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  • "MEU QUERIDO JUNQ".

    “MEU QUERIDO JUNQ”.

     
    (Brito Santos) / Novembro/2016



    Revisão: Luísa Aranha

    Contato: (causoseprosas.com.br)



    Capa: Arte & Criação: Wilson Brito

    Contato: (facebook.com/wilson.brito93)



    Autores Novos e Veteranos. Divulgue sua obra aqui. Contato: Vânia Livros



    Agradecimentos Especiais:

    “Sociedade Secreta dos Escritores Vivos”: Bruno Vieira, Sandro Moreira, Bruno Cardoso.

     

    “Curso de Escrita Criativa”: Tiago Novaes.

    Contato: (escritacriativa.net.br)

     

     

    Para elas, as mulheres: As duas principais mulheres com quem tive a honra, e o privilégio de conviver. Mesmo por pouco tempo, foi um pouco que virou muito, levando-se em conta a qualidade do tempo vivido.

    “Mãe, e Irmã” – “Lú..., você quer umbu?”

     

    Mais mulheres: (Professoras) do Curso de Jovens e Adultos da Escola Fundação Florestan Fernandes em Diadema/SP.

    Especialmente para “Fátima” (História); e “Ana Paula” (Português/Inglês). Espero reencontrá-las um dia.

     

     

     

     

     

     

    MEU QUERIDO JUNQ


     

    “As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem mas, para manter essa amizade, torna-se indispensável o concurso de uma pequena antipatia física”.

    (Friedrich Nietzsche )

     

    Manoel Junqueira, este era o seu nome. Para seu amor, era “Junq” (apelido carinhoso pois todo casal apaixonado tem essa mania não é mesmo? Ou é “tinho”, ou “vida”.  Alguns, são verdadeiras bombonieres. “Meu pão de mel”, “vem cá docinho de leite”.  Coisas grudentas, desse tipo.

    Estavam juntos há alguns anos. O relacionamento ia bem, cogitavam casar-se. Ter filhos? Quem sabe... mesmo que para isso, fosse necessário adotar. Uma união estável, quem poderia impedir? Namorado antigo? Jamais. Justiça? Também não.

    Com o problema na embaixada resolvido, comprou uma linda mansão em Atibaia. Tinha posses para isso, vida plena, vida boa.

    O escritório de contabilidade funcionava a todo vapor, clientes aos montes. Pensava em expandir, contratar mais funcionários. Pois é. Parece mentira, mas às vezes acontece. A felicidade aparece, vem e fica.

    Estavam bem nos negócios, bem no relacionamento, bem com os amigos. Coisa rara na vida de qualquer um, chegava a dar medo.

    O médico psiquiatra, Flávio Gikovate, escreveu sobre o assunto em um dos seus artigos: “... as pessoas, ao se apaixonarem, passam a viver em estado de alarme; muitas vezes em pânico, como se algo de terrível estivesse para lhes acontecer”.

    Sinceramente? Junq... dava de ombros para isso. Não que ele não respeitasse a opinião do médico, longe disso. Preferia olhar sempre, o lado mais otimista da vida, ver o copo “quase cheio”. Se era assim, com o copo quase cheio, quem dirá, com ele “passado à régua”.

    Como vida é ciranda, coisa viva que vagueia, chamava o Chico para cantar: “Roda mundo, roda gigante, rodamoinho roda pião, o mundo girou num instante, a roda do meu coração”.

     

    Uma mudança sutil ocorreu depois do feriado. Juntos mais uma vez, como gostavam de fazer, os três amigos fiéis, Carmen Lúcia, Manoel Junqueira e Albano Matoso, passaram um dos finais de semana mais divertidos da vida, como se o futuro adivinho e precavido, os premiasse pelo sofrimento vindouro.

    Contrapeso e equilíbrio na balança da mulher que segura a espada.

    Se conheciam desde os tempos de colégio, todos os homens naquela época desejavam Carmem Lúcia, também, com aquele corpão. Quando tinha apenas quinze anos, a menina já parecia uma “toura”. “Toura” de touro mesmo! Como se fosse esse o feminino.

    Botava umas roupas “Meu amigo”! Aqueles vestidinhos que vem o demônio no tecido, quando a mulher anda, é uma festa ali atrás, todo homem quer entrar mesmo sem ser convidado. Junq, um pouco tímido e sutil, ficava enciumado algumas vezes.

    Já Albano, macho alfa, arranca toco pega tudo e estraçalha, brincava com ela dizendo:

    “Ah..., se eu fosse mulher! Iria me vingar..., ô; se iria. O que eu faria? Sairia na rua com uma roupa bem provocante, sabe? Tipo essa que você está usando aí. E então, quando aparecessem candidatos, eu iria dar que só, dar sem dó. Dar pra caralho, deixar todos eles moles.

    E tem mais... quem não desse no couro, ia colocar na lista. A lista dos broxantes. Para aprender a se garantir”.

    Carmem Lúcia ria. Dizia que todo homem era igual, todo homem pensava desse jeito. Bons encontros, bons tempos aqueles.

    No recente final de semana, relembraram bons momentos: suas bagunças e curtições de adolescentes, inventaram e criaram novidades. Beberam, comeram, jogaram. Quase uma perfeição. Quase! Dois dos três agora noivos, pelo sim ou pelo não, justa e posta divisão.

    No meio da brincadeira, quando estavam disputando uma partida de “Just Dance”, Junq percebeu que Albano, estava a todo momento perto demais de Carmem Lúcia. Conversando mais que o de costume. De início, achou normal. Afinal de contas, a amizade dos três era antiga.

    “Será que eles já haviam tido um caso antes? E ele, Junq nunca ficara sabendo? Não, não, não... tira isso da cabeça rapaz, isso é só viagem, apenas viagem. É apenas o excesso de rum, com limão gelo e soda. ”

    E foi assim que Junq, começou a desconfiar dos dois. Pouco a pouco. Os atrasos para os compromissos que não aconteciam antes, uma viagem aqui outra li. As ligações em horas estranhas, sempre com descrições ou pelos cantos.

    “Quem era? ” “Hã? Nada não... apenas um amigo do trabalho”. A coisa intensificou, ou um copo esvaziou. Ou quem sabe, transbordou. Chegou uma hora, em que ficou insustentável.

    A semana decisiva na vida do trio seria aquela. Junq, depois do ocorrido na festa andava muito desconfiado, fez o que não costumava fazer. Uma das coisas que odiava nas pessoas, esgueirou-se por entre os móveis, e, durante uma das ligações, ficou ouvindo atrás da parede.

    “Sábado? Está bem. No mesmo lugar de sempre? Na mesma hora de sempre”. No fim a frase que terminou por selar seu destino massacrou seu coração. “Um beijo”! Aquela frase... duas palavras... nunca tinham soado tão dolorosas para ele como desta vez.

    Já havia ouvido tantas e tantas vezes, amigos cumprimentarem-se assim, é normal. Mas não ali, não entre ele dois, ele tinha certeza. Intuição, coisas do coração, de quem ama e está apaixonado. “Como ela pode? E ele...esse... porco traidor...aquela... puta e vadia”.

    Teve uma ideia: Iria até o encontro acabar com a festa. Surpreenderia os dois, e pronto. Se fosse o caso, desceria o cacete. Afinal de contas, quando o lance é traição, não tem esse negócio de culpa de um, e não culpa do outro.

    Tudo safado e sem vergonha, farinha do mesmo saco para citar o dito mais dito de todos os tempos. Para ter dedo na rosca, precisa dos dois. “Da rosca e do dedo”. Estava decidido.

    Na sexta-feira de manhã, Junq inventou uma viagem de negócios, disse que só retornaria no domingo. Comprou até mesmo a passagem de avião, mostrou e tudo, para dar credibilidade, queria deixar os dois “pombinhos” bem à vontade.

    Assim, sem desconfiar de nada, sem nem imaginar o que estaria esperando por eles. Queria pegar no flagra, ver com os próprios olhos. Todo homem traído merece isso, para limpar sua alma.

    Bons tempos aqueles em que às mulheres tinham a dignidade como principal característica. O que aconteceu com as mulheres meu Bom Deus? A culpa foi dela. Sempre dela. Ele sabia, dizia isso para os amigos quando conversavam sobre o assunto.

    “A tal: ‘Revolução Feminina’. A culpa sempre foi da ‘Chiquinha Gonzaga'. Maldita Chiquinha Gonzaga, ela e seu piano infeliz. Foi ali que começaram os ‘pancadões’ da vida. Que hoje dominam as grandes metrópoles, e muitas vezes varam as noites das periferias do Rio de Janeiro e de São Paulo, impedindo todo e qualquer um, de ter uma mínima noite de sono. Imaginou a sua canção mais famosa, uma marchinha de carnaval: ‘Ô abre alas... que eu quero passar...’, tocado com som ao fundo do “Beatbox” puxado pelo DJ. Aquele ‘tchu-tchu-tchu’ horrível e repetitivo feito com a boca, os lábios abrindo e fechando rapidamente, batendo um contra o outro e cuspindo”.

    Durante a noite, Junq de propósito aproximou seu corpo deixando claro sua intenção, para ver se rolava alguma brincadeirinha entre os dois. Porém nada aconteceu. Foi como havia imaginado, o fingimento entrou em cena.

    “Sinto muito, mas hoje não dá, não estou bem”!

    “Não estou muito bem é uma pinoia! ”, pensou Junq. Queria mesmo era guardar todas as forças, todos os seus fluídos, inclusive seu suor, para a traição.

    “Filhos duma puta, miseráveis, como podem”. O sono demorou, criou filmes na cabeça, via os dois em kama sutra, outras vezes cabaret.

    Na manhã do sábado, como tudo já estava preparado de antemão, mesmo tendo dormido mal, acordou cedo, tomou banho e café. Saiu na hora que disse que sairia, para não levantar nenhuma suspeita.

    No beijo de despedida, se manteve frio e calculista, mas não deixou de imaginar aqueles lábios noutro corpo e sua língua noutra carne. Sentiu-se enojado. Cortaria à fria faca, fino fio em franco corte.

    Pegou o carro, o peso do pé no acelerador, a arrancada seguida do barulho dos pneus riscando o chão. Sua marca, sua urina, dirigiu até um ponto, em que pudesse fazer a perseguição sem ser visto, à distância.

    Nem precisou esperar muito, provavelmente o tesão dos dois estava à flor da pele, “Malditos! Se fosse mesmo viajar, mal teria saído. Não dariam o tempo, nem de tomar o avião”.

    Seguiu o carro tranquilo, com toda descrição. Tomando o cuidado de deixar alguns outros veículos entre eles, até chegar no local designado. Quando o perseguido estacionou, fez o mesmo.

    Foi aí então que viu, sem querer crer, sem querer ver. Uma flechada, uma agulhada, uma pancada, uma explosão.

    Sua desconfiança, suas dúvidas que até então ainda se achavam penduradas no corcovado, segurando em fracas raízes e cipós, caiu de repente.

    Uma queda no vazio, uma queda no escuro. Queda funda e sem volta, buraco largo escuro negro. Tudo estava acabado, o destino dos três, selado para sempre.

    Só lhe restava uma coisa a fazer, esperou que entrassem na casa, não era um motel. Escolheram uma casa tradicional, um sobrado simples, numa rua de pouco movimento. 

    Assim era melhor, mais fácil invadir sem portão um muro baixo.

    Caminhou até a entrada, na frente os dois carros estacionados. Um atrás do outro, bem coladinhos. Dando um recado claro, do que estaria acontecendo.

    Conferiu a pistola. As aulas de tiro finalmente pagariam seu valor. Para abrir a porta, usaria dois clips, isso era fácil. Praticava de vez em quando até por brincadeira.

    Assim que entrou, conforme caminhava ficava tudo evidente. As peças de roupas formando o caminho e a indicação da transa, primeiro as formais, depois as informais...

    E por fim, as íntimas. Alguns sussurros, dois gemidos, um pouco baixo ainda lento, dava até um certo tesão, mas o ódio era maior.

    O ódio pegou o tesão pelo pescoço, empurrou contra a parede, e com adaga pontiaguda perfurou seu coração, olhou fundo nos seus olhos, sem nenhuma piedade, olhar frio, olhar medonho, um olhar sem emoção.

    Subiu as escadas devagar, no andar de cima a porta do quarto estava entreaberta. A respiração ofegante, o cheiro dela, do creme dela, do perfume dela, do corpo dela. Ela em cima dele, cavalgando. O frenesi e a vontade. 

    Vasta a fome um do outro, dava até uma certa inveja. Os dois, com os olhos fechados, nem perceberam quando ele entrou. Ficou alguns segundos observando, realmente era linda.

    Peitos grandes, rígidos, coxas grossas, bunda avantajada, sacudindo as carnes conforme o corpo se movia para frente e para trás. Gemidos, mais fortes, mais alto. Não permitiria que gozassem! Arma apontada nas mãos trêmulas.

    Não estavam firmes o suficiente, mas era perto e não tinha como errar.

    Disparos! Um... dois... nela, por trás. Três... quatro... nele, no peito. Cinco... seis... na cabeça dela. Sete... oito... na cabeça dele. Pronto.

    Sentou na beira da cama onde um ato sexual acontecia ainda a pouco. O cheiro do sexo agora, misturado ia sendo substituído aos poucos, pelo da pólvora. Latidos vindos da janela. Um funeral a caminho, o final que todos os traidores mereciam e merecem.

    Olhou na mesinha ao lado, um papel rabiscado. Não... na verdade uma carta. No envelope “Meu Junq”, com um coração, circulando o nome. Dentro, estava impresso:

    Para Manoel Junqueira

     

    “Meu Querido Junq”,

     

    O maior amor que tive em minha vida, por muito, muito tempo.

    Meu amor, não pense que estou mentindo por favor. É a mais pura verdade. Estou indo embora sem nada dizer, porque não tenho coragem ainda. Há algum tempo, venho tentando encontrar forças e coragem para te contar, juro que tentei. Por Deus, tentei diversas vezes. Sempre tive certeza do que queria em minha vida, nunca tive dúvidas sobre nada. Você estava certo sobre muitas coisas, só errou em uma. Em me aceitar. Em me deixar fazer parte da sua vida. Nestes três últimos anos, tenho sabido mais que nunca, o que é viver felicidade. Achei até que não conseguiria sentir algo além. Que o nosso amor era o ápice das alturas. O clímax do clímax. Mas não foi assim.

    Espero que nos perdoe um dia por isso. Éramos amigos. Sim, éramos. Nossa amizade sempre foi verdadeira. Se estiver lendo essa carta é porque agora já não estaremos aí com você. Planejamos fugir, ir para bem longe, para nunca mais voltar e para nunca mais nos vermos. Seria impossível uma vida nova, com você perto. Então decidimos assim. Assim é melhor ou... menos pior. O que os olhos não vêm o coração não sente, isso é um fato.

    De alguém, que te amou com toda a paixão, que cabe em um coração humano.

     

    Albano Matoso de Oliveira.

     

     

    Sua visão foi ofuscada, tanto água, tanto choro, tão molhado estavam os olhos. Caiu devagar e de joelhos, com a carta na mão, o corpo balançando em pêndulo, então gritou rasgando o ar com um alto estrondo:

     - Arghhhhhhhhhhh! Nããããooooo! Não... não... não... – pegou a carta, amassou com os punhos e apertou contra a testa. Ficou assim, alguns segundos.

    Pouco tempo depois ergueu a cabeça, ainda zonzo, respirou.

    Procurou o resto das forças, por fim levantou devagar e pesado. Ouviu o som de conversas lá fora, sirenes ao longe, pela janela.

    Ajeitou um dos corpos na cama, o outro rolou e empurrou para o lado. Como quem se livra do lixo, um saco pesado jogado no cesto.

    Tirou toda a roupa do corpo. Ficou nu e deitou-se com o outro corpo na cama arrumados de um jeito, como um casal.

    Pegou a arma na mesa ao lado. Olhou para o teto, soluçou e chorou:

    – Agora... meu amor... ninguém vai nos separar...

    “Meu amor, minha vida... foi meu tudo, foi meu lar. ”... “Meu Querido Albano”.

    No chão frio ao lado da cama, o corpo de Carmem Lúcia que já foi um dia tão quente como o sol, mas que agora era uma casca vazia e sem vida, branca e sem cor.

    Como sempre tão juntos, quem iria mudar. Não passou mais que um segundo... outro tiro cortou o ar.







    (Brito Santos) 

    caminhantesdasletras.blogspot.com






  • (SOBRE) O CADÁVER DA BELEZA

    Uma lágrima-sorriso
    se verteu do amar dos olhos,
    com tanto sal, com tanta vida
    quanto a própria luz do olhar.
     
    Uma lágrima choveu do céu dos olhos seus,
    brincando com os ares do rosto,
    num sorriso cáustico
    de que mesmo a vida
    já teria sido sonhada
    alguma vez...
  • [Cartas] AUSÊNCIA

    Me surpreende que mesmo há muito tempo sem te ver, falar, fitar, sentir, tocar, encarar ou simplesmente lhe escrever… não houve sequer um dia em que eu não tenha pensado em ti.

    É absurdamente estranho. Você distante, me magoando, não só por isso; mas também, por aparentemente não fazer questão, como quem já não mais se lembra. Me magoando, pois te vejo evitando todo e qualquer contato comigo, por mais ínfimo que seja. Digo isso com certeza, já que você sabe muito bem onde e como me encontrar. As poucas notícias que tive a seu respeito, desde então, foram através dos nossos colegas, afinal, tu continuas mantendo contato e saindo com todos os meus amigos..., aliás, sem sequer pronunciar o meu nome. Me machuca ver que usas de todos os meios e artifícios para inibir, obstruir, desviar todas as minhas tentativas em simplesmente conversar. Deve fazer ideia do quanto acho isso infantil.

    Não sei se fico feliz por você aparentemente ter superado e seguido ou incrivelmente decepcionada por perceber que não marquei o quanto imaginava, na mesma intensidade que as nossas estações marcaram a mim. Adoraria conseguir lidar muito bem com as idas e vindas, chegadas e partidas, mas não é do meu eu. Desmorono.

    E mesmo na ausência, você se faz tão presente… é na rotina do meu dia, na pausa para o café, na caminhada até a faculdade, é durante o meu banho, até na insônia da calma noite chuvosa… não precisa de muito, basta o soar de uma música para eu memorar um instante, ouvir uma frase (sutil) e julgá-la tipicamente sua, o notar de um perfume e percebê-lo familiar, é simplesmente tornar um lugar e ter uma “reprise” dos minutos que estivemos por lá. É, sobretudo, desejar insanamente o teu toque, o teu corpo, a sua fala mansa, ansiar temerosamente estar novamente no envolto do teu abraço e ser preenchida pelo teu cheiro. Sim, a sua presença é leve.

    Confesso, nos primeiros dias estava a ponto de delirar. Ouvia o seu nome, relia nossas mensagens de texto, procurei todas as nossas fotos, ouvi todas as músicas dedicadas a mim e também reli todos os textos que te dediquei. Lógico, escrevi muito na tentativa de exteriorizar e arrancar de mim o peso da sua ausência e até usei todas as suas camisas que ainda estavam no meu armário. Passei em claro todas as madrugadas quentes de agosto pensando em nós, em você, em tudo que aconteceu e que poderia ter acontecido — martirizando-me sobre o eterno “e se”. Em cada instante sozinha, eu pensava na dura transição do “nós” para o “eu e você”.

    PS. Jamais vou te perdoar se nas próximas estações todas às vezes que ouvir “É Você Que Tem — Mallu Magalhães” e “João de Barro — Maria Gadú” o meu pensamento cair em ti.

    Eu ainda penso em nós. É, sobretudo, nas frias madrugadas tempestuosas, ao ser acordada pelos estrondos dos trovões, ao perceber o quarto iluminado não só pelo clarão da lua que atravessa a imensa janela, mas também dos raios luminosos que invadem e espantam a escuridão — você sabe, detesto raios por temê-los -; instante que me sinto pequena, frágil e extremamente vulnerável… lembro o quanto você me julgava boba e infantil por isso, mas ainda assim, me abraçava fortemente e não me soltava… não faz ideia do quanto eu me via protegida, naquele instante, ouvindo sua respiração, o meu mundo estava concentrado em você, mesmo que não estivesse vazia, uma felicidade insana me preenchia ao me dar conta de que você sempre estaria ali, comigo e eu por você.

    No entanto, é especialmente nas noites de sexta que o meu corpo pulsa e anseia pelo seu toque. O desejo de ter você, por inteiro, não somente no meu corpo, mas também na minha alma, assim como desejo de uma vida ao seu lado, de modo que meros instantes não seriam o suficiente. [Me arrepio ao escrever isso]. Sim, eu sei, disse para ti inúmeras vezes “que a nossa coisa perdure, enquanto sentido fizer”, ela ainda fazia sentido para mim, em partes; jamais irei esquecer a imensidão que o tempo contigo me proporcionou, sobretudo, me fez ser alguém melhor, mudou minha visão sobre algumas coisas, me ensinou muito e acabou agregando uma oitava cor ao arco-íris que chamo de vida… até a ruptura.

    Ainda enquanto estávamos juntos, ao deitar na cama cansada à procura do sono, imaginava um futuro incrível, deduzindo infindas possibilidades, criando e reinventando as cenas mais distintas… com apenas uma coisa em comum, você em todas elas. Vez ou outra me pego fazendo a mesma coisa, não largo essa velha mania, madrugada que coloco os meus fones na fútil tentativa de me dissociar do teu eu. Não é incomum, busco me castigar afirmando para mim mesma que você não merece tomar todo esse tempo de mim, então realmente digo isso a mim mesma, alto e em bom-tom, com convicção — pois preciso que me digam com seriedade já que sou teimosa —; corro para o espelho e reproduzo mais duas ou três vezes a mesma oração. Por alguns minutos, funciona. Depois paro e penso no que fiz, mesmo que eu seja “mulher” para algumas coisas, nisso eu me vejo muito infantil, boba, ingênua. Sabe, alguns momentos tenho 30, 20, 12 anos... isso me assusta e te assustava também.

    Mas, no final das contas, esse ritual de nada adianta, não importa o quanto eu queira. Tenho raiva de você por arrancar todo esse tempo de mim, tempo que eu gasto pensando em nós, escorre; e tenho ainda mais raiva de mim por atrelar a culpa a você de uma coisa que está em mim. Quem sabe, talvez com o correr do tempo, eu me acomode a sua ausência até não mais percebê-la; e se isso for verdade, que o tempo sana tudo, Deus, como quero que ele passe.

    Porém, acima de tudo, isso não é a parte difícil, o duro é assumir que, apesar de tudo, sinto falta de alguém que, ao final, me magoou. Jamais irei me perdoar por uma coisa dessas. Como se habitassem duas pessoas em você, o cara pelo qual, talvez, me apaixonei e o cara que me fez ir embora, não faz ideia do quanto sinto a presença da ausência desse primeiro. Não sou tola, recordo com clareza todas as suas condutas que me magoaram, desde ações às omissões, coisas que falou, coisas que você não fez… foram tantas. Sim, penso “ele não me merece, nunca mereceu”. Mas, instantaneamente, recordo das partes gostosas, dos instantes que fui surpreendida, que, aliás, superam de longe as demais coisas — que se fazem diante dessa comparação tão bobas — e me remetem à minha criação do seu “primeiro eu”; portanto, acabo me sentindo uma mentirosa.

    Me sinto mal ao afirmar “você me magoo”, pois me vejo apontando o dedo e gritando isso na sua cara; sendo que tenho total consciência de que a recíproca também é válida. Talvez, eu tenha te decepcionado profundamente e isso justifique a sua partida efêmera. É contraditório, mas nas últimas semanas conturbei muito as coisas entre nós, justamente tentando fazer dar certo. Nós dois somos terrivelmente diferentes.

    Sei que peco em muita coisa. Não consigo ser direta e isso atrapalha tanto, principalmente por prolonga discussões, é o meu defeito, você o conhece bem e sabe o quanto o detesto. No mais, às vezes cobro que você pense como eu, espero que você supra minhas expectativas e entre outras coisas. Tem hora que deixo a razão falar mais alto ou a emoção. Eu não tenho equilíbrio, talvez por isso seja digna de elogios como “desequilibrada, descontrolada, louca”. Eu erro, falho, estou muitas vezes equivocada. Mas, quando acontece reconheço, assumo a bomba, isso nos diferencia. Eu não tenho receio em pedir perdão, quando vejo sentido, me desculpo com o coração, jamais da boca para fora… de mim nunca haverá manipulação... afinal, é como se concretiza um pedido de perdão sem mudanças. Mas, isso não vem ao caso agora, não é o cerne da questão. Sou uma pessoa difícil, você também é. Sabe, eu temia tanto isso… que nós magoássemos um ao outro.

    Nunca falei tanto sozinha como no último mês. Vez ou outra me deparo questionando em pensamento algo sobre ti e outra versão de mim mesma responde alto e em bom-tom. Quando é mais latente, me deparo jogando “n” coisas na sua cara, como se estivesse ali, diante de mim. É insano. E tudo cessa com a frase “Pelo amor, você tá ficando doida”.

    Choveram tantas coisas em mim. Me vejo num eterno não senso. O “sim” e o “não” na mesma pessoa. O desejo e o desprezo em tê-lo comigo, afinal, se é para ficar e eu me sentir daquela forma, você sabe qual, prefiro que vá. Eu queria te proporcionar dias gostosos no último mês e penso que não consegui… não me doei como gostaria. Aceito defeitos de todos os tipos, menos a indiferença. Os momentos de desdém me matam. Me mata principalmente reconhecer que, nos últimos dias, eu nāo fui o melhor de mim, em muitos sentidos. Serei franca, culpo você por isso.

    Não é novidade: o meu eu contra si mesmo.

    É assim, sempre dessa mesma forma, basta em pensar seja lá o que for ao seu respeito que novamente aquele desejo me consome. É uma chama azul. Um fogo me domina de tanto que queimo em intensidade na ânsia de ter-te comigo… me contorço e o meu corpo estremece na abstinência do teu toque, desejando o teu amor, desejando com todas as minhas forças a ponto de te fazer pensar em mim, a ponto de sentir você pensando em mim, até que tudo se desfecha em brasa. Delírio. Chame do que quiser, loucura, insanidade. Procure adjetivos e se encontrar, seja qual for, não conseguirá definir.

    Eu nunca imaginei que chegaria a esse nível. Insanidade. Qual é o sentido disso? Me levará ao que? Será que é tudo isso em vão? Acredito que não, quero acreditar que não, acreditar que não foi e não é tempo perdido, não quero reconhecer que insisto em alimentar algo que cedeu ao fracasso. Então, na tentativa de cessar a tortura emocional e psicológica digo em voz alta para mim mesma: “Que tipo de perguntas idiotas são essas?”.

    Está claro, não é? Estou tão confusa... indo e vindo em centenas de coisas e não chegando a lugar nenhum. Mais uma vez, perdendo o foco... a concentração. É isso o que sua ausência está me causando "desconcentração".

    Não entendo como ousa me ignorar, evitar. Me corta as suas ações, pois elas me dizem que fui para ti apenas um capítulo. Enquanto fiz e faço de você o meu melhor livro, aquele favorito, que jamais canso de ler e reler. Eu gostaria de ter razões suficientes para acreditar que seu intuito é justamente tentar demonstrar isso, mas, que, no fundo diverge da realidade. Realmente me corta, pois, eu ainda te desejo. O meu íntimo, ainda que não insista em acreditar que estávamos “destinados a ficar juntos” (não sei qual termo usar para definir), ele espera, com força, que você enxergue o quanto é gostoso quando estamos juntos, ao menos, para mim, um tempo foi… enquanto o distanciamento ainda não existia.

    Não, eu nunca disse e não estou dizendo que quero ser tudo para você; mas, a pessoa que não trocaria por nada. Nos proporcionamos um amor puro, percebi assim. Serei eternamente agradecida por essa dádiva. Sobretudo, gostei imensuravelmente da nossa coisa. Adoro o vínculo que construímos e é cortante vê-lo se diluindo. Talvez, eu não seja o grande amor da sua vida ou você da minha, o destino é uma álea, aliás, nem sei se existe isso de “o eterno amor” ou sequer “o grande amor da vida de alguém”, mas, saiba, que o nosso foi — ainda é — o amor mais intenso e breve que vivi.

    E, por falar em destino, infelizmente, você será a minha eterna saudade, quem sabe a eterna quedinha, talvez o eterno desejo. Não sei. Mas, tenho certeza de que fez e fará parte das minhas melhores recordações. Jamais esquecerei a grandiosidade do que me permiti sentir, com você. Nem sequer cogitarei intitular como fase, paixão ou ilusão tudo o que pulsa aqui. Agora, já não faço ideia da sua percepção sobre o nosso enredo, espero que seja um tanto parecida com a minha. Me fará sorrir se, eventualmente, de alguma forma, eu souber que pensa em mim com carinho, que te atingi de um jeito bonito. Apesar dos pesares.

    Ainda assim, soa tão simples quando diante do que acreditei causar. E é um imenso contraste se comparado ao que me causou. Seria um prazer se lembrasse de mim como a garota pela qual foi apaixonado, a amiga pela qual teve carinho, a mulher que te causou imenso desejo… que te proporcionou conhecer um sentimento que queima de tão intenso, quem o incendiou, sobretudo, quem realmente lhe despertou o amor.

    Não se é preciso ser perfeito para ser incrível na vida de alguém.

    Vez ou outra me pego pensando se, depois da ruptura, houve uma madrugada sequer em que você tenha me desejado. Me desejado de alma como por um lapso temporal já desejou, já demonstrou, já gostou. Já sentiu. Desejo mesmo, sabe? Que só em me olhar te consumia, te preenchia por uma vontade insana e intensa, como uma fúria interior, um querer que corrói, uma imensidão latente implorando para me ter ao seu lado por toda a vida. Não faz ideia do quanto eu amava imensuravelmente esses instantes, os instantes que sentia e via o seu olhar em mim me dizendo o universo e o mundo.

    Será que, por um momento, uma mísera vez, se questionou se ama ou se já me amou?

    As suas palavras, escritas, cuspiram na minha cara que não. E, ainda assim, demoro a acreditar. Contradizem tudo o que vivi:

    “Olha, desculpa.
    Me desculpa por cada vez que te deixei triste, por cada momento que te decepcionei.
    E, principalmente, por às vezes parecer um idiota com você.
    A real é que essa coisa é grandiosa e eu não sei lidar.
    Eu não levo nada a sério na minha vida, muito menos ela própria.
    E, sobretudo, não sei sequer um dedinho do que é sentir algo por alguém.
    Por isso, mudo repentinamente, sem mais nem menos, fico diferente do nada, meu estado de espírito me controla naturalmente e esqueço que as pessoas têm sentimentos e que preciso respeitá-los.
    Quero me afastar de você. Não por mal, mas porque não te faz bem ficar comigo.
    E eu não sou bosta nenhuma e não tenho nada para te oferecer de bom.
    Por fim, agora, ainda que compartilhemos a mesma lua, estamos muito longe um do outro.
    É isso.
    Ps. Sou grato pelo tempo que esteve comigo. Foi puro."

    Não faz ideia do alvoroço sentimental que as suas palavras frias me causaram. Juro, ri ao terminar de ler, um riso sem alegria, aquilo era o cúmulo do absurdo. “Você sabe, não sou a pessoa que insiste na presença de quem já não quer ficar. Perde o sentido”. Depois de tudo o que você vomitou, pensei o infinito e o mundo e não dirigi a ti mais nenhuma palavra.

    Ainda que eu diga para mim mesma, com veracidade, em alto e em bom-tom, que eu simplesmente me acostumei com a sua presença, me sinto uma mentirosa, tentando envenenar o meu pensamento na fútil tentativa de sanar o meu sentir. Nunca imaginei que seria doloroso e difícil assumir, bater no peito e falar, mesmo que somente para mim, que amo você.

    Isso é tão irônico, não é? Eu aqui, em devaneios por sentir o peso da sua ausência, enquanto ti sequer depois daquele dia, da ruptura, me ligou…

    E ainda assim, sou nua e crua ao falar que te desejo as melhores coisas do mundo, ainda que isso signifique se afastar de mim. Você sabe o que é melhor para você. E, no momento, eu não faço ideia do que seja o melhor para mim.


    Janaina Couto ©
    [Publicado - 2019]

    @janacoutoj

  • [Cartas] ESQUECIMENTO

    Noite passada eu não parei de pensar em ti. Hoje, muito menos. Incrível como isso pode ser tão irônico. Justamente ontem fiz uma pausa para refletir a respeito dessa minha nebulosa onda sentimental que insiste em não cessar, na tentativa de encarar com racionalidade e me livrar da tortura. Notei que passar mais estações sofrendo não só por sua; mas, também por minha causa e pela “nossa coisa” já não fazia sentido.

    Afinal, você sabe o meu número, conhece os meus amigos e poderia muito bem falar comigo se sentisse saudade, se fosse da sua vontade. Diferente de mim. Ás vezes me questiono sobre isso, se tu pensas exatamente do mesmo jeito e fica á espera de uma atitude minha. Mas, no mesmo instante, recordo que você não é assim, age por impulso quando quer algo, não exita em fazê-lo. Porém, acaba por descartar tal característica ao dotar-se de orgulho. E pela forma como tudo terminou, não posso de maneira alguma descartar essa hipótese, “cuspiu no prato que comeu” foi uma frase bem forte.

    Detesto fazer presunções, soa tudo tão incerto. Aliás, tu não é desses que se prende a alguém. Sendo franca, algo dentro de mim quer estancar a minha percepção da realidade, qual compreendo até demais, além dela estar distante do que eu gostaria, não é nada agradável e acaba por ser doloroso de aceitar. Mas, não posso seguir tentando enganar a mim mesma, soterrando e afugentando o que está escancarado. Você seguiu em frente e eu ainda não superei a ruptura em todas suas facetas.

    Concluí, com decepção, que no fundo, não consigo te esquecer porque realmente não quero, ainda permaneço a alimentar este sentimento. Não me permito conhecer outras pessoas, pois sei que nenhuma delas será você. Vez ou outra, me pego fazendo comparações até mesmo nas coisas mais ínfimas ou caçando características tuas nelas; pior, inconscientemente te projetei em um outro alguém. Tem noção do quanto isso foi prejudicial?

    Não obstante, reconheço o porquê de tudo. Apesar de toda a parte cortante da história; é evidente, houveram sim momentos dignos do título de “inesquecíveis”. Me apeguei a estas memórias intensamente e não quero que o desejo de vivenciá-las novamente se apague, por temer perdê-las, já que ansiando as lembranças são tão vívidas.

    Logo, me vi decidida a deixar tudo isso para lá e encarar de frente a situação. Não mais passaria minhas tardes com o pensamento em ti e evitaria nas conversas tocar o seu nome. Tentaria não me frustrar todas às vezes que, ao chegar e pendurar o casaco, perceber que a minha sala está do mesmíssimo jeito que deixei pela manhã, um sinal de que naquela noite você não passaria aqui em casa para jantarmos juntos; que eu não teria seus dedos tateando as minhas costas num vai e vem para me fazer dormir, que não ficaríamos envoltos num grande abraço corporal e eu não mais em segredo iria tentar sincronizar minha respiração com a tua; que não seria aquecida pelo teu corpo quente e sequer me sentiria acolhida pelo teu sorriso e o seu olhar terno. Não escreveria mais sobre você, muito menos sobre nós. [É evidente, fracassei]. Ficaria realmente aberta para conhecer outras pessoas, à espera de alguém sobretudo interessante, para me divertir ainda que de maneira efêmera e “queimar em intensidade como um dia incendiei por ti”… mas, rapidamente descarto a ideia, pois tenho a sensação que jamais seria a mesma coisa, nos seus exatos termos.

    Quando essa nevoa passar, quando realmente me der conta, ficarei surpresa comigo mesma. E sei que vou perceber a transição somente quando os meus escritos falarem apenas de mim e não mais de você.

