceitado um trabalho que não tinha coragem de fazer o chefe saiu pela porta vai e vem. “Vamos rapazes, chegou a hora de me recompensar por pagar vocês tão bem.” Entramos os quatro dentro do Santana que estava parado na esquina e rumamos para o encontro onde é melhor levar gente armada para te defender. Saímos sem fazer barulho e andando dentro do limite de velocidade. “Olha só, nós vamos fazer assim: eu e o Tonhão vamos entrar na casa, Grandão, você fica na porta de olho no que acontece aqui fora. E você, Tripa Seca, vai ficar com o carro parado na esquina da frente observando o arrabalde. Qualquer coisa errada você aparece na frente da casa já no piloto que o Grandão sabe o que fazer.” Era isso? Ficar no carro vendo o movimento da esquina? “Ok.” “Presta atenção, se você for atirar, atira para matar. Se a gente não sair em quinze minutos vocês entram fudendo com tudo.”
    Definitivamente eu não estava pronto para aquilo. Todo momento eu tentava chegar a uma fórmula que me permitisse desistir da empreitada e sair dali carregando minha honra e andando pela vontade das próprias pernas. Como diria meu pai, o covarde é quem sobrevive para viver com a glória do herói. Não quero a glória de nada, só sobreviver já me basta. Quando reparei a gente estava passando pela Vila do Médicos. O chefe parou o carro numa esquina e mandou eu assumir o piloto. “Tá vendo onde estão aqueles dois carros parados? Deixa a gente na frente daquela casa. Depois para no fim da rua. Fica esperto no Grandão que ele que vai te dar o sinal pra você vir buscar a gente. Se você notar alguma coisa errada aqui fora você senta o dedo e vem buscar a gente aqui na frente.” Notar o que errado? Um bêbado nessa rua ia me parecer estranho, deleto ele?
    Tremendo e sem saber o que fazer deixei os três na frente da casa e me posicionei onde achei que o chefe tinha dito para parar. Coloquei o cano no colo e fiquei olhando pelo espelho retrovisor. O Grandão ficou parado na frente da casa conversando com outro brutamonte que tinha aparecido lá. A cada cinco segundos o Grandão dava uma olhada para mim parado na esquina. Aquilo não parecia certo. Agora era a hora de aparecer atirando? De repente um barulho de pneu derrapando fez eu dar um salto no banco e a arma cair no assoalho. Me abaixei para pegar e quando levantei o carro que tinha feito a curva na esquina a milhão parou na frente da casa e dois caras saíram pela porta detrás e começaram a atirar a esmo. Liguei o carro, engatei primeira, virei a esquina sem chamar a atenção e fui embora antes que eles percebessem minha presença.
  • redução de danos

    poucos estão acordados
    para a corrida
    da redução de danos
    os outros acham que não é com eles
    fazendo crianças
    comprando leite
    rezando o terço
    criam a geração
    que não terá água
    e terá que ser outra espécie
    para viver no mundo que herdará
    no salão do cartola clube
    o barulho da tosse é uma despedida
    de bons tempos antes odiados
    no maracatu pasteurizado da vila madalena 
    a juventude se afoga com alegria
    no limbo da cegueira
    mertiolate que não arde
    paliatvos para o brasil sem rock
    sem nobel
    sem governo
    pão invísível e circo de horrores
    amanhã tem mais?
  • reflexão simples

    a humanidade tem um gosto amargo.
  • Respiração

    Tá cada vez mais difícil
    continuar vivo ultimamente
    Meu corpo anda exausto 
    da poluição
    da minha mente

    Eu tenho sido suicida
    Um esboço sem graça 
    de mim sangrento
    rindo
    sem dente

    Ontem
    eu soube me amar
    Hoje em dia nada 
    faz
    que eu tente.
  • REVOLUÇÃO

    Num dia rotineiro, no final de um plantão, observo atentamente o sol brilhante da estação. Não demora, vai embora encantando a multidão, que aplaude agradecida, mais um dia de verão.
    Apagando no horizonte, iluminando o firmamento, deixa tudo tão dourado, num fim de dia de dezembro.
    Chega à lua sorrateira, do lado da constelação, brilha mais que as companheiras, no manto da escuridão.
    Sigo encantado, com toda aquela movimentação, agradecendo o infinito, pela dádiva da visão.
    Após o retorno congestionado, desço da lotada condução, chego à casa delirante, impressionado com a translação.
    No bolso apertado, não acho a chave do portão, grito desesperado, o nome da minha paixão.
    Um beijo demorado, ali mesmo no portão, me lança no espaço, me tirando o pé do chão. Passo eu desnorteado pela lua, ao lado daquela constelação.
    Caio em terra em brasa viva, feito bucha de balão.
  • Rosas cor de sangue

