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crise

  • Humanidade

    O coração pesado de sentimentos carregados chora enquanto o corpo exige viver;
    O mundo vira cinza, quando aquela menina entende o significado de sofrer; 
    Não é a toa que aqueles com muitas datas rogam graças para um dia melhor viver. 
    Pois todos os que um dia viveram procuram motivos para esquecer; 
    Um filho perdido, um amor não vivido, um dia fatídico; 
    Todos tem um, inclusive você.
  • Idealismo Individual

    O raciocínio não chega a tal ponto de dizermos ou afirmamos qual é a verdade absoluta , ressalto que o respeito é o elemento principal para calamidade publica , há não existência deste nos afastar na paz e vincula o ser no sistema dominador . O poder  tornou-se o principal meio de produção para aqueles que dizem ser  os mais fortes , este é o circulo da soberania e o autoritarismo . Sem qualquer  tipo de percepção  a vida é uma rotina criada por eles ,para produzirmos capitais perante a uma ilusão ideológica assombrada pelo o não questionamento   ,nos transformando em escravos sociais. Neste sistema imperfeito a lei deveria impor sua   força legislativa  ,sem preenchas ou lacunas simplesmente  aplicar o estabelecido ,ficando longínquo da parcialidade . Leis Internas e Externas no qual aceitamos e organizamos sem pensamos que o ser humano dotado de grandiosas ideias, convicto com a felicidade continua sendo levado pelos poderes e interesses . O ideal social machucaria nossa civilização? Respeitarmos uns aos outros é errôneo ? Com o advento dos interesses a sociedade é desmanchada , inclusive princípios básicos e morais são subjugados pelo o individualismo exacerbado ,afastando periodicamente o ser da sociabilidade e altruísmo . Somos idiotas em conservar o poder , não adianta ter raciocínio e viver  longe do respeito . Confirmamos nossa identidade sendo animais encubados na selva codificada dos interesses.
  • Idílica



    Para que amar tão intensamente
    Se tudo terminas ao final dos dias?
    Deixas um coração que ainda sente
    Os sorrisos e as liras que tu dizias.

    Não vês que vives de medos?
    Que cultivas apenas desgostos?
     De porta em porta, novos rostos
    E, dentro de ti, apenas segredos.

    Por esta maldição, segues sempre a mesma vida.
    Hoje, mais um sorriso roubado
    E outra cama para, recostado,
    Fazer juras e sumir em seguida. 

    Não vês que te perdes nos próprios encantos?
    Pois as lágrimas delas tuas são
    E nem mil camas ou mil rostos
    Preencherão o vazio do teu coração.

    Ah! Se tu percebesses por fim
    Que és covarde por amar.
    Cessa de vez este teu procurar
    E faz tua casa dentro de mim
    O meu corpo, o teu altar.
  • ilusionista

    Seria possível parar no tempo e voltar, voltar para quando tinha a capacidade de acreditar em cada palavra que insistia em sair de seus lábios, atravessando docemente meus ouvidos e atingindo diretamente meu coração.
    Época aquela em que tudo se resolvia fácil, mas, ao mesmo tempo não passavam de mentiras, essas disfarçadas de verdades, que ameaçavam minha sanidade e alteravam meu humor.
  • Imensidão

    Algumas pessoas entram em nossas vidas e trazem uma felicidade tão grande que mal cabe no coração, que preenche tudo o que um dia não fez sentido antes, o problema é quando decidem ir embora, por que nada volta a ser como um dia foi, fica só um buraco, um vazio, e a sensação de que nunca mais seremos capazes de amar novamente.

  • Imperialismo e misologia em One Piece

    Quando todos acreditavam que as histórias de piratas estavam foras de moda, Eichiro Oda mostrou que só os artistas que ousam promovem a inovação. Publicado no ano de 1997, One Piece se tornou a franquia de mangá mais rentável do mundo. A Shonen Jump só teve o que comemorar. Por mais de duas décadas, a obra mostrou números surpreendentes, se dando o luxo de quebrar alguns recordes no caminho. Mas o fator de maior sucesso nesse shonen é a sua construção de mundo.
              O mangá tem fonte para ótimas análises de representações históricas e culturais. O próprio universo da história nos indica algumas das influências do mangaká nesse sentido. No planeta onde ocorre a narrativa — ele todo uma imensidão de água —  se resume a ilhas e arquipélagos. O único continente existente é uma cordilheira chamada Red Line. Ela divide o mundo servindo como meridiano natural. Numa geografia dessas, seria impossível a Marinha não se fortalecer e a pirataria não se tornar uma prática comum. Um mundo muito parecido com o Japão, um arquipélago com mais de cinco mil ilhas. Foi necessário um grande processo histórico e político para que os milhares de feudos rivais se tornassem um império unificado, e potência imperialista asiática.
              É justamente na Red Line onde fica a capital do Governo Mundial, Mary Geoise. Portal de acesso direto ao Novo Mundo, onde só sujeitos com permissão explícita podem chegar. A estrutura governamental de One Piece se assemelha a uma oligarquia, ao mesmo tempo em que a sociedade é dividida em castas. São cerca de dezoito famílias nobres residindo lá, das vinte famílias fundadoras do Governo Mundial, sendo que uma delas se negou a ir para a capital e outra foi exilada.
              A nobreza mundial, os Tenryuubitou (dragões celestiais) são os personagens mais misteriosos e mais controversos da trama. A sociedade como um todo se resume em dois termos: aqueles que servem e os que são servidos. Os Tenryuubitou sãos estes últimos. Abusam enormemente de seu poder econômico e influência política. Tanto é que essas pessoas, ao andar junto aos plebeus, usam uma roupa semelhante a um traje de astronauta, com direito a um capacete e respirador acoplado. Isso enfatiza o não pertencimento desse grupo as classes subalternas, mas que mesmo assim está no topo da pirâmide social. Os Tenryuubitou equivaleriam em nosso mundo aos estrangeiros coloniais, exóticos e arrogantes, cruéis muitas vezes. Alimentam todo um sistema de opressão mundial para usufruir dos ganhos imperialistas através da invasão e colonização de reinos menores.
              Essa classe dominante tem um grupo confiável para lidar com o poder. Eles são o Gorosei. Esse quinteto de idosos tenta usar sua experiência para dar rumo a todo o planeta. Controlam o mundo de One Piece com mãos de ferros. O Estado é extremamente hierárquico, tanto no sentido social quanto institucional, militarizado no todo. Para esse exercício de controle, contam com a Marinha. O braço armado do Governo Mundial é uma das instituições mais violentas que existe. É através da dela que grupos étnico-raciais sofrem genocídios, nações recebem severas retaliações, civis morrem em ações truculentas — vide os atos das polícias secretas Ciphers Pol. As autoridades cometem crimes tão ou mais horrendos que aqueles praticados por seus inimigos naturais: os piratas.
              A pirataria, assim como outras formas de banditismo, nasce a partir de uma sociedade estruturada em desigualdades, racismo, monopólio e exploração da mão de obra escrava, sim, esse último quesito é tratado muito bem pelo autor. Nada escapa a ótica de Oda. Os piratas, longe de serem heróis, roubam e pilham. Porém, muitos o fazem mais como uma forma alternativa de existência que por algum tipo de prazer mórbido. Muitos desses piratas são poderosos, como os Yonkou, os quatro maiores da pirataria. Aglutinando tripulações menores, formam frota — exércitos particulares que oferecem grande risco a estabilidade do Estado.
              Como estabilizadores de um mundo cada vez mais pressionado pela bipolarização entre Marinha e pirataria, o Governo Mundial oferece um acordo há alguns deles. Um grupo de sete piratas é escolhido para atuar como corsários, os Shichibukai. Esses “piratas estatais” atuam ambiguamente, mas cumprem seu papel de ser mais um desafio aos piratas. Assim surge os Três Grandes Poderes.
              É nessa instabilidade que a tripulação dos Chapéus de Palhas se tornam um perigo iminente. Não apenas pelo poder que Monkey D. Luffy vem acumulando em sua jornada, mas por manter em sua tripulação Nico Robin. Essa mulher, diferente de seus outros companheiros, não era uma lutadora nata — embora seja uma guerreira por ter sobrevivido durante todos esses anos da perseguição política —, é uma arqueóloga. É a última sobrevivente do Buster Call na ilha de Ohara — um extermínio promovido pela Marinha, assegurando que os inimigos do Estado fossem dizimados. Sobrevivendo milagrosamente, Robin decide continuar a estudar a “verdadeira história”.
              A “história oficial” do Estado, escrita pelo Governo Mundial, é uma farsa para validar a hegemonia das classes dominantes, coibir a autonomia de povos, garantir os regimes de opressão vigentes e incriminar os seus opositores. Primeiro, se opera o apagamento dos fatos históricos, é impossível saber com exatidão qualquer coisa em período anterior a instalação do Governo Mundial e qual foi o seu processo, objetivamente falando; depois, o silenciamento dos profissionais de História — vide o assassinato dos arqueólogos e a destruição das fontes históricas em Ohara. História se tornou um tabu. Isso provoca medo e uma ojeriza às ciências humanas, ao estudo da História e saberes correlatos. Assim se garante um passado comum, homogeneizador, que sublima a diferença. Uma tradição inventada, porém, legitimada pela narrativa histórica estatal. O papel de Nico Robin nessa história é trazer lucidez à um mundo coberto pelo véu da ignorância. Que ela obtenha sucesso em seus objetivos.
  • Implosão

    Salvei para mim
    A revolta que não me cabia.
    Fui guardando, dando espaço
    Dimensão e
    abraços.
    Não sou nada, senão insatisfação
    Com esses barulhos
    Com estes murmúrios
    Com estas máquinas
    tirando a terra e o entulho.
    Caroline ficaria decepcionada
    Ela sabia que eu era uma bomba relógio
    Pronto para destruir
    – Mas que não explodiu.
    Implodiu, como Titan
    Mas em águas rasas, com sede de si.
    Abraço a raiva
    E nem ela gosta.
    Criatura ruim
    Expulsa do nirvana.
    Se Mahatma voltasse
    Choraria por mim.
  • Incels: a misoginia voluntária