    Naquela noite, reconheci que esse meu desejo constante e a esperança de que nos encontraríamos novamente para viver o “amor mais intenso de nossas vidas”, como se fôssemos amantes predestinados, nos encontrando novamente e trazendo a paixão do passado sempre a tona; era um sonho utópico, mera fantasia. Apesar do nosso caso ser reincidente, qual seria a probabilidade de acontecer novamente?

    Eu definitivamente estava ficando louca e cogitando coisas que eu sempre desacreditei. E, pior, ainda assim tenho a convicção de que nada disso faz sentido.

    Definitivamente os meus delírios de amor já estavam indo longe demais. Eu havia decidido que a partir daquele instante não iria mais pensar em ti, não iria forçar para te esquecer (é até antagônico), não iria imaginar momentos contigo e nem ansiar teu toque.

    Mas, incrivelmente, nessa mesma noite, ouvindo música enquanto tomava um vinho tranquilo, me deparei com o som de “Take My Breath Away” e ele destruiu todos os meus planos e decisões anteriores.

    Pois, por incrível que pareça, essa melodia sedutora retrata uma paixão em chamas e descreve fielmente tudo o que o meu íntimo mais deseja, a razão pela qual ele pulsa. Isso mesmo, desejo que nos encontremos novamente, trazendo para o agora aquela mesma paixão avassaladora e aquele sentimento quente, que me deixava em chamas.

    Desejo que a paixão que brotou na juventude, ou seja lá o que for que ainda permanece vivido aqui, não se desmanche — em ambos os lados. Eu sempre, verdadeiramente, não só esperei, como também acreditei, com lasciva veemência, que estávamos fadados a um intenso romance; assim como retrata a canção.

    Projetei tanto que não me conformo com esse desfecho, não consigo me render a essa ideia. Digerir que nossa envoltura não estava como imaginava, que de um instante ao outro perdi o eclipse, o acontecimento centenário que tanto ansiava, uma oportunidade não aproveitada; pra ser sincera, não quero me render, evitando a frustração de sentir-se vencida pelo que mais temia. Sofro pela perda do que nunca me pertenceu, pelo que não vivenciei, pelo que poderíamos ter sido.

    Não sei se fico feliz por já ter tido você por instantes ou decepcionada pela possibilidade de não tê-lo novamente. Talvez, minhas palavras não passem de devaneios, frutos de uma decepção amorosa. Mil e um pensamentos rodeiam a minha mente enquanto meio torpe escuto essa música e te escrevo.

    Sei, pode parecer brega, mas super a minha cara, escrever cartas para alguém que jamais irá recebê-las. [Você sabe muito bem disso].

    Definitivamente ainda não consigo esquecê-lo e a canção só me faz lembrar e desejar ainda mais estar em você. Não paro de ouvi-la ou de muito menos desejá-lo, de ansiar tudo aquilo novamente. Afinal, pode ser putativamente, mas sinto que vivemos nesse jogo tolo de amantes que a letra tanto fala. Sou eu quem está assombrada pela noção de que em algum lugar existe um amor em chamas, voltando, retornando de algum lugar secreto no interior.

    Ou, talvez, eu somente esteja meio torpe.

    Sabe, o vinho me deixa “alta”.

    Acredito que amanhã darei risada e me sentirei ridícula por tudo isso.

    Bom, espero.


    Janaina Couto ©
    Publicado em 2018

    @janacoutoj

  • [Cartas] MORNO

    Se quiser falar a respeito, estou aqui.
    Me desculpa por te deixar assim.
    Queria que se sentisse confortável comigo. Principalmente para dividir tudo o que sente. Para me contar o que se passa com você. Gostaria de ter a chance de compreender e poder te ajudar com essa infinidade de "problemas". Me mata te ver assim.
    Me fere mais ainda perceber que, de algum modo, algo em mim te deixa com o pé atrás nesse sentido. E eu não sei a razão. Não sei o que te inibe em me colocar e inserir de uma vez por todas em todos os âmbitos da sua vida. Não sei o que te impede de me mostrar cada fresta tua.
    Quanto a traumas, se eles existem, é importante compartilhar comigo, para lidarmos juntos. Não quero minhas ações afetando você e sendo motivo para que fiquei assim, morno.
    Me deixa arrasada constatar que, enquanto eu queimo em intensidade, a "nossa coisa" já não pega mais fogo. Detesto esse morno.
    Eu gosto de você de uma forma insana. E, infelizmente, sinto que vê isso distante. Mas, nāo adianta eu só falar. Quero muito que "veja" tudo o que causa em mim. Anseio que perceba a grandiosidade do que me faz sentir.
    Gosto muito de mim quando estou com você, acho incrível como faz eu me sentir. Um estado constante de euforia, desejo.
    Semana passada, madrugada, quando nos encontramos, enquanto eu repousava em teu peito, você estava distraído até que nossos olhos se esbarram. Te olhei profundamente.
    Me perdi no teu olhar e, juro, me arrepiei com ele, de uma forma que nunca havia acontecido antes. Naquele instante, acreditei fortemente que eu estava alinhada ao meu destino… que ele está "escrito". Te olhava profundamente tentando me fazer acreditar que, felizmente, o tenho ao meu lado.
    Recordo que sorri desejando eternizar aquele momento. Reconhecendo tudo o que pulsa em mim, aquele trecho de Relicário não saia da minha mente "Eu trocaria a eternidade por essa noite". Naquela madrugada fria, você, em seguida, beijou a minha testa. Eu senti carinho, proteção… foi a primeira vez que alguém me beijava daquela forma. Serei eternamente agradecida por ter sido você.
    No dia a dia, com a rotina corrida, não faz ideia do quanto sinto saudade, muito menos de como anseio às 19h para te ligar e ouvir sua voz ou ao menos ler uma mensagem sua.
    Sinto muito por nāo te proporcionar o mesmo…
    Eu quero, quero de verdade. Sinto que sou capaz de te deixar bem ao meu lado. E, talvez, seja por isso que te ver 'blé', com tudo e, sobretudo, com a "nossa coisa", me deixa mal. Principalmente por cogitar que isso pode ter tudo haver comigo.
    Sinceramente, não recordo o que posso ter feito para te causar essa névoa sentimental.
    No mais, independente do que for, sei que minhas desculpas sempre te soam em vão.
    Aliás, naquele dia, eu nāo agi como quem não se importa. Muito pelo contrário, me importei muito e fiquei com medo, justamente por isso te falei “escolhe e só me diz uma coisa dessas quando tiver certeza, convicção”. Jamais imaginaria que você seria capaz de fazer o meu tipo certo de escolha errada.
    De repente, sinto que estou perdendo algo. A nossa coisa… você. Ainda tento digerir o que me disse 'só nāo sei se estamos mais juntos'. Desde então, o meu bem está agindo diferente e percebo a existência de um "vazio".
    Deus, eu faria o impossível para preenchê-lo. Eu sinto o universo… transborda. Acredito que seria mais que o suficiente.
    Me desculpa te encher, estou exausta e isso tudo me sufoca. Não fico em paz.
    Prometo que farei o máximo para te deixar tranquilo quanto a mim, sobre nós (para mim ele existe). Procurarei demonstrar, não que eu não fizesse isso antes, não quero dizer isso, a questão é fazer com que você sinta que estou, de verdade, com você. Nāo sei se me destituiu do posto.
    No mais, sei o quanto os detalhes te são importantes, juro que irei prestar atenção nos meus, pois, reconheço os seus e sou grata por eles.
    No entanto, as minhas promessas a ti nada significam. Já não sei o que fazer. Me sinto e estou perdida.
    Sabe, demorei tanto para te conquistar… Não vou te deixar ir embora da minha vida sem mais nem menos. Não me permito desistir e não dar o meu máximo pelo "nós". Valorizo muito o que sinto e quero comigo, por todo o sempre, o alvo de todo esse meu amor.
    Por favor, não desiste de mim. Não desiste do "nós".
  • [Cartas] NAUFRÁGIO

    Não consigo “estar” com alguém só por desejo carnal efêmero. Sou intensa demais. Adentrar no teu jogo, certamente seria empolgante e me proporcionaria muito êxtase, por ser você a jogar comigo. Porém, em contrapartida, tenho receio e medo só em cogitar o depois.

    Além desse detalhe importantíssimo, ao decorrer desses meses, aferi características intrínsecas tuas quais muito me cativam, arrisco-me até a dizer que a ti conheço. E gosto pra caramba desse cara. Em virtude da construção de uma amizade suave e, inicialmente, sem mais pretensões, tenho zelo por ti. Recordo com euforia as memórias de cada dia, fala, olhar, toque, canção. Claro, já ansiei por muito mais.

    Estamos engajados numa confusão. Nenhum de nós sabe como agir. Sentimos exagerar, passar dos limites ou até mesmo errar diversas vezes. O pior é que errar jamais fora tão gostoso. Ao menos, alego com firmeza desprezar “meios-termos” por não saber lidar. Tu, por vez, apesar de sentir-se assim, é fascinado por esse jogo e quer me fazer jogar. Porém, não há regras, como pretende me ensinar, se até você perde-se em si mesmo?

    Momento acaricia meu rosto e beija minha testa, agradecendo-me por ser sua amiga; outrora, me abraça e desenha com o indicador círculos suaves em meu corpo, enquanto sussurra ao meu ouvido admirar tanto quem sou a ponto de sentir imenso tesão. Me arrepio. As coisas não iniciaram assim, os deslizes e desejos surgiram com a convivência, o tempo (ao menos para mim).

    Não como se ambos possuíssem pseudônimos, pelo olhar reconhecia-se o homem e a mulher devassa que sempre existiu e fazia parte de um único “eu”. Mesmo, constatando aquilo como inadequado, eu não resistia. Somente quando os toques, olhares e falas ultrapassavam a minha tênue linha imaginária entre a afeição e a volúpia, instantaneamente era preenchida por lucidez. Sempre fui eu quem cessou todos estes instantes, na iminência de algo que evidentemente mudaria intimamente, para mim, o nosso elo.

    Se dependesse de ti, isso jamais ocorreria. Nunca um momento seria postergado ou ocluso. Como já apontei, a inconstância te seduzia. Justamente o que te fazia insistir a mim para prosseguir. Parecia um ritual, segundos após me ouvir dizer “não costumo agir assim com amigos” dava-se por vencido. Então roçava os lábios por meu pescoço e posteriormente me fitava já com o polegar pressionando os meus lábios e sibilava “eu quero, mas não posso nem mesmo beijar você. prometi”.

    Antes de toda esta loucura, rebuliço, começar, lembro com detalhes o que me disse “posso te falar uma coisa? independente do que você vai dizer, pensar ou julgar, eu preciso contar. não parei de pensar em ti essa semana, desde o dia em que nos beijamos sob o seu guarda-chuva. isso é um problema?”. É notório, adorei a sua sinceridade e não só por isso; mas, também porque o acontecido não saia da minha mente, respondi “desde que o intuito de seu contato comigo não seja em face apenas dessa forma de desejo ou gana, não há problema algum”.

    Eu estava disposta a deixar as coisas acontecerem, mas jamais ficar empacada no meio-termo e, por via, nos condicionando a um alvoroço sentimental polido pelo conflito de interesses.

    Não obstante no início eu enfatizei, deixei claro inúmeras vezes, o quão despreza sentir-se cobiçada apenas por características físicas quais já nasceram comigo como é o caso do que alguns podem chamar de “beleza”; e não também por atribuições quais adquiri, como força, inteligência, empatia ou coragem. Claro, digo tangente ao como quero ser desejada por aquele com quem tenho um envolvimento ou relacionamento “amoroso”.

    Tenho fervor por quem me têm como tentação por inteira, corpo e alma. É óbvio, gosto e sinto-me muito bem ao saber que veem beleza em mim e por isso ser considerada e me considerar uma mulher atraente. No entanto, venero ainda mais ser considerada sensual — chame como quiser — em razão do conjunto de todo o meu eu; corpo, essência e modo de ser.

    Conversávamos diariamente, nunca diálogos monótonos, já passamos madrugadas expondo nosso modo de ver, pensar e valorizar as coisas, refletindo sobre os mais diversos e complexos assuntos, este já esteve por diversas ocasiões em pauta e você demonstrou sincronia comigo a respeito.

    Há uma outra questão qual não posso deixar de mencionar. Incoerentemente, no “meio-termo” você gosta de ser profundo, ou melhor, quente de um jeito exagerado que me deixa com o pé atrás. É vantajoso, para você. Não sei qual palavra utilizar, “quente” transparece intensidade, mas, ao que me refiro, está longe disso. Na realidade, soa para mim como se você tirasse proveito libertino.

    Confesso. É gostoso saber que sou desejada por alguém cujo também tenho interesse em suas diversas facetas. No entanto, em primeiro lugar, você sabe que não me permito ter essa envoltura contigo por uma intrínseca questão de seguridade e confiança, ou seja, tanto quanto ao parceiro como na relação existente. Sua insistência comigo especificamente neste quesito está me dando nos nervos, por questões óbvias e razões infinitas.

    Além de tudo, em segundo lugar, mas não menos importante, o seu desejo por mim se não for meramente físico é expressivamente nele pautado; o fato de se resumir à isso me broxa toda. Me faz perder o interesse. É frustrante.

    Apesar de já ter me dito “desejo na sua pessoa também, não só fisicamente. é um conjunto que fez surgir interesse em mim” e eu confiar na sua fala, tuas ações demonstram o contrário, fico dividida. Não sou hipócrita e compreendo que nem sempre foi assim, porém, agora é o que vigora, já que não perde uma oportunidade para adentrar no assunto. Se sinto-me inibida até mesmo para beijar-te implicada nesse “chove e não molha”, como pode achar que algo mais intenso aconteceria? Fico surpresa com seu pensamento mirabolante, chega a ser inusitado.

    Ao que parecia, nós aparentávamos possuir mais sincronia do que realmente tínhamos. Me vi precisando escolher se permitia o desenrolar e transformação do nosso vínculo ou se insistia na amizade. Pois, como eu poderia insistir em algo que não fosse da vontade ou sequer fruto do consenso de ambos? Eu precisava ouvir “qual era a sua” ao invés de realizar deduções em meio a uma centena de prognósticos.

    Justo no dia em que havia decidido explicar a minha necessidade em definir o que estava acontecendo e meus desafios com o “meio-termo”, a fim de destrinchar qual era sua intenção com a manutenção desse inconstante manejo, infelizmente, não tive chance de viabilizar essa conversa. Não precisei. Inesperadamente, no momento mais impensável, antes mesmo que eu precisasse perguntar, tomou uma decisão.

    Você não pareceu referir-se apenas a pegação. Encerrava tudo. Ruptura. Cada vinco em seu rosto me dizia. Mas, ainda assim, eu precisava ouvir literalmente para ter certeza. Soava tão absurdo. Não conseguiu sustentar o olhar enquanto cuspia cada palavra confirmando. Fiquei boquiaberta, esperando pacientemente o instante em que tornaria a me encarar, já que permanecia de queixo erguido e olhar fixo no breu numa tentativa ridícula de me anular do seu campo de visão.

    30 segundos se passaram.

    Uma torrente de emoções preenchiam meu corpo. Primeiro, fúria. Não conseguia acreditar que você seria capaz de desprezar, acima de tudo, a nossa amizade daquela forma, como se nada significasse para ti. Observando as linhas retilíneas do seu maxilar demarcado e anguloso, quase que ferozmente puxei o seu rosto para mim, forçando-o prestar atenção no que iria dizer, meus pulmões inflaram e eu estava prestes a gritar na sua cara “Mas que tipo de decisão idiota é essa?”. Frustrante. Não consegui.

    Segunda, decepção. Sua expressão estava endurecida, como de quem fala com convicção. Decidido. Ao fitar fixamente teus olhos castanhos, minha garganta fechou. Minha fala foi entrecortada. Falei, mas não expeli o que pretendia, a mensagem presa. Sufocava. Num sussurro questionei “está falando sério?” e tu consentiu. Soltei seu rosto. Ficamos em silêncio enquanto eu imaginava ser sua hora de fala, aguardava uma explicação ou desabafo, um mísero porquê que fosse. Não requisitava uma justificativa plausível, desejava sinceridade. Queria saber o que te embasou a decidir, independente do meu julgamento sobre. Então, finalmente você cessou o silêncio torturante, “vamos embora”.

    Terceira, conformismo. Mil e um pensamentos vinham à tona, apesar de realmente ter sido pega de surpresa por seu posicionamento, não demorei em aceitar. Se é o que você quer, assim será. Não irei implorar nada. A escolha foi sua, óbvio que irei respeitá-la. Jamais abandonarei a reciprocidade, se você não quer ficar, prefiro que vá. Não me agrada ter alguém comigo por dó em face de acreditar que sinto carência ou necessito de atenção. Se para ti a nossa amizade (ou seja lá o que for que há entre nós) é indiferente, para mim esse negócio não vale a pena mesmo.

    Quarta, incredulidade. Enquanto me acompanhava a caminho de casa, o silêncio fez-se ainda mais presente. O ocorrido repetia-se inúmeras vezes em minha mente, buscava futilmente concluir qual havia sido o estopim. Qual detalhe estava deixando passar? Não fazia sentido algum querer me ver e de uma hora para outra, na mesma noite, mudar de postura radicalmente. Por que pôr um fim à nossa amizade? Claro, evidentemente eu chegaria a uma conclusão. E cheguei. Ah! Não faz ideia do quão ansiei estar enganada.

    Reconheci que o ritual havia sido quebrado, dessa vez não sibilara a mesma frase. Ao contrário, cansado das coisas não acontecerem da sua forma, jogou sua última carta. Descarregou sua frustração em cima de mim, como se ficar nesse meio fio fosse uma tortura única e exclusivamente sua. Não foi por falta de aviso, lhe disse que comigo isso não seria viável. Se ao proferir tais palavras o seu intuito foi me fazer ceder ao que havia me pedido, “deixa rolar”, acreditando que eu iria simplesmente descartar as razões que me inibiam, por temer o fim do nosso vínculo, qual sabia que eu muito valorizava, agiu como babaca.

    Ainda a caminho de casa, lhe disse que estava tudo bem e iria sozinha dali em diante. Sua despedida seca soo como partida, também não esperava nada mais que isso.

    Caminhei lentamente pelas ruas tranquilas até em casa, aspirando a quarta-feira de noite quente. Olhando cada traço a minha volta, minha mente vagava na memória dos últimos meses, dessa vez, eu via de longe, não mais narrador personagem e sim o próprio leitor. A fim de aferir se o ocorrido fazia jus ao meu desapontamento; se valia a pena a dor ou se aquela estação merecia a minha indignação concomitante com a tentativa de salvá-la.

    Infelizmente, ou felizmente, constatei coisas quais diminuíram grotescamente as chances dessa última hipótese. Se tivesse prestado atenção, há tempo já teria te exposto e esperado por mudança. Naquela madrugada eu chorei por não ter percebido tudo isso antes. Explorando algumas atitudes minhas, sequer me reconheci. Extrapolei de um modo que não gostei. No dia seguinte, me senti mal a ponto de parecer torpe. Óbvio, decidi por deixar as coisas como estavam, por concluir como o ideal e melhor para mim.

    Fui tão racional que não sofri com a ideia. A minha semana exalava calmaria e eu me sentia livre. Apesar de apreciar a tarde de domingo azul, sua madrugada foi tempestade e desde então choveram três semanas. Havia prometido a mim mesma que não “sumiria”, a quimera de cortar vínculo com alguém de modo a evitar e cessar até mesmo o mínimo diálogo possível, para mim, ao invés de ajudar a superar o ocorrido, só posterga.

    Fato, da minha parte, tempo e distância seria a melhor escolha. Fui empática, tomei banho de chuva. Mas, sinto falta do sol. Você persiste em ficar e não sabe de que forma. “Teus sinais me confundem da cabeça aos pés”, como canta Djavan. Estou cansada de te ver mudar falas e vontades de um instante ao outro.

    Agora, quando já pressentia águas passadas, você volta e sugere algo que, se não fosse aquela quarta-feira, eu provavelmente aceitaria. No entanto, eu tive um tempo considerável de chuva para repensar o que eu estava antes apta a acolher.

    Isso não vai para frente. Eu queimo em intensidade. Desta forma, quero dizer que, caso a nossa relação sofra a metamorfose que você propôs, apesar dela ser extremamente tentadora e atraente, não posso acatá-la. Pois, é indubitável que eu levaria, veria e sentiria tudo de uma maneira; enquanto você, de outra essencialmente distinta, nada intensa como a minha.

    Não me é interessante ficar só de pegação, meus “envolvimentos amorosos” nunca resumiram-se apenas a isso e não é agora que será. Esbarraríamos na reciprocidade. Não posso enganar a mim mesma, me conheço o suficiente para escancarar a alta probabilidade de me fascinar. Creio que compreende o significado. Gostar demais, eu já gosto e nem sei expôr um porquê. Não vejo coisas capazes de me prender.

    Por empatia a mim, por me colocar em primeiro lugar, mesmo que essa ruptura doa agora, não irei me submeter à uma certeira desilusão amorosa. Apesar de, francamente, saber lidar, é uma tortura emocional e psicológica longa e árdua qual não pretendo encarar novamente, justamente você (sem saber) me ajudou a enfrentar uma.

    Sim, infelizmente, ruptura, já que tu aparenta tratar como “historinha e frescura” por não compreender as minhas razões, agindo quase com desdém comigo nesse sentido.

    Tu exala incerteza e curte “meio- termos”. Comigo esse manejo não funciona. Como eu já disse, se é pra ser dessa forma, eu prefiro manter nossa amizade. Sem esse lance de efêmero e incerto. E não ouse falar novamente em “amizade colorida”, me corrói, já que não consigo me doar pela metade. Logo, engajada num “meio-termo” algo me inibe e não ajo como gostaria.

    Não me é interessante ser o “quase” alguma coisa. Tenho esse tipo de envolvimento por quem tenho intrínseco interesse em conhecer realmente. Prezo e sou atraída pela reciprocidade. Não gosto de coisas rasas. Se é isso o que você me oferece, agradeço; mas, recuso.

    Aquilo que popularmente tratamos como “ficar” com alguém, não me refiro ao contato único e súbito que temos na balada numa madrugada qualquer e sim a algo relativamente duradouro em detrimento desse primeiro, ou seja, aquele processo imediatista de conhecimento, “paquera” e “conquista” do outro; levo de uma maneira qual tu não parece compreender, e se caso compreende, não te é nem um pouco atraente.

    Justamente por pressupor isso que havia resolvido pôr as cartas na mesa (não aconteceu), antes mesmo de ti fazer tal proposta, pois, ainda que optássemos pelo desenrolar da metamorfose, em razão de nossa explicita divergência quanto a égide de vivenciar e significar essa espécie de ligação, requisito seria acordarmos como prosseguir, não seria do seu jeito e nem do meio, seria do nosso jeito. Porém, ao que tudo indica, haveria um colapso e jamais uma fusão.

    Quando estou saindo com alguém, tenho peculiar interesse em conhecer e vivenciar o outro intensamente. Sem receio, medo ou temor de me enfeitiçar. Deslumbre. Sou aquela pessoa quem convida para ir ao teatro, exposição, galeria, festival, biblioteca e até mesmo a um Café.

    Desejo um contato suave, sincero, puro; sem cobranças. Espero que aquilo a se chamar de “nossa coisa” agregue muito a cada um de nós, que nos permita transcender como ser, proporcionando um ao outro além de curtição, gozo, aventura. Independente de tratar-se de dias, meses ou estações, que seja intenso enquanto perdure. Marque, que não seja raso.

    Vai muito além de pegação, quero conexão. Uma troca de experiências, conhecimentos, gostos. Impossibilitando assim, epílogos catastróficos. Desejo momentos que jamais sejam posteriormente sinalados por frases cortantes, como “perda de tempo”.

    Assim, mesmo que, talvez, um dia não possuamos mais esse elo e até já não mais tivermos saudade um do outro, espero que as lembranças nos deixe gratos pelos momentos compartilhados.

    A ideia de duas pessoas que não mais se conhecem (somos uma constante mudança), com afáveis memórias de uma história num passado comum, me agrada.

    E essa grandeza não tem nada haver com uma amizade colorida. Acima de tudo, há sim e baseia-se numa verdadeira relação de amizade, mas não apenas. Não estou falando inerentemente de “relacionamento sério”, mas sobre ter seriedade nas decisões pensando de forma empática no melhor para consigo e com o outro. É em prol daquilo “eu tenho a minha coisa, você tem a sua, e quando nos encontramos é muito bom”. Eu gosto.

    No entanto, tu vê como “compromisso”; já eu, como “entrega”.

    Em virtude do meu jeito de viver essa forma de relação, sequer cogito ouvir um “perdi tempo contigo” ou “você me iludiu”, haja vista que jamais usarei alguém apenas para suprir meus prazeres momentâneos ignorando as emoções e, quem sabe, sentimentos alheios e até mesmo os meus.

    Não me arrependo de um instante sequer dessa nossa relação indefinida e, confesso, naquela noite, ouvir-te dizer que “perdeu tempo” comigo me decepcionou. Nem mesmo soube como lhe responder, ouvi sua frase ecoar em face ao meu silêncio. Não por escolha minha, naquela altura do campeonato, esse teu sussurro manso foi como se me desse cianeto enquanto eu imaginava experimentar um vinho branco suave. Suas reais intenções camufladas. Fiquei sem fala. Nunca me viu apenas como amiga? Nem mesmo no início?

    Pois bem.

    Como se não bastasse, curiosamente, sinto e vejo que sou eu quem vai até você. Não como se apenas eu te procurasse, como denota-se ao olhar alheio; mas, digo pelo fato de que a maioria das vezes que me chama para jogar conversa fora, eu vou. Porém, não há recíproca. Nos encontramos quando diz querer me ver e que está com “saudades”, afinal, difícil é eu não estar disposta a te encontrar. Logo, por que eu não iria? Não sou do tipo que costuma passar vontades.

    Além do mais, assim como eu, tu gosta da simplicidade. Curte caminhar pelo bairro de madrugada, ouvir música abraçado no banco da praça, conversar na calçada. Saímos, da forma que eu propus, uma única vez, planejávamos ir ao teatro, acabamos nos atrasando e passamos a noite mais gostosa de todas no Centro da cidade. Lembro do gosto da garoa, das cores vibrantes, da ventania que assanhava o meu cabelo e da maciez do brownie com castanhas.

    Esse dia foi a “exceção”. Não sei o porquê, mas as poucas vezes que te convidei para sair, não rolou e acabei por me divertir com outras pessoas. Por um tempo insisti em te fazer primeira e melhor opção, como sei que já fui a sua. Mas, quando você não se esquivava do meu convite, me dizia um “não sei”, outrora chegou a ignorar mudando descaradamente o assunto. Não foram uma ou duas vezes. Cansei.

    Ansiava conhecer lugares junto a ti, a fantasia de ter memórias em comum para recordar quando a esses tornássemos me encantava. Acho tão gostoso. Uma pena o verbo estar no passado, “fazia”. Não costumo implorar, decidi por não mais convidar; mas, ainda assim; esperava por um convite seu.

    Até hoje, não aconteceu. Já não espero.

    É ainda mais curioso que você sempre sai com seus demais amigos e adora compartilhar cada minuto virtualmente. Confesso, não me atrai nem um pouco a ideia de escancarar a vida dessa forma, não uso às redes sociais com esse intuito.

    Não me é nem um pouco importante tu expor aos outros que somos alguma coisa, é um lance nosso, uma troca entre a gente. Por outro lado, eu fazia imensa questão em sair contigo. Estranho, não é? Um “amigo” praticamente suplicar algo assim.

    Eu negava para mim mesma que você nunca quis a minha amizade. Somente eu a enxergava. Confesso, quando me dei conta, me atingiu de uma maneira nada bacana. Os dias de tempestade deixaram isso bem claro.

    Eu acreditei que você seria diferente e acabei, mais uma vez, fazendo algo que detestava, generalizações: “ele é um otário como todos os outros”.

    No entanto, nada soou mais cortante do que sua súbita fala — naquele dia da ruptura — de que, para ti, as minhas ideias me deixam menos atraente.

    Não foi especificamente o que dissestes, mas o momento em conjunto com ao que você se referiu. Apesar da sua tentativa de romantizar a frase “você é muito chata com algumas coisas. coisas que não tem necessidade de pensar e agir da forma que você faz. isso acaba tirando o brilho que eu tenho nos olhos quando olho pra você”, foi perceptível o intuito de adocicar a mensagem amarga.

    Impossível mensurar o quão me senti mal; mais difícil ainda é indicar com propriedade o que senti, indecifrável. Passei a noite revendo cada fala e atitude minha para contigo, martirizando-me. Fiquei imersa em devaneios. Acreditando que exagero em algumas coisas, que meus valores e crenças me fazem pensar demais antes de agir e, por isso, me impedem de vivenciar e aproveitar algumas situações, cogitei rever todos os meus conceitos e mudar radicalmente quem sou hoje.

    Mas, mudar por quê? Tenho horror a ideia de mudar simplesmente para agradar o outro e acabar me tornando quem deseja que eu seja, uma versão pirata de mim mesma. Jamais irei me sujeitar a algo assim, vendo-me cada vez mais distante de quem realmente sou, cada vez menos parecida comigo.

    Como aquela frase da Clarice “sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre”, tenho que mudar quando eu perceber sentido na mudança, quando for da minha vontade e não quando apontarem o dedo na minha cara alegando que o meu eu se faz cada vez menos cativante.

    Porém, ainda assim, de modo algum abandono o fato de que, em virtude desse meu jeito peculiar de ver, pensar e conceituar as coisas, acabo por cobrar demais dos outros; claro, preciso mudar isso com urgência, aliás, agradeço pelo alerta. Somos uma constante metamorfose, estamos, felizmente, sujeitos à mudança e eu a venero quando é espontânea.

    Sinceramente, creio que isso não deveria ser causador de conflitos. Ao menos, não nesse nível. Não deveria ser algo visto como negativo, pois evidente que não é. Eu voo e isso te assombra, já percebi. Detesta quando me imponho e escancaradamente discordo de você. É ridículo.

    No mais, trata-se de uma questão de lidar com as pessoas, elas têm pontos de vista e veem as coisas de forma distintas. Somos diferentes. Talvez uma coisa que é super importante e valorosa para ti, para mim já tanto faz. Nem por isso irei alegar que a sua pessoa se torna menos cativante ou atraente, ao meu ver, por causa do seu jeito de enfrentar e enxergar as coisas; chegando a encarar com desdém e ridicularizar seus ideais e ideias; pois, é a sua forma de lidar com a situação e eu respeito, apesar de não entendê-la. Independente de eu não pensar da sua maneira, irei tentar compreender, mesmo que ainda assim não aceite ou concorde, é nesse manejo.

    Adoraria que desde as nossas minimas às titânicas divergências rendessem longas conversas, risadas e reflexões, jamais embates. Com certeza, uma bate-papo assim poderia gerar ótimos frutos, como, por exemplo, vontade de mudança. É para que possamos conviver sem acabar por abandonar os nossos pensamentos ou aos poucos moldarmos o outro ao nosso gosto, mesmo que inconscientemente.

    Antes da ruptura, eu gostava de quem acreditei que você era e realmente estava curtindo mesmo o que acontecia.

    Concordo contigo quando uma vez disse que eu não deveria tumultuar e simplesmente deixar as coisas acontecerem. Além disso, conforme já havíamos exposto, nenhum de nós cogitava algo mais sério naquele “agora”. Aliás, ainda naquele estágio, sequer fazia sentido. Mas, deixaríamos as coisas acontecerem até onde?

    Não o único, mas o principal motivo de concluir que isto não valeria a pena, pois me renderia decepção, consiste naquela sua afirmação, que proferiu de um instante a outro sem mais nem menos, me deixando até mesmo sem graça por falar algo assim enquanto eu nunca havia proferido nada nesse sentido. “eu não quero algo sério. só vou ter algo sério mesmo quando eu amar alguém. gostar, eu gosto de você. Mas, o nosso ‘elo’ não significa algo a mais que desejo”.

    Agora, depois que enfrentei a ruptura, você chove e retorna agindo como se todas essas coisas não tivessem acontecido. Jogando fora as partes negativas — que demorei a perceber — e supervalorizando o altos.

    Como ousa me fazer tal proposta? Além de não ser o que desejo, o que me satisfaz, ela é tardia.

    Mediante tudo que expus, como acha que posso mergulhar nesta? Ter esse tipo de envolvimento com um cara que sequer cogita a ideia de ter um laço mais forte comigo.

    As coisas são tão inconstantes e voláteis, tu alega com convicção que não quer desde já, é bem diferente de não querer agora. Não curto criar expectativas e idealizar projeções, mas, não descarto qualquer hipótese, em meio ao emaranhado de fatores alheios a nós, é um tiro no escuro fazer convicções quanto ao futuro. Devemos vê-lo como uma ponta solta. Um leque de possibilidades.

    Sabe o que parece? Que tu acredita veementemente naquela ideia da conhecida frase “se é pra ser, será” e atrela aos astros, destino ou ao universo a íntegra responsabilidade para a união das pessoas. Chega a ser cômico, já que tu zombava a mim por acreditar no destino e em “sincronicidade”.

    No entanto, até mesmo eu tenho ciência de que independente de tudo, somos nós, seu idiota, que escolhemos ficar juntos. O universo jamais irá impor algo assim, uma vez que isso depende também da nossa vontade. Ele pode viabilizar; mas a decisão é unipessoal, já que está condicionada ao nosso querer.

    Para alguém que aparentemente leva tal frase como um mantra, se contradiz ao alegar com seriedade (não somente uma vez) que não quer, nem imagina e trata como “improvável” uma relação mais intensa e intrínseca comigo. Um perfeito contraste com a minha maneira.

    Cara, eu não sou idiota. Não importa o quanto, agora, exponha coisas como “eu estava cego” e coisas assim. Faz um exercício, compara suas atitudes e as coisas ditas na ruptura com a sua proposta de agora. Sua contradição é torturante.

    Como se não bastasse, essa coisa toda. Esse “meio-termo” que existia e até mesmo esse novo “tentar” que me propõe não me agrada. Acredito que essa estranha relação chegou numa proporção que não dá mais pra “ficar”.

    Isso sem contar que não foram um ou dois conhecidos que me questionaram sobre o que rolava entre a gente; provavelmente por estarmos vez ou outra juntos. Sequer sei como surgiu mas já nos viram até como “parceiros”, até minha família já pôs isso em xeque.

    Outras pessoas veem algo que não existe e não existirá. Você, por vez, tem a audácia — depois de tudo — em me propor nova relação indefinida; enquanto eu estou fadigada com essa coisa toda.

    Cumpre esclarecer que em hipótese alguma me importo com o que as pessoas com as quais não detenho vínculo afetivo falem ou pensem ao meu respeito. Juro.

    No entanto, quando os rumores sobre “estarmos juntos” começaram, mencionei contigo e me disseste para não dar atenção e caso tornassem a questionar-me a respeito, deveria afirmar e dizer “e daí?”. Logo, o assunto se espalhava entre conhecidos, que ainda insistiam em me interrogar, e eu já não sentia mais necessidade de comentar com você. Pois, diferente do que me pediu, eu simplesmente negava; vez ou outra ignorava (nossa relação que a época se moldava não detinha sequer traços de definição).

    Porém, quando foi a sua vez, quando alguém do seu círculo de amigos citou o meu nome e colocou “companheira” na frase, imediatamente descartou o pensamento anterior. O fato de você me interrogar para aferir se eu estava “falando algo”, mostrou que você se importa e muito. Ao cogitar que eu teria dito ou criado uma relação que não existia, deixou isso ainda mais saliente.

    A primeira coisa que me veio à mente foi “Mas que tipo de pergunta idiota é essa?”. Por qual razão, motivo ou circunstância eu faria algo do tipo? Poxa, não tenho mais 12 anos. Não exitei, não fico calada, tu sabes que quando algo não me agrada falo imediatamente e espero compreensão e empatia para que não se repita.