    Eu acompanho o canal do Ferréz há algum tempo no YouTube. Eu gosto do trampo do mano, tem postura e manifesta opiniões bem coerentes. Me encantei ainda mais quando soube que ele é escritor, poeta, tem uma ONG chamada Interferência e sua própria grife de roupas. Como ele consegue dar conta disso tudo? Não sei, mas quando vi o seu álbum Os inimigos não mandam flores, eu logo comprei.
    Tava com muita curiosidade de ler a escrita marginal do Ferréz, que roteirizou o álbum. Autor de livros como Capão Pecado e Manual prático do ódio, é um cronista da favela, que vai tecendo a trama como quem picha um muro. A mente dele não processa, ejeta ideias que ganham corpo e falam o dialeto das ruas. É inevitável ler o álbum e não identificar — ou se identificar — com os dilemas dos personagens.
    O que dizer de um quadrinho sem falar dos traços? Esses ficam por conta Alexandre De Mayo, meio realismo, meio grafite.  A diagramação usa e abusa de páginas duplas e páginas inteiras, deixando tudo com cara de um panorama cotidiano. A colorização investe em tons terrosos e escuros, deixando tudo sufocante e acalorado, quase sombrio, mesmo que um sol mortiço brilhe no horizonte.
    A história do álbum é rápida como um tiro, mas densa e cheia de tensão, como uma espiral de dor, sem tempo pra catarses. Se dividindo em dois momentos — mas conectados —, a obra nos leva a dura realidade marginal brasileira, onde policiais mais torturam que interrogam os acusados, e a cooptação do tráfico não respeita nenhuma barreira social. Choca ao mesmo tempo em que nos transborda de consciência social.
    No início do quadrinho, o acusado Igordão está sendo sovado igual a bolo numa delegacia da Zona Sul de São Paulo. Estão tentando fazê-lo assinar uma confissão, mesmo que pela força, o que o acusado se recusa a ceder. O jogo só vai aumentando a pressão. Na segunda parte, um classe média desempregado tenta ganhar a vida no submundo do crime paulistano, e descobre da pior forma que os inimigos não mandam flores.
    O título conta com um prefácio do repórter e crítico Rodrigo Fonseca, e uma super entrevista com Ferréz e Alexandre De Mayo que nos ajuda a entender um pouco de nosso país nos anos 2000. O desenhista Alexandre foi editor das revistas Rap Brasil, RapNews e Grafitti, quando fizeram o álbum Os inimigos não mandam flores, contavam com certa inexperiência, mas que em nada prejudicou a condução dos trabalhos.
    O álbum foi publicado pela Pixel Media no longínquo ano de 2006, e continua atual como nunca. Em 2019 Ferréz fundou a editora Comix Zone em parceria com o apresentador Thiago Ferreira, investindo num catálogo diversificado, já contando com mais de trinta títulos. A editora conta com seu próprio canal no YouTube com mais de 50 mil inscritos.
    Ferréz ainda tem uma empresa de bonecos chamada Porcovelha, que já conta com dois personagens em sua linha: Diomedes e Chupetin, ambos personagens criados pelo quadrinista Lourenço Mutarelli. A sua empresa, a 1DASUL é uma marca que vende roupas e acessórios exclusivos, com temática de rua e favela. Por fim, é o coordenador da ONG Interferência, lá no Capão Redondo, ufa! Seus empreendimentos são empresariais e sociais também, retornando a sociedade o que conquistou coma a sua força e esperança.
    Para adquirir acesse:
    Link 1 - http://www.comix.com.br/os-inimigos-n-o-mandam-flores.html
    Link 2 - https://shopee.com.br/Os-inimigos-n%C3%A3o-mandam-flores--Uma-hist%C3%B3ria-da-Periferia-em-Quadrinhos-%28Usado%29-i.317248030.7570006218
    Link 3 - https://www.amazon.com.br/Os-Inimigos-N%C3%A3o-Mandam-Flores/dp/8573164867
    Link 4 - https://www.travessa.com.br/os-inimigos-nao-mandam-flores-uma-historia-da-periferia-em-quadrinhos-1-ed-2006/artigo/05cf8b36-435a-44a4-a7df-ddae94999996
    Outros links de interesse:
    ONG Interferência - https://pt-br.facebook.com/onginterferencia/
    Loja 1dasul - https://www.1dasul.com.br/
    Selo Povo - https://www.1dasul.com.br/departamento/159069/17/livros
    Porcovelha Toys - https://www.1dasul.com.br/departamento/159065/16/porcovelha
    Comix Zone - https://www.1dasul.com.br/departamento/79449/13/hqs-comix-zone-
    Canal do Ferréz – https://www.youtube.com/c/Loja1dasulBrsp
    Canal da Comix Zone - https://www.youtube.com/c/canalcomixzone
  • rotina quase diária

    corpos cansados
    almas machucadas
    espelhos quebradosportas arrombadas
    clima amenomas desde pequeno 
    sempre sem saber o que esperar ou quando esperar pisando em ovos pra em nós não pisar 
    shii, ele vai surtar
    ainda lembro em uns dia(s) qualquer, voltando mais cedo do rolé 

    chegando tarde da faculdade várias ligações, várias mensagens voltando pra casa na velocidade 
    o tempo não passa, me sinto sufocado 
    quase em crise respireno chão mais firme piserespiresei a forma de lidar com mais um "deslize"
    cheguei num silêncio absoluto só o cachorro notou,o silêncio cortou e me explanou
    geral dormindo só uma luz acesa
    clima de merda

    levanta e olha no meu olhonão consigo entender não consigo esquecer 

    dane-se a forma de lidar, agora vai ser meu o deslize.
  • Salvação

    Não, não, aguantarei firme, não gritarei. Não, silêncio. Dois socos na costela e um tapa na cara. Meu corpo esvanece, eu estou roída, minha alma se desprendeu de mim e meu corpo é, somente, um involucro vazio. Dessa casca oca não sairá nenhum suspiro, não posso demonstrar uma gota de vida a esse homem.
    Nada mais me importa, se queres me morta, por que não me matas? Nós últimos anos a guerra tinha se tornado insuportável. O Estado aumentou drasticamente a repressão, foi, assim, que meu pai despareceu e seu corpo nunca foi encontrado. Eu tinha medo, hoje não temo mais, um gosto insuportável de sangue não sai de minha boca. Nasci no Rio de Janeiro, família pobre, nascida e criada no Candomblé, sou filha de Iansã, por muitos anos, em minha juventude, descia aquelas vielas estreitas, com uma enorme quantidade de pessoas nas portas de suas casas, e sentia o cheiro da favela entrar pelo meu nariz, percorrer todo meu sistema respiratório e morrer tranquilo em meus pulmões. Aquele cheiro era o sinal que eu estava viva, cheiro de merda misturada com o arroz e feijão que as donas de casas coziam em seus barracos.
    Minha cabeça esta confusa, ele de novo não, por favor, pare, não fale, não grite. Você tem que estar morta para ele. Choque de novo, ele me pega abre minhas pernas com uma violência descomunal e, com seus olhos azuis brilhando, introduz dois elétrodos em minha vagina, descarga, mais uma. Meu corpo inteiro estremece, aquela corrente flui em minha alma, a dor é terrível. Eu continuo em silêncio, não posso dar prazer a esse homem, ele quer que eu o aceite como meu salvador, Oxalá me proteja.
    A dois anos atrás esse homem me surpreendeu em uma emboscada, meu pai estava morto, mas eu continuei a lutar contra essa podridão que, ainda, infesta nosso país. Eu e mais 5 companheiros, armas em punhos, era matar ou morrer, mas nem matamos e eu pelo menos ainda não morri, aos outros sobraram choques, pancadas, estupros, chutes, socos assim como a mim, mas se estão mortos ou vivos, isso procuro bloquear de minha mente.
    Nós dentro de um fusca, de repente, cercados pelos cães do governo, raça podre. Não tínhamos para onde correr, aqueles comedores de carniça, nós cercaram e colocaram cada um de nós em carros diferentes. Imediatamente, arrancaram minha roupa e vendaram meus olhos. Somente os ouvidos trabalhavam naquele momento. Carro velho, amortecedor rangendo, cheiro de cigarro, fedo de perfume barato, carro passa em um buraco, prossegue, grunhidos dos porcos comemorando a nossa derrocada ação, ligam a sirene, a velocidade aumenta e eles gozam a minha desgraça.
      Eu ouvia, de suas bocas podres, que me consideravam o premio máximo, o capitão desejava me conhecer pessoalmente. Por que logo eu? Mulher, negra, pobre, macumbeira e comunista, qual desses adjetivos os deixavam mais furiosos, eu não sei, o que eu sabia é, irremediavelmente, encontraria o capitão.
    Meus ouvidos nada mais me informaram naquele trajeto, somente os uivos daqueles desgraçados vibrando com minha desventura.
    Ele está chegando de novo, a sala é escura, não posso vê-lo com toda lucidez. Homem alto, cabelos longos, barbas claras e olhos azuis, deve ser europeu. Sempre usando uma espécie de túnica que deixa aparecer apenas seu rosto e seu pênis. O falo é seu símbolo, ele esfrega em mim, quer que eu me curve ao seu poder, nunca. Eu estou o tempo todo amarrada nessa cadeira, me tira daqui e me coloca direto no pau de arara. Acaricia-me, diz que: ele é meu único salvador, o tenho que aceitar assim, só ele pode me salvar. Beije minha mão, aquela voz doce diz, e eu cuspo nela.
    Desde que cheguei aqui, a única coisa com que me alimentam é uma espécie de biscoito de farinha, uma circunferência sem gosto algum e que se adere ao céu da boca com enorme facilidade, para beber é sempre alguma bebida a base de uva, não sei se é vinho, o gosto de sangue e ferro em minha boca é constante.
    O capitão sobe na cadeira e começa a esfregar toda sua masculinidade contra minha face, gritando: - Aceita-me, aceita-me, eu sou o seu salvador. Nem pensar, esse homem podre, como ele pode me salvar se eu não procuro ser salva, salvar-me de que? De ser mulher, de ser negra, sou comuna e sou Iansã. Carrego comigo o pegado original bem no meio de minhas pernas, Helena de Troia, Hécuba, Olga, Rosa........
    Muita vezes, ele coloca sua mão gélida em minha vagina, e diz: - Essa chaga logo vai se fechar, operarei um milagre em vós. Chaga? Se, assim, for esse sofrimento é meu e dele me aproprio, ademais o gozo. Nada irá se fechar, o que posso fazer perante esse Homem?
    A minha salvação e não ter salvação, espero em silêncio meu fim, apanhei e continuo a apanhar constantemente, mas meu sangue me nutre. Eu estou inteira quebrada, nunca mais vi a rósea manhã se levantar ou a penetrante luz do sol do meio dia. Quero ser somente eu e mais nada, mulher e negra, sem medo, vai em frente. Morro na cruz de meu salvador
  • SASSÁ