    Decidi escrever e tratar sobre isso sem me importar com os pré-julgamentos e os futuros ataques. Se os homens não começarem a debater as suas problemáticas, quem fará isso por nós? Como um problema nosso, seria bom entendê-lo e criar possíveis soluções. No mundo contemporâneo, muitos de nós sofrem sob a sigla de incels (involuntary celibates), do inglês, celibatários involuntários.
    O mundo contemporâneo retirou o homem do seu centro. O colocou num lugar que ele jamais pensou em ocupar. Nesse espaço, ele teria que dividir os privilégios e as mazelas com os outros grupos sociais. Era necessário criar um culpado, um inimigo para combater, mas que, ao mesmo tempo, não pudesse revidar. As mulheres ocuparam o outro lado do front.
    Objeto de desejo e alvo dos incels, o ser feminino fez com que os homens se negassem a manter relações sexuais e afetivas, as odiando. O incel é um homem com baixo índice de frustração, intolerante, preconceituoso, imaturo, totalmente influenciável, ansioso, avesso aos estudos, portando complexos e problemas psicoemocionais que carecem de tratamento imediato.
    Geralmente homens jovens, os incels acabam sendo cooptados em busca de algum tipo de assistência em grupos, mas acabam por se tornar mais um na multidão da extrema-direita. Seus traumas são retroalimentados à exaustão, as suas feridas narcísicas são expostas diariamente. O que os fóruns da internet e os grupos em redes sociais fornecem não passam de disseminação de conteúdos extremistas.
    Homens são incentivados a adquirir comportamento agressivo e machista, cometerem suicídio, promover atentados com o maior número de vítimas possíveis; não me parece ser essa a melhor saída, aliás, a violência nunca foi uma saída para nós. Os problemas de ordem pessoal, familiar ou social são transferidos para às mulheres, os negros, os homossexuais, os estrangeiros, e quem mais puder ser punido.
    Assumindo a obsoleta eugenia, o antinatalismo, o niilismo e todos os preconceitos possíveis, os incels criam o inimigo imaginário que passa a ser combatido numa guerra real e diária. O seu maior combustível são as decepções pessoais. Nenhuma mulher ou grupo minoritário pode ser culpado pelos fracassos de pessoas antissociais. Você, homem, é filho de uma mulher, sem ela, você não existiria e nem seria educado, alimentado e seria quem você é hoje.
    Tratar uma mulher bem não é fraqueza para você, e nem privilégio para ela, ao contrário, o respeito à dignidade alheia é um valor básico na sociedade, deveria ser uma regra, e não exceção. Ao invés de pensar em correr atrás de mulheres o dia todo, esses homens deveriam se dedicar a sua evolução pessoal. Ler, aprender um ofício, viajar, participar de grupos culturais, enfim, conhecer pessoas e espaços diferentes que pudessem ajudá-los a melhorar a postura antissocial e agregar experiências positivas na sua trajetória. A vida não é feita só de desejos e frustrações, tem algo mais além dessas coisas.
    Assim como as mulheres, homens também tem os seus preconceitos, seus estereótipos, suas idealizações, bem como forças e fraquezas. A perfeição é uma idealização, não um fato. Uma mulher não buscará um parceiro que vive mais para expressar e alimentar os seus ódios do que para ter experiências prazerosas, viver à vida. O que você precisa entender é que os seus problemas são mais internos que dos outros ao seu redor.
  • Infeliz Descoberta

    Depois de acordar com muito esforço e nenhum ímpeto, Oscar olhou para o espelho e viu um homem com sobrancelhas grossas e embaraçadas, dentes tortos e demasiadamente afastados, um cabelo bagunçado de noite mal dormida e uma pele coberta de espinhas, franziu para tal figura que nunca havia simpatizado antes e depois escovou os dentes.
    Durante o café tivera uma descoberta importante no momento menos oportuno possível.Do fundo de seu espírito emanava uma angústia terrível nunca antes sentida. Já na rua um susto o forçou a desviar se do caminho para o trabalho e visitar seu psicólogo, logo assumiu passos largos e intensos cortando a calçada, feito uma locomotiva. Abriu a porta do consultório ignorando as broncas da recepcionista e fitou o doutor que no momento já estava com um paciente. As lágrimas em seu rosto se confundiam com suor e não foram percebidas pelo doutor que em um ato funesto e inocente o mandara esperar lá fora. Sem dizer sequer uma palavra Oscar o fez,e se sentou na cadeira acolchoada ao lado da estátua e do cacto, feito um idiota. O relógio clicava como um despertador às 5 da manhã enquanto a recepcionista lia um exemplar da revista “veja!”, Oscar secou o suor da testa com o braço direito, e ao olhar seus pelos encharcados se questionou por que fizera aquilo, secar o suor não parecia mais ter tanto sentido,então Oscar vendo a evaporação do suor em seu braço,regrada pela autoridade do relógio,percebeu.
    É justo agora que eu, mero redator de casos sinistros que nunca serão lidos conte quem é Oscar, Oscar nasceu numa cidade pequena do interior de São Paulo, nunca brincava na rua quando criança, na escola era um zero à esquerda e não era sequer bonito para compensar alguma coisa. Sempre foi inocente demais devido à superproteção e apoio tóxico dos pais e quando na adolescência tomou consciência da criatura patética que era, uma enorme angústia atingiu sua alma profundamente e desde então nunca se sentiu um homem de fato, se sentia pequeno e fraco relacionado aos demais, no entanto se habituou a isso,e sua agonia se resumia a pequenos acessos de choro na madrugada e piadas autodepreciativas.A única coisa que podia culpar até a manhã de hoje era a aleatoriedade da natureza, mas isso é como não culpar a ninguém, ele mesmo sabia disso. A descoberta que tivera naquela manhã era do fato de que todo o universo era uma simples simulação criada por seres muito maiores do que ele. Com essa descoberta infeliz Oscar teve algo para apontar o dedo,algo com um rosto,uma mente engenhosa dedos,braços e personalidade,algo que poderia controlar o destino,um algo jocoso o suficiente para criar alguém como Oscar.Mas de fato essa era a última coisa que Oscar precisava, já que já havia progredido significativamente tratando a sua angústia e inferioridade.
    Um sentimento que Oscar julgara ser sensatez o atirou para fora da cadeira e o fez tomar caminho para perto daqueles que chamarei aqui de “deuses”. A passos largos caminhou rua afora para o grande morro que havia ao lado da cidade, na subida já preparava o seu discurso, com uma força que nunca havia antes sentido, revia seu objetivo repetidas vezes, como o comandante de um exército faria. Na metade do caminho sentiu o pulmão fechar e caçou a bombinha de asma nos bolsos, porém não à encontrou, logo presumiu que os deuses haviam tirado de lá através de seus programas e códigos, pois se lembrava muito bem de tê-la pego ao sair de casa. No começo até conseguiu tolerar a asma, mas já quase no fim do caminho seus pulmões fecharam abruptamente, cada inspiração agora era como respirar óleo quente para dentro dos pulmões e a cada expiração sua visão escurecia um pouco sinalizando o início de um desmaio a cada respiração, logo presumiu que desmaiar seria como anunciar sua derrota perante aos deuses, pois sabia que ao desmaiar acordaria em sua cama com a chaleira assoviando.
    Oscar aguentou a asma até o topo, mas devido a ela não havia percebido que já havia chegado, só se preocupava em respirar, não podia cair de forma alguma. Parou ali e olhou para o céu que se tornou vermelho em um piscar de olhos, depois sentiu como se braços que não eram dessa terra o levantassem pelas axilas e o levassem para cima, e dali viu toda a cidade, depois todo o país e por fim o planeta, vislumbrou a visão  que um deus tinha e mal percebeu que as asma já havia passado, vislumbrou em um segundo toda a sua curta vida e percebeu a falta de importância que sua realidade tinha, percebeu que toda a complexidade das emoções humanas não era nada complexa, viu que não havia praticamente nada com que se preocupar enquanto estivesse no espaço com aqueles braços envolta de seu corpo, que ele esperava que não o soltassem nunca, então se sentiu a coisa mais importante do universo, e mais singular, mas de fato era apenas alguém que recebeu a benção de uma misericórdia que nem os próprios deuses foram capazes de explicar.

    Dois dias depois seu corpo foi achado por 2 jovens que passavam por ali, o IML constatou que ele morrera devido às inflamações que continuavam nos pulmões mesmo depois da morte, coisa que deixou o pessoal o IML com uma dúvida cruel sobre o que havia causado aquele ataque de asma, pois Oscar não tinha um ataque já há 5 anos, ele nem sequer possuía uma bombinha de asma. 
  • inSônia

    São 4:30. Acabei meu filme. Finalmente tenho sono, agora posso tirar um cochilo para acordar em 2h e ir pra aula. sentirei o melhor cheiro de mofo que já senti, verei pessoas que gosto, verei pessoas que não suporto, observarei aqueles mesmos olhares, observarei os mesmos preconceitos, observarei os passantes. Chamam isso de rotina. preciso suportar, afinal, gosto de assistir aula, gosto de debater com os professores. Devo dormir, lembro. Encosto a cabeça no travesseiro mais grosso e confortável, coloco o mais fino entre as pernas. Ponho o despertador para 6:43. Viro para o lado esquerdo (geralmente durmo para o direito, mas meu ombro está doendo há 4 dias), procuro meu urso pela cama. Acho. Enfim, o abraço e fecho os olhos. Começo a pensar. Pensar demais. Penso em tudo que deu errado. Penso em tudo que poderia ter dado certo. Há 2 minutos eu estava morta de sono. Agora estou aqui escrevendo. Pq? Pq todas as noites, mesmo com sono, ao fechar os olhos me encontro com você. E você já não me faz bem há MT tempo. Sei que vacilei, sei que errei. Mas você nunca cansou de fingir? Me pergunto. Como que aguentou esse tempo todo? Como que aguenta até agora? Eu cansei de ter que suportar. Mesmo longe vc não me deixa. A culpa é sua? A culpa é minha? Não sei. Nunca vou saber. Por agora gostaria de dormir pelo menos 1 hora. Aparentemente isso não vai acontecer. Daqui pra frente ou durmo, ou reprovo, e não quero reprovar. Então seguirei tomando banhos que não quero tomar, vestindo roupas que não quero vestir, comendo comidas que não quero comer, pegando ônibus que não quero pegar, vendo pessoas que não quero ver. Eu só espero que isso não dure muito. Talvez um dia eu tenha prazer nessas coisas. Talvez um dia eu queira fazer essas coisas. São 5:17 agora e em mais ou menos 1h devo “acordar”, então uma boa noite!
  • Janela