    Eu me senti imunda. Você agiu de maneira desprezível. Eu te detestei com força naquele momento. Até mesmo gargalhei incrédula. Você deveria ter levado aquilo como um elogio. Deveria ser razão até mesmo para se engrandecer.

    No mesmo instante lhe disse como me senti e as coisas que pensei a seu respeito. Está enganado se imagina que ao me cortar (de qualquer forma) eu irei ficar calada e aguentar a ofensa sem jogar na sua cara a atitude desprezível. Jamais terei receio em dizer com todas palavras o que me causou por temer como irá se sentir. Pois, se ao falar e/ou agir tu não foi capaz de pensar em mim para evitar me magoar, por qual razão eu não poderia fazer o mesmo justamente por pensar em mim mesma?

    É como a seguinte frase: “cuidado com aquilo que você tolera, pois você está ensinando como as pessoas devem te tratar”. E, definitivamente, eu não mereço ser tratada assim.

    Enfatizei ainda que detesto a ideia de estar com alguém que pretende tudo as escondidas. Como posso conviver com alguém que sente receio e atribui importância às conclusões precipitadas de terceiros a nosso respeito? Espero que esse seu temor não tenha nada a ver com a minha pessoa, pelo meu eu, por quem sou. Aliás, se pesarosamente for, não faz ideia do tamanho do meu repúdio. Me faz ter ânsia de vômito só em pensar algo tão esdrúxulo.

    Incrível como você consegue ser antagônico! Não apenas em noites frias e quentes, mas até mesmo sob a chuva, instante não só caminhava de mãos dadas comigo, como também abraçava e beijava-me, na frente de todos e quando eu alegava timidez, ao perceber olhares curiosos, tu me dizia “jamais me importaria de me verem com você. aliás, deveria fazer o mesmo”; num outro triz, retrata o oposto.

    Apesar de se esquivar das minhas escusas, alegando não ser por causa da minha pessoa o seu aborrecimento com o episódio, isso não importa, não muda os fatos. Por uma questão lógica, é óbvio, se você se incomoda, é claro que irei me incomodar. Além do mais, entre nós, seria devaneio aspirar o meu jeito de “ficar” ou uma trégua, posto que seus pareceres e cobiças revelam-se flutuantes. Ambíguos. Inconstantes.

    Você não sabe o que quer, desde aquele rompante, até então, demonstrou instante arrependimento da decisão, depois querer manter a amizade, posteriormente ansiar a metamorfose e logo em seguida voltou atrás elencando a manutenção do “meio-termo”; é uma tortura.

    Além do mais, não pode simplesmente hora “estar afim” e outrora não, acreditando e esperando que vou adentrar nessa de sempre estar à sua disposição e me submeter à um naufrágio.

    Quando você me chama, eu vou; mas, quando eu te chamo, você não vem. Faz-me sentir alguém que apenas convém, quem intima quando está entediado ou não há nada melhor para fazer, ou seja, o conhecido “tanto faz”. Não gosto. Não me cativa.

    Não sou hipócrita a ponto de descartar os motivos que você expôs (depois que muito insisti) que embasaram o seu primeiro posicionamento, me fez pensar que “o que eu te dei foi muito pouco ou quase nada”, como canta Nando Reis. É justamente o contrário, compreendi totalmente e te expliquei sobre não saber lidar com “meios-termos”. E foi o que te levou a propor definirmos a situação, mas, se é pra mudar e eu me sentir daquela maneira, não vale a pena.

    Me abri e tentei ser o mais clara possível sobre o meu modo de levar esse tipo de envolvimento, com o intuito de te fazer também perceber que vemos e lidamos de forma discrepante, principalmente ao reconhecer que estavas fazendo confusão ao não entender as razões pelas quais da sua maneira para mim esse “lance” não seria possível. Afinal, pretendia com isso o surgimento de um pacto, pautado na conciliação. Não foi novidade isso partir de mim, era de se esperar, prezo pelo diálogo sincero, não lêmos mentes.

    Pena que após fazê-lo, tu apenas disse “entendi”, nem mais, nem menos. Posteriormente, ousou tornar no assunto e fazer breves comentários discordando de alguns pontos sem profundas explicações. Fui paciente e respondi às suas contestações e sou grata por ter me ouvido, realmente disposto a compreender.

    Porém, chegou um instante em que me senti tola, era evidente a minha intenção com aquela conversa. Mas, era evidente também que tu não estava disposto a ceder, seria do seu jeito ou não seria nada.

    Deduzi à medida que ficava silente perante as minhas perguntas; embora me ouvisse, pouco falava; ao indicar as divergências entre as nossas maneiras e os motivos pelos quais sua proposta como cláusula pétrea para mim não fluiria (explicitei as possíveis consequências), fez-me pergunta sobre outro mérito, desviando sutilmente o assunto; ao apontar como me senti perante algumas falas e atitudes suas (sujeitando-me à alegações precipitadas), disse somente uma vez “não quis transparecer isso” e não fez objeções quanto às demais.

    Sim, me senti tola, como se fosse a única a desejar a sanar os vícios e pormenorizar os erros do nosso vinculo.

    Nas últimas semanas, tivemos a mesma conversa inúmeras vezes, até mesmo após diálogos curtos, me deparava retomando o mesmo assunto todos os momentos que você interrogava uma fala ou atitude minha, apontando que estou agindo diferente.

    Inacreditável você portar-se como se nada tivesse acontecido, pior, permanecendo com as mesmas falhas que me deixam cada vez menos seduzida pela proposta que me fez. Não sei como teve coragem, mas, ainda ousou em cobrar reciprocidade de mim, no seu lugar, eu teria vergonha.

    Incrível você não perceber que minhas ações são reflexos das suas, precisando da minha indicação de um por um dos fatos que embasaram minhas conclusões e meu novo modo de agir. Sou espelho. Francamente, é exaustivo precisar te lembrar de tudo que já expus. É cansativo e detesto ser repetitiva.

    Além do mais, tenho a sensação de que falo em vão, já que ao responder sua acusação, creio que por não ter o que dizer e, por via, concordar com o meu parecer, responde “okay”. Tivemos uma série de conversas que não nos levaram a nada, tudo permanece conturbado.

    Em virtude não só disso, mas também de tudo que apontei antes e principalmente por constatar que não chegaremos à concórdia, já não faz sentido prolongar. Aliás, confesso, acaba por ser uma pressão torturante em cima de mim. O que eu quero? Não, mas o que devo fazer e lhe peço é para continuarmos com nossa amizade numa boa. just it. Não é a primeira vez que te peço isso, sinceramente, ensejo que dessa vez respeite e não finja que nada falei ou decidi. Torço para que entenda.

    Francamente, não sei se estou pondo uma espécie de ponto final em algo que nem sei se começou. Infelizmente, nem tudo que envolve outro alguém pode ser do nosso jeito, ambos precisam estar dispostos a ceder e não apenas um; soa terrivelmente como manipulação ou submissão, me estremece.

    Delírio? Jamais. Ainda assim, seja lá o que for que eu esteja fazendo, agora, faço com imenso pesar. Juro que almejava algo integralmente diferente, ansiava imensuravelmente mais. Não é porque tu tomou decisões e agiu de modo que me desagradaram que passo a te odiar ou repudiar; mas, por outro lado, não sou ingênua ou otária a ponto de ignorar ou esquecer que pisou na bola comigo me proporcionando dias de inquietação emocional e psicológica.

    Justamente por tal, faço questão que tome conhecimento disso e não tenho ressentimento algum em frisar este fato caso torne ao assunto. Aliás, também sei que vez ou outra tomei atitudes que te chatearam, apesar de você preferir ficar silente na maioria das vezes.

    Sinta-se a vontade para desabafar comigo a respeito, podem haver coisas das quais não me dei conta e não pude me desculpar ou explicar, assim como muito do que escancarei aqui pode sequer ter sido alvo de sua percepção.

    Vale ressaltar, expus parte da minha percepção sobre a nossa crônica. Exibi, latentemente, meramente os fatores que me chatearam e embasaram minha escolha.

    Sei que muitas vezes minhas falas podem parecer incompreensíveis. Não sei como me salvar do caos em minha mente. Esta foi a minha versão da verdade, como captei a realidade. Qual é a sua? Não sou a dona da razão, ninguém é. Não descarto a possibilidade de estar equivocada quanto uma minúcia ou outra. Adoraria um retorno seu. Não sinta-se obrigado, a nada. No entanto, é certo, mesmo que eu não queira, levarei o silêncio como anuência às minhas conclusões e decisões.

    Eu nāo queria que esse fosse o nosso Agora.

    Ps. Me desculpa por sempre me prolongar, sei que é um porre. Não consigo evitar.


    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2019]

    @janacoutoj

  • [Cartas] SÚPLICA

    [Cartas] SÚPLICA

    Desde abril os meus dias estão sendo insanos.

    Passei dias consideráveis matutando a estação. Sobretudo, imersa na gana de “voltar a ser quem fui”.

    Foi a estação em que me desmanchei. Acredito que foi a primeira vez que me desfiz. Sempre soube que se trataria de um longo processo de conhecimento, questionamentos e encontro do meu “eu”. Só não fazia ideia do quanto longínquo e invasivo poderia ser.

    Na realidade, ainda enfrento todo esse caos. Busco paz e calmaria no meu exterior na fútil tentativa de amenizar toda a perturbação que vigora no meu interior.

    Foram dias que correram, a primavera chegou e o meu pensamento ainda sente os dias quentes e ensolarados do verão. Eu estagnei no tempo. Vivi um dia de cada vez e o tempo escorre por entre as minhas mãos.

    Todo esse processo de desconstrução é doloroso, me vejo descartando todas as minhas certezas, verdades e convicções anteriores. Já não me resta mais nada.

    Constateio quanto tudo é necessariamente volátil. Me deparei descartando o meu crer e muitas coisas que supervalorizanva. Não bastasse, sopesando valores e principois, eis que em muitas situações estavam em confronto uns com os outros. Foi árduo constatar que não ha como ser estática e se posicionar sempre da mesmissima forma. Me senti, nestes instantes, traindo a mim mesma. 

    No princípio de tudo, quando soube que dias de ainda mais inquietação emocional e psicológica viriam, pensei comigo mesma “Estou pronta, preparada. Aguento.”. Eu fui derrubada na primeira onda.

    O Universo ouviu as minhas preces. “Se é verdade que o tempo sana tudo, Deus, como eu anseio que ele passe”. O tempo escorre e mais uma falsa convicção cedeu. Afinal, a ferida já não sangra, mas as cicatrizes permanecem, vívidas e ainda sinto a minha pele arder até mesmo com o toque mais sutil.

    Já não sei o que fazer, por onde começar, tão menos se estou no “caminho certo”. Aliás, já nem sei mais se existe isso de “o caminho certo”. Só espero com veemência que os frutos, resultado ou seja lá o que for que todo esse transcurso de tempo irá me suscitar, não seja vão. Outrossim, sequer sei se há como algo ser completamente vão.

    Estou perdida e quero me encontrar, se trata disso. Não faço ideia alguma de como restaurar, juntar ou modelar cada um dos meus pedaços. Arrematar as minhas frestas. Não raramente, fico presa no mesmo questionamento “O que será de mim?”.

    A única coisa que reconheço é o meu nome, nem mesmo a minha própria idade eu posso afirmar com convicção, afinal, não se tornou incomum não me identificar com os vinte e tantos anos. A cada uma das mudanças de coloração até o finalmente cair das folhas, aquela velha mania se fez ainda mais presente. Houveram dias em que me vi com 12, 16, 20 e até mesmo com 40 anos.

    Em muitos instantes, me vi e me senti “mulher’, nos exatos termos da palavra. Por sua vez, outros dias tudo o que desejei foi um abraço apertado, um beijo no rosto e alguém que me preparasse um chocolate quente ao me dizer mansamente para não temer os trovões.

    Ao decorrer dessa metamorfose, confesso, alguns dias foram gostosos. Principalmente, aqueles em que me vi mulher. Não só me vesti de acordo, colocando roupas que valorizassem o meu corpo e me doando numa maquiagem com potencial para fazer me sentir ainda mais sensual… eu literalmente incorporei a personagem. Não faz ideia do prazer que é se vê atraente, inteligente, matura, sedutora, dona de si e dotada de uma satisfação desmedida com o seu “eu”.

    Nesses dias, saí na noite vazia e apreciei a minha companhia. Sozinha, vislumbrei a grandeza do meu eu invadir o mormaço de cada uma daquelas noites. Sou grata a estes momentos. Grata a mim mesma por transbordar e me proporcionar sensações incríveis, sendo eu mesma o motim. Aliás, acredito que as garrafas de vinho tenham ajudando a intensificar cada segundo.

    Foram sobretudo no decorrer dessas noites que frases e sensações efêmeras me invadiam quando o meu sentir caia nos dias que correram. E eu dizia a mim mesma alto e em bom tom “Como você pode convidar alguém a entrar no seu mundo e deixá-lo fazer essa balbúrdia? Esses e tantos outros pensamentos cortantes me fizeram reconhecer a razão pela qual uma das facetas a ser tratada nessa árdua transição não havia tido sequer uma minúcia de organização. Tudo permanecia exatamente da mesmíssima forma.

    Toda e qualquer coisa em remetia e ele e todos os espaços que ele outrora preencheu permaneciam com lacunas ou ainda com resquícios de confusão. Como pude ser tão tola? Todo esse tempo esperando que ele viesse preencher os espaços ou ao menos organizar a bagunça, quando na realidade ele só não viria, como também aquilo competia a mim. Eu mesma e mais ninguém.

    Vivi dias consideráveis com essa gana. Vivi um dia de cada vez. Não me privei de chorar, gritar, questionar. As minhas emoções ficaram à flor da pele e eu me rendi a elas. Mergulhei em cada uma delas. No entanto, o meu pensar estava preso no verão. Não me dissociei do passado e o meu agir foi pautado em dias que já deviam estar empoeirados.

    Os dias correram, vivi um de cada vez, mas sou incapaz de afirmar que não tenha tido frenesis do verão. Sempre acreditei que estagnar algo no tempo seria belo, no entanto, consiste em mais uma das minhas falsas certezas que foram nesses dias desmistificadas.

    É um imenso pesar assumir que, apesar de tudo, ainda estou presa ao passado. Isso explica o tempo escorrer. VIvi os meus dias olhando para os alvoreceres findos. Acredito que daí surja a sensação de que estou perdendo algo. Convivo com essa percepção e tenho uma desconfiança medonha, sobretudo, um temor em estar certa, de que a minha perca se trate do “hoje”.

    Sim. A desconstrução é tenebrosa. Por constatar cada detalhe que futilmente passei tempo demais desejando “voltar a ser quem era”. Implorando para voltar a ser quem fui antes da ruptura, do caos… antes dele.

    Sempre tratou-se de um raciocínio simples para constatar a impossibilidade que essa frase elucida por si só. Como posso voltar a ser a mesma pessoa que fui nas estações passadas se estamos em constante mutação? Se as experiências que tivemos constrói e molda quem somos? Não tenho como apagar o passado, tão menos me dissociar dele. Aliás, vivi coisa inesquecíveis, desde as mais bonitas às mais incisivas.

    Outrossim, foi um amor repleto de primeiras vezes. Primeiras vezes não se repetem. Aquele verão faz parte da minha história. Seus reflexos e feixes esculpem o meu agora. Sou incapaz de voltar a ser quem fui principalmente antes do naufrágio, o princípio de tudo.

    Aliás, outro ponto ainda mais óbvio é o fato de que a minha rotina, os meus gostos, as minhas experiências, preferências e anseios eram outros. No decorrer do nosso contato, experimentei/provei coisas novas. Em razão de tanto, minhas preocupações e olhares voltaram-se para trechos e formas que antes passavam por mim despercebidos e não tinham qualquer importância. Digo isso, sobretudo, quanto a mãos, corpos, bocas, jeitos e perfumes. Hoje, já não deixo de repará-los, é inevitável, ganharam minha atenção e não há nada que possa ser feito.

    São coisas infindas. Posso pormenorizar cada um dos motivos pelos quais não tenho como voltar a ser quem fui e sim simplesmente me “renovar”. Renovar… acredito que essa palavra faça mais sentido.

    Porém, apesar dos pesares, posso dizer francamente que jamais irei te perdoar por ir embora levando aquele meu encanto. Eu gostava tanto dele e não faz ideia do quanto sinto saudades. Me desconstruí para me renovar, para caçar o meu encanto que está dormindo em algum cantinho, e esse processo é a coisa mais insana que havia enfrentado desde então.

    Já não sei o que quero, quem sou. Desconstruí não só as minhas verdades, como também todas as minhas percepções de mim mesma. Já nem sei a razão de mais nada. Me doo para inúmeras coisas e já nem sei o porquê, tão menos se o que desejo para o amanhã faz jus e depende dela. Não sei o que merece minha doação. Nem sei se a minha entrega é o bastante, fico presa na linha tênue entre o “eu me cobro demais” e o “eu não me dedico o suficiente”.

    Tratando-se de uma vertente ainda mais intrínseca, descobri que fiz muita das coisas que outrora havia dito “jamais” e que também agi de maneiras que hoje me surpreendem me causando tamanha admiração. Refiz meus passos, vi com distância meus posicionamentos, falas, jeitos e andados… hoje, muitas vezes acatei e compreendi a verdade do outro lado.

    A grande questão é que agora habitam nove pessoas em mim. E não me refiro a cada uma das versões de mim mesma. Não são facetas de um mesmo eu. São nove mulheres com gostos, valores, desejos, verdades, tesão, posicionamentos e anseios distintos. Aliás, não raramente, estão em confronto uma com as outras. Já não me é novidade o “eu contra si mesmo”. Me vejo o “sim” e o “não” na mesma pessoa. É surreal.

    Obrigada por me mostrar, da pior forma, que o trono do meu reino pertence a mim. Devo desculpas a mim mesma por ter delegado a ti todo o poder de sustento do meu “eu”. Jamais devia ter lhe dado o aval para imperar. Não serei injusta, você não foi um tirano.

    Ainda assim, sou realmente agradecida pelos dias, momentos e segundos que me cuidou. Não sou hipócrita e nem serei ingrata, foi uma delícia enquanto a sua intenção era me cuidar e ficar.

    Você chegou, assumiu o trono e transformou todo o meu eu. Uma pena que tenha ido embora e me devolvido o império após tê-lo usado de tal forma a ponto deixá-lo devastado. Me devastou de tal modo que após a sua partida não mais me reconheci e torci fervorosamente para voltar a ser quem fui antes de você me aparecer. Antes de eu me apaixonar e fazer teu o meu corpo, o meu sentir e o meu eu.

    Travo uma batalha para me refazer. A desconstrução não foi uma escolha, foi crucial. Afinal, após o caos, me vi uma versão pirata de mim mesma.

    Porém, de mansinho, ainda que lentamente, estou lidando… outros dias, confesso, suportando. Estou deixando para trás as migalhas do meu sentimento por você que há muito tempo foi esfarelado. Sobretudo, felizmente, me encontrando, conhecendo esse meu novo “eu” e lidando com as mulheres que em mim habitam. Após infindas transformações, Cosendo cada uma das minhas frestas. Ainda bem.

    Estou cada vez mais próxima de ocupar o meu trono. No final das contas, essa é a única coisa que eu te peço, imploro… suplico, por favor, não volte. Nunca mais.

    Janaina Couto ©
    Publicado — 2020

    @janacoutoj

  • [Conto] ESCOLHA

    Então eu contei 1,2,3… suspirei. E sai dali. Passei por aquela porta. Definitivamente eu nunca mais voltaria àquele lugar. Nunca. Difícil descrever o que senti, uma espécie de raiva com uma mistura de desabafo e alívio. Por incrível que seja, eu chorei. Sim, chorei! Mas, dessa vez foi de alegria, êxtase, prazer. Liberdade. Realmente me vi liberta. Aquilo tudo me sufocava, aos poucos, lentamente, cada vez mais. Eu o amava, porém já não gostava mais dele. Não dava mais.

    Eu iria seguir a minha vida, os meus sonhos. Não mais o teria me impedindo de ir em busca das minhas conquistas. Sempre de um modo sutil, ele enfiava na minha boca um “você não pode me deixar. precisa de mim. não suporta nada sem mim. eu estou aqui por você, para te proteger e nada mais importa desde que fiquemos juntos”, literalmente enfiava garganta abaixo, já que eu o ouvia tanto dizer aquilo que acabava por internalizar e reproduzir a mim mesma a velha frase. Como se fosse um mantra. A mesma cena se repetia todas as vezes que lhe contava os meus planos. Não mais ouviria um “não vai. fica comigo, você pode deixar isso para depois. não vai conseguir sozinha” me fazendo sentir-se tão tola só de pensar em deixá-lo, afinal, ele me amava. Realmente uma tola. Fui tola em colocá-lo acima das minhas vontades.

    É sobretudo cortante, sei que ele gosta de mim absurdamente. Sinto isso. Acredito que justamente por saber disso que sempre acatei cada frase. Pela mesma razão eu sentia culpa, afinal, como eu poderia planejar algo que ele não estivesse incluso, fazendo uma escolha só minha sobre mim? Eu me sentia má, pois ele fazia parecer que o meu gostar era ínfimo perto do dele, sempre dizendo que largaria qualquer coisa por mim e para estar comigo, pois a minha companhia já o bastava e não teria nada mais a conquistar ou desejar. Confesso, me assustava, como poderia fazer de mim um mundo?

    No entanto, ele não percebia que aos poucos ele não desejava estar comigo, mas me ter; e isso são coisas bem distintas. Com o decorrer do tempo, ele se importava até mesmo quando as músicas que eu ouvia, os meus posts e até mesmo com os meus textos não falavam dele, mas apenas de mim; segundo ele, eu não “demonstrava” estar com ele. Outro dia, eu apaguei uma foto minha que havia postado logo após ter enviado para ele, pois, segundo ele, eu com isso eu jogava fora o fato da “foto ter sido tirada especialmente para ele e mais ninguém”.

    Sim, ele queria estar comigo. Mas, ele possuía medo de me perder. Acredito que por tal razão insistia para que eu demonstrasse de forma visual estar com ele; isso significava incluí-lo em tudo. Pela mesma razão, me afastava dos meus sonhos… tinha pavor quando eu dizia que gostaria de morar em Arraial do Cabo, pois ele disse que jamais abandonaria São Paulo; ficava triste quando contava com vontade sobre a graduação, segundo ele, eu encontraria pessoas mais interessantes, a minha cabeça ficaria cheia e eu o abandonaria. Nunca era o momento para eu desejar ou pensar em fazer algo, a menos que ele estivesse incluído e fosse da vontade dele.

    Como um cara pode tentar te afastar dos seus sonhos, das suas conquistas, da sua independência, só para estar ao seu lado?! E ainda tentar justificar esse absurdo com o esdrúxulo argumento de que é por “amor”? Via meus sonhos sempre adiados, afinal, eu ainda queria estar com ele, queria tanto ter os dois. Tudo o que mais desejava era poder pensar num futuro em que eu conquistasse o mundo e ele estivesse ali, comigo, me apoiando.

    Ele me pedia tanto, chegava a chorar implorando, se declarava e depois surgia outro velho argumento “vamos aproveitar o agora, você pode fazer isso depois”, eu questionava, discutiamos. Mas, ao final, a culpa sempre era do “amor”. Estava insustentável, não suportava mais o duelo entre o amor e os meu desejos.

    Se enquanto eu apenas cogitava as coisas, sendo os meus desejos ainda abstratos e, por isso, distantes, ele agia dessa forma…. Sempre tive receio em pensar no depois… Sempre me questionei como ele iria reagir quando eu fizesse definitivamente algo, quando abandonasse a inércia e corresse atrás de seja lá o que fosse que me desse vontade.

    Poxa, em nenhum momento ele disse “eu vou com você!”. Não! Não, não. Ele não disse! Nunca! Apenas me impedia, me desviava. Pois é, eu era fraca. Era.

    Apesar dessa situação horrível, ainda assim, tivemos momentos incríveis, com o seu lado que amava. Foi duro. Eu o deixei e talvez tenha “perdido” um cara que realmente me “amou”. No entanto, foi para o meu próprio bem e até mesmo para o dele. Poxa, eu não sou o céu de ninguém. Acredito que foi melhor assim. Quando olhar para trás, quero lembrar dele como uma bela melodia que acaba sem mais nem menos, enquanto ainda ouvimos os primórdios da melancolia ela chega ao seu fim e ficamos com a sensação de que haveria um depois. Prefiro uma melodia “interrompida” do que a ouvi-la por inteiro e ser destruída pela melancolia.

    Liberdade. Agora terei liberdade para viajar, estudar… planejar como tocar a minha vida. Farei tudo sem ressentimentos.

    Foi incrível a variedade de pensamentos - altos e baixos -, bem como o turbilhão de emoções que permeavam o meu corpo naquele momento, naqueles microsegundos em que peguei a maçaneta e simplesmente sai por aquela porta. Jamais esquecerei os meus 20 segundos de euforia ao fechá-la.

    Eu morava há cerca de 4 quarteirões dali, enquanto caminhava, chorei e saltitei agradecida a mim mesma. Confesso que Isso durou pouco. Até a hora que entrei casa. Meu irmão mais velho estava na sala com a namorada, enquanto o caçula montava um quebra cabeça. Meus pais não estavam. Aquela calmaria me mostrou que poderia subir as escadas, ir direto para o meu quarto e permanecer o resto do dia ali, sozinha. Não haveriam perguntas ou sequer indagações em relação ao que houve. Ao menos, não agora. Tudo que eu precisava era ouvir um indie e pensar no que havia acabado de fazer. Isso, “acabado”, essa é a palavra.

    Aos meus 17 anos eu o amava demais, além da conta. Jovem e uma vida inteira para fazer tudo o que me desse vontade, acertar e errar, desfazer e me refazer; mas nada atrapalhava tanto quanto esse “amor”. No momento, concluindo o colegial, os meus estudos eram prioridade, sempre foram, porém, infelizmente, o meu relacionamento estava atrapalhando, não somente, mas também, até mesmo os meus pequenos objetivos. Me vi obrigada a escolher entre ficar ao lado dele e jamais sentir-se realizada ou seguir o meu caminho e deixar para trás um cara incrível. Neste instante, a primeira coisa que me vem à mente é “Brooklyn Baby” da Lana Del Ray.

    Eu o deixei. Afinal, diferente dele, eu o amava o suficiente a ponto de deixá-lo, ao invés de enganar não só a ele, mas a mim, estando infeliz ao seu lado.

    Naquela noite eu desmoronei ouvindo todo o álbum de “Cigarettes After Sex”, não era tão fácil dizer adeus como pareceu naquela tarde. Tudo estava acabado. Mas, eu ainda tinha esperança, afinal, eu não iria embora para sempre. Voltaria depois da faculdade… se fosse amor, iria prevalecer, independente de tempo. E foi ao som de “Flower Face - Angela” que tive certeza de como o amava intensamente e ainda mais certeza da minha decisão. Não havia o que temer. A “saudade” iria passar, “solidão” sequer entrava no contexto - jamais estivera só - e “arrependimento” não condizia em nada.

    Não. Realmente não o teria deixado se não tivesse tido um empurrão. Jamais havia pensado em fazer algo assim, boba, incapaz de escolher. Ganhar a bolsa de estudos foi o estopim. A minha família ainda nem sabia. Óbvio, em hipótese alguma cogitaria não ir. Eu precisava resolver uma coisa. Foi naquele mesmo dia, mais cedo, assim que acordei, chequei meus emails e recebi a notícia que mudaria a minha vida, a porta para os meus sonhos.

    Fala sério, eu estava surtando. Após tanto esforço, eu havia conseguido! Eu sabia a grandiosidade do que significava essa aprovação. Eu estava em êxtase. Era a minha oportunidade e jamais abriria mão. Mal esperava a hora do jantar, estava ansiosa para ver a reação dos meus pais, ainda que já sabia o que esperar.

    Mas, e o Jhon? O primeiro a receber a notícia seria ele.

    Não pensei duas vezes. Escovei os dentes, lavei o rosto, fiz um coque, vesti o “uniforme de sempre” jeans, all-star e a velha camisa de algodão, desci as escadas cambaleando enquanto comia uma pêra e corri para a casa dele.

    Apesar de reconhecer que estava indo terminar a nossa história, não imaginava que ele não ficaria feliz com a minha conquista, que a desprezaria. Tudo bem que ele sabia o significado daquilo, porém, era o meu sonho e ele não foi capaz de ficar feliz por mim. Isso me magoou e me motivou a seguir com aquilo, me dando ainda mais convicção no discurso de adeus. Não entendia a sua forma de amar. Foi isso que me motivou a não olhar para trás ao fechar a porta.

    O dia havia começado com surpresas e emoções demais. Naquela noite, ouvindo “The Saxophones - If You're On The Water”, tudo o que mais desejava era que ele passasse, depressa.


    Janaina Couto ©
    Publicado — 2015

    @janacoutoj


    [PS. Não se trata de um relato pessoal. Mas, confesso que é um imenso pesar reconhecer que o meu texto foi lapidado sob um apanhado de relatos de pessoas queridas que estão ao meu entorno.
    Ainda que mesmo nas coisas mais sutis possamos constatar algo a se repudiar e imediatamente afastar-se, não raramente, horrivelmente, isso acontece apenas quando se tornam salientes.]

  • [Desabafo] CAOS

    A sensação de que há um “assunto pendente”, algo mal resolvido, me corrói. Fico atordoada pela ideia de que algo atrelado a mim ainda pode ser fruto de incômodo para outrem. Detesto imbróglios, questões mal resolvidas e situações mal interpretadas.

    Você sabia muito bem disso e foi justamente o que te levou a aceitar o meu convite. Tenho certeza de que reconheceu a minha gana, tornar nítidos os motins da ruptura. Sabia que eu não te chamaria para conversar, especialmente naquela data, sem mais nem menos.

    Havia passado dias consideráveis matutando aquele momento. Enquanto detalhava a mim mesma tudo o que deveria elucidar, acabei muita vezes me remetendo à tão planejada noite por “lucidez”.

    Independente do caminhar da nossa coisa, da ruptura, de toda a estação… naquela noite, eu havia planejado te esclarecer e pontuar o universo e o mundo. Sobretudo, para tornar evidente o que você pareceu não compreender quanto ao apagão da nossa cidade. Por respeito a você e ao que eu sentia.

    O meu intuito foi deixar nós dois às claras. A minha intenção era também te ouvir, depois de meses para se olhar com distância a nossa cidade. Pretendia aferir sua visão na tentativa de saber se ela ainda te fazia sentido, descobrir se o seu sentir ainda prevalecia. Sobretudo, esclarecer quanto ao meu sentir.

    Confesso, havia marcado o encontro visando resgatar o “nós” e não somente o “eu e você”. Fui até o Recanto pensando em retaliação. Retaliar o elo, resgatar o vínculo

    Felizmente, enquanto a noite ainda era de nitidez, sob a luz da lua, consegui fazer isso. Tudo saiu perfeito. Óbvio, não segui qualquer roteiro. Explanei o que senti que precisava. Falei tudo do fundo do coração. Chorei de uma forma desmedida. Chorei por amor. Justamente por isso, ainda me remeto ao inicio daquela noite por “lucidez”.

    Porém, sabe o que aconteceu?

    Bom, você sabe muito bem. Disso, eu não tenho duvidas. Tenho certeza que o inicio daquela noite foi incinerado em sua memória. Não te julgo se o epilogo final se tratar do que marcará pra sempre o seu 11 de Junho.

    De um instante a outro, tudo o que eu havia acabado de fazer se desmanchou. Enquanto sentia paz comigo mesma pelo pingos nos “i”s, enquanto o vigor preenchia a nossa cidade…. na travessia daquela rua, sob a luz daquele farol, nos deparamos com outro apagão.

    Mais uma vez o seu não confiar em mim metamorfoseou uma noite que eu tanto havia planejado, noite que escancarei com a maior pureza como a ruptura estava sendo dolorosa, na madrugada mais desagradável dos nossos dias.

    A ponta de esperança que brotara no início daquela noite, foi esfarelada. Naqueles minutos, constatei com pesar que diante de qualquer situação de desconforto, você agiria daquela maneira. Movido por um imediatismo cego. Nada mudaria.

    Com decepção, reconheci isso segundos antes do estopim. Exatamente quando me questionou e me impôs uma conduta. Justamente um dos pontos que abalava a nossa coisa não iria mudar. Aliás, exatamente o que eu havia acabado de apontar e desprezar — enquanto a noite ainda era de “lucidez”.

    Custava parar e pensar? Fazer, uma única vez, o que eu te pedia?

    Não bastasse, o que aconteceu depois só me provou que, independente de qualquer coisa, aquilo não só iria perdurar, como também — com o transcurso do tempo — ficaria ainda mais forte, incisivo e saliente de uma forma incrivelmente ruim.

    No mais, constatei que sempre teria de implorar para ser ouvida. Exatamente nada havia mudado desde a ruptura. Costumava falar muito para alguém que nunca esteve disposto a me ouvir.

    É duro afirmar que, ainda no caminhar da nossa coisa, eu percebia isso e dizia a ti e a mim mesma frases como: “não vou tentar provar mais nada”, “não vou me explicar mais, sei que de nada adianta”, “pense o que quiser, prometi não mais me justificar”, “eu não vou mais nada”.

    No entanto, a minha gana em contornar a situação e escancarar que aquilo tudo era em vão sempre foi maior que eu. Não Importava o quanto eu estivesse de saco cheio daquilo, sempre me vi descartando a minha afirmação e agindo da forma oposta. Me rastejando para ser ouvida. Na segunda parte daquela noite, não foi diferente.

    A situação foi tão esdrúxula que me vi tentando provar algo que eu sequer deveria. Eu sempre tinha que provar. Não bastasse, quando raramente era ouvida, a minha fala de nada adiantava, nunca foi valorada.

    Logo após a nitidez, em segundos, você agiu justamente da forma que eu havia acabado de repudiar. No entanto, ainda assim, foi diferente. Havia algo mais. Me deparei com um estranho e ele me causou medo.

    Você estava caminhando, novamente, para a escuridão da noite.

    Vi uma face sua que me deixou assustada. Não sei. Você é assim. É de você. Eu não sei explicar. Juro que, naquela noite, tive medo, pela sua expressão e pela sua forma de falar. Não sei se o seu agir foi motivado somente por aquela situação mal interpretada, acredito que foi mais um ponto.

    Sem razão para tanto, o que jamais deveria acontecer no suporte de qualquer amor, aconteceu. Exatamente aquilo que eu mais temia. Entre nós, perdeu-se o respeito e isso não sai da minha mente.

    No final das contas, a noite se desfechou com uma situação mal interpretada. Comigo, mais uma vez, me humilhando para ser ouvida. Implorando para alguém não me vê de uma forma que foge totalmente de quem sou. Implorando para não ser vista de uma forma que detestei. Argumentando para provar algo que eu não deveria precisar provar, a minha moralidade.

    Pedi desculpas antes antes mesmo de conversarmos para esclarecer o imbróglio que havia acabado de surgir. Pois, repentinamente caí em mim. Recordei o caminhar da nossa coisa, em como pequenas situações eram transformadas em grotescos problemas; como pensamos, vemos, agimos e valorizamos tudo de uma forma incrivelmente distinta.

    Olhei o entorno da nossa cidade, de um instante a outro, me arrepiei dos pés à nuca. O eclipse chegara. Senti que trinta dias de noite se aproximavam. O exato momento que aferi, com imenso pesar, como equivocadamente você havia interpretado. No exato segundo em que você mudou todo seu espectro, constatei de imediato. Os seus traço, o olhar, a fala e o teu jeito enfatizavam.

    Pressenti que agiria da mesmíssima forma que eu, aos prantos, enquanto a noite ainda era de “nitidez”, havia acabado de menosprezar. Percebi que não estaria disposto a me ouvir e “concretizaria”, para si, algo que inocorreu. Sabia que se recusaria a me ouvir.