    Alma tenra de casca dura
    Gentil com consanguíneos
    Estende aos irmãos da alma
    Cuidados, preces e carinho.

    Extrínseco de Virgulino
    Parentela no sobrenome carrega
    Intrínseca alma de menino
    Quem te mira nos olhos enxerga.

    Diante dos males que te atingem
    Sorri matreiro das provas
    Malogros e reveses não te afligem.

    Quem desiste sem lutar
    Não conhece a história
    Do meu grande amigo Sassá.
  • Ser louco para muitos e errado

    Ser louco para muitos e errado, para min e ser verdadeiro, e pensar de maneira diferente do que somos impostos a viver e pensar, por isso vivo minhas loucuras sem me importar com o que vão pensar
  • Silver Tape

    Zími entregou a Mila Cox uma sacola para discos com um LP dentro. 
    Ele não a havia presenteado em seu aniversário, dois dias antes.  
    Conhecem-se desde o nascimento de Mila Cox, e trocavam presentes eventualmente, mas sempre com alguma zoeira sutil envolvida. 
    Era uma edição nacional e comum de uma coletânea da Siouxsie and the Banshees, em bom estado de conservação. 
    A contracapa, no entanto, trazia uma dedicatória escrita com esferográfica, que deixava claro que alguém ganhou o disco de presente e passou adiante sem remorsos. 
    A dedicatória tomava quase a metade da contracapa, e Zími havia comprado por dois reais, por conta de depreciação. 
    Zími havia esquecido a sacola na Kombi de Silvano no dia anterior, e a encontrou naquele momento, num compartimento oculto que há no banco traseiro. 
    Zími falou: “Não é um disco raro, mas essa edição vem com um texto na contracapa.” 
    Mila Cox: “Nossa! Dedicatória de 1985! Amei! Valeu!” 
    Eram onze horas da noite do sábado, fazia frio e o camarim e ponto comercial dos Crop Circles era a kombi do camarada Silvano, uruguaio que morava no mesmo prédio que Mila Cox e Zími.  
    Mila Cox e Zími eram os Crop Circles.  Um duo, com baixo, sintetizador e bateria. 
    Silvano definia o som deles como uma mistura de Violeta de Outono com X-Ray Spex. 
    Ele era músico também e atuava como uma monobanda.  
    Tocava sentado, usando violão microfonado ou guitarra, e fazia a bateria com os pés, uma gambiarra com caixa, bumbo, chimbal e muita silver tape. 
    Zími também usava um kit minimalista de bateria e tocava de pé. Era apenas caixa, prato e chimbal. 
    Silvano falava português sem sotaque porque vivia em São Paulo desde os quatro anos de idade. 
    Para pagarem suas contas, Mila Cox era copywriter, assim como Zími.  
    Silvano fazia carretos e entregas com sua kombi. 
    Ambas as atrações se apresentaram numa festa junina nessa noite de sábado.   
    Silvano tocou antes. Os Crop Circles haviam encerrado seu show às dez horas. Ambos os shows agradaram o público. 
    Esses shows aconteceram na casa de Miro, um agitador cultural do bairro da Casa Verde, que já teve uma banda de Hard Core chamada ‘Colaterais’, e queria fazer uma festa junina com rock alternativo.  
    Era uma casa grande, a última de uma rua curta e sem saída. Os demais moradores da rua endossaram a ideia e tudo correu dentro do previsto. 
    Conheceram-se num show dos Crop Circles ocorrido meses antes, em Santo André. 
    Tinham outro show marcado para o fim da tarde do domingo, em São Caetano. 
    Era como se estivessem no intervalo entre o primeiro e o segundo tempo de um jogo de futebol.  
    Mila Cox tinha vinte anos sabia que a vitória só se consolidaria ao término do show do dia seguinte, caso tudo fosse mantido sob controle. 
    Zími e Silvano tinham quase cinquenta.  
    Os dois sabiam que muitos artistas com a idade deles, nos dias de hoje, começam a se preocupar com excessos, especialmente naquele momento em que uma agenda estivesse apenas parcialmente cumprida.  
    Quando bebiam, sempre repetiam um ao outro, em meio a gargalhadas, que só não eram completamente inúteis para o sistema, porque ainda faziam mercado e pagavam por gasolina.  
    Com medo de que os dois ficassem muito loucos e dessem milho no show de domingo, Mila Cox buzinava na kombi parada a cada vez que um deles cochilava de bêbado, enquanto ficavam vendendo camisetas dos Crop Circles por mais um tempo depois do show. 
    Quando ela buzinava, o som era tão estrondoso dentro e próximo ao veículo, que os dois pulavam de susto e ela ria.  
    Zími e Silvano estavam felizes porque estavam com gasolina paga e alguma bonança financeira com o show de sábado. Tomavam Domecq, cada um com sua garrafa, bebendo no gargalo.  
    Era o dia de aniversário de Gene Vicent, e naquele dia Silvano tocou clássicos desse mestre e de alguns de seus contemporâneos, em versões mais aceleradas, para complementar seu repertório de músicas próprias.  
    Silvano falou para Mila Cox: “Você deveria ter paciência conosco, e entender que sair pra tocar num sábado sem ter prejuízo financeiro como muitos artistas que pagam pra tocar, e ainda lucrar com camisetas e discos, e além de tudo ter um show no dia seguinte, num ambiente completamente diferente, com o tanque da kombi cheio! Amanhã não tem cachê. Terá o pagamento do valor de um tanque de kombi cheio de gasolina, mesma coisa que foi hoje. Amanhã quando voltar pra São Paulo e estacionar na garagem do prédio, teremos lucrado com essa logística bem elementar. Eu e o Zími somos coroas, mas você sabe que mesmo que um de nós morrer hoje, vai levantar e fazer o show assim mesmo, zumbi. Então fique sossegada. A gente já vai voltar pra casa, quando miar o movimento aqui.” 
