person_outline



search

ARTAUD, O Sentido e a Loucura: Artaud e a Cultura: CAPÍTULO 03 - ARTAUD, PSICOLOGIA, PSICANÁLISE

Artaud, nascido em 1896, foi contemporâneo dos grandes nomes da Psicologia, Freud, Jung, Bleuler, James, Bergson, Maslow, Moreno, Perls, Piaget, Reich, Rogers, Woodworth, em um período, 1850-1948, de maior avanço dos conhecimentos na área. Não há registro de ter sido estudioso da disciplina, mas deve ter colhido fragmentos nas palestras a que assistiu no Grupo de Allendy, quando tomou conhecimento de fragmentos de Psicanálise e das tendências dos psicólogos seus contemporâneos. O contato prático com a Psicanálise, embora de apenas dez sessões – reconheceu-se "curado", mas disse, mais tarde, ter se sentido prostituído – tem um valor que não pode ser negado por lhe dar a percepção do processo e o influenciar. Há, em Artaud, muitas correspondências e divergências com Freud, não diretas, pois Artaud não é teórico, usa os fragmentos que obtém da Realidade, ou dos textos que a ela se referem, para fazer sínteses, a que ele chamou de bricolagem. Não podemos nos esquecer que a "psicanálise" e o "Freud" a que Artaud se refere são aqueles vigentes na época, e, por conseguinte, também este texto, que procura se restringir a textos publicados até 1948. Tenha-se em mente, também, que "Freud", se refere a "Freud-como-estava-sendo-entendido-enquanto-discursava", e que, durente muito tempo, a Psicanálise foi referida como Freudismo na literatura. Ao mesmo tempo, tudo indica ter sido Artaud um estudioso de Cabala, que pelo menos Jung teve coragem de assumir como influências em suas teorias. Há elementos cabalísticos em Freud, (ver David Bakan's (1957) Sigmund Freud and The Jewish Mystical Tradition, http://www.newkabbalah.com/Freud.html, acessado em 29/12/2012), mas não consta que tenha assumido a presença da Cabala na Psicanálise. A Cabala é um instrumento do Misticismo Judaico para o estudo introspectivo do Eu e seus fundamentos aparecem na obra de Artaud. O contacto com a Neurologia foi aos cinco anos, quando foi acometido de meningite, de cujas sequelas lhe resultou uma cefaléia crônica, passando a fazer uso continuado de elixir da láudano, tornando-se um “viciado sob prescrição médica”. Como Artaud, Freud, também, usou tóxico, com um registro de uso por nove anos. Para Renato Mezan, "um episódio trágico" (ReMe 83), que Roudinesco atenua para: "Freud ... em sua juventude gostara da cocaína", (R1 109) e, diferentemente de Artaud, não se diz que fôra toxicômano. Uma das hipóteses que se procura demonstrar é que Artaud, embora tomado como guru por comunidades “underground”, acabou por oferecer à Humanidade um meio de libertar-se a Criatividade sem recursos químicos exógenos, o que será motivo de um segundo trabalho, “o homem libertar-se das amarras que tolhem seu pensamento e tornar-se senhor absoluto do reino das mil possibilidades”, AATSD citação que aqui está adaptada. Artaud iniciou seu "estudo prático da loucura" em 1916-17, (AV AT 16), vindo a ser internado em manicômio de 1936 a 1948.