    Há pelo menos uma coisa que todos os humanos, sem distinções, fazem com frequência: dormir. Isso é algo bom, saudável e almejado, principalmente depois de um dia longo de trabalho. Entretanto, tudo isso tem um problema. Afinal, como saber como é não estar dormindo?
    A maioria das pessoas acredita saber quando está acordada por simplesmente terem nascido sabendo. Há aqueles que acreditam inclusive que conseguem controlar o sonho, então, se não podem controlar outra realidade, logo não é um sonho. Entretanto, não pode ser possível que a pessoa esteja em um sono tão pesado que ela simplesmente tenha perdido o controle sobre o seu subconsciente?
    João não pensava muito nessas possibilidades. É claro, já estava dormindo menos de três horas pelo quarto dia seguido quando finalmente terminou o seu projeto para a faculdade, então não pensava em muitas coisas fora isso. Não se lembrava ao certo de como acordou, se passou desodorante ou se escovou os dentes, mas isso era normal já que essas eram somente partes corriqueiras do dia e não estavam incluídas na ação do cotidiano. Uma ação que era monótona, mas que movimentava intensamente os seus sentimentos e causava tanta agonia em certos momentos que chegava a se assemelhar a um pesadelo.
    Assim que enviou o arquivo com o seu trabalho para o e-mail do professor, foi dormir. Não queria pensar em mais nada por umas doze horas seguidas e, por isso, somente se jogou na cama, se cobriu com um cobertor que não estava cheirando tão bem e fechou os olhos. Não precisou se dar ao trabalho nem de relaxar os músculos ou ficar pensando em algo para pegar no sono, simplesmente dormiu.
    Quando acordou, não se lembrava de ter sonhado algo. Tudo ao seu redor estava escuro, mas estava sonolento demais para se importar. Ele estava se sentindo bem mais relaxado e totalmente renovado, embora ainda sentisse a preguiça de ter acabado de acordar. No momento exato em que se levantou, todas as luzes acenderam. Não estava mais no quarto em que foi dormir, mas em uma cabine com paredes totalmente brancas. Não havia portas ou janelas, somente as quatro paredes que o confinavam em um espaço minúsculo. A sua respiração se encurtou com o medo e começou a pensar rapidamente nas possibilidades da causa de estar onde estava. Pensou desde abdução até um teste ilegal do governo e só depois disso pensou na possibilidade de ser um sonho. Essa era a resposta, tinha que ser isso. Mas, ao pensar mais um pouco, não parecia ser um sonho. Afinal, tudo parecia real demais, tanto que sentia a textura lisa e macia das paredes ao tocá-las.
    Não conseguia entender nada com total certeza e isso o frustrava. Com os olhos cheios de lágrimas que se recusavam a descer, ficou rodando o minúsculo lugar em que se encontrava para tentar solucionar o maldito quebra-cabeças em que estava. Quanto mais rodava, mais se esquecia dos detalhes daquela realidade que julgava ser a real. Toda a sua família, embora conseguisse ver com clareza o rosto de todos, parecia ser uma lembrança distante e quase tudo que pensava saber sobre eles não parecia totalmente certo. Sobre o seu irmão mais novo, por exemplo, ele se lembrava de ter ido na formatura dele da faculdade, mas agora, por algum motivo, sentia que ele era muito mais novo do que isso. Por não saber mais se poderia confiar na sua memória, a raiva gerada pela frustração começava a aflorar.
    No momento em que pensou que não sabia mais quem era, percebeu que o eu dessa realidade também não se lembrava de muitas coisas. Isso não era muito animador já que podia haver diversos motivos para ter tido perda de memória e aquilo ter sido o subconsciente tentando lembrá-lo de algo por meio de um sonho. Mas, de algum modo sútil, indicava que não podia confiar em nenhuma das duas realidades já que ambas podiam ser verdadeiras, nenhuma delas ou somente uma delas.
    O único jeito de saber no que confiar era testando a realidade em que estava. Não podia saber se o primeiro cenário era real porque agora só estava em suas memórias, mas ele estava no segundo cenário. Buscou em sua mente todas as lembranças sobre coisas que falaram de sonhos, embora não conseguisse saber nem quando, onde ou quem havia dito essas coisas. Lembrou-se de diversas coisas e por elas sabia que era difícil ler em sonhos por tudo estar embaçado e mudar de repente, que normalmente se sonha com locais conhecidos, e que, quando se percebe que está sonhando, é fácil de controlar o que acontece a sua volta. Infelizmente, só restava a última possibilidade já que não tinha nada para ler e com certeza não conhecia o local em que estava.
    Decidiu sentar em cima dos seus joelhos porque sabia que essa era uma das posições de meditação e com certeza iria necessitar da máxima concentração possível nessa hora. Fechou os olhos e imaginou aquelas paredes brancas explodindo e uma ilha paradisíaca surgindo a sua volta. Abriu os olhos estando mais calmo e relaxado. Quando terminou, a decepção caiu sobre a sua mente uma vez que tudo estava exatamente igual. Tentou repetir todo o processo e de diversas maneiras: olhos abertos, em pé, deitado e em mais umas outras dez posições. Nada. Absolutamente nada. Tentou também mudar a realidade dentro do quarto branco ao imaginar objetos e diversos possíveis superpoderes que queria ter. O máximo que conseguiu foi se sentir como uma criança de oito anos após assistir ao x-men e acreditar que talvez também pudesse ser um mutante.
    Todas as tentativas o deixaram exauridos mentalmente e sentimentalmente. A combinação gerou a raiva e essa fez ele começar a esmurrar as paredes com total ferocidade. Depois de uns vinte minutos socando o chão, o teto e cada uma das quatro paredes, atingiu um local que não havia nem encostado até aquele momento. Seria na altura de um interruptor e longe o suficiente da quina formada no encontro das duas paredes para que fosse construída uma porta se essas coisas existissem no quarto.
    No exato momento que atingiu esse suposto interruptor, uma das paredes começou a se levantar. João correu até ela pensando que podia ser uma saída. Entretanto viu que se tratava de um vidro cuja espessura não conseguia identificar. Assim que a parede parou de subir ao atingir o teto, uma vista surgiu através do vidro. Nunca tinha visto uma imagem como aquela. Estava na beira de um penhasco num dia ensolarado, talvez no meio da manhã, e de lá via um rio que vinha atrás de onde aquele quarto branco estava, passando distante o suficiente à sua direita para não simbolizar um perigo. Descia o penhasco em uma alta cachoeira e lá embaixo se tornava uma rápida corredeira até que entrava em uma floresta como um rio calmo e de correnteza não tão forte. Essa floresta não era muito densa, sendo composta principalmente por pinheiros. No fim de um mar verde de árvores, havia uma cordilheira de montanhas com um tom levemente azulado e com neve no topo da maioria delas.
    Ficou admirando aquela paisagem durante alguns minutos. Era extremamente reconfortante enxergar aquilo tudo depois de passar sabe-se lá quanto tempo somente vendo a cor branca. Depois de se acalmar, começou a encostar em cada parte do quarto em busca de algum outro botão. Afinal, se existia uma janela poderia existir uma porta. Provavelmente horas se passaram, mas a única coisa que conseguiu foi o fracasso. Deve ter percorrido todo o quarto umas cinco vezes antes de desistir sem achar nada.
    Após desistir, ficou muito tempo sentado na extremidade oposta a janela encarando a paisagem. Novas questões começaram a atormentar a sua mente: será que isso é mesmo uma janela? Não pode ser uma televisão? Essa seria a saída? Se fosse um sonho, durante a queda ele acordaria? Se não acordasse e morresse no sonho, morreria na sua outra vida? E se essa fosse a realidade, acabaria por se suicidar sem querer? A cada nova pergunta e possibilidade que surgia, abaixava a cabeça e colocava as mãos nos ouvidos os pressionando. Sentia o tormento de ter que tomar uma decisão importante. Então, esperaria para tentar recuperar pelo menos mais um pouco da memória e achar uma outra saída ou se jogaria contra o vidro esperando não se machucar e essa ser a solução para todo o seu tormento?
    Hesitava em tomar uma decisão. Sabia que não tinha como voltar atrás no momento em que pensou nas possiblidades que tinha. Nesse exato instante, soube que a sua mente iria atormentá-lo com as possibilidades que tinha de maneira eterna, principalmente se tomasse a decisão mais errada. E é claro que ele também sabia que não tomar uma decisão também seria somente a escolha de uma possibilidade. Não havia nenhuma chance de escapar disso, pelo menos não depois de ter pensado.
    Infelizmente, quando se tem que escolher por um caminho, não é possível ver o seu interior e também não é possível retornar. Também não se pensa muito no ter que escolher, se focando nos caminhos mais atraentes a sua frente. Talvez seja por isso que João não percebeu que ficou somente encarando aquele vidro e, por um longo tempo, escolheu involuntariamente ficar parado enquanto se perdia em seus pensamentos.
    No meio da bagunça da sua mente, encontrou uma trilha que o levou a uma afirmação. Ele percebeu que não valia a pena ficar parado em sua prisão sem fazer nada e que talvez ir na direção da morte valeria mais a pena do que viver muito em um cárcere agoniante. Embora nem sempre fosse assim, nessa situação tinha convicção de que o risco valia muito mais que a certeza. Por isso, se levantou lentamente e, assim que terminou de ficar em pé, gritou o mais alto que pôde para afastar os seus demônios. Se sentiu mais aliviado e gritou uma segunda vez, mas nessa começou a correr o mais rápido que pode. Atingiu o vidro com o máximo de sua força e usou o ombro como ponta de lança. Cacos de vidro se espalharam para todos os lados e começaram a cair de uma altura gigantesca junto com o corpo de João. Ele sentia o vento frio que entrava em contato com a sua pele quente e a sensação de liberdade que isso criava o fazia crer que podia voar, embora caísse em uma velocidade extremamente alta. Via rapidamente diversas partes da paisagem, tendo rápidas visões do verde da floresta e da queda d’água que estava ao seu lado. Talvez por ter simplesmente se livrado do peso de ter que tomar a decisão ou por algum outro motivo que ele nem sequer entendia, João gritava ao mesmo tempo em que tentava esboçar um sorriso. Com certeza estava feliz nos últimos segundos antes de acordar.
    Abriu os seus olhos lentamente, ainda confuso com tudo o que estava acontecendo. Só conseguia ver luzes e paredes brancas, o deixando com o coração acelerado. Os seus movimentos estavam limitados, mas não entendia o porquê disso. Ouvia vozes que pareciam estar muito distantes e que foram lentamente se aproximando. Depois de um tempo, conseguiu ver uma imagem ainda um pouco desfocada que conseguiu identificar como um médico.
    Aos poucos conforme os seus sentidos melhoravam, as notícias começaram a ser dadas. Depois de umas duas horas que havia enviado o trabalho, o professor havia respondido com as diversas mudanças necessárias. João foi acordado com o aviso do computador de recebimento de e-mail e, como o prazo era curto, resolveu acordar, ir até alguma loja que estivesse aberta e comprar energético, café e qualquer outra coisa que o deixasse acordado. Ele foi de carro, pois a única loja aberta durante a madrugada era a de um posto de gasolina que ficava muito distante. No fim, bastou uma batida para deixá-lo em coma por cinco anos e meio.
    Era difícil não deixar de pensar que podia ter saído do coma a qualquer momento desde que aquela janela apareceu. É claro que ele não tinha total certeza da relação entre as duas coisas já que pode ter tido muitos sonhos e esse ter sido somente um deles, mas os seus instintos tinham a certeza. Talvez muito tempo pudesse não ter sido desperdiçado e o seu corpo não definhado tanto se tivesse feito uma outra escolha. Ele não sabia na época que às vezes o tempo não tinha tempo para se ficar pensando nas escolhas.
  • JUSTIÇA