    Zími falou: “Eu adoro a ideia de ter show amanhã. Eu descanso na segunda. Estou vivendo um momento sublime. Na segunda dormirei, enquanto algum escravo assalariado contemplará o próprio retrato na parede de alguma firma por ter sido eleito o funcionário do mês, enquanto seus verdadeiros superiores hierárquicos estarão em orgias, em plena manhã de segunda. E em seguida um gerente patético o chamará de mocorongo e o fará voltar ao trabalho. E nós poderemos lamentar essa condição social mórbida criando mais uma música.” 
    Mila Cox: “Eu tenho paciência suficiente. Sei que a Carole King não gravou o ‘Tapestry’ do nada. Foi preciso passar por muita coisa antes de entrar definitivamente pra história. Está tudo bem, agora nós temos uma kombi. Antes de mudarmos pro apartamento e conhecermos o Silvano, foram dois anos com um Chevette 79, e naquele tempo o Zími tinha pavor de fazer shows em dias seguidos. Vocês já estão cozidos por essa bebida e nem sentem o frio que está fazendo. Mas eu não reclamo. Fazer merda virar adubo tem que ser um lema quando ainda se está construindo uma reputação.” 
    Zími: “Alcançamos alguma prosperidade sem sucumbir a ideias megalomaníacas de estrelato. Seguirei com essa postura em tudo que eu fizer. Lembre-se sempre que se nós tivéssemos nos transformado naquilo que nossos pais sonharam pra gente, teríamos um destino tão diferente que nem é bom tentar imaginar. Então estar aqui é uma glória. Expectativas exageradas sobre o futuro diminuem a importância do nosso presente vitorioso. Além do mais, São Caetano é perto.” 
    Mila Cox: “Você pelo menos fez faculdade. Pelo menos um de nós. Eu ainda sofro com esse tipo de pressão. A vida acadêmica me tomaria um tempo precioso.” 
    Zími: “Fiz a faculdade de jornalismo apenas pra me livrar dessa pressão. Não reclamo daquele tempo. Hoje eu vejo no que meus colegas se transformaram e agradeço ainda mais pela minha sorte. Com diploma, ainda que inútil pra minha vida prática, sem filhos, com uma banda, e tentando prolongar a juventude sem fazer um papel ridículo.” 
    Ao redor da kombi, estacionada na frente da casa de Miro, adultos conversavam e bebiam, crianças brincavam, cachorros passavam farejando alimentos que caíam no chão, e uma trilha sonora mais tradicional em festas juninas era o que se ouvia naquele momento. 
    Pessoas que sabiam que a segunda feira chegaria rápida e impiedosamente, dançavam bêbadas sabendo com o sossego de estarem próximas de suas casas.  
    Eram cerca de duzentas pessoas. 
    Silvano pensava secretamente se realmente valeria a pena voltarem para casa, ou se seria vantajoso dormir na kombi com os equipamentos, e na tarde seguinte seguir para São Caetano e fazer o show. 
    Dessa vez, mais duas bandas tocariam: Silvícolas e Secreção. 
    Zími falou: “Amanhã será outro dia de glória. Vamos tocar antes das duas bandas. É um jogo ganho. Há um sabor especial em fazer a nossa parte e ter mais dois shows pra assistir. Gosto de tocar domingo. A atmosfera não é carregada daquela urgência em se divertir a qualquer custo. Os Silvícolas são ‘posers’, certamente vai ser engraçado de assistir. Ouvi umas músicas na internet e não consegui entender se eles fazem sátira com o ‘hair metal’ ou se realmente se levam a sério. Espero que seja sátira. O Secreção tem umas músicas boas, mas vamos ver se ao vivo chamam a atenção. Mas gosto da forma como eles desprezam o sistema e todo tipo de estrelismo no comportamento de quem se torna afetado por ter uma banda e consegue agendar um show. Musicalmente são de uma linhagem derivada do Minor Threat. 
    Eu não sei se a pessoa que chamou essas bandas tão diferentes fez de propósito ou se faltou critério. O antagonismo entre eles é brutal. Mas é bom misturar. Não é possível que vá rolar alguma treta. Mas se rolar, o Silvano vai filmar pra colocarmos num documentário futuro.” 
    Silvano: “Ainda existe treta desse tipo? São moleques criados pela avó, não vai ter nada disso. Além do mais, será outra festa junina!” 
    Mila Cox: “Existe gente cretina o suficiente pra tudo que se imaginar, mas eu conversei com eles pela internet, vai ser sossegado. O público que eles vão levar será as namoradas e meia dúzia de amigos também criados pela avó.” 
    Zími: “Sim, são moleques da sua idade. Vão ficar com vergonha de fazer qualquer merda juvenil depois que o Silvano e nós tocarmos. Provavelmente eles têm grandes expectativas sobre o futuro, e como quase ninguém os conhece, não vão querer queimar o filme.” 
    Por volta da meia noite, as pessoas começaram a se despedir e ir embora. 
    Mila Cox falou: “Vamos embora, temos que atravessar o rio Tietê pra chegar no centro. É um rolê. Antes que fiquem ainda mais bêbados.” 
    Ao ver abortada sua ideia secreta de estacionar perto de alguma loja de conveniência e dormir na kombi, Silvano se ajeitou ao volante resmungando sutilmente. 
    Foram embora dormir em casa. 
  • Simples assim