    Todo um conglomerado de fatos e o teu jeito imediatista o levaram a fazer algo impetuoso, me desrespeitar.

    Nos microssegundos que me permitiu falar, aparentemente se dispondo a ouvir, cortava a minha fala enquanto se manifestava persistindo nos mesmos julgamentos.

    Foi nojento você projetar que eu seria capaz de tanto. Tenho princípios e valores, justamente pela existência deles, jamais poderia até mesmo cogitar.

    Buscando compreender como uma garoa havia se transformado num tornado, com medo, enquanto sussurrava a mim mesma “deus, ele só pode ter ficado louco”, tentei fazer com que você realmente visualizasse tudo, nos seus exatos termos.

    Pelejei para que me ouvisse, principalmente, para que se propusesse a ver da minha forma. Tentando te fazer entender, me desmanchei com cada gota daquela chuva ácida. De um segundo a outro, o meu entorno se destruía.

    Te ver assim me fez cogitar o meu agir. Óbvio. Ainda que eu não tenha tido qualquer má pretensão, tão menos o que você alegou. Olhei com distância. Me coloquei no seu lugar.

    Desesperada, sem ter a mínima ideia de como nos salvar dos caos, cegamente me vi tomada pela histeria. Enquanto segurava o seu rosto com ferocidade, a ponto de ver cada um dos teus traços rentes aos meus, na fútil tentativa de te trazer de volta para a realidade, eu gritava palavras na sua cara. Cada palavra forte, pesada… cada uma das minhas frases densas, foram dotadas de imenso temor e angustia.

    Desejei com todas as minhas forças que isso fosse capaz de te dar lucidez. Te vi num pesadelo, imerso num mundo e eu não conseguia te encontrar. Me vi pequena e frágil. O nosso entorno estava desmoronando e eu fui incapaz de salvar você.

    Pude ver, nitidamente, ao som de “Mazzy Star — Fade Into You”, o nosso olimpo transformando-se em ruínas. O soar do despencar de cada pilar era uma facada no meu coração. Me desesperei com a ideia de olhar a trilha e vê-la desaparecer.

    Naquela noite, reconheci da pior forma o quanto o amor pode machucar.

    Você, por vez, exatamente na mesma coisa. Teu olhar me dizia “você está delirando”, como se eu quem estivesse num mundo de fantasias e somente naquele agora vendo a realidade. Ouvi uma série de ofensas, as quais, aliás, recordo com fidúcia.

    Sei que tudo o que ouvi foi pautado não somente num imediatismo cego. Foram palavras ditas por alguém que estava indo na escuridão da noite e não importava o quanto eu corresse, não conseguia alcançar. Eu jamais havia estado naquele lugar.

    Você não só se desfez a ponto de ficar cego, você se perdeu na escuridão daquela noite. Estranhamente te vi desaparecendo-se em si mesmo. Até que, nos destroços, não mais pude te tocar, sentir ou enxergar. Estava somente um estranho diante de mim.

    E ainda assim, eu ansiava enfrentá-lo, pois sabia que você estava ali, em algum lugar. Queria te salvar dos devaneios. Faria o impossível para que não fosse coberto pelo negro daquele lugar.

    Desejava ainda mais que os golpes cessassem. Não mais ser apunhalada. Desejava, sobretudo, gritar para o mundo, gritar e te fazer acordar. Parar.

    Se as coisas que me foram ditas tivessem sido proferidas por qualquer pessoa, não teria me suscitado exatamente nada, pois tenho convicção de quem sou, sei o que fiz e o que jamais seria capaz.

    O árduo foi por ser justamente você. A pessoa quem fiz refúgio e acreditei que sequer por um instante pensaria aquelas coisas a meu respeito. Colocar na mesma oração aqueles adjetivos e o meu nome. Quem imaginei que, ao contrário, diante de alegações sujas quanto ao meu eu, diria rigorosamente o extremo oposto, justamente por me conhecer.

    O corte mais incisivo foi por ter sido uma das pessoas com quem eu muito me importava. O árduo foi cada palavra vir acompanhada do teu timbre. Pois, ainda que eu visse um estranho diante de mim, ainda se tratava do timbre do meu mais insano e desmedido amor.

    Agiu de uma forma como quem me acusava de algo que repudio do princípio ao fim. Imputando-me um crime que eu jamais poderia executar, aliás, que sequer seria capaz de cogitar ou premeditar. Me desesperei com a ideia de VOCÊ atrelar aquilo a mim. Principalmente, por me fazer alguém quem não sou.

    Desprezou que o próprio episódio mal interpretado confirmava que eu havia estagnado no tempo o “eu e você”. Sem contar o fato de tudo que ainda pulsava em mim. Sem contar que mesmo com a ruptura, de uma hora para a outra, você não havia se tornado qualquer pessoa. Sou muito fiel a mim mesma e ao que sinto.

    Justamente por tudo o que compartilhei. Pela nossa troca. Por cada uma das luzes, travessas e edifícios da nossa cidade, você conhecia como a palma da sua mão cada fresta minha. Tenho certeza que deu para perceber que aqueles adjetivos (você sabe exatamente quais) induzem coisas que não condizem comigo.

    Aliás, sou MULHER o suficiente para assumir os meus erros. Principalmente, para me conhecer, assim, engolir e “levar na cara” as consequências dos meu erros. Não me importaria se me julgassem por quem realmente sou ou por algo que fiz. Mas, não admito ser rotulada por algo que destoa completamente da realidade. Óbvio, se tratando ainda de um apontamento partindo de alguém com quem me importo, me fere e com motivo.

    Sei me impor. Sei segregar as coisas. Infelizmente, à época, por me importar muito com o que você pensava a meu respeito, tentando nos salvar da mácula, agi no centro da cidade como se eu tivesse culpa. Como se tudo o que você falou ou pensou sobre aquilo fosse verdade.

    Estava e estou saturada. Deixei bem claro que as coisas que pensou a meu respeito foi uma quimera. Jamais faria tal coisa. Jamais. Ferem os meus valores e princípios. Traí o que eu sinto. Traí a mim mesma.

    Foi insano como de um instante a outro ateou fogo na nossa cidade. Se o seu intuito era me incendiar, conseguiu. Naquela noite, eu descobri como alguém poder ser o céu e o inferno de outro. Reconheci porquê dizem que o amor e o ódio são o mesmo sentimentos no extremo de seus pólos, o bom e o ruim, respectivamente.

    Confesso. Demorei dias consideráveis para digerir o ocorrido. Muitas vezes questionei se as coisas podres que me foram remetidas tratavam-se do que você sempre pensou e achou o momento oportuno para descarregar. Matutei até mesmo pontos que acabavam por respaldar isso, em razão de tanto, memorei como detestava alguns detalhes frágeis do meu jeito, coisas simples.

    Absolutamente nada, tão menos a minha “simpatia exagerada” deveria ser usada para fazer presunções equivocadas a meu respeito. Não sei o que via em mim de tão negativo para causar tamanha desconfiança a ponto de te fazer pensar e/ou cogitar tamanho desatino.

    Naquela noite, suas alegações, assim como o seu agir, induziram que sou uma mulher “fácil” (estou ciente do peso dessa fala e é exatamente esse o peso que você impôs). No desprezível linguajar popular masculino, me fez “qualquer uma”. Senti desgosto e desprezo ao constatar tamanha imundice.

    Outrossim, ainda que eu tenha lhe dito “nunca vou esquecer essas palavras”, ouvi um árduo “e você acha que eu ligo?”.

    E não ouse dizer “se te atinge, acatou porque é seu”. DETESTO ser tratada e julgada de uma forma que não mereço.

    Sei o quanto a sociedade é podre. Vivo, sobretudo, ainda que sem perceber, constantemente, para qualquer pessoa, justificando e explicando meu agir e escolhas, sem precisar — sem dever isso. Justamente para jamais ser rotulada de um forma que repudio. Para não ser rotulada como você fez. Para não me fazerem quem não sou. Eu quero esculpir a mim mesma, isso não cabe aos outros.

    Não digo que você não tinha o direito de estar chateado. Aliás, em nenhum momento disse que não tinha esse direito. Não fui hipócrita. Eu pedi desculpas. Mesmo tendo plena convicção sobre o meu agir. Pedi desculpas de antemão para salvar o epílogo de nitidez daquela noite, pois vi tudo desaguando por uma situação mal interpretada.

    Confesso, me sinto culpada. No seu lugar, tenho plena convicção de que me sentiria desconfortável, ainda que não visse o que você diz “ver”. Justamente por reconhecer isso que eu implorei para ser ouvida.

    Sei que falhei, pois, ainda que eu não tenha tido qualquer má intenção, de forma repentina havia cogitado a possibilidade de ocasionar esse imbróglio. Uma situação mal interpretada. Balbuciei para mim mesma que você poderia distorcer tudo ao extremo no polo ruim. Era algo, por mim, esperado.

    Mas, tolamente acreditei que, como sempre, conversaríamos e pronto. Imaginei exatamente o contrário. Acreditei que veria a minha intenção e ficaria “grato” pela existência dela, resgatar o “nós” ou ao menos não deixar se diluir o “eu e você”.

    Admito. Somente depois da sua reação que fui perspicaz. Concordo que eu poderia ter usado outro mecanismo. Não que justifique, hoje, penso de forma distinta, mas, à época fui sim ingênua, boba… não sei. Reitero que não tive intenção errada alguma, sequer havia percebido o contrário, acredito que a recíproca foi a mesma.

    No mais, afastando a minha gana quanto a nós, quanto ao restante, principalmente por se tratar de algo pequeno, que não me importava ou sequer detinha valor, eu poderia ter evitado. Me sinto mal. Me desculpa.

    Independente do meu agir sem mais pretensões, independente do cerne ser você, ainda hoje sou despedaçada por me sentir culpada por parte do que você sentiu.

    Recordo claramente do seu “você não vê problema em nada”. Não se tratou disso. Eu percebi tudo. Vi até demais. Como eu mesma te disse, vi problema por ter cogitado que aquilo iria te causar incômodo, sobretudo, por ter englobado algo que eu poderia ter evitado. Me sinto culpada por ter premeditado e você ter sido afetado exatamente nesse sentido.

    O meu sentimento de culpa sempre esteve atrelado ao tipo de problema que constatei. Não vejo apenas os meus erros e acertos, também reconheço os meus deslizes.

    Olhando com distância, refletindo quanto ao meu agir e pensando em tudo que te expus e mostrei com franqueza, na inversão dos papéis, digo com convicção que eu não teria qualquer insegurança. No entanto, somos pessoas diferentes, não te julgo por aquilo ter te trago um embaraço emocional.

    Mas, o fato de eu sentir culpa nesse sentido não significa que eu acate os seus pensamentos nojentos. Aliás, reitero que não menti em nenhum instante, mesmo com o advento da ruptura, jamais ousaria abandonar o pacto, “nus e crus”.

    Tendo consciência do meu agir, realmente não vi nem um pouco próximo a ti. Constatei problema por uma questão sentimental, pelo vínculo que tivemos e que, à época, eu acreditei que ainda possuíamos. Mas não o problema que você viu, não dá forma que você interpretou.

    Meu bem, eu vi a situação. Vi até demais. Vi principalmente os pontos mais salientes que você aparentou ser incapaz de visualizar. Posteriormente, pontuei cada um deles, esclarecendo tentando sanar o vício que acometia aquela situação - do princípio ao fim, por ti, má interpretada.

    Ainda reconhecendo que, pensando na nossa coisa, me pondo no seu lugar — preso num mundo de ilusões e movido por um imediatismo cego — o ocorrido seria sim de desconforto.

    Assumindo o seu papel, imaginando e “visualizando” exatamente como você aduz , tenho convicção de que eu sentiria coisas dolorosas. Que o meu corpo seria tomado por uma mácula. Que seria dotada de sentimentos ruins - mesmo sem fazer ideia de quais seriam. Portanto, não ouso arguir que você não teria razão em ficar magoado ou mesmo me espantar por você ter sentindo fúria.

    Exatamente por essa reflexão, ainda que eu não tenha tido intenção de causar aquilo, me desculpei. Me desculpei pela mácula que, sem querer, senti que te causei. Me desculpei mesmo tendo consciência do meu agir e sendo sensata o suficiente para saber exatamente o que a ruptura significava.

    Porém, no seu lugar, apesar dos pesares, eu jamais seria capaz de te ferir da forma como você machucou. Desrespeitar quem amo, burlar as regras da minha própria cidade, sobretudo, ferir. Portanto, ainda me colocando no seu papel, me enoja recordar que você não só pensou, como falou, algo tão pútrido de mim.

    Naquele eclipse, pouco a pouco as chamas da nossa cidade ficaram ainda mais calorosas e o vermelho mais insano. Deparei-me com o estopim. O extremo do meu limite. Havia cansado. Estava cansada de ouvir absurdos. Cansada de tentar futilmente te arrancar do negro daquele lugar, de te segurar e puxar para onde havia luz e te fazer enxergar as coisas.

    Despedi tanta força física, emocional e psicológica que depois me senti arrasada. Cansada como se estivesse enfrentado uma batalha. Não, não travei uma batalha. Eu fui incinerada. Naquela noite eu gritei. Gritei com tanta força a ponto de sequer ecoar som. Gritei porque, naquele transtorno, as emoções e sentimentos mais robustos e intensos permeavam o meu corpo.

    Estava em guerra com o meu mais insano e desmedido amor e isso me dilacerou. Gritei para você ficar, voltar, enxergar. Gritei, sobretudo, para expulsar cada pedaço e rastro do que percorria o meu corpo. Gritei vendo as brasas da nossa cidade. Gritei pelo meu amor.

    Sem saber o que fazer, apelei. Corri enquanto queimava, implorando para ser ouvida. Gritei como se a minha voz pudesse afastar o estranho e te fazer acordar, internamente sibilava a mim mesma “ele está lá, em algum lugar”.

    Mesmo depois que a cidade estava tomada pelo cinza, eu tentei. Tentei. Mas, acabei me rendendo após sentir o peso daquele olhar, dotado de fúria e desprezo. O olhar de um estranho. Exato instante que tudo se desfez.

    Não me restava mais nada. Tudo havia se desmanchado. A nossa cidade perdeu-se em algum lugar no tempo. Fui embora frustrada.

    Posteriormente, não bastasse, quando finalmente se propôs ao diálogo, me surpreendia cada vez mais com um absurdo diferente e de uma forma incrivelmente ruim.

    Outrossim, o que eu dissesse ou fizesse já não mais te importava. Deixou muito claro que a minha fala não seria valorada, o seu “promete não fazer mais isso”, ainda na mesma madrugada, me escancarou isso. Você, notadamente, estava de saco cheio de justificativas e explicações, não sentiu sinceridade em mim, ainda apontou cinismo.

    Sabe qual foi outro ponto ainda mais frustrante? Você recordou, assumiu, ter dito coisas imundas e ainda ousou colocar um “Foi uma simples briga. Deveria ter ficado entre nós. Isso está se tornando grande e não estou entendendo. Não era para ser assim. Eu estava com raiva e agi sem pensar”.

    Me desagradou ainda mais te ver, mesmo que na tentativa de uma retaliação ou consenso quanto ao episódio, minimizando algo que nunca deveria ter ocorrido. Não sei se presenciar episódios como aquele te eram comuns. Não pude compreender como não conseguia entender que aquilo era inadmissível. Achei um absurdo o seu posicionamento. Desprezivelmente se pronunciou normalizando o inaceitável.

    Naquela altura do campeonato, depois do que eu mais temia ter acontecido (perde-se o respeito), ouvir um pedido de desculpas ou arrependimento já não mais me importavam. A nossa cidade já havia se desfeito.

    Fui dominada por um sentimento ruim e que ainda era desconhecido, foi a primeira vez que eu sentia decepção. Decepção com quem amava. Enquanto a minha mente vagava na última memória da nossa cidade, ao fundo, ainda ecoava “Mazzy Star — Fade Into You”. Você conseguiu me incendiar, morri naquela noite uma centena de vezes… a nossa cidade tomada por ruínas e brasas. Foi a primeira vez que havia me arrependido por sentir o mundo.

    A nossa cidade, o meu mundo foi destruído. Não havia mais qualquer resquício. Como se a sua matéria prima tivesse sido a ilusão. O eclipse foi embora e a levou consigo.

    Depois de tanto, tudo o que eu consegui sentir foi uma imensa decepção.

    Não bastasse, já havia enfatizado “na hipótese absurda, se eu fosse capaz de algo tão desprezível ou mesmo digna de qualquer absurdo que você proferiu, sou mulher o suficiente para “‘mastigar e engolir’”. “Se o seu intuito é “caçar” motivo para me denegrir, não vai encontrar”. No entanto, independente de encontrar ou não, você já havia feito isso.

    Recordo com precisão as últimas palavras que te remeti, assim que fui tomada pela mácula:

    “Cansei de fazer isso aqui, pois sequer deveria estar acontecendo.
    Continua a pensar o que quiser de mim.
    Pelo óbvio, me recuso a impugnar as coisas que induziu.
    Acredita no que você quiser.
    Se martiriza por algo que não se é.
    Grita para o mundo o quanto sou podre.
    Conta como fui horrível para você.
    Escancara que o arrependimento da sua vida é ter me conhecido.
    Inventa o que você quiser.
    Já me feriu e me ofendeu o suficiente ter cuspido equivocadamente “n” coisas na minha cara.
    Não estou nem aí quanto a o que os outros vão pensar.
    Faz isso…
    Joga fora o quanto falei, chorei e desabafei no Recanto.
    Joga a minha entrega e intensidade no lixo.
    Joga fora tudo o que viu em mim.
    Joga fora que você me conheceu.
    Faz de mim o seu monstro.
    Faz o que você quiser.
    Me esquece.”

    Me desculpa, teria sido melhor se eu tivesse acatado o silêncio.

    Fiquei incrédula com todo aquele caos. Proferiu palavras horríveis — confesso que percebi a sua dor/desprezo por trás delas — até parecia que um vínculo entre nós jamais havia existido. Falou com quem nunca me conheceu.

    Sabe. Não sei o que estamos fazendo. Não sei onde chegaremos. Estamos somente revivendo algo doloroso. Tenho medo do seu intuito hoje, assim como foi o meu na noite de lucidez, acabar por só inflamar tudo. Já passamos. Á época eu cansei de dar explicações para alguém que se recusava a ouvir. Isso não mudou. Sempre estive e permaneço com a minha consciência tranquila.

    Não importa o transcurso do tempo. Nada que eu diga vai mudar sua visão. E nada vai apagar você me vê e me rotular daquela forma.

    Jamais te julgaria por sentir se frustrado quanto ao episódio. Tanto que eu mesma me desculpei pela parte que reconheci que poderia ter evitado. Me desculpei justamente pensando em não afetar a nossa coisa, por não querer te causa qualquer sentimento ruim, por não querer apagar as luzes da nossa cidade.

    Mas, à época eu não iria, tão menos agora, “confessar” algo que não é verdade. Claro, se eu visse da sua forma, se aquela atrocidade que alegou fosse a realidade, lógico que teria um problema. Vimos de forma diferente e você ignorou o contexto e, horrivelmente, quem sou.

    Reconheço que, à época, quando caiu em si e notou que a cidade já havia se desfeito, procurou incansavelmente por um mecanismo de burlar o tempo. Você desejava encontra-la, sabia que ela havia existido em algum lugar no tempo. Sabia que o “nós”, tão menos o “eu e você”, não se tratou de um delírio.

    Não fomos os únicos a notar o perecimento da cidade. Todo aquele caos suscitou reflexos. Fatores alheios a nós, ainda que horrivelmente atrelados a mim, contra a minha vontade, desprezivelmente atingiram a ti. Aliás, os quais tomei conhecimento somente quando você já estava despedaçado.

    Não faz ideia do quanto foi árduo reconhecer que sangrou por golpes quais eu sequer via que estavam sendo desferidos. Não bastasse, quando os percebi, fui incapaz de cessá-los. Em proteção do meu eu devastado, feriam o meu mais insano e desmedido amor. Não importava o quanto eu implorasse. Me vi de mãos atadas. Foi horrível conviver com a gana em querer contornar todo o imbróglio enquanto era cerceada.

    Aliás, confesso que quanto a isso, tive medo. Pois, naquela noite, justamente tentando cozer a ruptura, acabamos por agravar ainda mais a cisão. Tive receio que os reflexos dilacerassem a nós dois — se é que isso era possível. Eu não sabia como nos salvar. Desculpa.

    Desculpa. Desprezei o que sentia e o que havia se desfeito, não embarquei contigo na jornada, recusei a viagem no tempo e eu sabia que você, sozinho, jamais poderia encontrar, resgatar, sequer reerguer, a nossa cidade.

    Sabe, não quis ser hipócrita. Lamentavelmente, estava convicta de que qualquer conduta comissiva minha somente iria unir os resquícios de poeira daquele caos, gerando um explosivo que de um instante a outro iria eclodir.

    Em razão de tanto, fiz algo que destoa completamente da minha maneira de lidar com as situações. Nada. Permaneci inerte. Não fiz absolutamente nada. Me limitei a implorar ao Universo e ao tempo para tudo aquilo se acalentar. Isso me destruiu.

    Foi duro tomar essa decisão. Senti que havia renunciado a nós. Me vi uma fracassada. Os dias corriam e não foram poucas as vezes que pensei em voltar atrás, tomada pelo pensamento repentino de “Tenta, mais uma vez. Por amor. Antes tarde do que nunca.” caçava e matutava meios de estancar o sangramento. Sobretudo, a minha hemorragia.

    As estações mudaram e, aparentemente, o Universo havia catado as minhas preces. A monotonia da vida em meu entorno prosseguia, como se o caos jamais tivesse existido. No entanto, ainda que diante da pacatisse dos meus dias, não havia um templo em mim.

    Não faz ideia do tormento em meu interior. Sabe, naquela noite, você me condenou ao inferno e vivi torturosos dias nele. Todos os dias revivendo o mesmo epilogo. O caos. Em momento algum fechei os olhos.

    Ouvi todos os dias uma centena de vezes suas alegações daquela noite. Reprisei com atenção cada cena. Refiz cada um dos meus passos e cassei em cada minúcia motins que pudessem atrair para mim o peso e a culpa (em sentido amplo) daquele atrito.

    Fiz isso por mais de uma estação. Aliás, continuei a fazer enquanto você já havia virado a página. Durante meses fiquei atordoada com a ideia de que a “noite de lucidez” ao invés de renovar o suporte do nosso sentir, esfarelou os nossos sentimentos.

    Assumo para mim mesma que eu busquei, desesperadamente, por semanas, um pretexto para embasar a minha vontade em abandonar a inercia e agir na tentativa de salvaguardar ao menos o “eu e você”, mas não encontrei . E isso me destruiu ainda mais, pois, apesar de tudo, eu havia guardado cada fragmento do meu sentimento esfarelado.

    Eu desejei estar completamente equivocada e errada só para ter uma justificativa em te implorar para permanecer ao meu lado. Mais uma vez, trazer o peso de uma faceta ainda mais densa da ruptura para mim. Mais um fardo para carregar e me tortura por sei lá quanto tempo. Sobretudo, mais um motim para me arrastar de volta para você. Para buscar em algum lugar no tempo a nossa cidade.

    Foram inúmeras as noites em que queimei em intensidade jogando fora o ocorrido e desejando você. Sóbria, questionava baixinho a mim mesma que se você fosse um serial killer, então o que de pior poderia acontecer com uma garota que já estava machucada? E que se você realmente fosse atroz como ouvia dizer, eu só podia estar amaldiçoada. Insano, não é? Exatamente assim, ao decorrer de cada frenesi, ao fundo se podia ouvir “Happiness Is a Butterfly — Lana Del Rey”.

    Felizmente, ainda que em devaneios de amor, eu seria capaz de qualquer coisa, exceto aquilo. Você desejava, no mínimo, um espécie de “confissão” do crime que me imputava, juntamente com um pedido de perdão. Desculpa. Meu mais insano e desmedido amor, jamais faria tal coisa para resgatar algo que, notadamente, estava fadado ao fracasso e desapareceu em algum lugar no tempo. Jamais iria me vestir da desprezível versão que criou de mim naquela noite somente para te fazer permanecer aqui. Jamais trairia a mim mesma dessa maneira.

    Por isso, eu prometi. Prometi a mim mesma que nunca qualquer pessoa iria apontar o dedo na minha cara e me fazer desprezível, a ponto de quase cogitar me difamar. Prometi não admitir ser acusada de coisas que eu jamais faria. Nunca mais ser vista como alguém sem valores.

    Nunca mais quero ouvir alguém quem eu amo descaracterizar o meu eu. Horrível o outro falar de você como se fosse imunda. Mais horrível ainda isso vir de alguém por quem você sente o mundo. Não quero, novamente, ser magoada dessa forma.

    Não bastasse, ainda há outra parte na dor. Odeio perceber que sempre vai usar quem eu fui com você e generalizar que sou ou serei assim com qualquer pessoa. É horrível te ver normalizando e desprezando a minha entrega, o meu sentir, o que me rasgava o peito.

    É um imenso pesar notar que tudo de mais puro, profundo, belo e imenso que pulsava em mim por ti, ao final, me renderam uma incrível e desmedida decepção com o seu “eu”.

    Sabe… depois que o alvo do meu amor apontou o dedo na minha cara, induziu uma série de absurdos e equivocadamente me fez imunda, quando nunca fui digna de qualquer daqueles insultos, eu já não espero mais nada.

    Forte, não é?

    Aliás, depois de um tempo considerável eu entendi que não vemos as coisas como são. Vemos como somos. E isso explica muito.

    Você não é um homem atroz. Não construí uma imagem desprezível sua para me polpar de sentir qualquer remorço, culpa ou arrependimento. As minhas desculpas naquela noite não foram vazias. Ainda se trata do homem com quem construí uma cidade. Reconheço que o advento foi movido por sentimentos e sensações efêmeras, de ambos.

    No entanto, ainda assim, acredito que me deva desculpas pelo epilogo de desprazer.

    Sabe, você dizia não conhecer, sempre duvidei. Mas, agora, tenho convicção de que jamais ouvira Paralamas do Sucesso. Príncipalmente, “Cuide bem do Seu Amor”.

    Não foram palavra minhas, ditas em voz de veludo, que destruíram o amor.

    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2020]