    As ruas estão desertas, apesar de estarem apinhadas de pessoas, cresce em meio à multidão da cidade um clamor de justiça, no entanto cada grupo que habita a sociedade, tem o seu próprio senso de justiça, para uns o justo significa relações afetivas livres de configurações tradicionais, para outros, justiça significa relações dentro dos limites estabelecidos pelo stablishment, ou melhor, justiça é o que está estabelecido pela maioria. Outros grupos acham que justiça é pagar um salário que caiba dentro do bolso do empresário, outros que justiça é pagar um salário que dê para o trabalhador se sustentar. Na verdade, não há um consenso do que seja justiça, seriam direitos iguais para pessoas desiguais ou seriam direitos diferentes para pessoas diferentes? Seriamos como diz a nossa justiça, todos iguais perante a lei? As leis que regem nossa sociedade seriam justas para todos? Ou seriam justas para uns e injustas para outros? De que vale o direito à educação, à saúde, quando não temos acesso a esses bens? De que vale o direito a habitação, a propriedade privada, a crescer em um ambiente de amor e de amparo, quando não nos são dadas tais oportunidades? Será que um homem acossado pela miséria tem o direito de infringir a lei, por ser miserável? Será que um homem dotado de poder e condições financeiras tem o direito de infringir a lei, por ser poderoso? Em nossa sociedade podemos observar esses dois casos.
    O que significa ser honesto em uma sociedade onde o princípio que rege todas as relações econômicas é o lucro? Levando-se em conta de que nossas vidas estão intimamente ligadas as relações econômicas. Será que o princípio do lucro também se sobrepõe as relações afetivas, educativas, familiares, de amizade, religiosa? Sem querer determinar nada, mas me parece que o lucro é o princípio que rege todas as nossas relações. Como é possível se falar de justiça em uma sociedade regida por um princípio tão absoluto quanto este?
    Há quem diga que o homem não é senhor de sua história, é como se a evolução histórica da humanidade não estivesse dentro do controle da comunidade, nem dos líderes mundiais, pensemos nos homens que estão no topo da cadeia alimentar, esses homens apesar de seu poder não podem controlar o futuro, talvez façam algumas previsões com certo grau de acerto, mas o desenrolar da história pode tomar rumos imprevisíveis, isso é o que acredito, o homem não é senhor da história, posto que o seu presente não pode determinar um futuro absoluto, entendo o futuro como potencialmente existente e não existente em ato.
    Então a pergunta é, será que o modo como vivemos é um projeto voltado para um fim? No sentido teleológico, uma finalidade, um fim último, uma meta, um objetivo que esteja para além do resultado imediato que é enriquecer, gerar lucro? Ou caminhamos em direção à uma evolução voltada para uma melhoria das condições de vida humana, no sentido de uma evolução que nos tirasse da tirania da necessidade, e nos levasse a patamares mais altos de uma sociedade menos predatória, ou até uma evolução biológica, será que estamos caminhando para um futuro melhor? Essa é a grande pergunta. Será que isso está nos planos do capital? Será que estamos caminhando para uma sociedade mais justa? Mas primeiro procuremos chegar à um acordo do que seja justiça.
  • Labirinto

    O sonho era bonito. Estava deitado na praia e sentia o sol bater na face direita do seu rosto. Já ardia de tão quente, mas não era uma ardência ruim ou angustiante. Trazia prazer sentir aquilo e o barulho das ondas do mar se quebrando trazia a tão querida paz. Porém, como é por diversas vezes costumeiro nessa vida, o sonho acabou e tudo se tornou um pesadelo. O despertador tocou as 05:30 da manhã, sinal de que ele tinha que sair da sua sonhada praia e começar a se arrumar para ir ao seu odioso trabalho.
    Tudo ocorria exatamente como ele detestava nos inícios da manhã. O seu café estava velho e ele colocou o número errado de colheradas de açúcar. O pão já estava duro, mas não o suficiente para que fosse impossível de comer. A programação da televisão era um lixo e, mesmo que achasse algo bom, não daria tempo de assistir tudo. Era assim todas as manhãs, mas o horário já avisava que não tinha como ser melhor.
    O cotidiano dos seus tormentos se modificou assim que abriu a porta. Tudo estava escuro. Somente por causa de uma luz, que estava distante dele uns 50 metros, era possível perceber que o que levava até ela era um corredor. Ele continuava na beira da porta com a sua chave na mão. Tentava entender o que estava acontecendo. Tentando achar alguma explicação lógica para aquilo. Tentando se convencer de que tudo não passava de um sonho. Tentando não se frustrar. E tentando criar coragem para ir até aquela luz.
    Os seus primeiros passos foram feitos sem muita convicção, mas a curiosidade de saber o que tinha lá fez com que a coragem viesse lentamente e seus passos foram se tornando mais firmes. Chegando lá, percebeu que tinha algo escrito na parede iluminada. “Bem-vindo ao meu labirinto! Direita ou esquerda? Direita.”. O que já era confuso para a sua mente se tornou ainda mais depois dessa frase. A única coisa que tinha convicção de que sabia era o que era um labirinto, mas não sabia de quem era ou de que maneira tinha parado ali já que sabia que não existia nenhum na porta de sua casa quando foi dormir. De qualquer maneira, seguiu para a direita com calma e sem nenhuma coragem.
    As paredes eram brancas e feitas com grandes tijolos de concreto, mas já estavam sujas e com trepadeiras crescendo nelas. Via a sua sombra o acompanhando apressadamente enquanto andava. Não havia luz o suficiente para que uma sombra fosse gerada. Percebeu isso quando um rato passou correndo por ele e nem sequer gerou uma imagem borrada. Quando chegou em uma bifurcação, continuou para a direita assim como ordenara o aviso. Finalmente, viu uma luz no final do corredor em que estava. Seguiu apressadamente, ansioso para saber o que estava escrito. Enquanto andava pensava somente em coisas boas, acreditando que podia ser uma saída ou pelo menos uma explicação do que estava acontecendo.
    O branco da parede começou a ter respingos de vermelho. Os respingos viraram manchas. A sua sombra se ajoelhou em prantos, ele não. Os seus passos estavam mais lentos como se quisessem impedir que os seus olhos vissem uma desgraça. Como se pudessem ver o futuro. E como se antecipassem a dor.
    Antes de ler o que estava escrito, viu o seu gato de estimação, chamado Simão, caído no chão. Ele repousava sobre o próprio sangue retirado por meio de uma degolação. Ainda dava para perceber o rabo com os pelos todos eriçados, mostrando que ele sofreu e sentiu medo em seus últimos minutos de vida. Assim que a sua ficha caiu, o que demorou poucos segundos, sentiu como se uma adaga tivesse sido fincada no peito. Não acreditava que, depois de passar doze anos ao lado do seu gato, ele teria que o perder dessa maneira, sem conseguir entender nem onde está e o porquê de estar lá.
    Quando finalmente conseguiu fazer com que as lágrimas saíssem da frente dos seus olhos, leu o que estava escrito na parede. “Eu disse direita? Esse nunca é um bom caminho, mas fique com esse presente. O reencontro com um animal de estimação é sempre emocionante. Siga ao norte e depois vá para a esquerda.”. Ele decidiu ir para o norte já que essa era a única opção além de voltar, mas viraria a primeira a direita que visse.
    Assim que começou a seguir pelo caminho planejado, viu que a sua sombra estava indo para trás. A sua mente estava perplexa com aquilo que via e isso só aumentou quando viu uma outra passar pela parede logo em seguida. Olhou para os lados e viu mais umas outras três sombras fazendo o caminho contrário. Decidiu ignorá-las, acreditando que esse seria somente outro truque do labirinto para desviá-lo do verdadeiro caminho.
    Como prometeu para si mesmo, virou a primeira a direita. O caminho parecia ser longo já que caminhava durante horas e não chegava a nenhuma parede que o impedisse de continuar. A sua mão já estava muita arranhada por ter que andar encostando na parede uma vez que a iluminação ia diminuindo lentamente e quase imperceptivelmente. Para ele, o labirinto insistia em tentar o convencer a seguir o outro caminho. Via diversas sombras voltando ou entrando em diversas bifurcações que levavam ao norte ou a noroeste, mas continuava firme em sua promessa.
    Finalmente chegou no terceiro aviso. A luz estava fraca e tremula. A escuridão a sua volta não o permitia ler direito. Quando olhou para a sua esquerda, viu diversas sombras parando uma atrás da outra. Não conseguia ter um bom pressentimento daquilo. Assim que a última sombra parou, todas passaram a correr em círculos. As sombras começaram a sair das paredes. Ele sentia o vento delas correndo em volta dele e o impedindo de respirar fundo. O seu coração disparou enquanto gritos estridentes de sofrimento começavam a ensurdecê-lo. Os seus olhos latejavam com o som e suas mãos foram instintivamente para os seus ouvidos, mas os sons já estavam dentro da sua cabeça. A dor que as sombras pareciam sentir invadiram o seu corpo e se concentravam em seu peito. Parecia que todas as angústias, sofrimentos, medos e dores, tanto físicas como emocionais, que as sombras sentiam estavam sendo transferidas para ele. A sua mente não aguentava aquilo e ele implorava para que a morte chegasse logo. O seu sofrimento deve ter durado horas ou pelo menos era isso que o seu cérebro estimava.
    A dor não cessou instantaneamente, mas foi reduzindo aos poucos, igual aconteceu com as luzes enquanto caminhava. No momento em que tudo se tornou suportável, viu que a luz presa na parede estava mais forte e com brilho firme. Leu cada palavra muito lentamente para tentar driblar a dor e impedir que ela não o faça entender a mensagem corretamente. “Você é retardado ou só não passou do maternal quando ensinaram direções? Eu falei esquerda e é melhor seguir as minhas ordens.”. Quando leu a palavra “ordens”, uma raiva subiu a sua cabeça que foi o suficiente para ignorar todo o resto da dor que sentia. Ele adorava desafiar autoridades e achava que, se continuasse para a direita, conseguiria a liberdade, então assim foi como ele fez.
    Ele foi um pouco para o norte e logo virou à direita. A dor misturada com a raiva o deixou com um aspecto de maluco. Às vezes, enquanto caminhava, sorria do nada com algum xingamento aleatório ao labirinto e seu criador como se estivesse prestes a ganhar uma luta difícil. Os seus passos agora eram inegavelmente firmes e sem nenhuma hesitação. Não havia muitas sombras a sua volta, somente três.
    A caminhada até o outro aviso não durou tanto como a anterior, mas ainda assim foi longa. Os seus pés já doíam, principalmente porque os sapatos que usava não eram feitos nem mesmo para caminhadas curtas. Mesmo assim conseguiu chegar ao quarto aviso e, no momento em que estava perto o suficiente para ler, se ajoelhou para que conseguisse descansar um pouco. Na parede estava escrito: “Você está saindo da área de influência dos meus poderes. Parabéns,”. Depois de ter sentido medo, tristeza e dor, esse foi o primeiro aviso que trouxe alguma felicidade e esperança. Pelo menos foi isso o que ele sentiu na primeira parte, mas a vírgula no final da frase o deixou apreensivo. Queria acreditar que era só um descuido numa pichação apressada. E, como quis acreditar dessa forma, assim acreditou e decidiu continuar o seu caminho para direita.
    Não demorou muito para encontrar outra bifurcação na sua tão querida direção. Depois de ter dado uns vinte passos, o caminho que estava atrás dele se fechou e o chão cedeu até a metade dos seus passos. A luz que iluminava aquelas áreas só durava o bastante para que ele visse toda o chão ceder com um estrondo aterrorizador e sumir diante dos seus olhos, se tornando nada além de escuridão. A cada passo que dava para frente, um pouco mais de chão era perdido atrás. Não tinha percebido antes, mas agora só tinha uma única sombra o seguindo, somente a sua.
    Os seus passos estavam tão lentos como os de um velho de noventa anos. Queria correr até o aviso, mas os seus joelhos estavam travados de medo. Queria acreditar que continuava no caminho da saída, porém não conseguia se convencer de que a liberdade tinha um caminho tão amedrontador. Os seus sorrisos desafiadores agora não passavam de um rosto que se segurava para não chorar com as suas pálpebras e lábios tremendo. Toda a força que fazia não foi o suficiente para segurar as suas lágrimas enquanto lia o aviso. “, você cavou a sua própria cova, então agora aceite a sua morte. Nos vemos no inferno.”. No exato segundo em que os seus olhos viram o ponto final, todo o ar a sua volta sumiu. Não havia mais luz no labirinto enquanto ele sufocava até a morte. Em seu sofrimento, os seus olhos pareciam vazios, embora seu coração estivesse cheio de decepção.
  • LENTES