    Atenciosamente consciente, pleno de si no aqui e paciente consigo mesmo no agora, depois de abandonar a morada do automatismo dos falsos e inúmeros ‘eus’ do psicológico imposto em disfunções, que o prendia a má sorte, e toda a cadeia de desejos ilusórios que se arraigaram a sua persona frágil, dualística e fragmentada, involucrada nas camadas da má educação social em traumas, ignorâncias e tormentas de pressões socioeconômicas, e, cultura provinciana pós colonial escravagista afro-ameríndia urbana… resolveu viver a simplicidade de cada momento, se autodisciplinando na recordação do SAGRADO CRIATIVO em si mesmo. Voltando as práticas primordiais sacras da Gnóstica Mística Sabedoria, na consciência voluntária da harmonia com o Infinito ‘Multiversos’ Universal, em sincera atenção consciente, espontânea, natural e plena realização. Espiritualizando a tudo que seu espírito e corpo se aplicava.

    Essa morada do automatismo inconsciente em que nasceu, em que os diversos ‘eus’ autônomos de si fora criado com alusões em imagens e referências ilusórias do patriótico patriarcado cidadão comum, reagindo sem controle e se movendo mecanicamente com brutalidade, de maneira especial, nos hábitos e costumes ligados a falsa e excêntrica personalidade doentia… era a família… a comunidade… a civilização… o conflito. Era definitivamente o seu mundo, sempre e constantemente envolto as novas formas de opressão, ignorância e escravidão cultural, social e ambiental que impera na moderna e industrial, tecnológica e agora virtual sociedade global de personalidades físicas e personificações jurídicas capitalistas.

    Essa moderna morada arcaica filosofal da intelectualidade humana, com: sua fundação e pilar base colonial Renascentista; paredes erguidas com pesados tijolos e argamassa do escravagista Barroco; teto com lumes dourados do político ditador Iluminismo; piso de ladrilhos cerâmicos do clero ortodoxo Cartesiano; janelas e portas com brancos e alvos cortinados do industrial corporativo Epistemológico; varanda adornada com flores pretas e brancas do Dualismo mente-corpo… Fora a sua miserável habitação inconsciente de todos esses anos, em que os variados ‘eus’ do psicológico cresceram. Tornando no CENTRO MOTOR, o produto do meio.

    Entretanto, graças a um terrível e belo acidente, chamas pandêmicas ardentes e apelativas inflamaram o ambiente em que se encontrava a sua antiga morada, almejando incendiar a casa que às pressas fora abandonada pelo aglomerado de ‘eus’ do psicológico, para provocar o agora indigente CRIATIVO. O dualístico antigo morador, separado em si mesmo, sentiu que parte de si olhara para traz, porém, o pequeno e temeroso, agregados, ‘eu’ psicológico estava atrelado agora ao GRANDE EU SUPREMO, e subordinado à sua SANTA EDUCAÇÃO. Assim, o CRIATIVO trabalhava em si mesmo, como o Ancião e a Criança amargurada que abandonara a velha casa em perigo de chamas para viver sem lar, e assim, juntos em uma só trilha caminhar.

    Apesar de seus lados e extremos opostos na totalidade do seu DIVINO SER, pela subordinação do pequeno ao GRANDE, a harmonia imperava no CRIATIVO, pois ambos se tornavam funcionais e, por assim completo, movimentando o caminho circular perfeito da GRANDE ESPIRAL.

    Para o pequeno tudo era visto como GRANDE.

    Para o GRANDE tudo se tornou pequeno.

    Ao lado do Ancião a Criança em sua jornada se ponderava em sua fome e sede das coisas do viver.

    Ao lado da Criança o Ancião ia pela estrada encarando com alegria jovial os inúmeros desafios do trilhar.

    Dualístico em si mesmo, movimentado e espiralado, o SER CRIATIVO se criava.

    O mesmo cajado que sustentava no chão o Ancião, riscava a areia educando no chão a Criança.

    Sendo o chão que fazia da vara cajado.

    Sendo a vara que fazia do chão quadro.

    E ambos, todo conjunto, o pequeno e o GRANDE, o Ancião e a Criança na SANTA EDUCAÇÃO se sustentavam. E GRANDE e pequeno, Criança e Ancião não existiam mais… Tornou-se o movimento da GRANDE ESPIRAL.

    Não foi tarefa fácil querer se conhecer, pois viu o fraco de si… feio… esquisito… tenebroso… maldoso. Mesmo que não se manifestassem… eles estavam lá. Esperando o momento propício para se manifestarem e assumirem o controle do ‘eu’ psicológico… o pequeno fraco ‘eu’ (que na verdade era múltiplos)… a criança abandonada. Ao se ver no corredor interno da sua mente culturalizada em falsas e destrutivas manipulações da existência verdadeira, cercado de portas nos extremos opostos da realidade fantasiosa em alienada ilusão… teve medo! Mas, curioso queria saber realmente o que havia dentro de si. Porém, o ESPÍRITO o tomara. E compreendeu que sendo a síntese de toda existência como CRIATURA, o bem e o mal habitavam dentro de si… ora disputando… ora harmonizando… ora equilibrando… ora guerreando. Vendo o mundo dentro de si e o caos à sua volta, percebeu que a bagunça era maior do que imaginava, e que a vida real é ainda mais surpreendente do que qualquer novela, ficção, ou roteiro televisionado. Todavia, as forças obscuras que manipulam o invisível não queriam perder mais um gerador de deliciosos sentimentos e doces emoções… e resolveram acionar os agregados ‘eus’, meticulosamente implantados em sua psique neurobiologicamente cerebral orgânica. Vira e enfrentara, convivera e educara cada ‘eu’. E cada ‘eu’ acionado pelo obscuro viveu, sofreu, enfrentou, caiu, levantou e, se auto educou a educar cada ‘eu’. E cada ‘eu’ se tornou um escravo aplicativo de si mesmo, para executar uma determinada função de aprendizado, e ao final ser deletado.

    — Há de se perder toda e qualquer identificação, parentesco, amor e ódio com todos os acontecimentos ilusórios, traumáticos, pecaminosos, inferiores e tudo que for mentira, e toda negatividade decadente de nossas vidas. — gritou bem alto de sua janela.

    Seus ‘eus’ psicológicos eram heranças dessa vida e de outras vidas… vivenciando a educação ignorante no falar, pensar e agir… produto da aberrante arrogância do mal comportamento social e cultural enraizado no trauma familiar. Programado na tendência inconsciente de imitar automaticamente o orgânico animal intelectual bestializado a sua frente, em falsas manipulatórias impressões motoras e virtuais formadoras de ignorantes opiniões.

