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CORPO ESTRANHO ( A SAGA DE BORUJA ) 6º CAPÍTULO

6 º CAPÍTULO

 

Vila da Soberba

(Morre George)

 

 

 

Durante o trajeto, em meio a um deserto sertanejo encontraram um oásis. Era um açude circular muito azul, resistente às secas e provavelmente a última fonte de água perene, perante o hostil e ressequido sertão divisado no horizonte.

Atrás de uma grande rocha fizeram gigantescas “necessidades”, verdadeiras “Mesas de Walker”, eliminando todos os dejetos oriundos da estadia na Gula. Feito isso, lavaram com força suas vestimentas rasgadas e imundas, usando como sabão uma plantinha do mato muito espumante. Até que enfim mergulharam ávidos naquela água fria e deliciosa. Estavam no céu após tão infernal peregrinação e sem pressa se banharam durante quatorze horas ininterruptas, esquecendo compromissos e reuniões de negócios. Engelhados e tremendo dos pés à cabeça, vestiram as roupas secas e dormiram, ainda sem a comida não caçada, embaixo de um frondoso umbuzeiro.

Amanheceram lá pelas nove já com a fome a mitigar-lhes suas entranhas. George, bem disposto, foi à caça com um tacape feito na hora, enquanto Boruja e Ogivanev foram pescar com anzóis rústicos feitos com um pedaço de arame encontrado no caminho. As linhas foram improvisadas com a fibra entrelaçada do agave, planta muito farta naquela região árida.

As primeiras tentativas de fisgar as suculentas traíras, abundantes naquelas águas, foram infrutíferas; porém após cento e quarenta e sete arremessos algo deu um violento puxão na vara de Boruja, quase o derrubando. Berrando, pediu ajuda a Ogivanev, enquanto o estranho peixe convidava ambos às profundezas do lago profundo.

Duas horas depois, numa luta heróica, a dupla exausta de pescadores retirarou daquelas águas uma carpa inacreditável. Pesava 66 quilos e media dois metros. Pasmos, sentaram-se na lama enquanto ela dava seus últimos pulos, já longe da beira.

Enquanto tratavam e limpavam aquele suculento espécime, George retornava com um veado catingueiro do tamanho de um “dogue alemão”. O almoço, o jantar e o café da manhã do dia seguinte estavam competentemente providenciado. Cearam sem pressa, absolvendo todos os ricos nutrientes, fizeram uma “sesta” e partiram rumo à Soberba, a quarta Vila.

Caminharam meia hora e avistaram-na no alto de um planalto.Vistosa, fútil e com emanações de um orgulho idiota e senil. Escalaram uma grande colina até a entrada e depararam com figuras esquisitas, usando cartolas imperialistas lembrando muito os ingleses e americanos, conquistadores insaciáveis de colônias desarmadas. Sem o senso do ridículo em suas faces rosadas, olhavam de soslaio os indesejáveis e estranhos turistas.

Todas as residências eram em estilo colonial e entre uma e outra, havia palácios recobertos pela pujança do metal amarelo, em cujos equinócios reluziam mais do que merecem os famélicos.

Nos postes altaneiros grandes cristais refletiam as luzes de um gás oriundo das entranhas da cidadela. Tudo era pejorativamente elitista e todas as entradas de Clubes Sociais e Centros Comunitários eram proibidas a negros, quasímodos e forasteiros maltrapilhos.

Naquele vilarejo de hipócritas não existiam mendigos, prostitutas, aleijados, homossexuais, judeus ou ciganos. O prefeito era um tal de Bither, ditava a vida e a morte dos habitantes e dos intrusos estrangeiros.

O trio, totalmente deslocado e já sendo seguido por uma sinistra tropa, portadora de uma tenebrosa suástica em seus coletes à prova de Super-Novas, apressou os passos com o desespero transpirando em seus poros.

Boruja, por ser corcunda e coxo era o mais visado pelos espectros fardados. Aflito rogou por Salete enquanto George e Ogivanev empunharam espetos pontiagudos, afiados especialmente para “Bazistas” e sua eugenia tão enferma quanto a pedofilia nojenta.

Cercados, e como era inevitável o confronto, cassetetes elétricos e toscos paus duelaram durante quinze minutos, enquanto Boruja, sem condições físicas, fugia pela tangente rezando pela dupla heróica que resistia com seus corações valentes.

Ogivanev, avantajado e atlético, logo empalou dois oponentes no exato instante em que George, recebendo um choque de 2.000 volts, desencarnava com os olhos esbugalhados, não antes de trespassar uma daquelas entidades negras. George Bucha da Besta já não pertencia ao mundo dos vivos.

Putino, em desvantagem e presenciando seu amigo combatente cerrar os olhos, pôs-se a correr tal qual um jamaicano sem olhar para trás e num recorde de velocidade (100m em 9:58min ); não só alcançou Carlinhos como o agarrou no final daquela localidade maldita, escapulindo numa desembestada correria.