    Os olhos
    São lentes
    Diferentes...

    Olhares diferentes
    Penetrantes...

    Olhares das mentes
    Mentes revolucionárias
    Combatentes...

    Mentes insurgentes
    Mentes que mantém
    Lentes midiáticas.

    Mentes democratas
    Mercados, pomadas
    Lentes felinas.

    Universo das mentes.

    Linces...

    Lentes,
    Mentes mirabolantes
    Que através das lentes.

    Mentem...

    Fazem guerras
    Em nome de Deus!

    Lentes...

    Que filmam as mortes
    Retratadas como coisas
    Penetram quando vida.

    O prenúncio das mortes
    Mentes das lentes.

    Mentem...
    Mentem...
    Mentem...
  • Loop de Bloqueio Criativo

    Não sou pernóstico,
    Mas procurei a idiossincrasia
    Através de termos ininteligíveis:

    Vide: Pernóstico;
    Vide: idiossincrasia;
    Vide: ininteligível.

    Dicionário de rimas:
    Escrevi mãe,
    Mas nada rima com mãe.

    Perdido entre a vontade e o fato:
    Algo próximo do fim
    Desse poema cacofônico.

    Uma palavra-chave a mais,
    Uma fechadura a menos.
    Desbloqueio.
  • Lost Girl

    I have a hole inside my soul 
    And I find me sinking in the darkness.
    The pain is hard,
    Really hard to fight.
    The emptiness consumes me,
    Consumes me from inside.
    At this point I’d be just happy,
    Happy just to die.
    Travel to another place 
    Or maybe another time,
    Try something different,
    Something to make me feel alive.
    You can’t save the lost girl,
    You can’t take her from this pain.
    Maybe is not worth to
    Wait for the rainbow after rain.
    At this point she wants peace,
    She wants a safe place:
    A place to hide herself,
    And don’t think about those days...
    Those days that weren’t good,
    Those days where she was sad,
    Living in a bad place 
    And staying in her head.
  • Luz