    Percebeu-se em um derrame de energia ao colocar sua valorosa FORÇA, — a atenção — , nos jogos, prazeres da carne e entretenimentos. Vampiros de energia vital… sugadores de existência… formadores de ignorantes… roedores de cérebros… hipnose do mal. E viu que tudo o que dava atenção, iluminava e manifestava vida. E, parou de jogar pérolas aos porcos… e de fazer com que o seu sal perdesse o sabor. Dedicou-se por inteiro a SANTA EDUCAÇÃO.

    Agora dominando todos os seus sentidos, não mais gerando alimentos sentimentais para seus ‘eus’ psicológicos, demônios aplicativos escravos de si mesmo. Fechando a torneira da tolice… da tagarelice… do gritar e da organicidade de todas as suas ações involuntárias. Amando a vida em todas as suas manifestações, e trabalhando para bem-comum de todas as criaturas orgânicas e inorgânicas da existência. Com toda dificuldade a ele apresentada, em sua carne e espírito, almejava alcançar o SAGRADO IMANIFESTO que a tudo manifestava.

    Com a plena atenção consciente, cheio de si e paciente, fixo completamente no SAGRADO SUPERIOR, servindo ao IMANIFESTO CRIATIVO, com amor e fé inquebrantável, espiritualizou-se!

    Assim, a SUBLIME VITÓRIA pela sua paciente perseverança no CRIATIVO originou das profundezas primordiais do seu verdadeiro SER. O CRIATIVO o remodelou de corpo e alma especificando a sua VERDADEIRA NATUREZA, em concordância perene com a GRANDE HARMONIA.

    E assim, disse não as consequências cármicas do seu nascimento. E sim! A sua conduta correta de pensar, falar e agir, atuar, interagir e existir. Domou-se pela verdade se afastando de tudo que era mentira. Guiou-se no amor se afastando da ira. E com toda sua consciência, em sua solidão visionaria, desconfiando dos espíritos enganosos deste mundo, ultrapassou os limites étnicos culturais, acadêmicos, socioeconômicos e classistas a ele imposto, nessa tela de valores virtuais, voltando-se para simples prática real do plantar e colher, amar, dançar, brincar, cantar, escrever e viver.
  • Sinopse do livro: Generalismo

    Generalismo
    a religião de um ateu
    O generalismo é um ponto de vista supersticioso sobre a vida e o universo(ambiente), assim como as religiões já existentes. Tal ponto de vista acredita, que nosso ambiente; ou universo, possa ser "artificial" e/ou interativo; baseado em algorítimos behavioristas de causa e efeito, capaz de manipular toda matéria, e todas as consciências contidas nele; as agrupando por nível\estágio de evolução a cada momento. Acredita que este universo, ou foi criado por uma civilização específica ou foi gerado gerado pela mesma; e é usado para: reabilitar consciências "reativas", que prejudiquem seu ambiente ou a população dele; produzir informação, que é semelhante a "minerar" bitcoin; fornecer experiencias de vida, e talvez algo a mais. E de haver uma distorção de tempo entre os 2 universos, que faria possível em curtos períodos de sono no universo original, se conseguir experiencias de vida de talvez até 200 anos.
    Segundo o generalismo, todas as consciências concebíveis nesse universo, podem ser originarias de um único universo. Este universo faria parte de um gênero, de ambientes, estáveis e talvez perpétuos;e seria ou artificial, ou a materialização de uma consciência. E cada consciência que manipule a vida com amor, ao final de sua jornada existencial se torna além de uma consciência,um universo.
    Para o generalismo, tudo e todos, estão conectados ao ambiente onde existem(e estão contidos) e as consciências existentes neles; porém a um nível natural(minimo necessário); a intensidade da conexão depende de fatores como intenção;caráter;similaridade... E toda informação; conscientizada ou "pensada" nesse universo, tem o objetivo de proporcionar uma nova chance de evolução, consciente, ou inconsciente, ao sujeito.
    O generalismo almeja; uma utopia, onde as nações estejam fundidas numa unica pátria, possivelmente interplanetária; capaz de habitar com extremo conforto, 1 ou mais planetas, até quando se precisar viver de outra estrela.
    No generalismo; visa-se analisar toda informação, classificando-a principalmente por gêneros, mas também por; circunstâncias; intensidade; intenção... Cada consciência, tem o seu próprio, ponto de vista; jeito de conscientizar e jeito de praticar; reflexões ou atos;. E imagina-se, a possibilidade; do livre arbítrio nesse universo, combinado com a vida em um "corpo"(que é literalmente maquina fisiológica); capaz de registrar infinitas informações, em 100% de suas células; são a unica forma, de se julgar formalmente, alguém no universo original. Possivelmente; somente analisando o dna pós morte, se consegue distinguir e analisar, caráter e linha de raciocínio reais; sem interferência de atuação, do sujeito em analise, ou envolvimento emocional, do avaliador.
    Nossos "problemas", ou desgostos; de doenças, a rotinas básicas de higiene; seriam parte da linguagem do universo, através deles e alguns outros fatores, o universo garante um padrão de pensamentos\opiniões; ou pontos de vista, este padrão garante uma similaridade mínima entre as consciências retidas nesse universo. Destas; muitas estão dormindo, por alguns minutos, em mais um treino de vida, acrescentando informações, atualmente; de até duzentos anos de vida, por sono. Muitas são consciências reativas, momentaneamente toxicas para seu universo; estão re-encarnando aqui até poderem re-encarnar em seu universo original. E talvez; algumas, estejam por opção.
  • Solitário Amor Lunar

    Querida Amada! Lua de mim encarnada!

    Por este breve-longo tempo em que de mim te ocultaste
    E encobriste de véu negro a tua bela face
    Estou agora radiosamente pleno
    Banhado em teu carinhoso sereno
    Contemplando o seu estado luminoso, que se faz de novo, em fino arco
    No que me condeno ser o seu solitário amado
    De ciclos em ciclos permanentes a te esperar

    Veja! Preparei para ti em um pedaço de tronco de Carvalho esse pequeno Sagrado Altar. Oculto no oco dessa frondosa Grande Árvore com seus grossos galhos ao céu se elevar

    Nele pus dois chifres que retirei de um crânio de cervos alados que desfaleceu, pelas caçadas de arco e flechas dos Minotauros nas florestas mágicas de Cale. Coloquei-os um ao lado do outro formando assim um círculo oval, representando a vida natural em seu eterno ciclo do morrer e viver

    Fui à beira do meu lago interno, e coletei uma porção de argila, confeccionando um pequeno recipiente de barro… e depois de pronto preenchi com as águas salgadas de Atlantes, e azeite das terras-península de Portus Cale… e sobre o azeite, produto das oliveiras, que emergiu se separando das águas, coloquei uma singela fina flor de calêndula africana, representando o fruto amoroso do teu feminino útero sagrado

    Com minhas mãos envolvendo a representação do teu Sagrado Útero, elevei-as acima de minha cabeça, estendendo-as, o mais longo que pude, ao mais Alto dos altos… e com o meu olhar voltado para imensidão de teus céus estrelados… dei graças a tua fertilidade receptora, e, calmamente, com todo carinho de meu apaixonado coração, pus teu recipiente no centro do círculo oval de chifres sobre o redondo pedaço de tronco de Carvalho, que fora, há tempos, cortado pelos poderosos machados dos gigantes ciclopes, para se aquecerem no rigoroso inverno dessas terras ibéricas, mas, que por algum propósito caiu ao ser transportado e, enrolando sobre os montes nas baixadas planícies se perdeu. Se achando agora aqui!