    @janacoutoj

  • [Desabafo] GRIS

    O domingo exalava preguiça. A manhã havia sido densa, com uma garoa incessante que deixava a úmida a relva presente nos arredores do bairro. Apesar do céu em tons cinzas, a paisagem ainda estava incrivelmente bonita.
    A pouca folhagem amarela da copa das árvores me pareciam douradas. O marrom dos galhos, outrora secos, tão vividos. Não haviam carros a transitar e a praça à frente de casa estava vazia. Chovia, mas não havia ventania.
    A porta da sacada do meu quarto estava meio aberta. Deitado na namoradeira, dedilhando o violão sem pensar em melodia alguma, ouvir o gotejar dos chuviscos me transmitia calmaria. O cheiro de terra molhada era agradável e me fazia desejar uma xícara de café bem quente.
    Não tinha plano algum para aquele dia. Não havia pressa alguma. Eu estava sozinho, nos exatos termos da palavra. Nunca havia ficado tanto tempo em silêncio como naquela semana.
    No decorrer dos dias, as horas corriam e eu olhava o relógio incessantemente, como quem esperasse por algo. Mas eu já não tinha pelo o que esperar. Não esperava mais nada. Acredito que já havia se tornado um costume. Não bastasse, intuitivamente, ainda às 19h00 a minha respiração fica ofegante, sinto uma palpitação e a ansiedade pela chegada me consome.
    Desde então, algumas coisas não mudaram. No entanto, apesar da permanência, ainda assim conseguem ser grotescamente distintas. Mudaram a essência.
    Por sua vez, quanto aos hábitos que adquiri ao decorrer das estações, quero continuar com eles, por acreditar que me fazem sentido. Aliás, não os mudamos entre um o alvorecer e outro. Requer tempo.
    Tempo. O tempo escorre por entre as minhas mãos e eu sinto que estagnei. Ainda que conscientemente reconheça a transição, o meu corpo, os meus sentimentos e até mesmo os meus sentidos estão acomodados nos dias quentes.
    Eu gostava do comodismo. No, inicio, confesso, foi uma tortura. Coisas cujo as quais eu não dava importância alguma, ela, por vez, super valorizava.
    Nunca fiquei imerso na ideia de dividir os meus dias, a minha não rotina, com alguém. Naquela madrugada fria de 29 de fevereiro, em que bebemos vinho naquele ponto alto da cidade, enquanto me aconchegava no teu corpo e me perdia no seu olhar, foi a primeira vez que isto me ocorreu. Fiquei assustado.
    Acredito que tenha sido a melhor coisa que fiz.
    Jamais havia conhecido alguém que não possuía barreiras quanto ao interior e o exterior. O seu entorno, nas coisas mais ínfimas, a afetava de uma forma surreal. Aliás, desde as maneiras mais bonitas às mais invasivas. Parecia ser maior que ela.
    Confesso, quanto algumas coisas, eu já podia reconhecer um jeito peculiar de ser. Eu gostava, chamava atenção e a tornava ainda mais única. Manias, jeitos e hábitos.
    Ainda quando estávamos saindo, antes de conhecer a casa dela, muitas vezes tinha a ouvido dizer inúmeras frases que remetiam a uma supervalorização. Falava como se aquele lugar fosse um templo. Me deixava curioso, pois eu não entendia a razão.
    “Francamente, pensar em ‘ser sozinha’, me assombra. Temo a solidão, nos exatos termos da palavra. Porém, acredito que ela me assusta justamente pelo fato de que, se tratando de futuro, (seja cinco, dez ou quinze anos) imagino-me em qualquer circunstância exatamente como o agora. Apenas comigo mesma. Não se trata de um desejo, mas acredito que é o que haverá de ser.
    Eu e a minha casa, os meus móveis, a minha forma de organização, as cores, tecidos e texturas que eu gosto. A minha rotina, o meu café da manhã, os meus livros, o meu vinho e as músicas que eu gosto. O meu cachorro. Os meus hábitos, as minhas manias. Me agrada. Um dia a dia cheio de mim. Para alguns, um dia vazio.”
    Até visitar a casa dela, eu jamais havia me sentido tão abraçado por um ambiente. Era incrivelmente aconchegante e ousaria apontá-lo como o único lugar digno do título de lar se não tivéssemos construído o nosso próprio, óbvio que ela não desfez da casa dela.
    A casa era bem arejada e os cômodos espaçosos. Fruto da criatividade dela e da sua vulgo “imã”, arquiteta. Possuía um design próprio que não sei explicar, mas era linda. Havia a presença de muito vidro e alvenaria. A iluminação de todos os cômodos era majoritariamente natural.
    Cada ambiente com um modelo de lustre peculiar e, além de tudo, lampião. A casa possuía muitas plantas, todas os vasos eram brancos. Absolutamente tudo possuía uma espécie de liame, o conjunto de cores, iluminação, tecidos, móveis… ela tinha muitos itens de decoração e todos possuíam um significado pessoal.
    A cozinha consistia no ambiente mais modernizado e compacto, sendo o único isento de tecidos, nem mesmo cortinas ou tapetes, destoando neste quesito do restante da casa. Ainda assim, percebi a presença de inúmeros detalhes. Coleção de xícaras, ela tinha uma parte específica no armário para certificar-se de que elas ficariam à mostra. A fruteira era artesanal, de uma cidade vizinha à Recife, onde passou parte da infância. Também havia um quadro de xilogravura de cordel. Curiosamente, tinha uma samambaia ali.
    Na transição entre sala e cozinha, havia uma pequena adega de vinhos que me dava inveja e nem era pelos vinhos, mas sim pela criatividade do ambiente. Na parede contraposta havia uma enorme aquarela exclusiva de um amigo artista.
    Na sala, considerando uma vidraça enorme, dava para ver uma das árvores da casa e, que, aliás, tinha um balanço. Aliás, jamais recolhia as folhas que caíam ao chão, dizia ser lindo e achava um máximo quando o vento esvoaçava tudo. A disposição dos móveis era surreal. Ela gostava de vasos e de expor fotografias. A presença de alvenaria era forte.
    O seu escritório sequer parecia um espaço de trabalho. O que mais gostei foi um quadro enorme que, na realidade, se tratava de um quebra-cabeça que havia montado com a mãe quando mais nova. O seu violão, um Strinberg ASF 62C, que ganhara do pai aos doze anos, era pendurado numa clave de sol, sua nota preferida. A sua estante de livros circundava toda a parte superior, passando rente pela altura da porta, inclusive. Guardava consigo somente os livros que realmente gostou muito, razão pela qual, todos eram dotados de post its coloridos e marcações.
    O seu quarto era o ambiente mais cheiroso da casa. A janela possuía o sofá embutido de alvenaria mais charmoso que já vi, aliás, cheio de livros na parte inferior. A cortina foi bordada à mão pela sua avó. Aquele cantinho nos dias de chuva era o seu lugar preferido. Ela gostava de grandes tapetes claros e macios, pelo jeito, de deitar neles também, eis que estranhamente comportavam almofadas. Necessariamente, todos os tecidos de cama e toalhas eram brancas com detalhes em creme ou dourado. O banheiro da suíte possuía um rádio cujo qual só ouvi tocar indie.
    Com uma necessidade extrema de organização, o quartinho da bagunça sequer parecia destinado a tanto, por muito tempo acreditei se tratar de uma espécie de estúdio, haviam cores vibrantes e até um sofá. A lavanderia tinha muitos vasos de flores. Tinha varanda com direito a rede. O terraço não era tão grande, mas havia um ipê amarelo e ela fez questão de fazer um jardim. Não bastasse, nos fundos da casa havia uma pequena plantação de hortaliças.
    A casa definitivamente era a cara dela. Qualquer um, mesmo sem conhecê-la, de imediato associaria as duas.
    Quando começamos a nos relacionar, entendi a frase “minhas coisas”. Tudo possuía um lugar específico e um valor sentimental. Criteriosa com limpeza e cheiros, a casa era perfumada e ela gostava de incensos. Eu jamais vi um ambiente desorganizado.
    Isto porque para se concentrar em seja lá o que for, ela precisa de um ambiente organizado. Para permanecer calma, o ambiente tem que exalar calmaria. Para se sentir limpa, o ambiente precisa estar limpo. Para se sentir confortável, o ambiente tem que ser aconchegante.
    Quando digo que foi difícil no princípio, falo conscientemente. Eu sou o cara mais desorganizado no universo e nunca havia me importado com qualquer coisa desse tipo. Pode parecer poético, mas no dia a dia não rara foram as vezes que teve crises de ansiedade em razão disso. Não bastasse, sempre despendeu um tempo considerável para manter tudo da mesma forma. Por ela, me reeduquei nesse sentido.
    Essa característica peculiar possuía níveis ainda mais intrínsecos, principalmente quanto ao estudo. As anotações de aula dela são impecáveis, pois ela sente que precisa passar a limpo e pormenorizar organizadamente todo o conteúdo lecionado. Do contrário, tem a sensação de que o assunto não está estruturado, que há uma “bagunça em mente”.
    Também em razão disso ela elaborou e sempre atualiza a sua lista de “compras de mercado" e de “feira”. Quando da compra, faz uma espécie de checklist para se certificar de que levou tudo. Aliás, neste sentido, há outra mania, ela coloca os itens no carrinho organizadamente para facilitar a visualização e no caixa para agilizar o procedimento. Outrossim, se recusa a usar sacolas plásticas, ainda que retornáveis, razão pela qual fez as suas próprias de tecido.
    Pensando nos reflexos disso, visando “poupar” o seu tempo, não só tinha como lema “fazer bem feito, para fazer apenas uma vez” como também estabeleceu uma rotina para tudo e atrelava atividades umas às outras para não esquecê-las. Como por exemplo, ir à feira todos os domingos, fazer compras mensalmente e limpar os armários da cozinha no dia do abastecimento da dispensa. Haviam dias específicos para limpar e cuidar de pontos e determinadas coisas na casa.
    Quanto a estabelecer rotinas, tinha algo que ela sempre fez e que, sinceramente, acho uma ideia incrível e o fundamento para tanto é muito plausível. Tem horror a ideia de passar as “feiras" da semana ansiando pelo sábado. Tem a sensação de que, nesse caminhar, poderia anular a maioria dos seus dias, o que significaria eatar sobrevivendo ao invés de viver.
    Por temer isso, resolveu incluir nos dias úteis da semana coisas que ela gosta de fazer. Assim, tornando ainda mais especial cada um dos seus dias e ansiando por todos eles.
    Nos domingos tomávamos café da manhã na feira e almoçavamos em família, uma semana com os país dela e na seguinte com a minha mãe.
    Às segundas-feiras ela tinha o clube do livro e eu o polo aquático. Quando podia, ela tentava encaixar algo novo. Recentemente, fez aulas de dança do ventre.
    Nas noites de terça, íamos ao cinema ou ao teatro. Às quartas, jantava com alguma das sua amigas e eu podia fazer o mesmo ou trazer os meus amigos para vê futebol em casa.
    Eu, particularmente, passei a amar as noites de quinta, pois era o “nosso dia" fazíamos surpresas um para o outro. Segundo ela, consistia num subterfúgio para “a relação não ficar na mesmisse”. Uma quinta era minha e na seguinte ela quem se encarregava disso. Não faz ideia do quanto ela é criativa.
    Nas sexta-feiras, geralmente, pedíamos pizza e tomávamos um vinho, juntos. A preferida dela é “Philadelphia II". Ouvíamos música alta, dançávamos. Nos dias mais cansativos, ficávamos entertidos com jogos de tabuleiro.
    Nas manhãs de sábado, ela acordava cedinho para caminhar e eu ia passear com os cães. Rigorosamente a manhã era voltada à “cuidados com sigo mesma", essas questões quanto à vaidade. Almoçavamos juntos. Por ser o dia preferido dela, consistia no único que não era planejado.
    Ela tinha um jeito peculiar em muitos sentidos. Quando começamos a nos relacionar, fizemos um “pacto", por proposta dela. Listamos as “regras da nossa cidade" em cláusulas.
    Ela é uma mulher com personalidade forte e tem valores e princípios como cláusulas pétreas. Gosta de coisas sólidas.
    Quando fala sobre o que está sentindo, chora, com facilidade. Sobretudo, a respeito de questões difíceis. Sempre disse que “o choro limpa a alma" e que as coisas ditas sob lágrimas carregam sinceridade e pureza. Tive que aprender a lidar com isso, pois vê-la assim me desestabilizava. Eu aprendi a valorizar esses instantes.
    Os meus dias eram cheios dela, mas ainda assim ela me dava espaço para lidar e fazer as minhas coisas. Respeitava o meu espaço. Tratava como sagrado o tempo em que eu estava compondo. Muitas vezes a fisgava me besbilhotar, ela adorava me ouvir tocar. O mesmo ocorria quando ela estava escrevendo, ela conseguia ser sensual mesmo fazendo as coisas mais simples, como era o caso de ler ou escrever.
    Não bastasse a minha dificuldade em me adaptar a esse jeito de ser, ela tem “estranhas” necessidades, mas quais sempre respeitei e até adquiri muito dos seus hábitos. Outrossim, um conglomerado de detalhes que me fizeram ficar ainda mais apaixonado, por conhecer verdadeiramente cada uma de suas frestas.
    São coisas infindas.
    Ela é extremamente apegada à memórias. Possui um baú e inúmeras caixinhas de lembranças. Guarda coisas sem valor monetário algum, mas que são preciso das para ela, pois a faz lembrar de dias gostosos. Flores secas em blocos de anotações, cartas, convites, ingressos, fotografias, medalhas e até mesmo canetas. Ela ainda tinha guardado o uniforme que usou no último ano do ensino médio.
    Não sei o porquê, mas sempre usa pratos rasos e brancos. Gosta somente de copos lisos. Passa o dia inteiro completando a mesma xícara de café. É extremamente raro ela tomar chá e quando acontece, sempre é de limão ou canela.
    Eu jamais vi o seu guarda roupas desarrumado. Tem pavor a roupa dobrada e em gaveta. Ao lavar, ela estende as suas roupas já nos cabides. Aliás, não gosta de passá-las e isso a influencia nas escolhas dos tecidos quando da compra. Usa o mesmo perfume há anos e de alguma forma, todas as suas vestes possuem aquele cheiro.
    A primeira coisa que faz ao acordar é dobrar o edredom e organizar a cama, logo em seguida se troca, lava o rosto e toma exatamente 400 ml de água.
    Ela possui uma cestinha de banho e usa um sabonete diferente para cada parte do corpo. Adora receitas naturais e é comum vê-la com borra de café no rosto. Aos sábados, gosta de tomar banho durante o dia, sob a luz natural e com música. Não sei o motivo, mas lava os cabelos somente com água fria.
    Dentre as suas estranhas necessidades, lá vai uma das mais curiosas: consumir massas no café da manhã. Sempre comia a mesma coisa. Tapioca com queijo e orégano ou pão com ovos, enquanto eu não suportava nem o cheiro. Ela raramente bebia achocolatado e só faltava vomitar ao cogitar tomar leite puro e quente, enquanto eu adorava ele com biscoito.
    Ela adorava cafés. Não apenas os lugares, mas o momento da pausa para o café. Com toda a certeza o café da manhã se tratava da sua refeição preferida. Tinha até mesmo um rito. Acontecia de uma forma ou de outra. Normalmente, nos dias que sabia que seriam agitados, acordava extremamente cedo para tomar o seu café sozinha e apreciar a tranquilidade das 05h30 da manhã. Nos demais, fazia questão de preparar tudo e aguardava com uma certa ansiedade que todos pudéssemos sentar à mesa e comermos juntos.
    Quanto a isso, haviam três coisas que a incomodavam incrivelmente e tornavam o epílogo do café catastrófico, pois o via como um momento de união. Primeiro. detestava comer enquanto alguém também não se servia, todos precisavam comer juntos; segundo, ela preparava a mesa para se certificar de que nenhum outro objeto dissonante estaria ali e a desagravada quando alguém burlava isso; terceiro, qualquer pessoa concentrada no celular, pois a tornava apenas fisicamente presente.
    Algo que nem mesmo ela sabia me dizer um porquê consistia no seu compromisso, sem mais nem menos, de em toda virada de ano tirar um hábito alimentar ruim. Geralmente, cortando alguns itens do seu cardápio. No entanto, acabava por compensar a falta com outros excessos e, felizmente, era capaz de reconhecer. Quando saímos, a ouvia dizer inúmeras vezes “não posso comer isso” e travamos uma batalha para ela comer fora de casa.
    Ela ama comida caseira. Nunca vai à fasts foods. Gosta de cozinhar os seus próprios alimentos, no seu prato sempre terá um legume ou folhas. Valoriza temperos naturais, mas não gosta dos excessos. Prefere os assados aos cozidos e tem pavor a qualquer coisa oleosa. A sua fruta preferida é manga. Sempre pede duas bolas de sorvete, geralmente uma de chocolate e a outra de pistache. Se tratando do sabor morango, gosta apenas da fruta. Adora qualquer coisa que tenha castanha e avelã.
    Quanto à bebida, também era peculiar. Consumia três litros de água diariamente. Sempre toma o suco uma hora depois da refeição. Detesta cerveja, mas em contraponto, bebe facilmente um litro de vinho tinto suave e caipirinha de todos os sabores, exceto morango. Odiava champanhe.
    Raríssimas as vezes em que saímos para restaurantes. Ela jamais ia por causa da comida em si, aceitava o meu convite por querer estar comigo e eu a convencia falando da decoração. Razão pela qual, a levava em restaurantes diferentes e fazia questão de conferir o ambiente com antecedência. Eu queria me certificar de que ela gostaria. Iluminação, música tranquila, arte e água a deixava fascinada.
    A conhecia tão bem a ponto de entrar num ambiente e instantaneamente dizer a mim mesmo que “ela não vai gostar disso”, “vai retirar aquele objeto da mesa antes de jantar”, “vai elogiar aquela estante”, “vai ficar deslumbrada com as cores e luzes”, “ela vai pedir para tocar tal música”.
    Era apaixonada por música, assim como eu. Apesar de ter preferência por rock, curtia muitos estilos, mas não gostava de todos. Se tratando de MPB, parecia impossível apontar qualquer canção que ela não conhecesse. Violão é o seu instrumento preferido e o único que arrisca tocar. Tinha inúmeras playlists, mas a que mais ouvia era “Calmaria”, enquanto trabalhava e “Vinho” para escrever. Aliás, sempre escreveu no escuro, de madrugada e ao som de “Cigarettes After Sex”.
    Justamente pelo o que já expus, para ela, há um clima para tudo. Música, som, ambiente, textura, tecido, cor, fala e toque. Todo esse conjunto tem um potencial incrível para confortá-la. Sempre molda os ambientes para que o seu interior esteja bem. Quanto se sente bem, faz opossível para externalizar isso e estabelecer uma sincronia, prezando pela mantença daquilo.
    Eu sempre fui fascinado pelo quanto ela é intensa. Como ela mesma costuma escrever, ela “queima em intensidade”. Me incendiava. Ela é uma mulher quente. Por sinal, muito sensual. Ela ama escrever e seus textos elucidam isso. Aliás, eu que nunca tive a leitura como um hobbie, li e reli inúmeras vezes todos os seus textos.
    Eu a conheço bem mais do que a mim mesmo. Eu poderia passar horas listando coisas que sequer me incluíam. Convivendo com ela, me mostrou e passei a reconhecer cada uma de suas preferências e gostos.
    Ela sempre se veste de acordo com o seu humor. Tem uma preferência perceptível pela cor marrom, costuma dizer que combina com a tonalidade do cabelo e que realça os olhos avelãs. O seu armário tem uma paleta de cores: preto, marrom, rosê e tons pastéis, raramente se vê um verde militar. A única peça de roupa que ela arrisca usar com estampas são os vestidos. Tem um estilo próprio que é deslumbrante.
    Ela decretou só usar preto, vermelho e vinho para duas coisas: esmalte e lingerie. É apaixonada por botas, se não fosse pela presenças de um salto e uma sandália, diria que é o único tipo de calçado que possui. Prefere bolsas transversais, apesar de não as usa-las assim. Não gosta de óculos de sol e muito menos de chapéus, diz que “não combina”. Usa o mesmo relógio com pulseira de couro desde que a conheci. Gosta de joias, mas jamais usaria algo perolado.
    Ela ama banhos quentes e, independente do horário que for dormir, precisa se aquecer. Gosta de dormir sem roupas. Só usa um edredom. Ela possui uma rotina de cuidados noturnos e é por isso que dorme com cheirinho de coco, já que passa o óleo natural nos pés e cabelo. É estranho falar “dorme”, já que ela sofre com insônia. Muitas vezes, me confidenciou que havia passado a madrugada me vendo dormir e tentando sincronizar a respiração dela com a minha.
    Ela ama caminhar, independente do quanto for demorar o trajeto, ela preza por ir à pé. Por sua vez, detesta musculação. Não gosta de esporte algum. Prefere andar de patins do que de bicicleta. Morre de medo de altura. Não sabe nadar, mas tem uma paixão doentia por praias. Ela ama a natureza e gosta de fazer trilha.
    Sempre falou querer morar em Campina Grande, mas sempre esteve domiciliada na “selva de pedras”, como rotula São Paulo. Ela adora viajar de carro. Passou os melhores dias da sua infância em duas cidades do Pernambuco, mas confessa que tem uma admiração enorme pela paisagem de Minas Gerais, o apontando como seu Estado preferido.
    Gosta de cidades pequenas e de interior. Adora dias ensolarados e quentes, desde que esteja ventando. Gosta dos dias frios, mas chuva apenas quando está em casa. Detesta usar guarda-chuvas. O barulho da garoa a ajuda a dormir.
    Tem uma gana doentia por realização pessoal. É pressionada pelo tempo. Vê a vida como uma ampulheta, não pensa “amanhã é um novo dia” e sim “amanhã é um dia a menos”. Teme a solidão. Vê a felicidade não como um objetivo de ser, mas sim como um estado emocional. A ideia de eternidade a agrada. Gosta daquela frase “um templo em mim”.
    As suas duas linguagens do amor são toques e palavras de afirmação. Eu aprendi a demonstrar amor dessa segunda forma, por ela. Afinal, queria que ela se sentisse amada ao meu lado.
    Passaria horas falando dela. A conheço mais do que a mim mesmo.
    Eu aprendi a fazer café. Aprendi a gostar de lê. Aprendi a escolher frutas na feira. Aprendi a me organizar. Aprendi a gostar de indie. Aprendi a fazer bolo de chocolate com recheio de avelã com castanhas. Aprendi sobre cores, mãos, bocas e perfumes. Aprendi infindas coisas por estar com ela, com ela e para ela.
    É óbvio, antes dela me aparecer o meu dia a dia, os meus gostos, as minhas experiências, preferências e anseios, eram outros. No decorrer do nosso contato, experimentei/provei coisas novas. Em razão de tanto, minhas preocupações e olhares voltaram-se para trechos e formas que antes passavam por mim despercebidos e não tinham qualquer importância. Hoje, já não deixo de repará-los, é inevitável, ganharam minha atenção e não há nada que possa ser feito.
    Confesso, sou grato. Mas, ainda acho uma tremenda sacanagem do destino, pois não quero atrelar culpa à ela, de ir embora depois de ter transformado todo o meu eu.
    Depois de ganhar o meu sentir, a minha doação e entrega. Depois de eu ter feito dela uma deusa, não uma deusa qualquer, mas a minha deusa. Depois de eu ter entrelaçado tanto as nossas vidas a ponto de sequer compreender o significado de tudo, sem a presença dela.
    Ainda que eu esteja no mesmo trabalho, ainda que eu esteja na casa que planejamos juntos, ainda que eu veja sentido em continuar com os hábitos e rotinas que compartilhei com ela, ainda que eu seja um cara autossuficiente, sou dependente dela emocionalmente e fisicamente.
    Eu posso viver sem a companhia dela, sem lidar ou me preocupar com as suas manias e estranhas necessidades. Mas, eu simplesmente não quero. Tudo, exatamente tudo é mais intenso e gostoso ao seu lado. Se ela está junto, nada pode ser simples. Esta manhã gris jamais seria apenas uma manhã acinzentada de um domingo qualquer.
    Eu sinto a presença da ausência dela. É por isso que ainda, às 19h00 eu anseio com veemência que ela cruze a porta da sala de estar, me dê um beijo demorado, tire a camisa e o salto e diga “meu amor, vamos fazer o jantar”. Desejo uma cama preenchida e o cheiro de coco, protesto por uma noite aquecida pelo rosto dela a repousar no meu peito. A desejo por inteira, com todos os hábitos, manias e defeitos.
    Ela quem coloria os meus dias e desde então eles estão cinzas. Faria o possível para tê-la novamente aqui, trazendo essência à casa e à minha vida. Eu até mesmo a buscaria, mas eu jamais iria burlar uma das regras da nossa cidade, “insistir na presença de quem já não quer ficar”.
    Janaina Couto ©
    Publicado — 2021
    @janacoutoj
  • [Roteiros] CIGARROS

    — Quanto tempo. Está me procurando... O que houve? O que quer?

    — Com tédio. Estou querendo ir na praça. Aquele lugar sempre remete você, sei lá. Vou ir.

    — Deve estar um deserto.

    — Não me importo. Eu gosto da calmaria.

    — Vai, chama alguém… Ou vai sozinho mesmo, pensar na vida. É gostoso.

    — Está ocupada?

    — São 23h40 e eu estou no busão… vou descer a serra… encontrar um pessoal e passar o feriado na praia.

    — Espero que seja quente.

    — Eu também, mas como essa madrugada pelo jeito vai ser gélida, já não tenho tanta esperança.

    — Eu queria era um maço de cigarro. Mas não posso gastar.

    — Vícios. Não há o que se fazer, a vontade vai te corroer até tragar.

    — Fuma há quanto tempo? 2 anos?

    — Menos.

    — Hum. Quantos maços por dia?

    — Não fumo todos os dias. Mas quando fumo mesmo, uns 4. Às vezes mais.

    — 4 maços? Cacete.

    — Não, 4 cigarros.

    — Ah, menos mal. Eu acho. Meu pai fuma 3 maços por dia.

    — Já não há uma parte do pulmão que salve.

    — Acho um absurdo.

    — Eu fumo com meu pai. Sempre quando vamos trocar um papo de vida, estamos fumando juntos.

    — Eu sou asmática. O cheiro do cigarro me enoja e dá pigarro.

    — Fresquinha.

    — Não, sensata. Jamais gastaria grana com o que me destrói.

    — Pode ser.

    — Conselho: Nunca pare de fumar por alguém. As pessoas te abandonam, o câncer não.

    — Essa frase não fez sentido

    — Era para ser um humor pesado. Não é pra ter sentido.

    — Ah tá, entendi.

    — Fuma qual cigarro?

    — Lucky Strike. Mas, com o tempo, me acostumei e passei a achar fraco. Passei a fumar Marlboro e não me satisfazia. Agora, Hollywood está suprindo as necessidades.

    — Marlboro fraco??

    — Sim, acredite.

    — E o Ministér? Já fumou?

    — Não.

    — Sempre achei o Marlboro forte. Insuportável.

    — O cheiro?

    — A gente precisa conhecer o inimigo

    — Você sempre odiou o cheiro, não vai dizer que começou a fumar…

    — O cheiro, sim, é insuportável. E nāo, eu nāo fumo.

    — Então não entendi.

    — Eu nāo consumo o que me destrói. Okay? Apenas.

    — Ingere açúcar?

    — Infelizmente, sim. Mas, quando possível, evito. Nesse sentido, me destruo. Pouco a pouco. Lentamente. Mas, eu dou a ele esse poder. Ainda assim, estou no controle.

    — Ninguém está. Então, é a mesma coisa.

    — Não. Pois, os cigarros que fumam perto de mim, me degradam sem o meu querer. Inalo. Me faz mal e eu não posso evitar. É exterior ao meu querer. É bem diferente. Agora, se eu quiser fumar, okay… a escolha foi minha. Eu dando o poder a coisa que me faz mal. Eu e minha vontade. Eu decidindo por mim. Ainda assim, no controle, alteridade…. até se tornar um vício. Aí fode. Mas, coisa que de uma forma ou outra, foi fruto das minhas ações.

    — Às vezes a gente faz coisas para suprir necessidades que nós mesmos fazemos ser necessárias, mesmo sabendo que tal coisa nos faz mal. Bebida, cigarro, entre outras coisas. É o que eu acho.

    — Sim. Vício. Você descreveu o que acarreta. É muito metafísico isso. Concorda?

    — Com o que disse? Sim.

    — Vício. Dá para fazer uma puta comparação ou intersecção com as pessoas.

    — E ao que disse lá em cima sobre câncer. Cigarro causa sim câncer, mas não como dizem.

    — Muita coisa causa câncer.

    — Sim, mas demora muito, em alguns pode ser em algumas dezenas de tragas, mas em outros pode nunca nem acontecer.

    — Sim. Como quem nunca tragou pode desenvolver.

    — Sim.

    — Porém, é evidente que quem é fumante está mais propenso. Seja ele passivo ou ativo.

    — Uma série de coisas que ingerimos, assim como vários temperos, causa câncer. E ninguém liga pra isso.

    — Cara, agrotóxico. Uma centena de coisas.

    — Eu não ligo pra nada disso, tô foda-se. E não quero me importar ou me preocupar.

    — Você diz estar “foda-se” para uma série de coisas. A questão é: Até onde isso é verdade? Já se questionou se diz isso a si mesmo apenas na tentativa de se auto convencer? Dizendo alto e em bom tom?

    — Nunca me perguntei. Mas não acho que seja.

    — Hum. É, pode ser. Ou simplesmente nunca se questionou.

    — A questão é que mesmo sabendo que é errado. A gente costuma, eu costumo, me apegar aos vícios e eles me controlam. Passo a agir por eles a ponto de fazer qualquer coisa para suprir meu desejo.

    — As vezes a gente deseja o que destrói e isso é duro de aceitar e lidar.

    — Concordo.

    — Isso explica muito sobre nós.

    — Eu sei… Eu sou a merda do cigarro não é?

    — Sim. E eu tô tentando parar de fumar.

    — E hoje um alguém te encarou e acendeu a porra de um cigarro na sua frente.

    — Exatamente. Justamente enquanto estou lidando com a abstinência.

    — A merda da abstinência.

    — Ela é sufocante porque os segundos correm e só o desejo com mais veracidade.

    — Ainda que cada trago seja intenso, pouco a pouco tudo se desfecha em cinzas.

    — Você sabe, você vê.

    — Não importa o quanto eu queira…

    — Eu sou nocivo.

    — Não pode continuar a me dar o poder de destruir você.

    — Eu dei o poder e luto para tomar ele. Já havia se tornado um vício.

    — Tenho sede do seu trago.

    — Dizer isso não me ajuda.

    — Desejo você para cacete a ponto de ser egoísta, te querer só para mim. É forte a ponto de te fazer mal. Eu sou a merda de um nocivo. E você tem a porra de um vício. Me desculpa.

    — Eu queimo em intensidade e incendeio ao queimar o cigarro.

    — E é nesse momento em que me tem nas mãos. E eu me desfaço. Momento que sou teu. Momento que você, pelo prazer, me dá o poder.

    — Eu detesto você por tudo isso. E detesto ainda mais a mim.

    — Tudo poderia ser suave. Mas, como você falou, o controle só existe enquanto não há o vício.

    — Sim.

    — São pequenos esforços diários...

    — Eu sei. E hoje, eu não vou tomar minha dose de você.

    — (…).


    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2019]

    @janacoutoj

  • [Roteiros] DETALHES

    14h16

    Acho que sim. Você disse que não corre atrás e que não irá implorar nada. Sei que faz quando vê um problema, mas, aparentemente, não vê problema em nada.
    [...]
    Vejo sim. Vejo um problema, mas não o mesmo que você.
    Simplesmente queria que se colocasse no meu lugar. Mas, nāo tenta fazer isso. Fica dizendo equivocadamente que eu nāo tenho o direito de me justificar ou de também estar chateada. Acho um absurdo. Só queria que visse o meu ponto de vista para entender que "eu tenho o direito sim" e não ficar como hipócrita na sua visão.
    A sua frustração é quanto a um ocorrido, qual eu ainda não entendi pois você se recusa a explicar; a minha, por vez, é com a sua forma de lidar com ela, o seu modo de agir quando diante de uma situação de incômodo. Você está agindo pensando no mérito e eu no processo.
    [...]
    Entendi. Sei que se trata disso. Quanto a minha forma de lidar, reconheço que me estresso, quero distância no momento e me recuso a falar a respeito, faço isso porque qualquer atitude/decisão minha no momento será influenciada pela emoção, acabo sendo imediatista e agindo de uma maneira que sempre me arrependo depois.
    O seu agir na emoção me afeta de um jeito que você nāo faz ideia e a minha frustração/irritação foi justamente por isso.
    Eu nāo sou assim, a gente é diferente nisso. Tento nāo ser imediatista, as coisas ditas em instantes ficam e a gente nāo apaga. Quando eu tomo uma decisāo é de verdade, pra valer. Por isso te perguntei e te disse "me fala quando tiver convicção". Por isso nenhuma vez eu disse qualquer coisa do tipo. Não sei se entende o peso de falar isso…
    [...]
    Compreendo perfeitamente. Mas, voltando ao cerne da questão, ao mérito, ao que me frustrou… você não se desculpou de nada, em momento algum, somente justificou tudo. Eu entendo e concordo com o que disse, mas eu não quero mais ouvir justificativas e argumentos.
    Não fui bom o suficiente pra você e acho que, talvez, nem você pra mim. Como você mesmo falou, não costuma "correr atrás", se é assim, por favor, não faça isso, minha decisão está tomada.
    [...]
    Não sei o que falar nessas horas. Ainda assim, já nāo importa.
    Eu fui de verdade. A todo instante, nāo menti ou camuflei nada. Fui sempre sincera.... desde o início, até mesmo no longo "meio-termo". Quero que saiba. Não comecei nada cogitando um fim, mas, as vezes é como aquela música da Cássia Eller " o 'pra sempre' sempre acaba".
    [...]
    Você sabe porque acabou.
    [...]
    Eu sei, pelo motivo que eu nāo queria que tivesse acabado.


    20h02

    [...]
    Isso está me torturando.. Vai me atender?
    [...]
    Por qual razão saiu e me deixou falando sozinha?
    Eu disse que tinha muito a falar, pois, depois que tanto implorei para pontuar, fui capaz de compreender seus motins (finalmente entendi ao que se referia ao falar em "detalhes") e você ainda insistiu em sair andando.
    [...]
    Você só diz o que eu não preciso ouvir.
    Sabe o que aconteceu e você parece não se dar conta? Hoje eu percebi, com decepção, que você não correria atrás de mim. Simplesmente parece que não se preocupa com a ideia de poder "me perder". Seria capaz de me deixar partir por uma simples desavença, por ser orgulhosa a ponto de não querer correr atrás e fazer eu ficar.
    Demonstrou que não faz "questão" de me manter na sua vida. Aliás, confesso, ver sua indiferença me matou.
    O papel que eu fiz hoje, você quem deveria ter feito. Eu quem estava frustrado e decepcionado, o que me levou a cogitar uma ruptura, literalmente fui atrás de você por ter dito aquilo a flor da pele, para "resolver" as coisas.
    [...]
    Eu faria, faria o mesmo. Se, desde ontem, soubesse exatamente do que se tratou o seu desconforto, como fui capaz de compreender hoje depois que se propôs a falar. Já disse, não leio mentes.
    Aliás, faço questão sim. Diferente de você, eu sequer colocaria a hipótese da gente terminar por causa de uma simples briguinha.
    [...]
    Você ficou argumentando, tentando se explicar de alguma forma para se isentar de qualquer sentimento de culpa, enquanto deveria ter ficado quieta nesse sentido e simplesmente tentado resolver as coisas, independente de seja lá o que for.
    De antemão, esclareço que, sequer se trata de um "problema". Você se expressou mal, creio eu. Não "errei". Isso sequer deveria ter tido condão para causar discussão.
    Meu bem, uma omissão minha que te fez sentir-se mal… deveria tranquilamente ter me dito, nas suas palavras, que: "eu gostaria que agisse assim, essas pequenas coisas que deixam confortável e demonstram - para mim - que estás comigo, me fará muito bem se passar a ser mais atenciosa nesses detalhes, por mim".
    [...]
    Mas, independente do cerne da situação, você me deixou partir. Algo que eu jamais esperaria. Aliás, ainda nem consigo digerir isso, fiquei incrédulo e por isso mais uma conversa.
    [...]
    Estávamos conversando e tentei explicar o meu agir diante de como vi a coisa. Você parece não perceber que eu não iria "correr atrás" diante de uma situação onde eu sequer constatei "problema" para justificar sua escolha de partida.
    [...]
    Eu vi indiferença da sua parte e me magoou muito. Não disse o que precisava dizer, o que eu precisava ouvir e, sobretudo, o que deveria ter dito. E tenho convicção de que sabe ao que me refiro.
    Isso aqui não era para estar acontecendo, estou praticamente te cobrando. Se você quisesse a minha presença, diria por espontânea vontade. Mas, pelo jeito, a ideia de ruptura não te suscita nada. Não te assombra.
    Como se não bastasse, depois de tudo o que foi dito, das coisas que eu queria ouvir após todo esse meu agir, ainda não ouvi ainda.
    [...]
    Há pouco tempo, eu jurava que você estava disposto por um ponto final no nosso vínculo e isso definitivamente não era o que eu queria. Mas, com tudo nebuloso, ainda ousei e falei: DECIDE e me diz uma coisa dessas somente quando tiver convicção, justamente para você repensar e prestar atenção no absurdo. Sabe, eu jamais imaginaria que diria o que disse. Confirmando uma escolha ruim.
    Eu nāo tinha como correr atrás. Aliás, eu jamais imaginaria que precisaria correr atrás pois eu não fazia ideia de que, diante de uma situaçāo mal interpretada e não esclarecida, você diria um adeus.
    [...]
    Essa conversa não vai dar em nada de novo. Não entraremos em um consenso. Sabe, como se não bastasse, constatei algo que me abalou. Vamos deixar a situação como está.
    Por fim, te peço desculpas por não ter tentado lidar com as situações de incômodo de uma forma melhor.


    22h45

    [...]
    Eu te peço desculpas, agora, por nāo agir do modo que você gostaria, um modo que eu poderia agir e não percebi (digo isso quanto aos detalhes). Aliás, me desculpa por ser "individual" em algumas coisas, sua frustração nesse sentido é, infelizmente, válida. Reconheci isso, percebi tudo sobre os detalhes depois que se propôs a pormenorizar.
    Eu já havia dito que agiria de acordo, por querer agir, por ver sentido em passar a agir assim. Agora, sei como são importantes, apesar de chamarmos de "detalhes".
    Peço desculpas também por nāo ser direta, sei que isso complica muito as coisas.
    Peço desculpas por colocar expectativa no seu agir e me frustrar com ele.
    [...]
    Pediu desculpas somente após ouvir as minhas pelo meu imediatismo cego. Pediu desculpas como se fosse por obrigação.
    Sinceramente, se eu nunca amei alguém antes, acredito que estou amando agora e não gosto de amar alguém. Dói e frustra. Não quero esse sentimento de amor.
    [...]
    Isso foi inesperado e cortante. Não queria te proporcionar isso. E, outra, você nāo é o único a ser afetado nessa história.
    Sobre desculpas, está equivocado. Eu mesma já te disse que um pedido de desculpas sem mudança é manipulação.
    [...]
    Quanto a minha dor, já tomei atitude a respeito. Você precisa me esquecer, o que eu acho que não é tão difícil, a ausência do seu agir quanto aos detalhes me leva a pensar assim.
    [...]
    Não tenho como esquecer ou parar de sentir tudo o que pulsa em mim de uma hora para outra.
    Qual atitude? Aquela decisāo anterior? Aquilo realmente é do seu desejo?
    Como assim, isso foi um "eu amo você"? Disse me amar e não gostar disso?
    Cacete. O primeiro "amo você" que ouvi, dessa forma de amor, foi pronunciado com pesar. Não faz ideia do quanto isso é decepcionante.
    Vejo que está decidido… Se é assim, quanto aquele texto, sobre o parágrafo final (que prometi te responder na hora certa), foi sincero. Sei que nāo mais te importa, mas, foi real.
    Isso explica muita coisa... o meio-termo que me submeti, mesmo sendo doloroso para mim, por causa do desdém e, ainda assim, eu estou aqui.

    [...]
    Um amor que só você sabe que existe? Que não me demonstra com atitudes? Um sentimento que eu não vejo? Um sentimento vomitado? Você me diz muitas palavras de amor, mas tenho a sensação de quem são da boca pra fora.
    [...]
    Eu tenho plena convicção do que sinto e é horrível te ver menosprezando algo que está em mim, algo puro e singelo que pulsa por você.
    Sabe, quanto às suas perguntas retóricas, eu também poderia fazê-las. Principalmente por você ter colocado a hipótese de ruptura, enquanto eu jamais faria uma coisa dessas.
    [...]
    Não conta isso que estou fazendo? Nem mesmo tudo o que já fiz até agora? Aliás,coisas que eu nunca fiz e jamais faria por nenhum outro alguém?


    00h05

    […]
    Tem mais alguma coisa a falar?
    [...]
    Só a ouvir...
    [...]
    Isso quer dizer que está me esperando dizer algo específico?
    [...]
    Talvez. Na realidade, se trata do que eu gostaria de ter ouvido há muito tempo. Mas, não sei, acho que já desencanei…
    [...]
    Entāo isso significa que independente da nossa conversa a sua decisāo é aquela?
    [...]
    Faça uma reprise de todo o acontecido, lembre das coisas ditas.
    Eu fiz e percebi coisas que eu e você dissemos e que nāo dissemos. E, sobretudo, nas coisas que eu falei.
    Aliás, aceito suas desculpas, ainda que você nāo reconheça as minhas.
    [...]
    Eu aceito as suas. Mesmo que eu não tenha sentido sinceridade.
    Como assim? Esteve repensando exatamente o que?
    [...]
    Como as pessoas são capazes de sentir e isso nāo estar ao alcance do outro.
    [...]
    Se refere a o que?
    Quando eu disse que sinto o mesmo que você, me falou que nāo percebia assim…
    [...]
    Não irei te enganar com uma mentira. Não há nada que eu possa fazer a respeito, pois se trata do que eu vejo e sinto.
    [...]
    A gente pode levantar infindas coisas para justificar o nāo crer no que o outro alega sentir.
    [...]
    Eu não vejo o seu sentir e se ele realmente existe, não me satisfaz.
    (...)
  • [Roteiros] ESPETÁCULO

    (…) — Gosta dessa quebra?


    Penso diferente, vejo diferente a situação. É como se eu assistisse você dançar, ir e voltar, se fazer e se desfazer. Se refazer. Oscilar quando lhe é conveniente. Entende?

    Eu sou a plateia. Aquela que assiste com certa indiferença. Já que a plateia segue inerte e se adapta ao que assiste, ainda que com uma visão crítica, seja ela negativa ou positiva. Mas, ainda assim, aquela plateia que não abandona o espetáculo. E, talvez eu seja esse tipo de espectador. Não sei, complicado.

    A questão é que, pensando do ponto de vista do espetáculo, há instantes em que a gente, expectador, se ver extremamente cativado, porque tudo ainda é desconhecido e ainda estamos esperando, com ansiedade, já que não sabemos o que vai surgir dali. É fresco. Desperta uma enorme curiosidade para desvendar o desconhecido. É excitante. Principalmente a ideia de ter algo tão próximo e quase ao alcance das nossas mãos. O segredo está aí, no quase, principalmente na incerteza se as nossas expectativas quanto ao que está diante de nós serão supridas ou frustradas.

    Só que quando nos deparamos com o primeiro embate, a primeira crítica negativa, a primeira cena do espetáculo que a gente não gosta… acho que a oração é essa “não gosta” ou que fere aquilo em que acreditamos, bem como os nossos valores ou princípios; a gente fica com um pé atrás, surge então o receio do que há de vir, a plateia fica com um olhar mais cauteloso.

    Alguns, talvez, quem sabe, até mesmo fascinado pela quebra de expectativa. Ruptura.

    Aí sim, ocorre aquela velha coisa de “se adaptar a situação” e nosso encanto passa a se pautar em momentos. “Ah, gostei dessa cena” outrora “nossa, não gostei nem um pouco disso”… entende? Deixando-se levar pela maré.

    Sempre vai ser assim, passa a ser assim, a depender do espetáculo como um todo e do desenrolar do enredo, o espectador vai se adaptando as cenas e se impondo a respeito delas ou, simplesmente, sem mais nem menos, em algum instante sai da sala e abandona o espetáculo.

    Isso, abandona. Porque já não faz sentido ver aquilo, assisti-lo já não o cativa. Talvez justamente em razão das coisas que confrontam os seus anseios, valores princípios ou, até mesmo, as expectativas frustradas do espectador; se sobressaem quando diante das coisas que o cativaram naquele espetáculo. Então, o espectador decide ir embora, com plena convicção e ciência do que faz. Ele sai daquela sala, literalmente abandona, porque já não há mais sentido permanecer, ficar, e observar uma coisa que em cima ele vai desmoronar.


    […]

    (…) — Por que permanece?


    Sinceramente, não sei.

    Acho que… ansiei por tempo demais a transformação do vínculo, o ápice, ou melhor, a saída do meio termo. Eu percebi a entrada e não a interrompi, pois acreditei que logo haveria uma definição e a linha já não seria mais tênue. Seria uma coisa ou outra.