Hesnard (AH P) é citado como quem introduziu a Psicanálise  na França, "fazendo da sexualidade um lobisomem enganador", (R1 272), mas assumindo que a difusão de Freud para os meios médicos franceses se deu a partir dos trabalhos de P. Janet, Dupré e Chaslin. Roudinesco aponta relações de Hesnard com Édouard Toulouse, médico de Artaud, e com Allendy. Embora não se tenha encontrado referências de relações entre Hesnard e Artaud, Hesnard julgava que "o instinto sexual não explicava tudo", que é o mote central do “é preciso emascular o homem” de Artaud, que será tema do capítulo 21, sob o título “Nem tudo é sexo”. Allendy (R1 376) se põe contra a hostilidade francesa ao pansexualismo e adota a etiologia sexual, embora não se tenha apurado como ele a entendeu. Diverge de Freud quanto às noções de Inconsciente, instinto e pulsão de morte, aproximando-se às idéias de Jung e Adler. Artaud pode ter recebido noções de Psicanálise  inclusive de Jones e Marie Bonaparte, que deram palestras no "Grupo de Estudos". Poderia ter Artaud apreendido conceitos da Psicanálise  a partir de Lacan? É pouco provável. Em Roudinesco, na formação de Lacan teríamos os nomes de Spinosa, Hegel, Clérambault, Minkowski, Pichon, Saussure. Lacan freqüenta, em 1931, o grupo surrealista (R2 177), portanto, após a saída de Artaud, que se dera em 1924, e posteriormente aos textos – manifesto e cartas explicativas - do Teatro da Crueldade. Lacan vai se admitir surrealista muito mais tarde (R2 119), em luta com o ambiente, aprovação/desaprovação (R2 287). Entretanto, é ponto pacífico, se Lacan não leu Artaud, não participou do movimento. Segundo Roudinesco, os escritos de Lacan até 1933 versavam sobre temas neuropsiquiátricos. O primeiro texto que pode aproximá-lo de Artaud, "O Estágio do Espelho", é de 1936 quando Artaud se encontra no México, buscando "Os Tarahumaras". Artaud, em 1938, publica "O Teatro e seu Duplo", uma coletãnea de textos publicados de 1931 a 1936. Lacan nada publica de 1938 a 1945, enquanto Artaud está internado de 1936 a 1948, quando lê, escreve e publica, sob a curatela disfarçada do Dr. Ferdière. Seu psiquiatra católico colocaria em suas mãos textos de Lacan? Pouco provável. Lacan (R1 e R2)  se volta para Saussure em 1946 e refaz a Psicanálise  à luz da teoria do signo, invertendo a relação entre o significado e o significante, o que Artaud já havia feito em "Heliogábalo", que é de 1932. Falará, então, através de metáforas e enigmas (R2 119), como Artaud, e achará, no Surrealismo, "a revelação das relações do homem com a ordem simbólica", (R2 287) relações que estão nos textos de Artaud e não surgem nos textos dos demais surrealisas em quantidade suficiente para ser "nomeada de revelação". Encontrou-se no sebo, o que pode simbolizar "descartável", uma Psicanálise  de trocadilhos (Revirão 3 - Revista da Prática Freudiana. Rio de Janeiro: Aoutra Editora, 1985, com vários artigos aborando Lacan), brincadeiras de palavras. Estes fragmentos do Lacanismo demonstram associações livres digestivas, "doublets" apenas do que seriam as relações do homem com o símbolo, embora não se tenha aprofundado em um paralelo entre Artaud e Lacan, permite afirmar que não se pode dizer que o lacanismo tenha atingido a visão semiológica de Artaud.

Charles Baudouin, um dos pioneiros da Psicanálise  na França, (FLM PC 61) mistura Freud, Adler e Jung, liga-se ao hipnotismo e à sugestão, tendo conseguido reconciliar a Psicologia profunda com os dados da sabedoria tradicional, "o homem como totalidade e as relações humanas e significativas que mantém com o meio ambiente". É este o sentido da obra de Artaud, o homem enxergado como o ser que se despe de suas crenças no momento em que está frente a frente com a realidade e é capaz de duvidar de sua fé/crenca/nocão/idéia/conceito, nem que seja para depois reafirmá-los. São preocupações de Artaud os temas de Jung. O neoplatônico (JH EPA 169) Inconsciente Coletivo, a Alquimia, o Gnosticismo e as culturas não européias, o pensamento hindu, chinês e tibetano, os sonhos e a mitologia. Artaud seguiu seus passos, ciente ou não, não tendo ido ao oriente, mas participado de rituais indígenas mexicanos, como tentativa de se livrar da toxicomania, o que não conseguiu, ou para estudar a cultura mexicana ("Mensajes Revolucionarios"), o que fez. Pode se que o denominador comum entre Jung e Artaud seja apenas o estudo da Cabala.

De James, temos (JF RF 158) um continuado reexame da relação entre o corpo e a consciência, devido a uma enfermidade física, que não nos pareceu ser um sofrimento tal como se vê em Artaud, com sua dor de cabeça crônica. Para James, é preciso focalizar a atenção. Para Artaud, além disto, deve-se saber contemplar todo o caos, naquele minúsculo tempo que separa o futuro do passado. Como Artaud, James guardará os hábitos de escrever e reescrever todos os seus assuntos, de examinar todas as idéias, encarar todas as possibilidades. Foi James quem "inventou" a escrita automática, ponto de ligação importante com o Surrealismo e que Artaud abandona, a favor de método, como referido acima. Como Artaud,  Levy Moreno, (AM DG 41) pai do Psicodrama, se interessa pelo homem como ator, encenador. Teremos, de "ultrapassar a associação livre de Freud procurando favorecer ao sujeito a sua completa libertação e a sua expressão mental e mítica", (FLM PC 163) aparece em Artaud, que pede uma associação do conteúdo do inconsciente com método, visando ao Reino das Mil Possibilidades. Como Artaud, Moreno procura a Harmonia e a unidade da humanidade/corpo humano. Moreno compôs-se com "os soberbos homens de elite" da época: julgava que o mundo necessitava de um deus, moisés ou profeta – que seria ele – e usou do teatro para veicular "de novo a idéia de Deus no quadro da nossa vida moderna" (AV AT 240). Isso o separa de Artaud, que nos propõe um teatro como "uma técnica que quase aconteceu, um dia, no tempo dos mistérios órficos ou de Eleusis, mas que falhou porque se tratava do arremate de um velho crime: "dar Deus, todo deus despedaçado, a todo homem". (AV AT) Friedrich Perls (1893-1970), fundador da Gestalt-terapia e crítico da Psicanálise, se preocupa com os jovens e o fim do mundo, apresentando a sua bandeira, a sua luz, um  caminho. Citando (JF RF 144) os tóxicos, o humanismo, a rebeldia, as antinomias, a bomba atômica está trabalhando os mesmos problemas citados por Artaud, cuja expressão comum poderia ser o desespero e suas múltiplas causas, e o catastrófico de se viver sob ameaças constantes.