    Cantando teu amor em graça… passo a passo… com todo prazer e alegria pulsante do alto palpitar do meu apaixonado coração. Fui em pequenos e vagarosos passos na direção do meu encantado jardim, repleto de luzes dos pequenos vaga-lumes e coloridas lagartas luminescentes noturnas. Pedi licença aos pequenos duendes que fizera morada no grande arbusto do Alecrim, e retirei um verde e cheiroso galho em que confeccionei uma linda coroa. Fui a frondosa árvore de Amêndoa, e em reverência sagrada pedi licença, também, as luminosas fadas noturnas, retirando um galho repleto de pequenas flores rosas, aplicando-o, também, a confecção da pequena aureola junto a perfumados e aromatizantes galhos de Sálvia, Hortelã, Arruda e Melissa

    Repleto de amor… puro e majestoso… retornei ao teu altar. Cobri tua coroa de carinhosos beijos em que pronunciava encantadas palavras de preces e conjuramentos, e deitei a natural aureola sobre o Carvalho, envolvendo o recipiente por entre os milenares chifres dos sacrificados cervos alados

    Ao ver tanto amor envolvido a esse ritual… Os anões emergiram dos seus mundos subterrâneos, trazendo consigo os muitos cristais de Quartzo Rosa e Ametista, onde desenhei uma mandala em formato estrelar de pontas a envolver o óvulo de chifres, como um aglomerado de sêmen circundando freneticamente em energias vibratórias, a querer teu óvulo penetrar e teu útero germinar

    Os meus queridos amiguinhos… os gnomos do jardim… carinhosamente ofertaram uma cesta de pétalas sagradas de rosas banhadas em leite de cabras, e folhas de oliveiras banhadas em vinhos de uvas… e fiz uma chuva sagrada de pétalas e folhas a cair sobre todo o altar, ao som dos cânticos mágicos de minha boca a entonar, representando as águas celestes que banha os encantados altos ciprestes… fertilizando-a de Amor… onde se ouviu o uivo do gozo do lobo e o grito de orgasmo da coruja, em gemidos noturnos neste místico ritual da Lua Nova a ecoar

    Ó! Meu Amor… Querida Minha… Minha Querida!
    Receba essa oferta de luzes a pousar sobre o azeite, nesse candelabro de folhas feitas das sagradas parreiras dos altos montes lusitanos, em que dormem nos túmulos montanhosos os gigantes ciclopes, que por tempos de outrora caminhavam por estes solos, e com seu único olho a olhar… a deslumbrava… redondamente, em toda sua imensidão lunar

    Ó! Amada Minha… Meu Amor!
    Encabeçando o seu Sagrado Altar ofereço o meu Talismã Mágico, que nada mais é do que meu coração, em que agora em sangria descubro desse pano de barro enegrecido… nele visualizei os sagrados símbolos e entoei mantras e runas, e numa infusão de Ervas Sagradas dos Encantados Jardins de Avalon, durante nove noites de Lua Nova em que tua face foi oculta de mim, imantei-os com óleos de Linhaça e Bétula, além de unguentos aromáticos de Lavanda e Tea Tree. Este Talismã Mágico, Meu Amor, é o meu singelo coração em sacrifício a ti… toma-o! E guarde-o bem!

    Fecho meus olhos… levo minhas abertas mãos ao peito sangrado do meu coração retirado… e no silêncio visionário do meu ser… seres encantados se aproximam ao me retirar em passos para trás, do oco da Grande Árvore em que pus o teu Sagrado Altar

    Ao me retirar em retrógrados passos mortos… lentamente uma cortina de nuvens a Grande Árvore em espiral veio circundar
    Neblinas e brumas ao redor vieram nela bailar
    E dos mundanos olhos alheios o seu Sagrado Altar foi oculto
    Porque ninguém é capas de desvendar os mistérios e segredos desse culto
    Que a ti… me fiz o coração sacrificar
    Que a ti… o dediquei em rito benefício no Sagrado Altar
    Acabando de vez com os ciclos de bens e males do meu Solitário Amor Lunar

  • Stairway to heaven [conto]

    Vou para Nova York. É lá que os artistas vivem e o dinheiro jorra das gravadoras. Todos os grandes estão em Nova York. Yoko Ono, Jay Z, Alicia Keys. Quem canta em português e toca cavaquinho nunca vai conseguir ir para Nova York. Mas eu canto em inglês, toco violão e gaita como o Bob Dylan. Vão querer saber da história da minha vida e se comover com meu esforço. Eles vão querer me ajudar, fazer tudo que puderem por mim. Vão me ouvir e ficarão surpresos com o timbre da minha voz e a minha batida no violão. Eles vão vibrar com a minha música e querer fazer musicais na Broadway comigo. Meu nome vai estar em neon no letreiro do Madison Square Garden. Minha foto vai sair nos jornais. Minhas músicas não vão parar de tocar nas rádios. Vou ser entrevistado pela Oprah e dormir na suíte presidencial do Plaza. “I want to wake up in that city that never sleeps……….and find I'm a number one…...top of the list……..king of the hill…...a number one…..” Preciso estar no lugar certo, tocando para as pessoas certas. E este lugar é Nova York. Onde o tempo é sempre bom e as luzes fazem você se inspirar e ser feliz. Junto com as melhores pessoas do mundo, que estão em Nova York porque são como eu: talentosas. Só os talentosos vão para Nova York, e eu sou muito talentoso. Todo mundo vai me receber como um rei. Eu mereço comer nos restaurantes mais caros, mereço o glamour, mereço o dinheiro. Não sou qualquer um. Sou educado, inteligente e bonito como as pessoas que moram em Nova York. Não cuspo no chão nem jogo papel na rua como as pessoas por aqui. Uso roupas limpas e passadas. Estou sempre cheiroso. Não vou ficar protestando contra tudo ou reclamando das injustiças feitas com os outros. Estou pronto para sucesso. Por isso eu vou para Nova York, onde tudo acontece. Onde estão os escolhidos. E eu sou um escolhido. Vou andar de limousine tomando champagne cercado de mulheres e fotógrafos. Gisele Bundchen, Caroline Trentini, Raquel Zimmermann. Todas. As pessoas vão querer meu autógrafo e fazer selfie comigo. Ninguém nunca mais vai rir de mim. Todos vão querer estar do meu lado. E eu vou estar sempre sorrindo. Porque em Nova York todo mundo está sempre sorrindo. Lá as leis são cumpridas e não existe corrupção. Não tem gente que fica reclamando e não faz nada. Que só critica. Eles respeitam os artistas e pagam bem eles. Quando estiver em Nova York vou passear no Central Park com meu cachorro, usando cachecol e aquecedor de ouvido por cima da toca. Vou para Nova York de avião, com passagem só de ida. Não quero me despedir de ninguém. Não vou levar nem malas. Nunca vou sentir falta daqui. Lá eu vou ter muitos amigos. Nós vamos andar de táxi amarelo na quinta avenida e comprar na Louis Vuitton. Não existem problemas em Nova York, só soluções. O nome das ruas são números e os semáforos ficam pendurados em fios. Tudo em Nova York é bem pensado. Nada é feito de qualquer jeito. Tudo é diferente. Em Nova York eu vou ser alguém.
  • Sue e Sid-OZ