    Boa parte das crianças tem medo do escuro e a grande solução para isso é uma luzinha pequena feita em diferentes cores para plugar na tomada. Assim era possível ter uma noite inteira de sono sem achar que tem algum monstro perdido na escuridão. Agora, no auge dos seus 29 anos, Manu não vê mais necessidade de ter essa luzinha já faz tempo, mas em uma noite observou o seu novo repelente elétrico de mosquitos e o pequeno LED vermelho que tinha para indicar que estava ligado. Ele projetava a sua luz para o teto e ela o encarava enquanto se lembrava da sua infância.
    Essa luz formava um círculo vermelho no teto, mas com o interior escuro como se fosse um eclipse solar dentro de sua casa, totalmente privativo. Aquela projeção de uns 30 centímetros de diâmetro era hipnotizante e ela o encarava com fascinação. Era lindo, embora um pouco assustador. Ao mesmo tempo que queria dormir e descansar do longo dia de trabalho, queria ficar ali olhando para cima enquanto viajava em sua mente. Talvez tenha se passado uns dez, vinte minutos ou talvez uma ou duas horas quando ela viu algo na escuridão do interior do halo vermelho. Eram pequenos círculos ovalados de um vermelho bem mais intenso. O topo deles foi lentamente se achatando, se transformando em olhos zangados, e logo abaixo um sorriso com dentes brancos e afiados começou a surgir como se a desejassem. Ela prendeu a respiração durante alguns segundos sem perceber e fechou os olhos com força, espremendo uma pálpebra contra a outra, para não ver aquilo que a sua mente implorava para não ser real. Enquanto isso o seu corpo foi lentamente deixando de sentir a sua cama e as suas mãos foram se fechando para tentar conter o medo. Se não bastasse o frio subindo pela espinha, ela sentia o frio se aproximar como se tivesse algo o empurrando para perto dela. Não aguentando o terror, o seu corpo se virou de lado, os joelhos começaram a ir em direção aos seus seios enquanto os seus braços abraçavam firmemente as pernas. De olhos fechados e em posição fetal, ouviu uma voz velha, que era aguda como unhas arranhando um quadro negro, sussurrando em seus ouvidos.
    — Esqueça o medo e venha brincaar! Não sabe brincaar? Fique traanquila, eu ditarei as regras antes de caada fase começar! A morte pode ser o prêmio ou a punição, vocÊ decide! — e a cada palavra e sílaba arrastada os seus olhos se apertavam mais e os seus braços abraçavam as pernas com mais força — Vaaamos, abra os seus olhos! Eu juuro que você não irá me ver!
    Ela queria acreditar que estava sonhando e que tudo não passava de um pesadelo produzido pelo seu doente subconsciente, mas não importava o quanto se esforçava em seus argumentos, a sua mente sabia que era real. E, por saber que era real, se obrigou a ter coragem e abrir os olhos, mas não sem relutância, é claro. Afinal, se visse uma sombra de algo assustador, a sua reação provavelmente seria fechá-los novamente. Mas não viu nada. Estava tudo completamente escuro, então foi se levantando aos poucos, tomando muito cuidado. Quando finalmente estava totalmente erguida, uma luz apareceu a uns dez metros de distância iluminando um grande pedaço de pedra de cor barrosa. Por não ver onde estava pisando, cada passo é tomado com um enorme cuidado, mas o destino era certo: a grande pedra. A uns três metros de distância, percebeu que tinha algo escrito nela como se garras tivessem arranhado a pedra em uns dois centímetros de profundidade, dando um aspecto sombrio a cada letra. Quando chegou perto o suficiente, percebeu que eram as regras do jogo que a criatura falou no início. Estava escrito: “Caminhe rápido porque na escuridão estarei lá, mas, se quieta ficar, viva continuará!”. Havia um X bem grande cruzando a palavra viva o que gerou um frio na espinha de Manu. Mas não teve tempo para refletir sobre isso porque, no momento em que terminou de ler, a luz que antes iluminava a pedra tinha sumido e a voz da criatura voltou a aparecer.
    — A primeeira faase começou! Siiga o vento, miinha criaança! — a sua voz ia engrossando à medida que falava, chegando a parecer um trovão no final — BOA SORTE! —  Com a explosão da última palavra, duas enormes bolas de fogo, parecendo uma mistura de pássaros com olhos gigantes, passaram dando um rasante em Manu que se lembrou a tempo das regras e se impediu de gritar de medo colocando as mãos na boca enquanto caia de costas no chão.
    Com a respiração acelerada, ficou encarando a direção em que foi o fogo alado, lutando para que o seu medo não enchesse os seus olhos de lágrimas. Quando conseguiu se acalmar um pouco, se levantou e começou a seguir o caminho da bola de fogo, mas, depois de apenas três passos, ela se lembrou das grandes asas do fogo batendo e se deu conta de que o vento delas era direcionado para trás. Já que a regra era seguir o vento, tinha que dar as costas para as imensas bolas de fogo que iluminavam o horizonte e seguir a escuridão.
    Não tinha nada para ver a sua direita, a sua esquerda e nem na sua frente. A sua única alternativa era se afastar silenciosamente da sua única, e ainda assim temida, fonte de luz. Quando até essa luz não era mais visível, começou a ouvir um zumbido distante. Era um ou mais insetos voando em sua direção, ela sabia disso. O zumbido era um som grosso que não se lembrava de ter ouvido em lugar algum, mas que indicava que não eram insetos pequenos. Ela não gostava de insetos, principalmente daqueles que voavam e eram totalmente imprevisíveis em seus movimentos. Sempre que via um perdido em sua casa, tentava matar o mais rápido possível mesmo que sentisse que não era o correto. Era o jeito que ela encontrava de se livrar desse problema, mas que agora não poderia fazer já que matar, seja lá o que estivesse vindo, poderia fazer barulho e violar as regras. Pelo mesmo motivo, teria que evitar correr ou se desesperar, então, nesse meio tempo em que os insetos estavam se aproximando, tentaria se acalmar o máximo possível.
    No momento em que o primeiro zumbido passou pelo seu ouvido, a sua respiração acelerou e teve que segurar a sua mão para que não soltasse um frustrado tapa em seu pescoço tentando acertar o bicho. Ao mesmo tempo, uma outra rocha passou a ser iluminada indicando o destino final dessa fase e as regras da outra. Mas essa pequena fonte de luz repentina também servia para ver como eram os insetos. O monstro que a atormentava queria que ela os visse. E ela viu. Eram aranhas de diferentes tipos, mas a maioria parecia com peludas tarântulas com dois pares de asas de cada lado e um afiado ferrão na sua parte traseira que soltava uma gosma nojenta e verde. Parecia uma junção de abelhas com aranhas que vinham para cima dela como se fosse uma presa fácil. Ao ver o que enfrentava, Manu só conseguiu colocar as mãos ao redor do rosto para diminuir o seu campo de visão enquanto os seus olhos lutam para não ficarem fechados, franzindo todos os músculos da testa.
    Mesmo sentindo uma mistura de medo de ser machucada e nojo daqueles insetos, continuou a caminhar no mesmo ritmo. Reto e constante, os seus passos pareciam ignorar os insetos. Pelo menos até o primeiro pousar em seu ombro, fazendo com ela sentisse todas as oito patas em sua pele e a luta delas para ficarem estáveis enquanto Manu mexia os seus ombros para frente e para trás se esforçando para que aquele monstro minúsculo voltasse para o ar. Mas esse monstro decidiu que não sairia de lá tão fácil e rapidamente fincou o seu ferrão traseiro no ombro dela enquanto as presas da frente mordiam o seu pescoço, causando uma dor causticante. A primeira reação de Manu foi olhar para cima como reflexo da dor e soltar alguns xingamentos em sua mente, mas logo pegou o inseto com a mão e o jogou longe, retirando a força suas presas dela e causando mais dor. O local agora latejava e ardia, dificultando o seu raciocínio. Os seus pés pareciam fazer mais esforço para dar cada passo como se estivesse entrando em um lamaçal, a obrigando a diminuir o ritmo de caminhada. Por causa disso, mais e mais insetos começaram a pousar nela, a ferroando e mordendo incessantemente. Os seus dentes estavam quase se quebrando com a força que fazia para manter a boca fechada e não emitir nem sequer um “aí”. Ela até tentava retirar algumas das aranhas com as mãos, mas eram muitas e os seus músculos se contraíam a cada nova picada. Em uma dessas, não conseguiu se aguentar e caiu no chão, continuando a sua jornada engatinhando enquanto as suas costas se cobriam de aranhas. A sua visão já não condizia com a realidade, vendo a pedra se aproximando e afastando sucessivamente. Ela lutava para continuar se movimentando, levando cada músculo ao seu esforço máximo. Até que a sua panturrilha não aguentou mais e causou uma dolorosa cãibra. Com a sucessão de dores latejantes que pareciam emanar de todo o corpo e subir até a sua mente já tonta, não aguentou mais engatinhar e caiu no chão. Ficou deitada no chão por alguns segundos, talvez tenha até desmaiado, e os insetos começaram a cobrir cada parte do seu corpo, inclusive o rosto. Em um certo momento, quando uma das aranhas mordeu a sua língua, ganhou um pequeno lampejo de força que a permitiu começar a se arrastar, se impulsionando com o braço esquerdo. Ela não sentia mais nada em seu corpo e nem sabia se os insetos continuavam em cima dela, só tentava continuar enquanto ainda estava consciente. E, logo quando estava com a visão completamente turva e sentindo a sua cabeça caindo no chão, levantou o braço direito, encostou em uma rocha e desmaiou.
    — Acoorde, minha querida dama! — sussurrou a criatura despertando pequenos reflexos nas pálpebras de Manu — Você aiinda está viva, mas só por sorte do deestino. Mais alguuns segundos e vocÊ seria minha. Minha, minha, minha, vocÊ será miinha! MAS não sou cruel, vejo que está debiliitada, então deixarei você repousar... Você ficará bem quietinha, sem se mover enquaanto o caminho vem até vocÊ! — Manu, que ainda estava zonza e dolorida, já tinha conseguido ficar de joelhos em meio a escuridão e percebeu que mais uma fase tinha começado quando viu um ponto de luz brilhante no horizonte.
    Ainda respirando com dificuldade, tentando assimilar tudo o que aconteceu e tudo o que ainda irá acontecer, Manu ficou parada enquanto encarava aquele ponto de luz que parecia uma estrela distante, piscando e oscilando. Ela queria coçar os olhos para ver se enxergava melhor, mas entendeu as regras dessa fase. Podia não estar entendendo tudo, mas sabia que não podia se mover muito nem mesmo com sabe se lá qual armadilha a criatura colocar. Alguma coisa iria vir, tinha certeza disso, embora não quisesse pensar muito para não sofrer por antecipação mais do que já estava sofrendo fisicamente. Ia aproveitar esse tempo para se recuperar, mesmo que fosse bem pouco, então fechou os olhos para adiar ao máximo o momento de sofrimento.
    Ela continuava tentando adiar e ignorar tudo quando algo peludo passou pela lateral da sua perna direita. Ela fechou os olhos com mais força quando sentiu algo rápido e pequeno subir em sua coxa com as suas seis pequenas pernas. Mas não conseguiu mantê-los assim quando ouviu um forte bater de asas e, pensando que podia ser novamente as aranhas, teve que ver o que tinha a sua volta. A sua primeira visão foi do chão e teve que segurar o seu corpo para não ter nenhum reflexo. O chão era um tapete de baratas e ratos, não dando pra ver nem sequer um milímetro de terra, piso ou seja lá que estivesse embaixo dela. Os ratos tinham tufos de pelo cinza encardido espalhados pelo seu grande corpo e os seus olhos vermelhos iluminavam os seus enormes dentes. Já as baratas eram marrons, beirando ao preto, com uns 10 centímetros de corpo e que não paravam de mexer as suas antenas enquanto as suas asas ficavam ameaçando voar. Quando finalmente percebeu que algumas lágrimas pareciam estar presas na parte de trás dos seus olhos e que não iriam cair, teve coragem de parar de encarar o movimento aleatório dos ratos e baratas. Então Manu olhou para cima sem movimentar a cabeça e viu a criatura que batia as asas. Era um majestoso e nada assustador beija-flor extremamente colorido, tendo penas que iam do roxo, passavam pelo azul e terminavam no verde. Ela encarava os seus olhos e ele os dela, a deixando imersa nesse pequeno campo de visão como se a hipnotizasse, mas as suas poderosas asas começaram a levá-lo para a direita até sair do campo de visão de Manu. Agora ela só conseguia ouvir o som alto de suas asas batendo bem próximas ao seu ouvido e o seu coração parecia tentar igualar os seus batimentos com a impossível velocidade daquelas asas. A sua respiração ficou curta e acelerada, temendo o que vinha pela frente. E o seu temor se confirmou quando começou a sentir algo longo, fino e levemente úmido entrando e saindo de seu ouvido em uma velocidade assustadora como se estivesse escavando, procurando alguma coisa enquanto causava uma agonia dolorosa. Com as lágrimas caindo dos seus olhos e lutando contra as contrações involuntárias de seu abdómen, forçou os seus olhos a ficarem abertos para tentar se concentrar em alguma outra coisa. Mas, assim que olhou para baixo, começou a ouvir um zumbido agudo em seu ouvido que causava uma forte dor em sua cabeça, tendo que se esforçar para não entrar em posição fetal. No mesmo momento, viu as baratas subindo em seu corpo até a sua cabeça, tentando forçar uma passagem pela sua boca, nariz e olhos. Seu corpo tremia com a dor e agonia quando os ratos começaram a roer as suas pernas, mas Manu continuava sem se mexer mesmo não conseguindo mais ver a que distância estava a luz. O tempo parecia uma eternidade e cada segundo demorava a se passar em meio ao sofrimento. Ela só queria que tudo acabasse e não estar mais nesse pesadelo. Ela só queria...
    — PARABÉNS, vocÊ passou por maais uma fase! Pode se mexer agora! — nesse momento ela simplesmente desabou no chão como se tivesse sem forças enquanto dava longas puxadas de ar — agora só resta mais uuma fase e ela é beem simples! Você não está vendo, maas tem uma porta a sua frente. NÃO abra ela em hipótese alguma! Até loguiinho, minha você!
    Demorou um pouco até que Manu conseguisse sentar e depois finalmente levantar. O seu corpo inteiro doía, as articulações pareciam estar inchadas, o seu ouvido zumbia de maneira incessante e havia sangue escorrendo por todo o seu corpo. O cansaço era grande, mas a curiosidade pela prova ser só uma porta era ainda maior. Por ser a última prova, tinha dúvidas se deveria seguir as regras ou não. Mesmo agora podendo fazer barulho e se mover à vontade, ela ficou olhando para a porta até conseguir se decidir. Durante o seu raciocínio, começou a ouvir em meios aos zumbidos o barulho de alguma coisa correndo a alguns metros de distância. A sua respiração voltou a acelerar e começou a ouvir os seus próprios batimentos quando o som de um rosnado se espalhou pelo ar.
    Podia sentir a criatura se aproximando e a cercando quando se lembrou de que, segundo o monstro que a atormentava, a morte poderia ser o prêmio ou a punição. Talvez por causa disso ou somente por puro instinto, deu uma pequena corrida cambaleante até a porta e começou a puxá-la com toda a sua força, mas não havia nenhum movimento. Os rosnados aumentaram em volume e proximidade, aumentando também o seu desespero. Talvez pela adrenalina que continuava a inundar o seu corpo, outro pensamento pairou sobre a sua cabeça: “não estou dentro, estou fora”. Por isso parou de puxar a porta e colocou o peso todo do seu corpo para empurrá-la. Quase todo o seu corpo passou por ela, mas, quando as suas pernas estavam suspensas no ar, a criatura mordeu a parte interna da coxa direita. A violência do choque fez com que ela girasse no ar enquanto gritava de dor. Tudo ficou em silêncio quando a cabeça de Manu bateu em alguma coisa na escuridão e a fez desmaiar.
    Já era de manhã quando acordou em sua cama. Sentindo todo o seu corpo dolorido, tentou se levantar e ir até um espelho, mas a dor na sua perna direita não permitiu e a levou até o chão. Lá mesmo tirou a sua calça de pijama e viu uma grande ferida já cicatrizada de uns trinta centímetros em formato de dentes bem na parte interior da coxa. O resto do seu corpo estava marcado por picadas em cicatrização e não ouvia mais nada em seu ouvido direito. Manu chorou, chegou a ir ao hospital, mas nada adiantou. Além do constante medo de dormir, essa dor e essas marcas a perseguiram pelo resto de sua vida.
  • Mais um auto assassinado - o suicídio bem sucedido