Com lágrimas escapulindo pelas faces esconderam-se numa pequena caverna, assustados e melancolicamente sem forças para continuar aquele terrível desafio, rumo a uns diamantes que já estavam se tornando malditos, já que dois amigos jaziam naquelas estranhas paragens, e o último nem ao menos teve um digno sepultamento. Foi quando, ainda sem fôlego, Ogivanev praguejou :

- Bestas sem alma! Filhos de Cérbero, isso não vai ficar assim ! Boruja precisamos voltar, pegar o corpo de George e deixar uma inesquecível e dolorosa lembrancinha no seio daquela satânica comunidade !

- Ogivanev, não sei não, será que George aprovaria tão arriscada empreitada ? Arriscar nossas vidas só para enterrá-lo? – perguntou o fatigado corcunda.

- Mas é claro que sim, ele tinha seus defeitos, mas era um guerreiro valente e sua coragem era sobre-humana. Estais vendo aquela poça negra lá no fundo desta grota? Aquilo é petróleo, conheço pelo cheiro. Faremos “coquetéis bolotóvis” com aquele combustível escuro e os lançaremos naquelas habitações endemoniadas. – retrucou com fúria Putino.

- Mas onde colocaremos nossa arma incendiária ? - perguntou Carlinhos, adepto da desistência diante daquela idéia suicida.

- Já sei, quando corríamos na saída de Soberba, de relance vi garrafas vazias num lixão abandonado. Façamos o seguinte, enquanto preparo quirópteros ao molho pardo, volte e recolha-as ao entardecer, furtivamente e sem levantar suspeitas ou quebrar gravetos denunciadores de vossa presença. Vai e que tua Salete vos acompanhe ! – ordenou o bronco e vingativo Apófis.

Após decisão tão incisiva, partiu Boruja e Putino pôs-se a espetar, no teto da caverna, morcegos e vampiros com uma vara tão afiada quanto seu voraz apetite. Enfilerou trinta e três em seu longo espeto e colocou-os no fogo já feito e jamais fátuo.

Quando já estalavam num cozimento ao molho madeira (sabe-se Deus onde ele conseguiu tal ingrediente), retorna Carlinhos com uma dúzia de garrafas secas – de uma marca de cerveja Balemã – prontas para serem utilizadas como instrumento de morte e destruição.

Esfomeados, saciaram-se numa degustação digna de roqueiros tresloucados, adormecendo ao som gutural de pingos escorrendo das estalactites.

Acordaram com os primeiros raios de uma manhã tão cinzenta quanto o próprio sentimento vingativo, presente numa humanidade enferma e sem um futuro azulado.

Não havia tempo para café da manhã, apenas prepararam as bombas incendiárias e seguiram quando os galos ainda não cantavam.

Lá chegando, do alto de uma encosta puderam divisar num outro depositório, o corpo enegrecido de George lá deixado para os abutres matinais.

- Vai Boruja, enquanto arrastas ele para o mato lançarei as chamas da morte para aqueles malditos Bazistas. – ordenou Ogivanev.

Vendo que ambos, o vivo e o morto, estavam a salvo, Putino acendeu as mechas e arremessou os trinta e três coquetéis com sabor de torresmo humano, incendiando as principais edificações daquele antro de desajustados. Logo o caos tomou conta do lugarejo e Soberba mais parecia Balifórnia com seus incêndios incontroláveis. Lembrava também Bompéia ou Berculano e a “ceifadora” arrebanhou centenas de vidas sem dó ou satisfação, apenas cumpria seu eterno papel no desenrolar das existências.

Cinzas sobre a quarta Vila, a única devastada pela dupla quixotesca, nem os Moinhos ao vento sobraram na vendeta chamuscada.

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Atualizado em: Sex 9 Jul 2010

Comentários  

#5 ANTENA 20-07-2010 11:10
Obrigado EdMiller, o estranho passageiro de um trem sem destino ou nome. Boa viagem pra você também.

abraço anarquista
#4 EdiMiller 15-07-2010 17:44
Parágrafos curtos, orações na ordem direta, desenvolvimento linear da narrativa, e eis que temos mais um oriundo das mesmas plagas de onde venho.

O segredo, meu caro: as pessoas tem preguiça de ler.

Eu tenho preguiça de escrever. Mas você me parece que não.

Por ora, desejo-lhe boa sorte. O trem parte às 3 da tarde, todos os dias. Boa viagem.
#3 Kokranne 14-07-2010 18:38
Perfeito Rackel disseste tudo. Agora nos resta esperar...curiosidade já muito aguçada...por favor, não demores a sacia-la. Abrazos e besos.
#2 ANTENA 12-07-2010 17:27
E continua a saga de Boruja, breve novos capítulos, aguarde...


abraço anarquista
#1 rackel 10-07-2010 07:08
A Soberba, esta amante das aparências, do supostamente belo e inimiga das diferenças. Uma eugenia latente como norma, a excluir o que não se enquadra. Um quê de Ulisses, insistindo no resgate dos mortos. Mais um herói que cai. Mais um bastião viciado que se vai.

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