    Sue é um rasgo de unha
    e risada nas costas
    e Sid-OZ, um bebum 
    em neurose

    Sue supõe que Cid-OZ
    é um aroma de bosta
    Um louco fedido
    de doses

    Sid-OZ imagina que Sue
    o ama. Só com ele ela bebe
    e ouve Ozzy.

    A noite dos dois não acaba
    antes que um faça com que
    o outro goze.

    Sue e Sid-OZ são loucos.
    São seus próprios algozes.
  • Sujo

    Reza a lenda que havia um rapaz
    que de tão inseguro (apesar de não assumir),
    de vez em quando circuitava.

    Cagava na mão e passava na cara.
    Quase nunca ele tava ali. Nem aí.

    Confiava surdo no tamanho do tempo,
    apesar de tempo não limpar como água.

    Odiava as catingas que ouvia...
    fazer merda, parece até que gostava
    já que a dele era a que mais fedia.

    Largou de limpar outros cus...
    o dele ninguém limpava.
    Só beijava. Até lambia.

    Aí ele quase sumiu igual peido no vento.

    Aparecia só quando alguém lembrava.

    E ria.
  • TALCO BRANCO PARA EMBRANQUECER

    Não consigo lembrar o que causou aquela reação em mim aos 7 anos, lembro que o talco por ser branco me pareceu uma boa saída.
    Era uma noite de festa na igreja, minha tia estava animada para me levar, creio que deveria ser natal ou dia das crianças, havia muitos brinquedos lá. Mas não é dos brinquedos que me dói lembrar e sim de minha atitude aos 7 anos.
    Lembro-me da demora no banho, do vestidinho rodado de estampas florais vermelhas com botões de ursinhos. O trançar do meu cabelo crespo, minha tia ali toda orgulhosa de me deixar perfeita para a festa, mas eu como criança negra sabia que nada daquilo me faria escapar dos repúdios das outras crianças por causa de minha cor.
    Na minha inocência achei que o talco branco iria me ajudar a resolver isso, e quando já estava pronta para sair, eu corri para meu quarto e peguei o talco branco, passei nos meus bracinhos e pernas e por último em meu rosto. Quando me vi no espelho sorri, saí correndo para que minha tia visse como eu estava linda e perfeita.
    A reação da minha tia foi o que me fez ver que eu não precisava ter a pele branca para ser amada ou ter valor. Ela se ajoelhou na minha frente com os olhos cheios de lágrimas e disse que eu não precisava ter passado aquilo em mim, porque o que eu tinha de mais belo era minha pele negra.
    Eu tinha apenas 7 anos, mas pude entender claramente que fui covarde em tentar me esconder, então pedi para ela não chorar e pedi para tomar outro banho.
    Não sei quais tipos de violências raciais sofri para ter tido aquela reação, mas imagino que foram tão dolorosas que até hoje não consigo recordar.
  • Tenho um problema muito sério

     autores
    Tenho um problema muito sério. Um vício muito, muito difícil de se resolver. Vou te contar que tenho vivido para viver sensações que me fazem sentir. Sabe, eu fico pensando na razão que conecta os prazeres que eu aprecio. O teatro. Os concertos. Um filme no cinema. Um lugar que se conhece pela primeira vez. O primeiro contato – a pele na pele – com alguém que me atrai. A atração em si. A atração visceral e quase ancestral. Fico pensando nos livros que eu leio. Pensando no que aquele escritor sentiu antes de escrever o que escreveu e como eu, meses, anos, décadas ou até séculos depois, sinto como se estivesse conectada a esse primeiro sentimento que o motivou a escrever. Esse autor que eu não conheço e que não me conhece tampouco. Sinto como se estivesse conectada não só ao autor, mas de certa forma, a todos os outros leitores que sentiram, de alguma maneira, esse sentimento. Esse sentimento que tem um tom coletivo e é, ao mesmo tempo, totalmente singular, porque é fruto de encontros, cheiros, toques, vivências particulares que conversam com as palavras impressas no papel. E como é fatal se entregar a rotina regular depois de vivenciar essas emoções. Não é, veja, a minha intenção, aqui, rascunhar todo o abstrato desses sentimentos de que eu falo. Embora não seja essa a minha intenção, se for para melhor esclarecer o que tenho tentado falar, é que tenho vivido por aquela emoção em que parece que no vértice de um abismo tenho um de os meus pés em terra firme e o outro pairando no ar, na iminência da queda. De um lado, toda a vida. Do outro, o destino inevitável. Um instante quase imortal. Essa emoção, meu caro, para mim, é tudo. Não me entenda mal, não julgue isso como um preciosismo, uma tentativa fracassada de lirismo. Nunca fui e nem sou artista e sempre me entendi melhor ao lado daqueles que somente apreciam. Até a apreciação, no ato mais passivo, é um repouso diante do tédio. Mas se algum dia fecharem os teatros, se colocarem abaixo os cinemas... Se em algum momento eu tiver já conhecido todos os lugares que há para se conhecer, se não existirem mais livros para serem lidos e nem histórias para serem contadas... Se não houver outra criatura que me sequestre a razão... Que aquele abismo que eu senti conhecer me olhe de volta. E me envolva. E me receba, de vez.

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