    Eu ia começar logo por onde tá doendo
     
    ia ficar passando o bisturi ou uma tesoura na gengiva do dente que tá doendo bastante cutucando bem forte
    até fica sangrando e escorrer da boca aquela baba vermelha misto de saliva e sangue
    ia tacar sal também
    e água fervente
     
    ia espetar agulhas e alfinetes em todo o seu corpo
    e fazer vários cortes
    deitar vc sobre a cama...nua
    e fazer um corte transversal na barriga
    e ir tirando órgão por órgão
    melecando tudo de sangue viscoso
    minhas mãos enlameadas de sangue
    meus dedos lambuzados de hemácias
    eu ia beber seu sangue estomacal
    eu ia te matar várias vezes clarice
    preparar seu funeral
    seu modo de ser cremada
    eu ia jogar suas cinzas no oceano
    mas antes eu ia retirar seus olhos
    os nervos e a córnea
    com uma serra, partir seu crânio
    e dissecar do cérebro à cóclea
    cerebelo e hipófise
    tudo o que a natureza em seu ventre materno e deu
    eu ia retirar
    matá-la lentamente
    com meu bisturi convincente
     
    eu ia começar a rasgar sua pele por essas feridas de espinhas que vc tem no rosto
    cavucando onde dói
    fazendo sair pus
    ia retirar todo o seu nariz pra ficar igual ao bebê de tarlatana rosa
     
    ia retirar unha por unha
    dos pés e das mãos
     
    antes de te cremar eu ia cozinhar você
    e depois eu te eletrocutaria
    eu odeio você
    o que eu mais quero é matar você
    o que eu mais quero é deixar de viver
     
    enquanto eu escrevo
    respiro mais um pouco
    e mesmo que seja narrando meu auto assassinato
    eu fico feliz e aliviada
     
    então por isso
    obrigada
  • Mais um dia normal

    Acordar cedo
    Muito cedo
    Levantar 
    Vestir uniforme
    Ir trabalhar
    Sem café
    Não tem café
    Economizar
    Mais um dia normal 
    Nem tão normal

    Ônibus lotado
    Sem lugar para sentar
    Pessoas em pé
    Pessoas demais
    Rádio avisa 
    "Não pode aglomerar"
    "Ficar em casa"
    Pessoas fingem não ouvir
    Trabalho
    Contas para pagar 
    Família para alimentar 
    Ninguém para ajudar
    Mais um dia normal
    Nem tão normal

    Percurso longo
    Outro ônibus lotado
    Rádio avisa 
    "Usar álcool em gel"
    "Usar máscara"
    Pessoas fingem não ouvir
    Muito caro
    Sem dinheiro 
    Contas para pagar 
    Família para alimentar
    Ninguém para ajudar
    Mais um dia normal 
    Nem tão normal

    Ônibus atrasa
    Chega no trabalho atrasado
    Patrão furioso
    Perde o emprego se atrasar de novo
    Cabeça baixa
    Começa trabalhar
    Alto-falante avisa
    Amanhã sem trabalho
    Tem indeterminado
    Quarenta
    Sem trabalho
    Sem salário
    Conta sem pagar 
    Família sem alimentar
    Ninguém para ajudar
    Mais um dia normal
    Nem tão normal

    Ficar em casa
    Sem dinheiro guardado
    Sem comida estocada
    Sem ter o que fazer
    Sem saída
    Contas para pagar 
    Família para alimentar
    Ninguém para ajudar
    Mais um dia normal 
    Nem tão normal

    Rico relaxado
    Pobre preocupado

    Rico causa
    Pobre paga

    Rico, férias 
    Pobre, desemprego

    Rico viaja
    Rico doente
    Rico contamina pobre
    Pobre doente

    Rico, melhor hospital
    Melhor tratamento
    Dinheiro paga
    Rico saudável
    Pobre, hospital lotado
    Sem leitos
    Sem dinheiro
    Pobre morre

    Cadê justiça?
    Cadê compaixão?
    Cadê amor?
    Cadê empatia?
    Cadê ajudar ao próximo?
    Não tem 
    Cada um por si
    Sobrevivência do mais forte
    Azar de quem não tem
    Sociedade
    Dinheiro reina
    Egoísmo permeia
    Mas quem liga
    É só
    Mais um dia normal 
    Nem tão normal

  • Me Conserta...

    Menina dos olhos castanhos, tristes e caídos;
    Ela vive para fazer poesia, mas ainda assim precisa de fortes anti-depressivos.
  • Meu algoz - Parte 1

    Eu acordei, não sabia onde estava, só conseguia sentir tinha cabeça latejava, meus olhos arderem e a boca seca, muito seca.
    Estava como a noite anterior: vestido tubo preto, meia arrastao, uma sandália estilo cuturno, colares, brincos, nem a jaqueta de couro que usava, tirei. Isso era um bom sinal, nenhuma besteira tão grande acontecera.
    Eu fechava os olhos e tinha flashbacks: estava no pub da rua principal, meu "porão" favorito, tocava a musica "LSD - Thunderclouds" feat da Sia com Diplo + Labrinth tocava no fundo, estava com a Nick, bebendo uma long neck, enquanto ela falava sem parar sobre trabalho, a mãe e o ex, eu estava rindo muito da sua vida confusa, até que...
    Ouço um barulho, abro os olhos e é na vida real, não no flashback.
    Sento na cama, me esticando para chegar até a porta, minhas pernas estão adormecidas, assim como parte do meu corpo. Ainda não sei onde estou. É um quarto bagunçado, parece de um estudante, tem a cama que estou deitada, roupas pelo chão, uma grande janela fechada por uma cortina azul, bem fina; tem uma escrivaninha cheia de livros que não enxergo bem do que se tratam.
    Nesse momento penso: "Droga, minhas lentes!". Percebo que não estou com elas e não consigo lembrar se as coloquei na noite anterior... deveria, pois não enxergo nada bem sem elas, ou, meu oculos...
    Outro barulho! Me volto para a porta, só consigo pensar que precisava parar de beber e que...
    Mais um brarulho! 
    - QUEM ESTÁ AI!???! - gritei em um impulso cheio de raiva por estar fisicamente e mentalmente afetada.
    Parecia pratos batendo, que dão lugar ao som de passos, o assoalho era de madeira de taco. Um homem para na porta, olho bem para a cara dele que diz:
    - Oi! Bom dia Liz. Desculpe o barulho, estou fazendo café.
    WTF?! Quem era aquele cara? Um estilho Ed Sheeran, só que menos ruivo e mais bonito.
    - Quem é você? - Bradei, brava com a situação, comigo e com o barulho dele.
    - Desculpe! Você deve ter batido feio a cabeça, sou Derick, amigo da Nick - falou ele com um grande sorriso amarelo e estendendo a mão - Você caiu ontem e te trouxemos pra cá, você está no meu apartamento.
    Em um ímpeto, levantei da cama, me dirigindo até a ele:
    - O que? A Nick está aqui? Ai minha cabeça... - encostei no criado mudo, pela tontura e porque senti uma pontada no topo da cabeça. Levei a mão até o local da dor, e tinha um galo ali
    - Não, ela não está aqui. Tinha que resolver algo com o ex-namorado e a mãe, não entendi direito. Acho que nem ela entendeu. - Disse ele divagando, nessa ultima parte, enquanto me ajudava a sentar novamente na cama - Ela só deixou você aqui e pediu para cuidar de você.
    - Ok. Derick, certo!? O que houve? Porquê minha cabeça doí? - perguntei quase chorando, odiava esse meu estado, odiava esse sentimento, eu não era mais essa pessoa, essa Lizzie.
    - Acho que foi uma noite intensa. Quando cheguei, você já estava bem "feliz" - Falou fazendo aspas com as mãos - podemos fazer assim, eu trago um café para você e conversamos melhor, pode ser!? Acho que você não comeu nada.
    Apenas assenti com a cabeça e vi ele se distanciando do quarto.

    Com a mão ainda na cabeça, fechei os olhos e voltei para mais um flash. Nele eu discutia com a Nick e chorava muito. Ela gritava para eu parar e me sacudia, dizendo: "você não pode ir, não pode!"

    Derick apareceu com o café, cortando o flash. Mas, acho que não conseguiria lembrar de muito mais. Ele me entregou a xicara e sentou na cadeira de rodinhas da escrivaninha, se aproximou da cama e começou a falar o que sabia.
    - Quando cheguei, a Nick estava alterada...
    - Bebada? - cortei, meio que supondo com certeza. Ela sempre ficava assim depois de falar do trabalho, mãe e ex.
    - Não, brava, preocupada, com você. Ela disse que alguém que te fazia mal estava lá e você estava fora do controle - antes que eu interrompense, ele continuou - você estava muito alterada, sentada no bar, conversando com os garçons, quer dizer... chorando... - concluiu com pesar.

    Eu não sabia onde enfiar minha cara. Eu, Editora chefe de uma revista de esportes conceituada, que estava todo dia construindo minha reputação, não sabia me segurar em um ambiente publico...
    - Pelo amor de Deus Lizzie! - gritei, sem perceber, deixando Derick assustado - meu Deus! Desculpa!
    - Tudo bem! Você quer ficar sozinha?
    - Não, na verdade, gostaria de ir embora. Obrigada, Derick. Obrigada mesmo, mas, tenho que ir...
    - Bem, na verdade, a Nick pediu para não deixar você sair... - disse ele, com medo da minha reação.
    - Quem aquela louca acha que é!? - tomei um gole de café e coloquei na escrivaninha - onde é o banheiro, por favor!?
    - Olha, é ali a esquerda. Mas, tem uma coisa que acho que você precisa saber... - disse Derick levantando e fazendo uma pausa dramática - quando ela pediu para que você não saisse, sabia que você resistiria, então, pediu para te lembrar que Ele voltou para a cidade e estava no bar ontem.