    Mas, eu esperei por tempo demais. Identifiquei idas e vindas e senti coisas diversas. Também reconheci muita coisa que me desagradaram e que pulsam para que eu abandone o espetáculo e pequenas coisas que me cativaram, sendo assim, me fazendo questionar o que mais teria a conhecer.

    Me importei com algumas coisas e muitas outras me atingiram, justamente por ferirem meus valores e princípios. Sobretudo, ainda assim, houveram aquelas que eu gostei intensamente.

    E permaneço, creio, que por elas.

    Quer saber? Acontece que eu já nem sei. Simplesmente permaneço. É isso, fico a observar. Porém, sem expectativas, nem mesmo a menor delas. Nenhuma.


    […]

    (..) — Está presa nisso aqui e não quer assumir.


    É realmente tudo muito ridículo.

    Respirei profundamente.

    Naqueles segundos, não me olhei para mim, me desfiz e me refiz.

    E é quando, finalmente, me levanto.

    Após nenhuma cena específica, mas, simplesmente porque aquilo já havia me cansado. Passou a ser tedioso e nenhuma cena mais me causava euforia e as que deveriam me causar pavor, nāo me surpreendiam. Eu seguia inerte, sequer ansiava o final do enredo ou fazia presunções.

    Me levanto. Sem mais, nem menos. De uma hora para outra. Sozinha. Sem nenhuma transformação. Cambaleio no escuro, esbarro em uma pessoa ou outra, ouço alguns murmúrios e sussurros, sobretudo questionamentos sobre a minha saída.

    Em segundos, passo pela grande porta. E, por incrível que pareça, indago a minha partida. Sigo o longo carpete vermelho e entro desesperadamente no banheiro.

    Fito o meu rosto sereno e sólido no espelho. “O que estou fazendo? Vai continuar se submetendo a isso aqui? Você merece mais”.

    Suo frio e cogito voltar. Não sei exatamente o que me levou a isso.

    Lavo as minhas mãos e, numa tentativa fútil de amenizar a tensão, — que não sei donde vinha — as deslizo molhadas sobre meu rosto.

    Encaro-me. E falo, alto e em bom tom, para mim mesma, com convicção: “eu abandono o espetáculo, agora”.

    Então caminho suavemente até a loja de conveniências, compro um chocolate qualquer, o saboreio, reclamo do gosto enjooso.

    Como se não bastasse, resmungo do tempo perdido e do valor do ingresso da porra daquele espetáculo.


    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2019]

    @janacoutoj

  • [Roteiros] RUPTURA

    Eu sempre vou ter o que falar. Não guardo palavras. Mas, é cansativo quando são proferidas em vão. Sobre o meu sentir, você sabe. Aliás, fim de semana passado foi incrível.

    Posso apontar a dedo (os seus e meus) erros e os acertos, ações e omissões, os altos e baixos.

    Obrigada pelos altos.
    Obrigada pelos dias gostosos.
    Obrigada pelos olhares, pelos momentos de verdade.
    Obrigada por me mostrar inúmeras coisas.
    Obrigada pela imensidão do que me permitiu sentir.

    Porém, foi sobretudo, conturbado para apenas uma estação. Não vivemos ou viveremos tudo o que eu gostaria. Não comecei nada pensando no fim.

    O ponto final você põe, agora, sozinho. Não precisa me falar razões. A minha resistência ao CEDER e a sua necessidade em IMPOR sempre foi um problema entre nós. Sobretudo, o jeito como lidamos com as coisas, que é grotescamente diferente. Causou muitos dias baixos (como ontem e hoje).

    Todas as minhas declarações, choros, abraços, beijos, toques e olhares, foram sempre, profundamente, de verdade.

    Sabe, você diz sentir o universo por mim. Não sei como se pode amar alguém e facilmente colocar ponto final em relação a ela, bem como sempre ameaçar partir. Muito menos como tudo pode ser razão para partida. Não sei se é por você ser imediatista. Não sei.

    Acaba por me proporcionar alvoroço emocional. O alvoroço existe justamente pelo que pulsa em mim, por eu gostar de ti de uma forma desmedida.

    Você parece não perceber que, para quem está do outro lado, isso é foda, pra cacete. É uma espécie de controle emocional. Sem contar que mostra fragilidade do nosso elo, em muitos sentidos. Te disse isso das outras vezes.

    Francamente, como amiga, se atenta nisso. Como isso afeta e o que demonstra para o outro. Não sei se nos seus relacionamentos anteriores isso fluía ou como sua parceira reagia. Mas, pode descartar se quiser. Não tenho outra experiência para poder comparar. E, ainda que tivesse, sabe o quanto detesto comparações.

    Por favor, não me venha com “vai deixar a nossa coisa se desmanchar”. Sendo sincera, você quem iniciou a ruptura e, dessa vez, simplesmente acatei sua decisão. Não jogue o peso da sua escolha sobre mim.

    Recordo precisamente do seu efêmero posicionamento. Ouvi com atenção aquela frase, que, aliás, óbvio, atordoa a minha mente. “Não está bom pra mim”. Ainda que antes mesmo de proferi-la, intuitivamente pude pressentir o que diria. A mensagem amarga. Ao soar de cada silaba proferida, cada movimento dos teus lábios, queimava. Lentamente eu provava cada farpa do veneno.

    Não vou enganar a ti, muito menos a mim mesma, estou decepcionada e, mormente, com raiva. Por todo um conjunto.

    Aquela conversa não foi em vão. Aliás, nunca qualquer conversa, fala, minha foi frívola. Detesto a ideia de me doar em conversas baldias.

    Você não pode dar tchau pra mim sempre que tiver vontade. Fazendo-me sentir imenso temor diante de toda e qualquer coisa ínfima, propriamente por saber que você, a qualquer momento, irá se voltar a mim dizendo um adeus ou ameaçando isso.

    Você não pode me dispensar e depois -quando quiser - me chamar, acreditando que vou ignorar isso e simplesmente "gozar".

    Não pode me descartar assim, achando que isso não me abala ou enfraquece um vínculo.

    Sabe o pior? Isso não foi agora. Já havia acontecido mais vezes do que eu gostaria, aliás, vezes demais que chega a ser difícil de acreditar. É tristemente reincidente.
    Não quero uma relação instável. Não quero me sentir insegura, pontualmente nesse sentido: “hoje ele quer estar comigo, amanhã, sem mais nem menos, talvez não”.
    Tenho horror a estar constantemente dependente da sua aprovação e, principalmente, a conviver com a necessidade incessante em me certificar de que “está tudo bem entre nós”.

    Não quero ficar absurdamente pressionada pela ideia de que “se eu não fizer determinada coisa ou se não agir da forma que ele espera/deseja, independente do que penso ou quero a respeito, para mantença do ‘nós” irei ceder, senão ele virá colocar um ponto final ou ameaçar fazer”.

    Não quero estar obrigada a ceder quando não vê necessidade ou sequer sentir vontade para tanto, muito menos quando reconhecer um problema quanto a anuência. Fico apavorada ao me ver sendo qualquer pessoa, que não eu mesma, por temer sua partida.

    Naquela madrugada, custava pensar antes de agir? O que te faz mudar de ideia logo após enfiar na minha garganta um ponto final? Nem sei se mudou, sequer o que te motivou a tomar uma decisão incrivelmente ruim. Juro que isso me intriga. Desde quando o que penso ou sinto sobre a árdua transição do “nós” para o “eu e você” passou a te importar?

    Você fez isso, sozinho, quando eu menos esperava, quando eu sequer podia sentir cheiro de partida, muito menos cogitar qualquer coisa parecida.

    Depois daquela tarde de domingo quente, quando fizemos juras de amor e promessas, exatamente quando, para mim, estava tudo passando a fluir de um modo surreal; mais uma vez, você me fez sangrar, encerrando o nosso ciclo por “bobagem”, quando parecia ser o início do nosso melhor tempo. 

    Acredito que foi a coisa mais idiota que você fez. Justamente por eu gostar pra caralho de você aquela conduta foi uma merda.

    Talvez, seja como canta Adriana Calcanhoto, “Rasgue as minhas cartas e não me procure mais, assim, será melhor.”

    Não importa o que diga. Não me é interessante que as promessas sejam renovadas. Pois, não me valem de nada até que as cumpra. Teve inúmeras chances e elas não foram aproveitadas.

    Não irei permitir ser como das outra vezes. Ainda que eu dê uma nova chance, para o “nós”, é muito provável que semana que vem você faça a mesma coisa. Nessa frequência, irei permanecer me magoando. Detesto com todas as minhas forças o “vai e vem”. Eu não aguento isso.

    Fico pensando naquilo... Se para ti não está bom, imagina para mim com essa instabilidade partindo de você. Não é decidido quanto ao meu “eu”, em muitos sentidos.

    É claro, não imaginava que o nosso relacionamento poderia ser conturbado assim. Instável. Não quero isso para nós. Desejo pisar em terreno seguro. Mergulhar e não cair nas pedras.

    Eu que sempre falei em reciprocidade e priorizei “leveza”, me deparo num naufrágio. Não está sendo saudável e você não vê ou, ridiculamente, fecha os olhos.

    Por constatar o caminhar das coisas e acreditar sinceramente que, nós dois, desejando, seríamos capazes de contornar a situação. Nos proteger da mácula. Te escancarei isso antes. Justamente pela árdua percepção que, naquele domingo, eu te implorei: “vamos tentar”. Mas, infelizmente, nas oportunidades para vermos a tentativa, ela não aparece.

    Desse jeito eu não quero mais. Estive pensando muito de sábado pra cá. A mesma cena se repete. Não quero permanecer num relacionamento desse jeito, a nossa coisa não estava boa para ti e, para mim, estava ainda pior. Sabe por quê?

    Não quero ter que ceder aos seus caprichos (saiba diferenciar ao que me refiro) sob ameaça de te perder! Muita pressão sentimental que estava me sufocando. Sinto que a qualquer momento estarei sozinha, quando eu menos esperar, então é melhor que seja agora, já que você mesmo decidiu isso sob o argumento ridículo de que não supro as suas expectativas.

    No mais, anseio estar com alguém confiante sobre mim. Você sempre com ameaça de fim não demonstra isso.

    Aliás, quanto a sua carta, foi a primeira que recebi dessa forma de amor. Olha, independente de tudo, você sabe o quanto eu sinto por você.

    Desculpa não conseguir responder. Pela primeira vez, não tenho palavras. E isso é raro. Acredito que por estar indignada, com raiva e decepcionada, por aquilo que já falei.

    Eu confiei em você. Confiei em muitos sentidos. Estava mergulhando e me entregando emocionalmente e fisicamente. Para o cara sempre romper comigo por nada. Sem contar nas ameaças de partidas anteriores e nas coisas que já te foram ditas.

    É evidente. Fiquei e estou magoada. Quanto ao nosso vínculo, sou porto seguro enquanto você, para mim, aparenta ser incapaz de ser qualquer coisa próximo a isso. Sempre instabilidade da sua parte.

    Não vou me sabotar tentando repousar a culpa da ruptura nas minhas condutas. Eu sei que tentei agir para você, a todo instante, da forma que eu gostaria que agisse comigo.

    Lembra? Em muitos momentos eu falei “É apenas o começo. Estamos nos conhecendo. Calma, tudo no seu tempo. Podemos lidar da nossa forma. Não esquece o nosso pacto”.

    A estação inteira eu pugnei por um relacionamento saudável. Com sinceridade, reciprocidade e confiança. Sem joguinhos, desconfiança e “paranóias”, pois sequer haviam razões para tanto. Eu via a instabilidade e a repudiava com todas as forças, pois, afinal, eu gosto muito de você e queria o “nós”.

    Acredito mesmo que quando os dois querem, fazem acontecer. Mas, se é preciso maturidade.

    Em muitos momentos não me impus da forma que eu deveria. Ao contrário, conversei cruamente para te explicar o problema de algumas coisas e que poderia se sentir seguro quanto a outras. Não obstante, aceitei coisas que não gostei, de modo desprezível deixando “passar” para ficar tudo bem entre a gente.

    Digo com convicção que em instante algum agi num imediatismo cego contigo, por temer o que isso poderia suscitar em você, a mim e, sobretudo, na nossa coisa. Sei que até mesmo tu reconhece. Pois, diante de toda e qualquer pequena situação de desconforto, eu explicava as minhas razões, problemas e escolhas, me fazendo “nua e crua”.

    Sempre valorizei e recordo de todos esses diálogos. Para mim, representavam um marco para que desde as ínfimas à grotescas situações de incômodo não se repetissem. Deveríamos evoluir para sabermos enfrentar e lidar com coisas novas.

    Reconhecendo que não raramente pareci a sua psicóloga, explicando o problema das coisas, pontos de vistas, aconselhando a ressignificar e mostrando como tudo poderia ser mais suave. Nós dois precisávamos de equilíbrio e aprender a sopesar as coisas.

    Como se não bastasse, para mim mesma, muitas vezes te julguei por “infantil”. Assim como sei que, ainda no momento tendo plena convicção do contrário, também fui.
    Fizemos “pactos” para facilitar o correr dos nossos dias, já que vemos e lidamos com toda e qualquer coisa de modos absurdamente distintos. “Eu e você sempre ‘nus’ e ‘crus’”, lembra? Mas, aparentemente, nos instantes em que mais se era preciso, só eu recordava e estava disposta a segui-los.

    No último mês, houveram partidas em todas as semanas. Todas! As mesmas promessas já foram feitas outras vezes, sobretudo, nas últimas semanas. Por favor, não vamos normalizar isso. Mostra bem mais que fragilidade.

    Relacionamento é balança e não depende só de um. A conduta do outro gera sempre reação. Se isso prosseguir, da maneira como estava, é inequívoco que iremos adentrar novamente no mesmo ciclo vicioso. Assim, acabando somente por prolongar isso, a ruptura.

    Não adianta forçar nada! A entrega, o cuidado, o zelo e a valorização da nossa coisa deveria ser, de ambas as partes, natural. Independente do quanto eu deseje, independente da nossa conexão foda, não temos que forçar dar certo.

    É insano. Foi o meu primeiro relacionamento e sei que minha inexperiência pode ter atrapalhado. Não que sirva de justificativa para erros e afins. Quero dizer que, apesar de tudo, eu tentei agir com maturidade e responsabilidade afetiva. Convivi com uma sede insaciável de afastar as coisas que abalavam o “eu e você”.

    Acredito que irei me magoar ainda mais persistindo nessa ganância de cuidar de algo que independe somente de mim. Não sei como de um instante a outro as coisas podem ser diferentes.

    Você sabe muito bem. Dei um passo muito grande, seria uma surpresa e acabei te contando quando do seu adeus.

    Percebe? É difícil digerir que até mesmo quando tudo está bem, sem mais nem menos, do nada, chove. É triste remoer que na maior parte do tempo estamos no “baixo”, enquanto me apego aos poucos momentos de “alto”.

    Foi a estação em que senti o mundo. Mas, foram dias, sobretudo, conturbados. As minhas emoções ficaram à flor da pele.

    Não acato sua decisão sob o argumento de “é melhor agora enquanto é cedo, antes de entrelaçamos nossas vidas ainda mais, antes se apegar”. Não, não tomo, porque eu já estava apegada o suficiente, desde o meio-termo. No mais, pouco a pouco, te inseri em todos os âmbitos da minha vida.

    Tratava-se do nosso começo e ele deveria ser, em tese, muito bom. Deveríamos, os dois, estarmos eufóricos pela entrega um do outro. A reciprocidade, a sinceridade, o cuidado emocional com o outro tinha de ser trivial. Sem a necessidade de precisar provar que se importa ou, muito menos, se sentir obrigado a tanto.
    Sabe o que demonstra que não estava sendo saudável? Palavras suas: “ambos estão exaustos”. São coisas que não coincidem para mim. Exaustão em um curto lapso temporal. Uma estação! Parece muitos mais tempo, não é? Mas, não, foi só um verão. Com o outono, chegou a ruptura.

    Dessa forma, eu não consigo seguir. Passo o meu dia ponderando em como podemos elevar o suporte do nosso afeto. Fico tentando compreender o que acontece. Como se não bastasse, sinto constantemente o peso de precisar provar para você que pode confiar em mim, que gosto de você, que me importo, que me preocupo.
    Sendo que eu acredito que nunca fiz nada para você pensar o contrário e agir de acordo com tal. Não faz ideia do quanto me sinto imunda por isso. Insuficiente. Ainda que seja convicta de quem sou, muitas vezes, me senti assim diante de ti.

    A única vez que a partida partiu de mim, foi por isso. Por perceber tudo! Conversamos sobre reciprocidade, leveza, sentir e tudo mais. Houveram promessas de ambas as partes. Você se atentou a algumas coisas, mas ao que magoava, não. Com a primeira chuva de outono, nos encontramos nisso, partida.

    Possamos gostar muito um do outro. Mas, não foi a primeira que me disse “não está bom para mim”. Não sei como isso vai mudar de uma hora a outra. Levando em consideração o quanto já tentei, me sinto esgotada, sem cartas na manga. Como de um segundo a outro te farei sentir-se realizado? Não quero ser hipócrita.

    É duro. Posso gritar para o mundo o quanto é duro para mim enfrentar isso aqui, a ruptura.

    Sofro pelo que poderia ter sido e não foi. Não esquece.

    Acredito que estou frustrada, não pela minha entrega, mas justamente por acreditar com lasciva veemência que, depois do pôr do sol daquele domingo, nós dois iríamos tentar, mesmo! Por acreditar que as promessas, conversas e pactos não tinham sido em vão. Pelo meu crer de que nunca mais haveriam idas e vindas. Sempre estive disposta a enrrigecer a nossa coisa.

    E, exatamente uma semana depois, tudo volta ao antes. Ao morno.

    Meu mais insano e desmedido amor, o “eu e você” não vai prosseguir. É árduo dizer que na maior parte do tempo estávamos frustrados um com o outro, ainda que em vertentes distintas.

    Não quero viver na esperança de tentar. Não quero permanecer num relacionamento que conforme palavras suas, “só tenho preocupações”. Não quero seguir assim.
    Nossa afinidade deveria ser o refúgio. Algo digno de agradecimento. Sabe, muitas noites eu agradeci ao universo por estar ao seu lado, por dividir essa fase com você. Ansiei muito para que passasses a me ter como confidente, assim como te fiz o meu. Te falei isso, mas sempre respeitei o seu jeito peculiar, astuto e ocluso, nesse sentido; acredito que tratava-se de uma questão de tempo para você se sentir confortável para tanto.

    Talvez eu tenha posto muito expectativa e essa seja a raiz da frustração. Mesmo que eu tenha tentado manter os meus pés no chão. Desejei ter o seu verdadeiro “eu” comigo.

    Nesse quesito, sobre a sua carta, nas folhas “amarelas”, eu gostaria, mas não consigo ler aquilo e dizer “você não foi assim para mim”. No entanto, afirmo com convicção que você não foi somente aquilo.

    Existem dois caras em você. Aquele por quem me apaixonei e o que me faz ir embora.

    Sei que eu não sou ótima. Que não sou a dona da razão, aliás, não raramente estou completamente equivocada. Mas, realmente tentei agir para contigo da forma que eu gostaria que agisse comigo.

    Eu não menti uma vez sequer. Não tratei com desdém. Não joguei na cara o tempo que despendi para estarmos juntos. Não enganei, nem com ações, nem com palavras e em nenhum instante isso passou pela minha cabeça. Eu fui nua e crua para você, te mostrei cada fresta. Mas, nada disso foi o suficiente.

    Como se não bastasse, o meu sentir, nas suas palavras, “não o satisfaz”. E, quanto a isso, me recuso alegar qualquer coisa. E sei que essa frase jamais será esquecida por mim. Já disse o quanto detesto seu imediatismo?

    Estou assoberbada de pensamentos confusos e conflitantes. Por hora, não sei o que tenho mais a falar. E o que sei que tenho, prefiro acalentar.

    Já falei tanto. Fiz cartas de amor (puras). Me declarei. Me entreguei. Sobretudo, me joguei da cascata, a queda foi gostosa, mas acabei presa nas pedras.

    Não quero mais. Desculpa, sei que devo, pois também errei contigo, apesar da minha “ingenuidade”, como mesmo dissestes. Aquela história. E, sinceramente, pensando em tudo que vivenciamos, analisando os motins das nossas discussões, aquela consistiu na única coisa com titulo de “problema” e digna de uma ameaça de partida. Quanto às demais, trataram-se de coisas que poderiam facilmente ser resolvidas e acabaram, por nós, prolongadas.

    Independente da minha raiva e decepção, juro que digo isso com um imenso pesar, meu bem: Nada do que te digo agora é inconsciente. Essas não serão mais palavras em vão.

    Eu não havia planejado falar nada disso aqui. Depois de agradecer pelos nossos “autos”, pensei: “ao decorrer dos nossos dias, já falei o bastante”. Nada do que expus te é novidade. Não abandono o espetáculo sem mais nem menos.

    Sabe o que me corrói? Não fui para ti quem eu gostaria. Ser refúgio e confidente, por exemplo. Você não me permitiu ser. Acabava comigo te ver “morno”, com a mente e o olhar distante e, especialmente, por notar que os problemas te consumiam a ponto de te fazer agir mal com os que te querem bem.

    Foram muitas as vezes que te implorei para saber o que estava rolando e querer ajudar, mas parei quando me disse em voz alta e em bom tom que não queria a minha ajuda. Não dividiu. Não mostrou confiar em mim. Não me inseriu nos outros âmbitos da sua vida.

    Ainda assim, por ter ciência da sua dificuldade em compartilhar, te perdoo pelos momentos de desdém, pelos instantes que estava atordoado com os problemas a ponto de parecer que eu nem estava ali, que a minha presença tanto fazia.

    Porém, muitas vezes, agiu como um idiota comigo, como você mesmo pormenorizou na segunda folha amarela daquela carta. Como se não bastasse, quando diante dessas ações te disse “eu não não mereço ser tratada assim”, não ouvi sequer um pedido de desculpas, mas sim um “então arranja um cara que te trate melhor que eu”.

    São tantas coisas. São praticamente infindas para apenas uma estação. Fiz uma escolha, acatei sua decisão e, por hoje, não quero falar sobre isso. A minha cabeça está cheia e o meu coração inquieto. Não existe mais o “nós”.

    Eu disse sério ao falar que estou com raiva e decepcionada. Essa ruptura será ainda mais complicada se mantermos contato contínuo. Pelo menos agora.

    Mais uma vez, te peço, não coloque a ruptura nas minhas mãos. Você já tomou uma decisão e eu simplesmente concordei com ela. Faço isso pelo meu bem estar emocional e psicólogo.

    Não quero perder minha essência ou personalidade, como é o caso de ceder a meros caprichos, para manter relações, ainda por cima instáveis. Não quero me desgastar na tentativa de salvar algo sozinha, que não está somente sob o meu controle.

    Me apavora te ouvir dizer que existe algo mais, que estou dissimulando as razões da minha anuência. Parece absurdamente que não prestou atenção ou que ridiculamente descartou tudo o que já desabafei. Não é “do nada” e não tem que se achar estranho. Uma vez, naquele domingo, a partida surgiu de mim e pelos mesmos motivos de agora.

    Sabe o quanto desprezo idas e vindas. No pôr do sol daquele mesmo domingo te disse: “Me vejo voltando atrás numa decisão e isso não é comum para mim. Por respeito a nós, não vamos jogar fora”.

    Você voltou atrás também, em todas as suas despedidas…

    Suas ameaças de partidas e as despedidas foram motivadas com base em que eu fui para você, dentro dos seus limites, ideais de certo e errado e sentimentos.

    Sua percepção sobre o meu desejo de estar com você, príncipalmente sobre o meu sentir, depende de que eu seja quem você quer, ceder, suprir as suas expectativas até mesmo nas coisas mais mínimas.

    Sabe, eu tenho fervor por quem me deseja por inteira. A mim mesma. Não irei mudar a ponto de se tornar uma versão pirata de mim mesma.

    Eu queria poder agradar você, óbvio. Mas, sendo eu mesma e não precisando provar o meu desejo e tudo o que sinto da maneira que você achava que deveria ser. “Não está bom para mim”. Não consigo ceder a ponto de me tornar o amor que te satisfaz, que você deseja.

    Houveram pedidos de desculpas e promessas mútuos, mas nem todas elas foram cumpridas. No principal imbróglio, sequer houve tentativa. Nunca acreditei numa mudança repentina. Mas, o mínimo que eu esperava era uma mísera tentativa.

    Com instabilidade e insegurança sobre mim, tive dias de inquietação emocional e psicológica. Não consigo lidar, me martiriza. Acaba, assim, me atrapalhando nas coisas mais simples (concentração, estudo, trabalho).

    Confesso que nos “altos” me proporcionou coisas incríveis, êxtase. Mas, a maior parte do tempo estávamos no “baixo”. Pelo morno, me sentindo insuficiente, idiota e até mesmo alguém ruim. Sobretudo, “o não satisfaz”.

    Percebeu como sou repetitiva? Isso torna essa conversa densa e incrivelmente cansativa.

    Ainda que me questione, não vou mais te expor motivos. Foram coisas sempre ditas.

    Não vamos ser hipócritas. Isso não precisa acabar mal. Não vamos denegrir a imagem um do outro, não há razão. Aliás, algo assim é ridículo.

    Se é preciso aceitar os erros. Ficar triste pelo que não foi. Reconhecer o que se perdeu. E seguir com maturidade. No mais, agradecer os momentos de “altos”. Não é tratando como se nunca tivéssemos nos conhecidos que a ruptura se tornará fácil.

    Você não foi e não é qualquer pessoa. Isso não vai mudar, para mim. Marcou.

    Eu comecei com sinceridade. Vou terminar assim também.

    A minha decisão está tomada. Espero que aprendamos a não cometer os mesmos erros.

    Sobre a nossa coisa, o nosso meio-termo, me mostrou como sou intensa. Obrigada, mesmo, pelos instantes de intensidade. Adorava quando a nossa coisa pegava fogo.

    Você foi contemplado em ter o meu sentir, o meu querer, o meu corpo. Eu jamais havia me entregado tanto.

    Peço para que a nossa coisa fique entre nós. Principalmente os nossos detalhes, as coisas importantes que aconteceram. Desejos, intenções e afins. Assim como as coisas agradáveis e desagradáveis. Lembre, são memórias suas e minhas também.

    Me agrada a ideia de estagnar no tempo o “eu e você”.

    Não sei como vai me perceber depois da ruptura. Acredito e espero que não seja motivo para “descaracterizar” o meu eu. Jamais irei desonrar o seu nome. Por favor, não o faça com o meu. Não há razões. Não me interprete mal, peço isso por desencargo de consciência. Acredito no que sente por mim e sei que não faria tal coisa.
    Desculpa se te proporcionei momentos ruins.

    Foram meses repletos de primeiras vezes, para mim. Você sabe. Aliás, a primeira vez que proferi “eu amo você”, dessa forma de amor. E dane-se se foi cedo.
    Reconheço que sobre algumas coisas dei passos largos e tropecei nos meus próprios pés. Fui inconsequente. Me arrependo. Mas, jamais irei me arrepender pelo que fui e sou capaz de sentir. Muito menos, pelas palavras de amor ditas.

    Uma pena eu não tê-las visto valorizadas…

    Não quero ser vista como hipócrita.

    Sei que não compreende o meu pedido em mantermos a amizade. Não consegue entender como posso não mais te querer como seu parceiro (mesmo amando-o) e, ainda assim, implorar para que me tenha como amiga. “Não entendo como eu não te querer como amiga é algo que se deva discutir e fazer sentido”.

    Coloquei tudo às claras. Detesto quando questiona o que eu sinto. Eu não queria que fosse assim. Ansiei a transformação do meio-termo muito tempo. Você sabe. O meu sentir nasceu muito antes do verão. Não fale insinuando como se eu tivesse em algum momento mentido sobre o meu sentir, muito menos diminuindo o que me rasga o peito.

    A perda não é apenas de uma parceira ou um parceiro. É de um amigo(a) também. Não apague o meio-termo. Tudo começou numa amizade sem mais pretensões.

    - “Se você realmente sentisse intensamente, iria querer permanecer e continuar, tentar mudar. Nunca se afastar do problema, igual você fez. Me esquece. Você de repente decidiu que os nossos confrontos te fizeram sentir uma fracassada. Além de tudo, foi capaz de esquecer todos os momentos bons, sem mais nem menos, descartar-los e valorizar só os pontos ‘baixos’ para justificar a sua hipócrita vontade de partir. Forte seu amor.  Não vou negar. As vezes me pego preso nisso… questionando se tudo o que me disse, se cada palavra de afeto foi realmente cheia de sinceridade. Você é boa com as palavras e tenho medo de tê-las usado para comigo de uma forma deplorável. Não sei se seria capaz de dissimular dessa forma. É louco dizer, mas, sim, eu acredito no que diz sentir por mim. Ainda que muitas vezes não tenha agido de forma condizente, ainda que eu mesmo fique matutando a respeito. Tudo isso é insano (como você mesmo costumava dizer).”

    Quanto à mantença do “nós”, me recuso a permanecer no que me fazia sentir um fracasso. Essa sensação existia por você ter me dito bem mais de uma vez que a minha linguagem do amor não te satisfazia.

    Da forma que você coloca, faz-me sentir ingrata. Também estou despedaçada. Nos nossos dias, pouco a pouco eu estava me desfazendo em alguns sentidos e precisava do seu agir para me refazer. Por isso tanto diálogo, da minha parte. Por isso a ideia do “pacto”.

    Falei isso naquele domingo. Lembra? Com seriedade. Mas, quando tudo soava calmaria. Você choveu em mim. Foi isso que você fez naquela madrugada de sábado. Naquela noite quente, prometi a mim mesma que era a última vez que iria me fazer chorar. Última vez que iria me frustrar por você descartar suas promessas e não pensar em mim antes de fazer algo que tanto me afetava.

    Me desculpa por ser tão repetitiva. Te remeto inúmeras palavras, te falo coisas infindas, e sei que você acha um porre, acaba descartando quase tudo.

    Ao pôr do sol daquele domingo, me disse as mesmas coisas que agora. E eu voltei atrás na minha decisão, lembra? No mais, deixei claro que a hipótese de partida, da minha parte, se tratava de algo que não desejava, mas que a cogitei para evitar me machucar.

    Ainda que em outro contexto, estamos novamente na mesma coisa. Mas, dessa vez, eu já estou machucada.

    Espero que você fique bem, mesmo. Mas, sendo sincera, não vou mentir. Espero, no mínimo, um pingo de saudade, arrependimento ou pesar pela perca.

    - “Espero o mesmo de ti. Sinto uma saudade incessante. Sonho com você. Tenho arrependimento também. Quanto a estar despedaçada, não acredito. Se você sentisse saudade, vontade, amor… resgataria o ‘nós”. É simples. Eu te falei estar disposto a mudar, mas você não se importa.Eu faria o impossível por você e é deprimente te ver me colocar como imundo. Não jogue entrega na minha cara, suportei muita coisa por você e tu simplesmente joga fora. Sabe, me abri emocionalmente como jamais havia feito com qualquer pessoa. Você tem o meu amor nas mãos e está esfarelando ele. Nunca imaginei que seria capaz de uma coisa dessas. Te vejo traindo quem eu vi em você, principalmente, tudo o que me dizia ser. Você diz estar machucada enquanto me machuca também e não se dar conta.”

    Não me surpreende você não acreditar em mim. Simples para você falar pensando em quem fui contigo. Se coloca no meu lugar. Você mesmo reconheceu coisas nada bacanas que partiam de você. Não quero discutir.

    Foram poucos dias para tudo voltar ao antes. E as três coisas que eu mais te pedi para evitar, porque me afetava muito, vinheram num pacote no mesmo final de semana. Me decepcionei muito naquele sábado. Eu chorei a madrugada inteira.

    Não entendo como pode me amar e não tentar evitar fazer algo que eu tanto te pedia para ser cauteloso. Não entendo como não conseguia evitar fazer o que me desabava.

    Sabe, eu reconhecia quando agiria daquela maneira. Pressentia. Sabia quando seria tomado pelo seu imediatismo cego. Nesses momentos, eu falava coisas como: “Presta atenção. Lembra do que combinamos sobre lidar com os problemas. Não precisa ser assim”. Justamente para ver se você pensava em mim e no valor do nosso vínculo.  Antes de fazer qualquer coisa ou dizer, eu sempre pensava em como você ia se sentir. Por isso tenho certeza de que nunca te ofendi ou derrespeitei, ou magoei com o que falei.

    Não estava sendo saudável, meu bem. Não quero nós dois num relacionamento que ainda no início não estava sendo leve. Não vamos mais reviver essas discussões… Okay?

    - “Não adianta eu dizer mais nada. Vejo que persistirá nessa decisão. Eu preciso digerir a ideia e aprender a lidar. Sabe, foi você mesma quem terminou com a gente. Não te entendo. Eu corri atrás e você não quis mais, praticamente me esnobou. Permanece com a vontade de se afastar e de que, se ficar, será somente para ter minha amizade. Eu não quero ser somente o seu amigo, quero dividir uma vida contigo, desejo ser o seu parceiro. Sabe, nós discutimos algumas vezes e eu te disse coisas impulsivas, sobretudo, nunca dotadas de veracidade, foram coisas que eu não deveria (e não queria) ter lhe dito. Porém, apesar de tudo, isso jamais significou que não quero a sua presença e muito menos que ela tanto fazia para mim. Não precisa ter medo, pode confiar nessas minhas promessas, nas falas que te remeto agora.No entanto, acima de qualquer coisa, sabe o que é foda? No momento que acreditei que ficaria comigo, você foi embora. Isso foi péssimo. Tenho medo de dizer a mim mesmo o que isso significa. Você não está disposta a erguer um castelo comigo.”

    É complicado erguer castelo com alguém que diante de qualquer lajota colocada torta ameaça abandonar a execução ou a faz. Dá a sensação de que a qualquer momento a obra vai ficar inacabada e desmoronar. Do jeito que você coloca, tudo se torna pequeno. Me colocando como venenosa faz eu me sentir muito bem.

    Não foi minha intenção “esnobar”. Foi o que te disse: Eu, ferida, iria passar a ferir você também. Não quero isso. Olha, eu não queria somente a sua parte fácil de amar. Não. Eu mesma falei: “eu e você nus e crus”. Eu disse desejar o seu verdadeiro “eu” comigo.

    Moram dois caras em você. O que fez eu meu me apaixonar e aquele que tem atitudes comigo nada bacanas, me tratando de uma forma que não gosto, e assim me cortando. E, se tratando de um amor que ainda estava no começo, esse primeiro cara deveria ser o mais presente e não o segundo. Diante do segundo cara, eu não conseguia ser o meu melhor com você.

    Aliás, tem algo que está engasgado e preciso te questionar. Sabe o que eu não entendo? Você me disse assim, duas semanas atrás: “Eu posso ser só esse primeiro cara”. “Posso mostrar só o meu melhor”. Me passou a impressão de que, de algum modo, você tinha plena consciência de tudo o que apontei… Não sei.

    - “Me desculpa. Sim, eu sempre tive. Por isso quero você de volta. Para agir como você merece. Aliás, como deveria ter agido desde o incio. Com o inicio da ruptura, passei a ver e valorizar tudo de uma outra forma. Me sinto mal com tudo isso. Porém, ainda que você exponha infindas coisas, só consigo pensar que: ‘É por isso quer partir pra sempre?’. Tenho a horrível sensação de essa conversa não vai dar em nada. Sinto que estou de mãos atadas. Estou implorando para ficar enquanto você constantemente arranja um argumento para reforçar sua partida. Me faz um monstro.”

    Já que percebia, por qual razão não agia assim antes? Já pensou nisso? Sabe, são um conjunto de pequenas coisas e estou decepcionada pela existência delas.
    Argumento porque você merece justificativas. Sobretudo, porque gostaria que se colocasse no meu lugar. Principalmente, que tentasse entender. Você sabe muito bem que não ser tratado da forma esperada por quem a gente ama, corta. Mas, tenho a sensação de que para ti, estou “fazendo tempestade em copo d’água”. “Sou exagerada”.