A energia universal está presente, entre outros, em Reich que "chegou a acreditar que a bioenergia do organismo não é nada mais do que um aspecto de uma energia universal presente em todas as coisas" (JF RF 95). Também em Reich, a visualização do comportamento não verbal (JF RF 93), paralelo que se valoriza pela ênfase que Artaud dá à inutilidade das palavras comparadas com um não verbal mais amplo, a linguagem das coisas reais e dos signos. Teremos de relacionar a teatralização com a terapia primal. A proposta de Reich com a couraça muscular e com a  liberação emocional através do trabalho com o corpo, atraiu menos interesse geral. O estímulo à expulsão das emoções contidas tais como rancor, medo e agressão, ainda é uma questão controvertida em Psicologia. A terapia primal foi severamente criticada por estimular a descarga emocional a tal ponto que os estudantes desta terapia tornaram-se incapazes de controlar a liberação emocional profunda em público e em outras situações inapropriadas (JF RF 103), um elo com o episódio de Vieux-Colombier, quando Artaud lança o que seria mais tarde o Happening, e faz um teatro de agitação nas ruas de Dublin, quando é preso e deportado, a seguir preso em manicômio, onde aglutina suas idéias e as revê em torno do Teatro da Crueldade, onde preconiza fazer o mesmo, mas sem consequências práticas, fato esquecido por Reich, mas já estava em Moreno, na Dramatização como terapía, Psicodrama. Enquanto a terapia primal é muito individualizadora, o teatro de Artaud universalisa as preocupações.

A depreciação dos “senhores professores das universidades” está, também, em Rogers e James (JF RF 145). Este procura uma "pessoa inteira", um homem novo, e sabe que o tradicionalismo e a auto-suficiência dos professores universitários não apresentavam competência para gerá-lo. Ainda terá compreendido W. James que a "realidade ainda está para ser criada" (JF RF 154). As preocupações com as atualizações de nossas representações mentais passará por Maslow, por associacionistas, pelos psicólogos da linha onde se insere Rothacker, pelos psicanalistas que difundiram Freud na França, e pelos psicólogos franceses que se opuseram a esta difusão.   

Artaud faz uma série de questionamentos sobre o mecanismo do pensamento em Carta a um Amigo, de 1931; (AA AT) Distribuiu as respostas em seus textos a partir desta data, pelo uso e não por citação direta, hipótese será abordada em um segundo trabaho, Artaud, Pensamento e Símbolo. 

Não é necessário que Artaud tenha escutado fragmentos dos discursos de cada um destes estudiosos citados. O fato é que Artaud é questionador, “a vida é queimar perguntas”, como aprendeu de Pedro Abelardo, (AA LV) em eterno conflito conceitual e eterna busca de resposta. Os questionadores, como todos os citados o foram, buscam respostas a seus conflitos na própria vida, tendo como ponto de partida seus próprios pontos de vista, e comentendo suas delusões. Delusões, temas de próximos capítulos. Delusões para Artaud são os “fantasmas que estão entre Eu e o Real, deformando-o”. Freud viu bebês se masturbando, SFS o que hoje se nega, mas que assim foi traduzido, em todo o mundo, na época em que o disse. Nega-se o óbvio, todas as culturas na época de Freud viam bebês se masturbando, Freud viu, acreditou na delusão, e usou para construir textos sobre a sexualidade infantil, sem se discutir aqui se acertou ou se errou. Artaud duvida da Psicanálise e prescreve que se deve duvidar de tudo o que se conclui sobre o Real, mera forma obtida pela vivência, devendo-se aprender a queimar formas e a sobreviver no meio de tantas destruições sucessivas.

Pin It
Atualizado em: Qui 29 Dez 2011

Comentários  

#1 Akuma 08-01-2012 02:37
Se me permite estou copiando seus textos de Artaud para imprimir. O seu trabalho com Artaud é importante, e creio que demorarei um bocado para chegar nesse nível de carga cultural. Formei um grupo de estudos filosóficos. Advinha quem estamos estudado?

Deixe seu comentário
É preciso estar "logado".

Curtir no Facebook

Autores.com.br
Curitiba - PR

webmaster@number1.com.br