    Eu parei imediatamente na caminhada para o banheiro e procurei um lugar para me encostar.
    Me faltou ar, minha boca secou, meu coração disparou e as lagrimas surgiram.
    É logico que eu desistabilizei, ele voltou, ele estava na cidade e algo havia acontecido ontem, e claro, ele estava envolvido.
  • Meu coração e seus estados físicos

    Meu coração era sólido,
    Que não derretia
    E ninguém o invadia,
    Quem tentaria deixar uma rachadura?
    Se nunca deixei ser tocado,
    Quem o abriria?
    Se nele tinha cadeado,
    Mas um dia,
    Não sei bem qual,
    Foi colocado em alta temperatura,
    De onde será que essa chama surgia?
    Só sei que causou em mim uma rachadura,
    Era quase que imperceptível,
    Contudo se tornou fatal.
    Era indiscutível,
    Como aquele calor acabou se tornando meu mal,
    Agora o coração sólido ,
    Não só derretia rapidamente,
    Como era também despedaçado;
    E Aquela chama o invadia intensivamente,
    Correndo a cada parte daquele desválido orgão
    E pouco a pouco...
    Ele despedaça,
    Torna-se em algo raso e líquido,
    E por fim evaporado...
  • Meu Eu Borderline

    A ansiedade me toma de maneira incontrolável, é algo impossível de descrever. Assistindo tv nada mais passa na minha mente além do que foi dito. Está lá, crescendo, está lá, e sempre estará.
    Minhas mãos tremem e vão sozinhas até o couro cabeludo, as feridas se formaram e não sei mais que maneira isso irá se manifestar. Tricotilomania, um nome lindo, o novo nome que devo carregar por tempo indeterminado comigo. Arranco casquinhas de feridas e fios de cabelo por algum motivo. Não posso arrancar o que realmente me angustia, mas arranco partes inocentes do meu corpo de maneira compulsiva, a qualquer momento, em qualquer lugar. Dirigindo, assistindo tv, comendo, enquanto escrevo este texto.
    Alguns meses atrás, após uma leve crise de ansiedade. Choro que deixa o corpo ressaqueado por dias a fio. Gritos de horror e raiva com pessoas aleatórias da família e com o namorado inocente. Não adianta pedir desculpas, eles te perdoam mesmo assim. Se afasta de amigos que você não sabe manter por perto.
    Em uma festa experimenta ecstasy e fica persecutória, acha que todos estão mentindo, chora e liga para sua irmã ir te buscar. Lógico que estão mentindo para você, todos usaram então teriam a mesma reação, doce ilusão, ninguém ficou vendo animais mortos na rua. Ninguém achou que estava morrendo. Só você receberia dias depois em uma consulta a psiquiatra o diagnóstico de borderline, a nova histeria, a histeria do século 21. Você só quer levar uma vida zen.
    Há oito anos quebrou o tornozelo e sua vida mudou, e nunca superou. Tudo aparentemente acabou. Mas nunca foi diferente, você sempre se sentiu vazia, sempre se sentiu sozinha, sempre teve dificuldade em manter amizades e tudo mais. Não foi o tornozelo inchado que nunca parou de crescer que acabou com você. Border, você sempre foi histérica do século 21, garota interrompida que se cuide queridinha. Se formou mas não atuou. Seu diagnóstico chegou agora e não há oito anos meu anjinho que não se encaixou. Você é Penélope, você é borderline, e não o tornozelo inchado de oito anos atrás.
  • Miniconto Microcirúrgico

    Foi uma grande tragédia, de fato. Todo dia uma dezena de feridos era resgatada e trazida para o único hospital da cidade. Alguns voluntários começaram a chegar, para a sorte desse médico em questão. Ele finalmente conseguiu  permissão para alguns minutos de sono, na cama de um minúsculo quarto de descanso ao lado da UTI. Fechou os olhos e adormeceu quase instantaneamente, mas bastaram apenas sete minutos para que seu telefone tocasse. Nenhum cochilo vale mais do que a vida de um punhado de pessoas, pensou. Ainda de olhos fechados, desceu do beliche e se arrastou para o banheiro sem porta. Por não ter tempo para um banho, se convenceu de que um asseio rápido na pia já bastaria para se sentir melhor. Em um esforço grandioso para abrir os olhos, identificou o tubo de creme dental (sabor ultra refrescante) e desenroscou a tampinha. Com a outra mão, buscou pelo cabo da escova de dentes. Ele acabou passando o creme dental nas lâminas do barbeador enferrujado que habitava por lá e, pensando se tratar de apenas mais uma sessão de higiene bucal, laminou suas gengivas em dois movimentos rápidos.
  • Mística Realidade Intelectualmente Ofuscada

    Encontrava-se no assoalho de madeira no sótão da sua casa destemidamente radiante, ouvia os respigares da chuva forte, sobre as finas placas de metais brancas preenchidas de isopor, que substituiu as antigas avermelhadas telhas de cerâmica, em que seu isolante termoacústico não conseguia conter os muitos estalares das gotículas de águas celestinas. Percebia-se confortavelmente protegido do molhado e úmido escuro frio externo.

    De repente, algo clareara em seus externos pensamentos, se via em uma paz de simplicidade e momento, indescritivelmente descontraída, livre de tudo que o prendera pelos dias ociosos e ansiosos que distraidamente o arrastaram por longas avalanches de tormentos internos. Em um estado de êxtase profundo que o dominara, indo além de sua vontade, obteve a graça de ouvir a sinfonia das esferas celestiais. E dos mundos e dimensões superiores a este, criaturas luminosas incandescentes e fosforescentes esverdeadas lhe falaram em melodias insonoras, que ressoaram o maravilhoso coral musical do infinito universal multiverso.

    Essa música ressoava no lótus do sol e da lua, pelo perfume luminoso refletido em seus raios de luz, ao tocar os brotos fechados. Que mesmo pela sua distância, o beijo luminoso de ouro e prata que o tocava, emanava seus acordes no desabrochar de suas pétalas, pelas ondas que pululam se precipitando em uma catarata sinfônica de vibração amorosa pelo ar.

    Assim, compreendeu que a música é a base constante e permanente de toda matemática geométrica da criação.

    Despertara a mística intuição interior, assim sua razão de realidade mundana que se assentava no campo das escolhas e opções, fora ofuscada pela mística intuição em que a ferramenta do raciocínio já fora ultrapassada. Dessa forma, fora coroado com a clarividência de ver os seres inefáveis que não podem ser nomeados ou descritos, em razão de sua natureza mística, beleza inebriante e indivisível encanto indescritivelmente maravilhoso.

    De vítima das circunstâncias passara para o estado inabalável da maestria existencial. Percebia crescendo em seu ser, estados latentes de poderes formidáveis e paz infinita de um vazio iluminador. A sua personalidade fragmentada, individualizada, limitada, confusa, medrosa e insolente fora instantaneamente compreendida, e assim desintegrada nesse iluminado absoluto vazio. Sentira que era o tudo de todo que sempre foi, é e será. Fundiu-se a unidade unilateral da vida livre em movimento. Era a pétala que suavemente caiu da flor. A cana arrastada pelo rio cristalino que repousava no mar da tranquilidade. A ave, o peixe, o verme. Era tudo, menos um indivíduo.

    Dessa forma, montara na personalidade em vez da personalidade montar nele. Vencera o diálogo entre o intelecto racional e a consciência mística, na linguagem intuitiva superlativa do ser, em sua resposta rápida e sem palavras, que se adiantou à dialética do raciocínio lógico e banal, em sua essência intelectual. Ofuscando, portanto, todos os poderes formativos e formulativos de conceitos precoces e lógicos da bestialidade cartesiana, e euclidiana humanidade civilizada. Que apenas se torna útil, nos planos terrenos e fenomenais dos fatos, e atos práticos da idiossincrática existência de páreas patrióticas, personificadas na formalidade cidadã.

    Vira o tempo e o espaço se dissolver na multiplicidade dos eventos fantasmagóricos que constituía ele mesmo. Deu em questão de milésimos de segundos, se fosse basear no ilusório tempo na sua mente em prisão, uma volta de trezentos e sessenta graus, se também, tivesse base no espaço corporal de matéria solidificada em partículas subatômicas. Ira e voltará em si mesmo em ondas no interior e o exterior, percebendo estar ele fora e dentro de si mesmo, ao mesmo tempo, saindo e entrando em tudo do que era existente nele mesmo, e por ele mesmo exteriorizado, se vendo de uma dimensão maior, em um salto de dentro para fora e de fora para dentro. Não tendo como descrever em palavras, imaginar em pensamentos, ou expressar em sentimentos o que agora pouco sentira e presenciara. E, se viu limitado pelas expressões e dialéticas em descrever o indescritível. E viu o torpe, subjetivo incoerente da pesada realidade objetiva. E, diante da verdade e do real… a única expressão confiável era o absoluto silêncio do vazio iluminador.

    Em todo caso, depois do nostálgico acontecido, a sua mente, se é que agora a possuía, esforçara-se inutilmente na normalidade dos seus sentidos, para relembrar a experiência do sagrado em si. E, depois de severas racionais análises, sentiu a necessidade de ratificar em papel tal conceito, mas seu pensamento e sentimento imbuído do intelecto racional, apenas, limitou toda magia da experiência existente em delirantes loucas palavras, agregadas, consequentemente, a uma forma peculiar humana de intelectualismo místico religioso. E no caso mais grave, no que se refere aos preconceitos alheios, enquadrou-se no psiquismo da loucura, ou a ingestão psicodélica de alucinógenos.

    Percebendo ele, que o intelectualismo não passa de um pobre, medroso e arrogante pensamento mecânico filosófico machista, egoísta, aristocrático, e inteligente tenebroso, que ofuscara em palavras toda a sua sagrada feminina mística compreensão iluminada. Em que, esse mesmo intelectualismo, se sustenta em uma singular corda bamba, temendo a queda em um dos extremos lados do dualístico abismo bilateral, imbuído de metas e objetivos de alcançar a segura plataforma pluralizada de uma sociedade predadora civilizatória, sustentada na ponta do pêndulo balançar constante, de um obelisco falo ereto, onde a ignorância miserável de muitos sustentava o sucesso e o prestígio social, econômico, filosófico, artístico, religioso e político de, uns tantos, poucos.

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