    A minha decisão não é fácil. Eu sinto o universo por você. Ainda que tenha me decepcionado com atitudes. E é duro assumir isso. Sinto saudade do primeiro cara, muita. Sinto saudade de olhares, toques, do seu abraço, de me sentir protegida ao caminhar contigo, do seu timbre… É por sentir muito, intensamente, que as coisas que apontei me machucaram e você não está percebendo isso.
     
    Isso é difícil, mesmo. Eu vejo que reconhece o que eu expus para aceitar a sua decisão de partida. Não questionou nada e disse reconhecer. Mas, vejo que não vê como motivo para ruptura.

    Eu adoraria — com todas as minhas forças — acreditar quando você disse “eu estou prometendo que vou mudar, porque a minha visão é outra agora”. Eu não sei qual é a sua visão, mas, ainda assim, tenho medo. Poxa, você confirmou que tinha percepção de tudo aquilo antes.

    Os dias correm e em todos eles eu revivo “a nossa coisa”. Tudo poderia ter sido diferente, assim como você mesmo expôs naquela sua última música.

    Não é por meras brigas. Isso vai existir, justamente porque nos importamos e queremos fazer dar certo estarmos juntos.

    O problema é por se tratar das mesmas coisas. Como vamos crescer persistindo nos mesmos “erros”, persistindo no que destabiliza a nós dois?

    Você é astuto, tem controle sobre o que quer. Sei que não me quer como amiga. Porém, preciso saber que você está bem. Se precisar de mim, independente do que for, me diz.  Você sempre disse ter problemas, mas tinha um bloqueio em dividir comigo. Se precisar desabafar, eu estou aqui. Pode confiar em mim. Não irá ouvir julgamentos. Eu sempre questionei sobre eles por me preocupar. Não faço ideia do que sejam. Eu ainda me importo. Isso não vai mudar. Sabe o quanto sinto, sabe onde e como me encontrar, se quiser, se precisar.

    Pensa numa coisa, por favor, é a última coisa que te peço. Questiona se, pelo caminhar das coisas, eu te fazia sentido.

    O sentido a gente percebe com o tempo. Sobre “tempo”, você disse não acreditar. Eu também. Mas, sobre relacionamento, é tudo novo para mim. Ao longo da estação, mudei pensamentos, me vi em coisas que antes dizia “jamais” e fui eufórica com coisas que antes me assombravam.

    Por favor, pensa realmente nisso. Pois, uma coisa é querer a presença de alguém e outra coisa é querer a presença daquela pessoa. E, se tratando daquela pessoa, se é preciso agir com maturidade e responsabilidade afetiva. 

    Se tratando de você, para mim, há sentido. Mas, não naquele caminhar.

    Me chame de venenosa, hipócrita o que for. Só não me puna por estar desacreditada quanto a promessas. Acredito que a mudança que tanto ansiei só existiria na certeza quanto aquilo. Eu sendo “aquela pessoa”. Acredito que assim você agiria como tal.

    Essa infinidade de palavras não existiriam se você não fizesse sentido para mim.

    Juro que tentei, mas não consigo entender como por qualquer “problema” você mudava comigo e dizia coisas como “presta atenção, eu só vou caindo fora” ou que o caminhar não te agradava. Como se não bastasse, algumas vezes, de última hora, tirou o nosso encontro dos seus planos porque, para ti, me ver “não valeria a pena”. E, não obstante, claro, sempre cogitava dar um basta comigo e chegou a fazer isso algumas vezes.

    É difícil ouvir essas coisas de alguém que você ama. Eu me senti insuficiente mesmo. Insuficiente para ti. É isso que eu quis dizer com um fracasso.

    - “Você nunca foi insuficiente, muito menos qualquer coisa perto disso. Aliás, eu pensei. Não quero ser seu amigo. Sei que não irei suportar te ver com outra pessoa, um dia vai acontecer e eu não quero estar lá pra ver isso, muito menos te ouvir falando desse alguém para mim. Não quero ter contato. Mas, ainda assim, pode contar comigo, sempre que quiser, para qualquer coisa. Sabe, eu amo você de todas formas e uma delas é como amigo.”

    Eu gostaria de ser sua amiga.

    Se isso acontecer, vai demorar muito. Pra caralho. Eu não sou do tipo que se apaixona em cada esquina.

    A recíproca é a mesma. Olha, você é um cara super atraente. Devem ter dezenas de garotas lindas interessadas em você e que despertam seu interesse também. Isso nós dois sabemos. Eu sou facilmente substituível. Se ocupo um posto, logo mais ele não será meu. Você já se envolveu com outras mulheres. Já teve outros relacionamentos. Sabe que o que digo é verdade. E se por acaso um dia se lembrar de mim, vai ser em algo singelo, por exemplo, ouvindo “É Você Que Tem”.

    E independente de qualquer coisa, da minha decepção amorosa (já falamos a respeito, sabe o que quero dizer), jamais desejarei o seu mal ou direi coisas ruins a seu respeito para qualquer pessoa. As coisas que aconteceram entre a gente e também o que não aconteceu, só cabe a nós. Aliás, ainda que eu possa em muitos momentos sentir raiva, desprezo e afins, sou incapaz de sentir ódio a ponto de profanar de modo detestável o outro. Não sou alguém que se domina por sentimentos ruins.

    No mais, também reconheço as minhas falhas. Espero, mesmo, que você não tenha somente memórias ruins. Tentei e acredito não ter magoado com palavras, te respeitei (em todos os sentidos). Se em algum instante eu não fiz isso, peço perdão. Pois, tenho muito medo de apontar e de cobrar do outro algo que não está em mim.

    Hoje, eu amo você. Mesmo. Apesar dos pesares. Ainda que, olhando com distancia, eu não goste de quem foi comigo.

    Não sei se você sabe, mas há 5 linguagens do amor. As nossas são diferentes, acredito que por isso você “não vê o meu sentir”.

    Talvez, agora, a minha decisão para você (mesmo depois de tudo que eu expus e esclareci) não faça sentido. Mas, daqui alguns dias, meses ou sei lá, acredito que fará.

    Nem sempre o sentir é o suficiente para duas pessoas ficarem juntas. E juro que acredito naquela ideia de que “há formas de se amar alguém para sempre”. No entanto, às vezes justamente a nossa forma de amar, lidar com as coisas, vê-las ou sei lá, atinge o outro de uma forma que não imaginamos. É preciso ouvir o outro e ter cuidado com o que se está construindo.

    A minha decisão é para não mais me magoar. Eu sou muito intensa. Tudo me afeta muito. É frustante ser o bilhete dourado enquanto o outro só enxerga preto e branco.

    Os nosso pacto estava sendo quebrado e os diálogos e promessas sendo vãos. Eu valorizo tanto essas coisas. Reforço, eu, ferida, ia passar a ferir você também.

    Quero muito o seu bem. Sei que um dia outro alguém vai ter o seu sentir e não quero que esteja despedaçado. Não quero que lembre de mim de uma forma ruim.

    Queria ter te proporcionado somente coisas boas, talvez eu não tenha feito, assim como você não fez.

    Apesar do quanto eu sinta, jamais irei me perdoar se, por acaso, persistir nisso aqui e perder a minha essência.

    Eu apago a luz e fecho a porta com cuidado.

    “Não suporto meios termos. Por isso, não me doo pela metade. Não sou sua meio amiga nem seu quase amor. Ou sou tudo ou sou nada.” — Clarice Lispector. Faz sentido sua escolha. Eu penso a mesma coisa. Queria parecer mais forte. Vou respeitar sua decisão.

    Ps. Se um dia eu escrever um livro, leia. Provavelmente, terá textos meus sobre sentimentos e coisas atreladas a você. Será capaz de reconhecer, eu acho. (Se quiser, claro).

    - “Ninguém será capaz de substituir você pra mim. Só você teve esse posto, da forma que sempre desejei, e só você terá, por todo o sempre. Não vou estragar isso. Talvez eu faça aquilo que você sempre me falou “ressignificar”. E sim, eu já estou despedaçado. Nunca me senti dessa forma. Me magoa ver que está decidida. Só me resta tentar superar e, além de tudo, respeitar. Me desculpa por todos os ‘baixos’. Eu amo você.”

    Nunca mais ouse duvidar do que sinto.

    Sabe, eu realmente acreditei que não mais estava fadada ao Naufrágio.

    Por fim, não joga fora as minhas palavras, nenhuma delas.


    Janaina Couto ©
    Publicado — 2020
    @janacoutoj


    [PS. Não se trata de um relato pessoal. Mas, confesso que é um imenso pesar reconhecer que o meu texto foi lapidado sob um apanhado de relatos de pessoas queridas que estão ao meu entorno.
    Ainda que mesmo nas coisas mais sutis possamos constatar algo a se repudiar e imediatamente afastar-se, não raramente, horrivelmente, isso acontece apenas quando se tornam salientes.]
  • 140 batimentos por minuto

    Minhas mãos aos montes transpiram
    Meu corpo trêmulo agora busca por uma calmaria
    Minhas narinas sem função já não respiram
    Dormir? outrora poderia

    Quem dera fosse tudo isso adrenalina
    Quem sabe apenas animação genuína
    Bateram-se três da madruga
    E essa energia perseguia sem fuga
    Profissional assassina

    Aquelas palavras que não foram ditas
    Não foram ditas pois o peito travou
    Aquelas promessas tão bonitas
    Não foram cumpridas porque o racional não deixou
    Mil e uma coisas lindas
    Que o vento levou

    E por falar em mil que nem sequer posso citar
    Que tal falar dos mil pensamentos diarios
    Só pra começar?
    Pensamentos de todas as ordens, e são vários
    Nessa eterna máquina de ponderar
    Pondera tanto que as vezes não da nem pra controlar
    Pelo amor, onde fica o botão de desligar?

    Porque não basta apenas nessa vida ponderar
    Nem tudo se resume a raciocinar
    Quero por um momento parar de pensar
    Sem ter que estar ligado ou ter de me ligar
    Quero apenas vivenciar
  • A passagem Negra

    Capitulo I: A Montanha da Insanidade
    Possuía 30 anos na fatídica ocasião, disso lembrava-se bem por alguma razão, anos bem vividos na opinião de uns. Desperdiçado na visão de outros. A verdade é que nem ele mesmo se importava com isso àquela altura, só o que importava era chegar a seu destino, porém, estranhamente não se recordava de onde estava vindo e para onde estava indo.
    – Estranho. Pensou estupefato, se dando conta de que não fazia a menor ideia de onde estava.
    Tudo era escuridão, estava nu, mas não sentia frio, fome, ou pensando bem, não sentia coisa alguma. Como havia chegado até aquele lugar? Que lugar era aquele?
    Perguntas e perguntas sem fim bombardeavam sua cabeça. – Vamos tente se lembrar de qualquer coisa, vamos…
    Aos poucos pequenos flashes começaram a retornar do fundo de sua consciência.
    – Eu precisava chegar a algum lugar, me lembro ao menos disso. Espere, meu nome, qual era meu nome? – Sem se preocupar com as trevas que o engoliam naquele lugar. E onde era esse lugar. Pensou em seu celular, mas lembrou-se que estava completamente despido e desprovido de qualquer coisa.
    O medo começou a se apossar dele ao passo que escaneava o lugar, ou ao menos tentava. Ficou em pé com dificuldade, como se mal pudesse se manter ereto. Seu senso de equilíbrio estava deturpado, assim como seus outros sentidos percebeu, deixando escapar um guincho de terror.
    Resolveu sentar-se novamente, ou foi forçado? Suas pernas não se sentiam cansadas, porem ficar em pé ali parecia um esforço titânico. Sentou então e tentou se concentrar em sua audição, já que naquela complete escuridão mal podia ver alguns palmos a frente de seu rosto.
    Ele ainda arfava e tentava recuperar a compostura sentado ali, naquele interminável breu. – Ora recomponha-se homem, há uma explicação coerente para isto tudo. Vamos acalme-se. Repetia a si mesmo.
    Então notou também o terrível silencio que o cercava, era capaz de ouvir os batimentos de seu coração de forma muito nítida, parecia também ser capaz de ouvir seu próprio sangue correndo em suas veias. - Bom, ao menos isso significava que ainda estava vivo? - Não sabia dizer, não sabia também se realmente ouvia isso ou se imaginava tudo.
    Não havia cheiro, nem sons que não fossem seus próprios, não podia enxergar muito além de onde estava, não havia brisa ou vento ali, poderia ele estar em algum calabouço ou caverna? Olhou para cima e o negrume de um céu que parecia subir infinitamente, que o oprimiu e o fez sentir pequeno. Percebeu que parecia estar ao ar livre - Mas onde diabos estou? Pensou novamente. - Tentava mais uma vez lembrar-se de alguma coisa.
    Lembrou-se que estava voando em sua moto, o vento em seu rosto. Uma corrente de pavor correu todo seu corpo, sim lembrava-se disso agora, a sinuosa estrada que se abria a sua frente, a luz da lua alta e prateada no céu escuro com poucas estrelas e a fatídica curva. Mas o que tinha acontecido após a curva, não tinha certeza, embora tivesse de alguma maneira a certeza de que agora estava morto.
    -  Não isso é impossível, dizia a si próprio. Tentou com mais afinco lembrar-se de mais alguma coisa e então como uma torrente as coisas começaram a voltar.
    Lembrava-se de seu nome: “Ronald William Bock”, lembrava-se de que havia comemorado o trigésimo ano terreno pouco tempo atrás. Lembrava-se de uma festa com pouco conhecidos, com os quais mal se importava. Não era alguém popular, era um lobo solitário na maior parte do tempo como gostava de pensar a seu respeito.
    Alguma comida, cerveja, um bolo e logo todos haviam ido da mesma maneira que chegaram. E ele estava livre com seus pensamentos novamente.
    Lhe veio à mente a imagem de sua mãe e pai, não possuía irmãos, lembrava-se disso agora. Então uma luz forte e um barulho ensurdecedor vieram à tona, sim, estava morto, podia ver o carro descontrolado vindo em sua direção. No momento uma fração de segundos, agora podia testemunhar como se estivesse fora do espaço e tempo tudo o que aconteceu.
    Esforçou-se um pouco mais e então viu seu corpo sendo lançado ao ar, seu capacete de desmanchando contra o concreto da via. Nesse momento tudo havia ficado escuro e ele acordara aqui.
    - Bom pensou, é isso, estou morto, será esse lugar a vida após a morte? Será que estou no Inferno? Isso não me parece o Céu, se é que há um Céu e um Inferno? Então subitamente ouviu um chamado, não uma voz, uma sensação de que deveria seguir em frente até alguém ou algo que o aguardava.
    Sentiu um súbito frio na espinha, que terrores inimagináveis podiam estar espreitando nessa escuridão infindável. Teve a impressão de ver olhos iridescentes o encarando ao longe. - Estou louco. Pensou. - Até agora mal podia enxergar.
    Tentou levantar-se mais uma vez, cambaleou um pouco mais conseguiu se pôr em pé. Olhou a sua volta com os sentidos turvos e viu que se encontrava sobre algo como a beira de um precipício. Virou-se e olhou para trás e constatou que de fato não podia voltar por aquele caminho. A escuridão não possuía começo nos céus acima de sua cabeça e nem um fundo abaixo de seus pés ao que parecia. Não haviam pedras ou objetos soltos que pudesse jogar para tentar testar o quão fundo era a queda.
    Só Havia um caminho a seguir, pensou, para frente. Começou então a lenta caminhada em direção a frente sem saber para onde estava indo. No caminho teve a sensação de passar por outras almas, as quais mal se moviam e percebeu que elas o encaravam de volta como se olhassem através dele com seus olhares vazios e sem esperança. - A quanto tempo estariam ali paradas, contemplando o caos ou ordem? Não sabia dizer qual dos dois definiria melhor tal local. O que aconteceu a essas criaturas pensava consigo mesmo enquanto ainda caminhava. O tempo passaria ali onde se encontrava? Não sabia dizer, não sabia a quanto tempo estava parado sentado até então.
    Decidiu que tentaria falar com alguma dessas figuras etéreas se tivesse a oportunidade. O que seria essa oportunidade nem mesmo ele sabia. Seguiu seu caminho negro até chegar ao que lhe parecia um aclive com escadas que pareciam feitas da própria noite. Novamente o medo tomou conta de si, e se conteve ao pé das escadas, olhou novamente para trás e percebeu que não fossem pelas escadas, não teria a menor noção de onde era para frente, para trás ou para os lados. Era tudo de um puro breu a não ser pelos espectros que as vezes podia notar lá parados. Absortos vislumbrando o infinito.
    Havia um bem próximo a ele agora, assim como os outros, era impossível dizer se havia sido um homem ou mulher. Pensou em toca-lo, tentou toca-lo, mas como se já soubesse se deu conta de que tal espectro não possuía uma forma solida e suas mão passaram diretamente por ele e uma fria sensação correu por todo seu corpo. Sim já havia sentido esse frio esmagador, mas quando fora... - Quando morri! Pensou. Mas havia mais, era como se estivesse se perdendo dentro da angustia daquela pobre alma.
    Não conseguiu distinguir muito, apenas a tristeza abissal que afligia a aparição. Por que se sentia assim? Por que estava ali parada? Tantas perguntas sem respostas. E em um momento de quase loucura tentou gritar o mais alto que pode: - Não era pra que tudo fosse claro agora?! Ahhhh!
    Pareceu poder ver sua exclamação voar pelo nada e se distanciar cada vez mais. Para nunca cair nos ouvidos de alguém.
    Tentou comunicar-se com ele, mas percebeu que era inútil, a figura pelo que sentiu não possuía qualquer senso de consciência, de eu próprio a não ser por uma vaga ideia de nome que não pôde decifrar, talvez fosse essa a causa da angustia. Será que assim como ele tal criatura havia chegado até lá e não foi capaz de se lembrar de como tinha sido sua vida e sua morte?
    Ou ainda não pudesse aceitar que morrera? Talvez por isso ficasse imóvel ali, contemplando o nada, tentando entender tudo que ocorrera e onde estava. Sentiu-se de certa forma triunfante de que era melhor que esses pobres diabos, havia tido força suficiente para domar o vácuo etéreo que o oprimia e trazer de volta a si suas lembranças. Ainda era Ronald, ainda era um ser pensante e consciente, não se daria por vencido como outros antes dele. Regozijou e não escondeu seu desdém por aqueles que agora considerava fracos. Mais de sua personalidade voltava agora, mais de suas lembranças e experiencias.
    Tinha a natureza desconfiada, sempre fora cheio de si e orgulhoso daquilo que acreditava representar. Amava suas posses terrenas quase ao ponto da avareza. E estava nu agora. Isso o enfureceu. E então o fez rir. - Ora para que de fato iria precisar de coisa alguma aqui de qualquer modo. Disse, e então voltou a sentar-se para tentar lembrar de algo mais. Não admitiria agora estar assustado com o desconhecido. Concentrou-se em seu nome e em aspectos de sua vida que ele acreditava estimar, tentou focar-se agora em pessoas que conhecia. Sim, talvez aqueles que estiveram com ele em seus últimos dias terrenos. E aos poucos mais imagens e sons chegavam até ele e de forma sinistra pode olhar para si mesmo. Estava largado ensanguentado no canto da pista, sua moto uma Kawasaki Ninja verde que amara tanto jazia despedaça a alguns metros de seu corpo moribundo. Seu primeiro pensamento foi em ver quem o havia tomado a vida, se sentia escarnecido por ele, algo que ele compreendia bem quando vivo. - Quero ter um vislumbre ao menos de seu maldito rosto. Pensou em seu íntimo, enquanto era engolido por um ódio que o queimava por dentro.
    Antes porem que fosse capaz de distinguir qualquer coisa se viu novamente envolto pelo breu indiferente e pelo céu opressivo e podia ver agora claramente as escadas e o chão por onde havia caminhado. Pareciam feitos de ônix liso e brilhante, embora não houvesse luz alguma ali.
    Decidiu continuar caminhando pelo tortuoso caminho, sem saber exatamente para onde estava sendo levado. Caminhou pelo que lhe pareceu horas por um caminho que serpenteava o que parecia a encosta de uma imensa montando feita de noite e pedra.
    Menos e menos espectros habitavam os lugares mais altos ao ponto de que ele agora os via muito pouco. Um deles parecia lhe bloquear o caminho, encarando-o com suas orbitas inflamadas parecendo eviscerar lhe o fundo da alma.
    Esse parecia ter sido velho ao chegar aqui, não sabia como podia ter certeza daquilo, ambos ficaram lá imóveis. Ronald perscrutava cada centímetro desse ser em busca de algo que pudesse lhe dar qualquer indicação ou qualquer pista do que o esperava no cume, do que ele agora passara a chamar em seus pensamentos de montanha de Sísifo, aquele velho mito grego do rei que devia galgar a montanha mais alta de Hades enquanto levava uma gigante pedra a seu topo.
    Tentou toca-lo se aproximando, quando o espectro o rechaçou com uma onda tenebrosa cheia de fúria e pesar, fazendo cambalear vários degraus para baixo. Não sentia dor, a não ser o pesar de Moneta... - Espere um pouco. Como sei esse nome. E claro como o dia via também a forma como Moneta havia chegado a seu fim. Como ela era obcecada por esses derradeiros momentos.
    Esfaqueada e estuprada por soldados. Meu Deus pensou, ela está aqui desde os tempos romanos... Nesse momento também lembrou de Deus e do bem e do mal e começou a sentir temor novamente. Seria ele julgado? Ou já teria passado pelo julgamento e não se lembrava? Seria essa a punição pensou horrorizado, cair no esquecimento de tudo e todos que faziam dele quem ele era?
    Não podia se dar ao luxo de entrar em pânico agora pensou: - Não é quente aqui, não acho que estou no Inferno, nem no Céu... Será que... Sim. Devo estar no Limbo entre ambos.
    Fazia todo sentido para si que se encontrava em uma espécie de Limbo, sentia medo, tentou concentrar-se novamente de forma introspectiva para refletir sobre sua vida até aquele momento. Não havia sido uma pessoa bondosa, porem também não havia feito mal demasiado a ninguém, até onde podia se lembrar. Lembrou-se de brigas, discussões, das ocasiões em que ajudou ao próximo. E sentiu que aos poucos sua consciência o levava para outro lugar, como se fosse levado por uma leve correnteza.
    -  Um velório! Exclamou com surpresa, embora já soubesse que seria seu próprio enterro. Viu ali algumas pessoas que conhecera durante sua curta vida, não muitos, tinha a impressão de que alguns lá estavam para simplesmente vê-lo morto. - Já não importa mais, não posso alcançá-los e eles com toda certeza jamais poderão me ver novamente.
    Viu sua mãe junto de seu pai ao lado do caixão, que estava lacrado devido a seu estado. A expressão triste e cansada dominava o rosto de sua mãe. Expressão de alguém que chorara muito. Não podia mais suportar aquilo, tentou concentrar-se e voltar a Sísifo. Antes de obter sucesso pode ouvir sua mãe lhe dizer: - Vá em paz meu filho, você viveu e amou enquanto esteve conosco. Sentirei muito sua falta. Esteja em paz.
    Mal conseguia controlar suas emoções nesse ponto, o pesar, o amor, a raiva e revolta por tudo borbulhavam dentro dele, até que de volta ao negrume da montanha todas elas começavam a dissipar como se se misturando as trevas que o rodeavam. - Parece que aos poucos todos os sentimentos, bons e ruins estão deixando meu ser.
    Como se fosse purificado pela negridão ao seu redor. - Afinal não era isso que as trevas representavam? Indagou a si mesmo. A completa ausência de tudo, de onde nada podia escapar? Continuou:
    -  Não posso deixar que leve meu eu, do contrário ficarei como esses desgraçados perdidos nessa vastidão abissal. Preciso seguir caminhando antes que isso aconteça.
    O caminho como ele próprio esperava foi tortuoso e cheio de obstáculos, com a eventual visão de um ou mais espectros parados olhando através dele. Não sabia dizer por mais quanto tempo estava andando e não pretendia parar até chegar ao cume, afinal ele percebeu que de fato não ficara cansando por andar, porem achava difícil manter-se concentrado na tarefa herculana que possuía diante de si.
    Enfim, após o que considerava dias em sua percepção mortal das coisas, chegou ao fim do último lance de escadas incrustradas na rocha. E então quando pensava que não poderia se surpreender com mais nada que o universo pudesse jogar contra ele, descobriu para seu espanto estar muito enganado.
    Capitulo II: Os Obeliscos e as Estrelas Celestes
    Ali no centro da montanha de trevas e desilusão haviam duas gigantescas colunas como obeliscos paralelas, que assim como o céu pareciam não ter fim, rasgando a abóboda astral e subindo de forma titânica e imponente, prostrando a todos os que punham seus olhos nela.
    Ao centro de cada uma havia uma pequena passagem de mais ou menos duas vezes a altura de um homem alto e delas brotavam luzes de cores que ele jamais vira ou imaginara. Cores que até então eram invisíveis aos olhos humanos, luzes fantasmagóricas mais opressivas que os próprios obeliscos que ali descansavam provavelmente desde o início dos tempos, porém, por alguma sinistra razão se sentia atraído por elas como uma mariposa e atraída até uma lâmpada incandescente na mais densa das noites, inimagináveis para mortais.
    Ao centro entre os dois obeliscos havia uma plataforma circular, onde para seu espanto jazia um monstro humanoide disforme de proporções cinco ou seis vezes o tamanho de um homem adulto. Sentando em um trono de marfim mastodôntico. - Isto é uma estátua? Disse boquiaberto encarando aquela visão nefasta.
    Possuía 3 cabeças conjuntas, uma voltada para direita, outra para esquerda e uma para frente. A cabeça da frente era completamente negra, parecia feita do mesmo material da montanha. Não possuía olhos em suas orbitas, nem nariz, embora houvessem fendas que se pareciam com o nariz de um crânio.
    Sua boca, ou a fenda que se assemelhava a uma boca era aterrorizante, seus dentes, ou se e que eram dentes, lembravam estalactites e estalagmites. O rosto em si era liso como um espelho, já a face da esquerda se assemelhava mais a um animal do que há algo humano, embora não possuísse olhos que ele pudesse distinguir, essa por sua vez era de um branco tão pálido que assim como o magnifico trono se destacava e reluzia em contraste com a eterna noite onde se encerravam seus domínios. A qual animal ou fera mítica aquela coisa se parecia não sabia dizer, mas lhe causava extremo pavor.
    A terceira face possuía enormes chifres que se lançavam do topo de sua testa e se curvavam levemente para baixo para depois alçarem os céus. Esta porem parecia áspera e rustica em sua formação, com protuberâncias em forma de espinhos se pronunciando a partir de seu terrível queixo, sua enorme boca parecia ter sido lacrada. Era uma figura Dantesca, como se fosse um demônio saído do Cócito no nono círculo Infernal.
    O titã possuía um corpo humanoide, todo feito de pedra, com seis longos braços com três articulações cada, com mãos longas com seis dedos pontiagudos cada, seu quadril todo esparramado em seu trono e duas longas pernas que mais se pareciam raízes de arvores retorcidas que se fundiam com o solo pedregoso. - Essa coisa e definitivamente uma estátua. Proclamou em voz alta tentando esconder o temor e se convencer de que aquilo não poderia lhe fazer mal.
    Se aproximou mais, tentando inspecionar o que eram aquelas entradas em cada extremidade no centro dos obeliscos, julgava haver ao menos um quilômetro entre uma outra com a poderosa figura no centro e a encosta montanhosa atrás entre os três.
    Ao tentar se aproximar da entrada a direita, para sua surpresa a enorme figura quimérica pareceu ganhar vida e onde antes haviam apenas orbitas vazias agora se incandesciam com um brilho etéreo e espectral de cores fluorescentes. Então com um ranger ensurdecedor a figura recostou no trono e um barulho ensurdecer saiu da fenda que era a horrenda boca do meio.
    Não era capaz de discernir nenhuma palavra daquele turbilhão de sons, seus ouvidos prestes a estourar, podia sentir a montanha tremer e gemer, como se a própria noite estivesse acordando. Os espectros pelo quais passara agora pareciam em pânico absoluto com o que acontecia.
    Em meio a insanidade do momento, Ronald caiu em si e tentou se concentrar nas vibrações, afinal estava morto, duvidava que seus tímpanos pudessem romper-se. Para sua surpresa imaginava estar agora entendendo o que lhe estava sendo dito: - Somos as estrelas do agora, do que foi e também do que será. Estivemos aqui no início e estaremos também no final, quando Deus e o Vazio tiverem seu último confronto. Nossos nomes para aqueles que aqui chegam são: Minos a Estrela Celeste da Nobreza, Radamanto a Estrela Celeste da Fúria e Eaco a Estrela Celeste do heroísmo.
    Nós somos aqueles responsáveis por encaminhar os mortais que aqui se aventuram para o próximo estágio... Ronald sentia-se tonto, perdido em meio àquela presença colossal. Antes que pudesse dizer ou até mesmo formular uma pergunta racional a voz profunda de Eaco continuava a retumbar: - Abandone sua vida mortal, purifique-se e siga pela passagem. Ao tempo que terminava de falar as coisas voltavam ao seu estado natural ou antinatural como pensava Ronald.
    Enquanto recuperava sua compostura Ronald por alguma razão se enchia de revolta, talvez tenha sido a ordem para abandonar sua vida mortal, não se sentia preparado para abandonar seu eu. E o que isso se quer significava, ele era Ronald, ninguém mais, não podia deixar de ser, nem queria. Não, jamais abandonaria o que lhe tornava ele, único.
    Com a ira crescente dentro de si, imaginou ter visto quem considerava ser Radamanto virar a imensa cabeça em sua direção e subitamente sentiu como se estivesse sendo sugado pela criatura, mas não estava, seu ódio porem diminuía e veio a compreender o que acontecera, aqueles seres tirariam dele tudo o que lhe fazia ele próprio. Em um ímpeto de coragem conseguiu indagar a massiva estatua: - Eu mereço explicações, sempre acreditamos que a morte seria o lugar de verdades e não mais dúvidas. Eu demando saber o que fará comigo, o que são essas almas penadas pelo caminho, e por que devo abandonar o meu eu?
    De repente a cabeça que julgava ser Minos começava a mover-se em sua direção e as outras pareciam deliciadas com a audácia daquele minúsculo e ignóbil mortal.
    - Algo passageiro e ínfimo como você ousa questionar as leis da existência?
    - Sim. Disse ele de forma tímida. - Acho que todos que chegam aqui merecem algumas respostas antes de cruzarem seja lá o que for que se esconde após essa passagem.
    Então a cabeça central voltou-se para ele novamente. E disse: - Você não é digno de saber os mistérios da existência em sua totalidade, mas posso lhe sanar algumas dúvidas antes que faça a passagem.
    Seus pensamentos iam e vinham de forma assustadora, tentou concentrar-se e afastar o medo a opressão que os seres forçavam sobre ele. E então imaginou o que perguntar primeiro. Mas antes que pudesse dizer algo a voz ressoou novamente: - Lhe responderei três perguntas, faça as com cuidado mortal.
    Ronald respirara fundo, engolira a seco e tentara formular a primeira de suas três perguntas que seriam respondidas, mas o que deveria perguntar... Foi então que a primeira delas se materializou em sua mente: - O que são todas essas almas espalhadas por esse local? Refiro-me as que ficam apenas paradas olhando para mim enquanto me dirigia para cá? Suponho que não seja o único a chegar até aqui, porém não via mais ninguém tentando chegar ao cume. O que aconteceu a elas? O que são elas? Repetiu. Ao que Eacos quem supunha ser a cabeça do meio deixou que sua voz gutural se propaga-se pela escuridão daquele abismo sem vida.
    - São mortais, tal como você, que chegaram até aqui após o fim de sua jornada terrena, que assim como você se esforçaram para lembrar quem foram, o que fizeram, a quem amaram, odiaram. Alguns habitam essa montanha estéril a milênios em anos que mortais compreendem. Outros simplesmente não possuem a força ou a vontade para chegarem até aqui, pois ainda se sentem vivos e não conseguem entender que já não vivem mais. Eles ainda se apegam ao seu ego e a sua vida terrena e são incapazes de deixar ir, logo não podem entrar pela passagem e se recusam a desistir de quem foram. E assim presos estão. Esperando um doce esquecimento que jamais virá. Sofrerão para sempre na montanha, incapazes de continuar. Perdendo aos poucos o restante de sua humanidade, até não se lembrarem mais do que não queriam perder. Ficando assim para sempre enclausurados na negridão da montanha.
    Sentiu um nó em seu estomago, estaria ele preso a essa mesmo destino? Não tinha intenções de se separar de quem foi, de quem era. Não entendi a razão para isso, porem também não iria ficar e se entregar a sombria montanha.
    O colosso de pedra novamente recostava em seu trono, seus olhos como sempre penetrando o âmago de Ronald como a luz penetra as sombras. Nesse instante Ronald começou novamente a sentir-se tonto e de repente foi novamente puxado para o dia de sua partida terrena. Estava novamente contemplando o local onde acontecera seu fatal acidente. Dessa vez parecia estar posicionado da perspectiva de seu assassino.
    Uma onda fúria tomou conta de si, enquanto novamente podia observar as coisas em seu próprio tempo, vira que o motorista corria de forma insana pelas sinuosas curvas daquela maldita via. Desta vez pode dar uma boa olhada em no homem que colocou um ponto final em sua jornada.
    O motorista era homem de cabelos cacheados muito pretos, nariz de batata, a pele bronzeada e dentes muito brancos. Possuía um olhar de extremo desespero em seu rosto. - Estranho, ele só vai colidir comigo em duas curvas, mas já parece assustado. Indagou em seus pensamentos. Sentia-se puxado de volta, tentou resistir a força magnética que o chamava, ainda tinha muito o que ver desse sujeito assassino.
    Deu por si novamente de fronte para o monstro abissal. Dessa vez a imensa cabeça branca como perola se voltava para ele. Sabia que devia fazer sua próxima pergunta mesmo antes de que começassem a falar. De fato, não sabia se queria ouvi-los mais uma vez.
    Minos aguardava pacientemente.
    - O que são esses portais que você guarda? O que há após atravessa-los? Por que existem dois deles? Antes que pudesse continuar Minos rugiu com sua voz bestial em resposta. Ronald sentiu como se milhares de raios trovejassem ao mesmo tempo.
    E de novo precisou concentrar-se para que pudesse compreender o que estava sendo dito. Um fluxo de informações se desenrolou em seu cérebro e então era capaz de entender o que lhe era dito mais uma vez.
    -  Essas são as passagens para o próximo passo da jornada mortal, todas as almas devem cruzar essa fronteira no limiar do desconhecido. O que há após a passagem negra você saberá quando as cruzar. Se as cruzar.
    A besta continuou a vociferar:
    - Os obeliscos são portentos que já existiam aqui antes mesmo de toda a criação mortal, são fontes inesgotáveis de poder e transmutações, de criação e de destruição, representam a dualidade da existência, a ordem e ao mesmo tempo o caos. O tudo e o nada, vida e morte.
    Ronald ainda aguardava a resposta para a última parte de sua pergunta, quando novamente teve a sensação de correnteza. Sabia que estava sendo novamente levado a algum lugar. Sabia que as Estrelas Celestes eram as responsáveis por isso. Tentou lutar contra a atração, Minos ainda lhe devia a resposta. Então pouco antes de tudo ficar enegrecido e sombrio novamente exclamou: -Por que são dois?!
    Imaginou ter ouvido ou mentalizado a palavra “Escolha”.
    Estava novamente observando o passado. Dessa vez, não estava na via e nem podia ver seu nêmesis por ali. Mas onde era ali? Quando era ali? Tantas perguntas e tão poucas respostas. Era um quarto branco e iluminado, encostado no fundo da sala havia uma daquelas camas medonhas de hospital. Com uma mulher que não devia ter mais do que trinta e cinco ou quarenta anos. Ela chorava copiosamente.
    Sem entender o que havia se passado ali, Ronald ficou confuso. Seria ele puxado de volta agora, sem nem ao menos entender por que estava vendo isso?
    Então sentiu o tempo dilatar-se e então contrair-se e quando deu por si um médico contava a mulher que assim como as tentativas passadas, essa gravidez lhe trazia perigo. E que não seria aconselhável tentar novamente caso o pior ocorresse. - Quem seria essa mulher? Indagou a si mesmo.
    La estavam novamente um encarando o outro, porem somente um deles lidava com emoções desconcertantes. Ele sabia que a cada viagem dessas, mas de si próprio era drenado pela estatua, sabia disso, sentia isso, mas nem ao menos entendia o motivo de sua última visão.
    Radamanto o observava. Agora podia ver aquela face demoníaca repleta de olhos, algo que ele não pudera perceber antes. Já sabia o que perguntaria desta vez.
    - Por que devemos ser purificados, ahn? Por que devemos abandonar tudo aquilo que somos e fomos? Quando você se diz estar aqui desde o início, deve apreciar lembrar-se de quem é. O que me diz a respeito dos espectros, não são importantes o bastante para serem purificados? Não...
    Antes que pudesse terminar a pergunta sentiu a mão monstruosa do titã agarra-lo e traze-lo bem perto da temível boca que parecia ter sido costurada e aqueles diversos olhos fumegantes focados nele.
    Não ouve estardalhaço desta vez, e sim imagens e sons dentro de sua cabeça. - Para que quando deem o próximo passo, estejam livres do apego de uma aventura passageira e possam seguir em frente. Começou a responder a cabeça da direita. A mais monstruosa delas pareciam ser a mais cordial, pensou Ronald.
    A voz continuou: - De uma forma ou de outra todas as almas são e serão purificadas, o quando e a forma são as únicas coisas que diferem. Aqueles que fazem a passagem são purificados e continuam sua jornada, enquanto os que se recusam e aqui residem também acabam esquecendo tudo que são eventualmente. Porém sem lembrança alguma ou vontade, são incapazes de seguir em frente, pois já não desejam mais nada, já não são mais capazes de escolher.
    Sentiu a mão apertar-se mais em torno de si, e novamente sentia que seria arrastado para algum outro lugar. Lutou violentamente com sua mente contra essa incursão, voltava a via, não precisava mais ver isso pensou e mentalizou, já aceitava estar morto. Concentrou-se o máximo que pode e viu que o cenário mudou drasticamente, assim como o tempo em que se encontrava pareceu mudar. Viu sua mãe, sentada no canto de seu jazigo. O olhar perdido a frente, passando por ele, afinal ele não era corpóreo.
    Não queria mais nada daquilo e em um último ato desafiador ordenou ser trazido de volta, ao que para sua surpresa foi atendido. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Eacos novamente fez a montanha tremer, ao dizer ao mortal que passado, presente e futuro acontecem simultaneamente e que muitos mortais são incapazes de entender o significado dos avisos que recebem. E continuou a falar:
    - Você deve agora abandonar seu passado e passar pelo portal que se encontra a minha direita. Dizia Eacos enquanto três de seus braços apontavam para a passagem, ao mesmo tempo que a outra mão soltava Ronald ao chão.
    - Va agora mortal, ou ficara aqui para sempre.
    A cabeça de Ronald voava com toda a informação que havia recebido. Já não sentia mais medo, talvez por terem tomado isso dele. Em um ímpeto de loucura e insanidade que o tomava agora, sua velha natureza desconfiada passava a frente, então ergue-se desafiador e bradou: - Por que deveria confiar em uma coisa feito você? Por que deveria ir pela porta da esquerda, porque não ir pela porta a minha direita? Quer me mandar para o abismo desgraçado!
    A estátua jazia imóvel sem parecer se importar com a crise de histeria que se desenrolava a sua frente. E então de súbito suas mãos tentaram alcançar Ronald, que novamente ouviu Radamanto em sua cabeça lhe dizendo que era indiferente quais das passagens ele tomasse, mas que iria ser purificado e tomaria uma delas. De uma forma ou de outra.
    Em seu estado de pânico e pura insanidade Ronald conseguiu passar por entre os gigantescos dedos pontudos e chegara até a borda do precipício que daria diretamente de fronte para onde ele acreditava ter acordado no início de toda essa loucura.
    Os três observavam.
    Quando Ronald respirou fundo e disse suas últimas palavras para o colosso: - Você mencionou escolhas certo? Eis aqui a minha escolha sua aberração monstruosa e disforme. Não serei purificado, não abandonarei quem sou jamais e caso não seja capaz de cruzar a passagem mesmo assim me recuso a encontrar um fim tão patético e débil como desses fracos diabos a sua volta.
    - Sou dono de meu próprio destino! Disse isso pouco antes de se jogar do topo de Sísifo.
    Capitulo III: O Ciclo Interminável
    A lua cheia estava alta no céu com sua suave luz prateada iluminando todos os cantos daquela cidade. Não havia muitas estrelas no céu naquele dia e nem muitas pessoas nas ruas. É o que geralmente acontece em feriados naquela pacata cidade. As pessoas costumavam deixar suas casas e irem viajar na véspera, para somente voltarem no dia após a data comemorativa.
    Ronald adorava esses dias, não gostava muito das pessoas preferia ser sua própria companhia principalmente quando decidia voar baixo com sua potente moto, pelas sinuosas e lindas estradas que cortavam os campos verdejantes e imensas arvores que ficavam tão linda ao luar.
    Ronald era um homem alto com mais de um metro e oitenta, de compleição forte, mandíbula quadrada, nariz de tamanho médio e fino. Seus olhos eram de um azul profundo e frio, muitos diziam que não havia vida por trás de seus olhos. Seus cabelos eram castanhos e cortados curtos em estilo militar. Possuía uma personalidade forte, o que na maior parte do tempo fazia com que as pessoas se afastassem dele. - Os fracos temem os fortes. Repetia para todos que quisessem ouvir.
    - Jamais serei um fraco, nem mesmo na morte. Expurgarei o véu da incerteza e olharei Deus em sua face e direi a ele que poderia ter feito melhor, haha haha! Disse a sua mãe certa vez em tom zombeteiro e desafiador. Se dizia um homem único, o qual o molde fora quebrado logo após sua fabricação. Dizia também que o mundo jamais poderia existir sem ele, embora não acreditasse de verdade nisso.
    Ronald sentia-se solitário em feriados porem especialmente triste naquele dia. Já não falava com seus pais havia algum tempo, nem se lembrava da razão pela qual havia se desentendido. Não importava. Decidira sair de casa, olhar para o teto o estava deixando maluco, e uma noite assim não podia ser desperdiçada, as estradas estariam tranquilas, o tempo estava propicio e logo poderia estar voando baixo pelas estradas da mãe Terra. Não sabia por que, porem sabia que seu destino o estava chamando para encontra-lo. Rira sozinho. Acreditava mesmo em destino? - Veremos onde a noite me leva.
    Ao sair para rua uivou para lua, para divertimento de algumas poucas pessoas nas janelas de suas casas. Ainda era cedo, cerca de sete horas da noite. - Uma lua assim nos faz entrar em contato com nosso lado bestial. Dissera sozinho para quem quisesse ouvir.
    Após uns trinta minutos queimando asfalto decidiu parar para beber alguma coisa em uma boate de quinta que ficava ao lado da rodovia e se divertir com as garotas que lhe diriam qualquer coisa por dinheiro.
    Linda Tessario Almeida era uma mulher em seus trinta anos de vida, era baixa e magra, com espessos cabelos castanhos que lhe caiam até a cintura que era fina e bem formada. Seus grandes olhos castanhos passavam a sensação de carinho e bondade a todos a quem ela olhava. Seus lábios eram carnudos e sua boca sempre vermelha sua cor favorita dizia ela.
    Havia se casado há algum tempo atrás com um homem chamado Derick Almeida, ambos se amavam muito e haviam passado juntos por momentos muito difíceis em suas vidas, tanto separados quanto unidos.
    Quando pequena Linda foi uma criança doente que vivia de medico em medico, hospital a hospital. Passou por muitos procedimentos que envolviam radiação e outras coisas que prejudicavam seu diminuto corpo, embora tenha vencido a doença que lhe afligia algumas sequelas a acompanharam por toda sua vida.
    Devido a isso não era uma mulher particularmente forte, mas estava sempre bem-disposta a aproveitar a vida e as pessoas. Seu único pesar era a incapacidade de gerar uma vida, algo com o que sonhava desde que podia se lembrar. Ser mãe, cuidar de outro ser como sua mãe cuidara dela até chegar ao fim de seus dias.
    Havia esperado o filho de Derick por três vezes e em todas as três, sua vida estava em risco por complicações. O primeiro era natimorto e teve que ser removido, no segundo um aborto terrível no sexto mês de gestação e no terceiro não havia passado do terceiro mês e lhe causara uma hemorragia que quase a levara para o outro mundo.
    Essa era sua última chance e o médico lhe advertira no hospital aquele dia, que não seria aconselhável tentar novamente caso o pior ocorresse. Seu marido e ela estavam apreensivos, porém Derick sofria com a possibilidade de desta vez perder tanto seu filho quanto sua esposa.
    O relógio marcava oito e meia da noite, Ronald deixava o inferninho para trás para voltar para sua casa. Quando sentado em sua moto refletia sobre sua vida. Sentiu pesar por ter deixado as coisas com seus pais chegarem aquele ponto, entendia que eles só queriam o melhor, mas ele como sempre era esquentado. Nada como álcool e mulheres com pouca roupa para fazê-lo refletir sobre seus erros.
    Decidira que iria para a casa de seus pais agora na cidade vizinha, afinal era só continuar seguindo essa pista calma e deserta por mais 20 quilômetros e logo estarei lá pensou. E assim começara sua última viagem.
    Derick voltava mais cedo de suas férias com sua esposa mais cedo, algo não estava bem, podia dizer, sua esposa não costuma reclamar ou se queixar das coisas, logo sabia que quando ela o fazia a situação era séria.
    Ronald deitava sua moto em cada curva, cada vez aumentando mais a velocidade e zunindo pelo asfalto. Derick pisava no acelerador, sua esposa agora gritava de dor e começara a sangrar, essa era sua quarta gravidez, já estava no oitavo mês, segundo o médico essa deveria ser sua última chance, do contrário deveriam tentar adotar uma criança dissera ele. Linda não sabia, mas nunca seria mãe.
    Ronald fez uma curva e então na próxima viu aquela luz desgovernada em sua direção, então nunca mais viu coisa alguma. Derick dobrou a via, Linda gritou de dor, Derick olhara para ela, não usava cinto de segurança. Derick deve ser torso destruído pelo volante do carro. Derick jamais foi pai.
    O carro capotou diversas vezes e ficou la parado no canto da estrada. O ceifeiro estava ocupado naquele dia, Ronald jazia destruído a esquerda, Derrick morrera no impacto, seu corpo fora partido em dois. Linda ainda presa ao assento do carro desfalecia de forma rápida, somente capaz de balbuciar algo: - Por favor você precisa sobreviver, mamãe não será capaz de estar com você, mas você precisa viver. O Resgate levaria 10 minutos para chegar até ali.
    Capitulo IV: Vitória
    Ele caia pelas sombras intermináveis daqueles domínios, imaginava que bateria em algo durante a queda, porem ele só caia e caia na penumbra que o consumia. Parecia estar caindo a eras em sua percepção, novamente não saberia dizer.
    Sentia-se triunfante, ainda era Ronald e sempre seria Ronald. Sim jamais passaria pela passagem negra agora, nunca conheceria o próximo estágio, mas ao menos ainda era Ronald e jamais se tornaria um espectro sem vontade. Sentia frio pela primeira vez desde que chegara aquela montanha, não sabia o motivo. Agora se entregara ao êxtase não vazio sobrenatural e escuro, já não pensava em mais nada, somente na paz que experienciava agora., não havia mais ódio, insegurança, amor, só aquela sensação de frio e calmaria enquanto caia para as profundezas abismais do desconhecido.
    Presa ainda no carro Linda agonizava, quando foi capaz de ver um rosto amigo, um enorme homem negro, não um gigante de ébano, lhe tranquilizava com sua voz doce e seus cuidados. Um gigante gentil. - Me chamo Malloy. Vamos ajudar você, estamos preocupados com o bebe, não temos certeza de que irá sobreviver. Mas você precisa ser forte.
    - Corte meu ventre e tire o dali com vida por favor esse é o último pedido que tenho em vida. Disse linda poucos minutos antes de ser abraçada pelo vazio e pela noite. O ceifeiro ali aguardava. Levaria mais uma ou duas almas para o nada?
    Ronald continuava a cair de forma vertiginosa, teve a impressão de ver um minúsculo ponto azul bem lá embaixo que parecia aumentar e aumentar de tamanho. Logo lhe ocorreu que aquela era a Terra. Divertiu-se momentaneamente com isso quando pensou que se tornaria uma alma penada lá. Quantas histórias loucas ouvira durante sua vida e que nunca acreditara e despachara como maluquice?
    Divertir-se-ia mais se não tivesse percebido que já não se lembrava mais de seu nome, nem de quem era e se não houvesse aquela sensação agonizante de estar sendo carbonizado. O fogo brotava de seu corpo como fogo fátuo, e suas memorias queimavam e eram despedaçadas ao mesmo tempo em que continuava a cair e a Terra continuava a se aproximar mais e mais. Sua essência estava sendo reciclada sua forma mudava para algo menor, e não havia nada que pudesse fazer para impedir o que acontecia. Já nem mais se lembrava da montanha ou das criaturas que lá habitavam. E em uma explosão de chamas não havia mais nada.
    De volta ao hospital médicos e enfermeiros corriam de um lado para o outro em um frenesi assustador, a pequena menina foi salva as outras três pessoas envolvidas no acidente brutal da via 666 haviam morrido no local.
    Malloy segurava a pequena criança em seus enormes braços contente de pelo menos terem salvado uma vida. Ele abriu os olhos via tudo branco, seus olhos doíam, a claridade lhe machucava como se nunca tivesse enxergado antes. Não se lembrava de muitas coisas mais sabia que se fechasse os olhos jamais seria o mesmo de novo. O que acontecera, ele não se lembrava, lembrava-se de que possuía um nome, sim, meu nome era Ronal... E então a pequena caiu no sono. - Pequenina você teve uma Vitória hoje. Disse Malloy, veremos se pode conseguir mais uma e ter uma família.
    Quatro anos haviam se passado desde então, e naquela sepultura para qual Malloy olhava jaziam Linda e Derick. -Esses eram meus pais disse Vitoria confusa? - Sim. Replicou O gigante gentil. Agora vamos sua mãe está esperando e logo tenho que voltar para meu plantão.
    - O que ela está fazendo ali? Perguntou de forma inocente a menina.
    - Isso ela deve te contar pequenina. Respondeu.
    E se aproximando de forma acanhada daquele único tumulo no canto da ala, indagou a senhora sentada a beira do tumulo. - Quem é esse homem mamãe?
    - Esse Vitória é seu irmão que morreu no mesmo dia em que seus pais se foram. Se chamava Ronald. Como seu nome do meio. E a senhora sorria de forma doce e gentil para a pequena Vitória Ronald Bock.
  • A Ponte Sobre o Rio

    Antonio estava de pé no parapeito da longa ponte estaiada. Os pés descalços tocavam no concreto frio, vacilando entre uma rajada de vento e outra. Não tenho nada a perder, ele sussurrou. Tinha sim, muito a perder, uma força interna lhe dizia.
    Puxou o capuz para baixo, estava frio. Seu rosto era triste. Muito abaixo de si, centenas de metros abaixo, corria um rio negro e gelado, águas traiçoeiras que seriam capazes de levar toda a cidade em seu curso. Ah, a cidade, pensou melancólico. E se nunca mais visse sua família, seus amigos, ele...? Ele, o homem que eu amo, o homem que disse que...
    -Eles não precisam de mim. - Parecia mais real quando dizia aquilo em voz alta. Ouvir a própria voz era estranho agora. Parecia que não a ouvia há tantos anos... Sabia que seria um estorvo a menos na vida dos seus pais, mas seu irmão e o seu amor... Não há amor nenhum. Não existe mais amor.
    Olhou pro alto, além dos cabos de sustentação que seguravam a longa Ponte Topázio, para o céu da madrugada. Não havia estrelas ou lua. Era apenas um vazio frio e silencioso, e de alguma forma parecia que o seu vazio era ainda maior.
    O que sentia dentro de si era uma monstruosidade negra e maligna sempre lhe dizendo o quão era burro, fraco e covarde, infectando seus pensamentos, seus sonhos, oh Thomas, você vai chorar por mim? Você vai lamentar quando olhar pro meu nome numa lápide? Eu sequer terei uma lápide?
    O estômago embrulhou quando voltou a olhar pra baixo e o mundo girou a sua volta. Olhar para cima lhe desequilibrou por dois segundos e seria o suficiente para lhe ceifar a vida. Mas não foi isso que vim fazer aqui? Pra que iria querer essa vida afinal? Já estou vivo por tanto tempo, e de que me serviu até hoje?
    Não sabia mais. Olhou para a sua esquerda, para as margens da cidade adormecida. Eram luzes distantes agora. Tinha saído de casa no meio da noite, lembrava bem... Ou não... Ainda estaria em casa naquele momento? Onde realmente estava agora? Na cela de um manicômio qualquer? Esforçar a memória fazia sua cabeça latejar e a dor também quase o derrubou. Estava tão silencioso. O tempo andava lhe fazendo truques na cabeça. Ou seria todo o uísque, ou os comprimidos, ou...
    Não havia tráfego na ponte há dois dias... Como saberia daquilo? Era impossível saber, seu pai passou pela ponte horas antes, como não haveria tráfego? Desceu do parapeito para averiguar e realmente havia lá, onde a cidade começava, abaixo da placa de boas-vindas, grandes barricadas de contenção. Há quanto tempo seu pai tinha saído para aquela viagem? Houve um tremor, a ponte não era forte o bastante, lembrava das notícias, precisava se esforçar mais. A cabeça parecia que ia explodir. Mais, mais.
    A lembrança veio, um pequeno lapso de luz numa treva sem fim. Uma luz bastava para iluminar seus motivos. ‘’Você precisa de conserto! Nunca vai dar certo desse jeito Toni!’’, recordou. Era a voz do seu amor que falava, mas também a da sua mãe, dos seus colegas. A cidade inteira parecia gritar que ele não estava bem, que ele não era... Suficiente. Eu não tenho que agradar a ninguém. Mas se pelo menos eu me agradasse, já seria o bastante. Já seria o suficiente pra eu viver feliz.
    Por que as coisas precisavam ser assim? Tudo poderia ter sido perfeito em sua vida, mas as vozes nunca o deixariam ter uma refeição se quer em paz, sempre jogando coisas em seu ouvido, em sua cabeça. Você é ridículo Antonio, vê? Olhe como eles te olham, ouça seus pensamentos. Você é lixo, você é merda e ainda é mais inútil que lixo e merda juntos.
    Afastou as vozes esmurrando o pequeno muro de concreto que separava a via do abismo logo abaixo. Só precisaria de um passo, de um salto. De um único segundo de coragem. Era o que necessitava. Socou o concreto como se visse nele a face de Jorge, de Miguel, de Vinicius, todos eles ali, caçoando dele... Viu também Benjamim, seu falecido padrinho... É o nosso segredo, ninguém vai saber, a voz era seca e maliciosa e as mãos eram puro osso, mas vieram em sua direção. Antonio gritou.
    As mãos latejavam de dor quando parou subitamente de gritar. Não percebeu quando parou de golpear o muro. Estava ofegante e havia sangue. Também havia lágrimas, sentia-as escorrendo pelo seu rosto ridículo, transbordando dos seus olhos ridículos. Tirou os óculos e jogou no chão. Deu um soco no próprio rosto, infelizmente não tão forte quanto gostaria.
    Ele diz que eu sou lindo, a voz amigável recordou dentro de si. Ele também era lindo, Toni pensou. O amava muito, e era amado de volta, sabia. Mas sabia também que a voz da razão tinha muito mais a dizer. Sim, diz que você é lindo. E também que você é louco, que deveria ser internado, que não passa de um doente, paranoico e que nunca dará certo com ele. As palavras afogavam em lama todo o sentimento bom que estava lá há tão poucos momentos.
    Naquela hora já teriam percebido que ele não estaria na cama? Não, claro. Era madrugada e mesmo que alguém acordasse, quem sequer iria se importar de checar se estaria bem? Era muito mais provável que seus próprios pais o empurrassem daquela ponte. Não, eles te amam e querem sempre o seu bem, NÃO! Eles não te amam, não vê como eles debocham? Não ouve o que eles dizem quando acham que está dormindo? Eles sabem que você vai morrer. Eles querem que aconteça.
    Antonio se divertiu por um momento imaginando qual a reação quando, pela manhã, encontrassem a cama vazia e um bilhete de despedida sobre o travesseiro. Logo o sorriso desapareceu do seu rosto quando percebeu o que fizera. Me tomarão como um covarde, como um bobo e idiota! As lágrimas já tinham partido, mas as sentiu voltar. Já tinha ido tão longe agora...
    Poderia voltar a andar para casa, esconderia as mãos feridas nos bolsos pela manhã ou inventaria alguma mentira convincente. Rasgaria o bilhete em mil pedaços e ninguém jamais saberia até onde ousou tentar.
    Mas e aí? Sentaria na mesa com as pessoas que o repudiavam, iria para o trabalho onde todos o achavam um incompetente... Trabalho... Que trabalho? Uma outra voz sussurrou. Estaria ficando louco? Estaria finalmente inventando coisas como todos falavam que fazia?
    Não, não estava louco. Faria todos se arrependerem. Naquela manhã, quando encontrassem seu corpo na margem do rio, todos finalmente sentiriam algum remorso... Mas que corpo?
    O rio era rápido e violento, se chegassem a encontrar algum corpo levaria dias e ele estaria irreconhecível, e ainda que encontrassem seu corpo... Todos me chamariam de coitado por dois minutos e seguiriam suas vidas miseráveis.
    Mas sua vida também era miserável, sua família o odiava, não tinha amigos e seu namorado... Não há nenhum namorado, pensou, e por um breve instante sentiu-se... Destruído. Não tinha mais ninguém. Qual era o propósito de se viver assim? Nunca teria filhos, por que diabos tinha de ter nascido daquela forma? Quebrado, defeituoso, estúpido... Que tragédia era a sua vida afinal?
    A única cura para a vida é a morte, a voz lhe disse.
    Calçou os sapatos e subiu novamente no parapeito. Não deixaria seus sapatos para trás, não deixaria nada. Só uma vida inteira, sonhos, planos... Que planos? Ser um incomodo até finalmente morrer de velhice? Estava frio, escuro, e sua mente parecia um nós de gritos, choros e sussurros. As vozes tinham intensificado ultimamente, e nada mais era capaz de silencia-las.
    Tinha de ser agora. Em pouco tempo o sol retornaria, e com ele toda a sua desgraçada rotina. Sabia que enfrentaria todos novamente e sabia que seria derrotado como era todos os dias, como sempre foi. Estranho! Incompetente! Inútil! Não vê mulher? Ele tem um rosto triste. Ele é um adulto e vive chorando pelos cantos, ele vai acabar cortando os pulsos uma tarde dessas. Era agora. Sentia muito decepcionar seu pai, mas não era muito um fã de lâminas. Nem de pontes.
    Respirou fundo. Era capaz de ouvir o próprio coração agora. Tentou mais uma vez imaginar um futuro em que viveria e seria feliz. Teria uma casa em outra cidade. Talvez até outro estado. Uma grande casa, na beira do mar. Ou um apartamento, bem alto, bem longe de tudo.
    Viveria com ele, com o amor da sua vida. Teria filhos, cachorros, antidepressivos no armário e facas guardadas a sete chaves... O que? Não há felicidade para você seu idiota! Sua própria voz suplicava num apelo justo. Não entende? Nunca vai ter felicidade pra você. Faz um favor pra você. Pra ele. MORRE!
    O parapeito parecia querer expulsar seus pés. Ou suas pernas é que tremiam, não sabia dizer agora. Mordeu o lábio inferior até sentir o gosto de sangue. A dor física afastava a psicológica por alguns momentos. Seria o bastante. Thomas ainda me quer, eu sei disso. Ele me ama... Mas não amava. Não depois de tudo, não depois de tanto. Ele nunca terminaria, mas por pena de mim, o Toni maluco, e por medo que eu morra. Eu tenho que me deixar ir. Por ele, por todo mundo. Que falta eu farei no mundo?
    Haveria o outro lado? Encontraria todos os que já se foram com um olhar julgador lhe esperando? Eles não têm direito de me julgar. Eu sei o que eu passei. Eu senti o inferno da vida. Eu nasci no inferno da vida. Mas isso nunca impediu ninguém de lhe julgar. Não deixaria o receio lhe impedir agora. Essa era a mudança que precisava fazer. Era o rumo que precisava tomar.
    Na última decisão da sua vida, Antonio Prata deu um passo a frente. A ponte subiu atrás de si, indo encontrar o céu, enquanto seu corpo ia na direção contrária. Teria sido seis segundos ou seis séculos?
    O coração saltou em urgência. Sentiu em uma fração de segundo todos os beijos de seu amado, os sorrisos de seus colegas, e os ‘’bom dia’’ que recebia todas as manhãs, tão confortantes quanto um abraço... Ouviu suas brigas, suas brigas, SUAS! Era ele o tempo todo, era eu o causador... Discussões vindas do nada e por nada!
    Lembrou de como todos o olharam quando jogou aquela cadeira pela janela do escritório bem na frente do seu chefe... Eles estavam rindo de mim, estavam zombando, NÃO, NÃO ESTAVAM! E tantas discussões, e tantas lágrimas e tanta paranoia...
    Todos estavam contra mim, imaginou, não, não estavam. Todos queriam ajudar. Nem recordava o motivo pelo qual estava ali, naquela ponte fria, sobre aquele rio frio. Seria possível que fosse mesmo um quebrado? Estaria bem mais quebrado em breve, quando sua eterna queda chegasse ao fim.
    Viu sua mãe chorar sobre o seu caixão e se perguntar o que havia feito de errado... Por que mesmo na morte precisava estragar tudo? Quis voltar quando sentiu em si a dor da mulher que há vinte anos tinha lhe dado à luz. Mas não havia volta. Nem mesmo mandou uma mensagem a seu namorado... Eu te amo Thomas, as lágrimas nem teriam tempo de sair desta vez.
    As águas negras subiram tão depressa... E o engoliu de uma única vez quando as sentiu envolver a pele, tão geladas... Tentou gritar, mas o ar escapou todo de uma vez e se debateu, chutando, esperneando, esmurrando... em vão.
    Não enxergava nem ouvia nada. Jamais receberia ajuda agora. Foi arrastado rio abaixo, tentando se agarrar em qualquer coisa, mas as mãos só encontravam água. Por um instante conseguiu ver o que pareciam ser as luzes da cidade, algo turvo a distância. Os malditos óculos, deixei na maldita ponte. O alívio nem teve tempo de surgir em si, pois logo depois tornou a submergir.
    Não queria morrer, só queria ajuda, só queria... conserto, a voz completou, tarde demais. Pensou na casa e nos filhotes que nunca teria, nos beijos do seu homem que agora seriam de outro. Meu Thom, meu amor, te amo, te amo, vamos casar e adotar filhos e... E eles irão visitar meu túmulo um dia, ao lado do novo pai? Vai contar a eles que eu pulei da ponte Thomas? Os filhos que deveriam ter sido meus! E os beijos, e a casa, e o futuro! O meu futuro!
    Seria assim que partiria, desesperado, lutando pela vida? Será que saberiam o quão assustado ele estava? Achariam que ele esteve determinado e corajoso até o fim? Isso não é nenhuma coragem, eu deveria... Deveria... Viver.
    Viver. A palavra ecoou dentro e fora do seu corpo. O próprio rio a gritava, viver! Viver! Eu quero viver!
    Os pensamentos se tornaram borrões e os borrões viraram nada, quando a vida lhe deixou o corpo. Um pescador lhe encontrou pálido e inchado três dias depois, a quinze quilômetros da cidade, na margem do Rio Topázio.
    Os olhos ainda estavam abertos, olhando para o nada, e parte dos lábios e uma orelha haviam sido devorados por algum bicho, mas o rosto ainda era... triste.
  • À procura da felicidade

    Respira, inspira, ele vai chegar, ele vai chegar...
    Era o que Karen repetia em pensamento várias vezes. Ela havia marcado um encontro pela internet, apesar de nunca ter imaginado que chegaria a este ponto, fazia tanto tempo que ela não saia com alguém que não lhe restou muita escolha. Afinal, ela tinha uma filha, que ela amava mais do que tudo e mesmo muito nova essa menininha sempre perguntava pelo pai e a mãe não aguentava mais não poder lhe dar uma resposta que não fosse magoá-la. Karen queria recomeçar e dar à sua filha a família completa que ela sempre mereceu mesmo que essa não fosse composta por seu pai de sangue.
    Enquanto olhava ao redor, algo lhe chamou a atenção, era um vaso repleto de lindas rosas vermelhas, e isso logo lhe trouxe a tona o seu passado. Ela lembrou de seu primeiro amor e pai de sua filha, um amigo de infância que depois de afastado por muito tempo, havia voltado a cidade. Karen lembrava perfeitamente, ela tinha 18 anos de idade e ele 20 anos. Era inevitável não rolar alguma coisa entre eles, "o destino quis que fosse assim", era o que todos diziam. Ficaram, e até partiram para algo mais, Karen pensou que este seria o seu amado, o seu verdadeiro amor, pobrezinha. Isso durou até a sua gravidez, que assim do momento que ficou sabendo, o seu amado, pegou suas coisas e fugiu, sem dar explicações, nem noticias.
    Mesmo arrasada, Karen estava disposta a enfrentar tudo e todos pelo seu bebê, procurou casa, procurou emprego e sozinha ela conseguiu criar sua filha, que hoje tinha 7 anos e era uma menina inocente e doce, com um coração de ouro.
    Ao pensar na filha Karen instantaneamente sorriu e aos poucos sua ficha foi caindo... Todos esses anos ela estava procurando a felicidade, buscando se sentir completa, o que achava que somente encontraria em um homem. Mas o que ela pôde perceber somente agora, nesse momento de reflexão e lembrança, era que ela já havia encontrado a felicidade e que ela sempre foi completa, porém nunca havia notado. E aquele encontro, aquele lugar, aquelas rosas á despertaram para a realidade, e ela seria eternamente grata por isso.
    Sem mais delongas, Karen se levantou da mesa onde estava sentada, e saiu, mas saiu diferente, iluminada e com um sorriso no rosto. Confiante ela seguiu em frente atrás do verdadeiro motivo da sua felicidade: sua FILHA.
    E o cara do encontro.... Bom ele não encontrou Karen, mas encontrou a sua futura esposa e a futura mãe dos seus filhos. As coisas nem sempre são como queremos, elas são como precisam ser, e cabe a mim e a você virar a situação a nosso favor...
  • A quebra do destino

    maxresdefault
    Tenho 1 hora e meia para escrever um conto... Pois estou a esperar um carregamento de um arquivo e não tenho o que fazer, então vou fazer um conto... De que falar? Vou contar uma história real... É noite, umas 7 horas... Eu estava voltando para casa e então vi numa esquina perto de casa, onde fica uma fabrica, um casal que eu nunca tinha visto antes estava a conversar com o vigia do lugar, tudo normal, então vou em direção a eles e de repente um homem aparece atrás de mim e com um pedaço de pau ele tenta me agredir e consegue. Levo uma pancada na cabeça e acordo... Era um sonho! Sim, mas você vai ver que ao mesmo tempo era real. O tempo passou e Aconteceu algo inacreditável eu desta vez saia de casa, acho que ia comprar algo para comer, não lembro a hora, mas era noite e olhei para a esquina da fabrica e quando fui me aproximando vi que as pessoas que estavam ali eram as mesmas antes desconhecidas de meu sonho, estavam na mesma posição, mesmas roupas e conversavam, a mulher estava sentada numa moto. Daí olhei em volta pra ver se via o agressor, mas ele não apareceu, ainda bem né, foi tudo rápido e eu passei. Então para enfeitar este mini conto crio uma explicação... Antes de eu sonhar quase cheguei a conhecer uma garota que fazia curso no mesmo lugar que eu, então não a conheci, foi como se as circunstancias tivessem mudado, pois quase falei com ela, porem um homem que provavelmente era o pai dela entrou em minha frente na hora de eu atacar e falar com ela. Este homem era o agressor. Ou seja, eu não conheci a filha dele, por isto não tive algum tipo de discursão com ela que levasse o pai dela a me seguir e agredir. Talvez tudo tenha sido apenas uma coincidência, as pessoas, o lugar do sonho, pois praticamente para sair de casa tem que se passar por ali, para ir a parada pegar ônibus principalmente. Mas para quem acredita em destino, este conto foi: A quebra do destino. E o arquivo ainda não terminou de carregar... O que mais falar? Para este virar um breve romance eu voltei a ver a garota e desta vez a conheci... Será que vamos ter brigar ou algo que leve o pai dela a me fazer algo? Eu tive que decidir antes de conhecê-la e como a conheci decidi assim enfrentar esta situação sem medo, ou com este como um pouco precavido. É foi o que foi sem ser, ou seja, saiu tudo bem, até hoje estamos juntos e nada aconteceu. Às vezes acabamos fazendo coisas colocando medo sobre as pedras do destino, porem devemos enfrentar e assim seguir adiante. A verdade foi só o sonho e a ocasião real. A quebra do destino aconteceu para quem acredita em sonhos e destinos. Para mim foi apenas coincidência. Falei sonho, mas logicamente foi um pesadelo e para muitos uma premunição que gerou alguma coisa que me fez mudar este destino, talvez eu o tenha mudado inconscientemente. E este foi o fim, porem tenho que continuar o arquivo ainda não terminou de carregar. Então vou dizer é que à garota e o pai dela nem existiram, talvez o agressor do pesadelo fosse apenas um ladrão, se é que existiria este destino diferentemente de sem a aparição dele como foi o que no real aconteceu. Não passou nem 1 hora e vou terminando este conto por aqui, sim, deixando vocês pensado sobre suas vidas, que ocasião na vida de vocês ocorreu algo parecido? Parem após terminarem de ler e reflitam, busquem uma resposta para esta pergunta que fiz e quando encontrarem não tenham medo!
  • A Riqueza Salva

    No começo a tecnologia era vista com entusiasmo. O futuro era visto de maneira brilhante com diversos inventos fantásticos, muitos deles estranhamente ligados ao atributo de voar. Parecia algo surreal e mágico substituir as rodas por nada, podendo admirar de maneira simples toda a beleza que um pássaro vê cotidianamente. Mas o pessimismo foi lentamente tomando conta das mentes e o futuro passou a aparecer de maneira sombria.
    Alguns apostavam no aquecimento global, outros em um vírus mortal que é liberado sem querer de algum laboratório, e ainda tinha aqueles que acreditavam que as máquinas iriam adquirir inteligência e dominar o mundo. O grande problema é que tudo isso desconsidera o fator humano. Há muito já se discutia se era a sociedade a responsável pela maldade humana ou se nós já nascemos assim. A resposta, embora importante, só revela que somos maus. E, sendo maus, nós temos que ser o grande protagonista do nosso fim, pois, se não for assim, provavelmente não é o fim.
    Esse pessimismo mostra que, tanto para o pobre como para o rico, o mundo iria acabar num futuro próximo. Talvez não o mundo, mas com toda a certeza pelo menos a existência da raça humana. O grande problema é que os pobres não têm muito poder de ação individualmente e juntar todos a nível mundial para ter alguma mudança é um trabalho muito árduo, difícil e alguns até diriam que impossível. Mas os ricos estão em um número bem menor e o dinheiro deles carrega um poder quase sobrenatural.
    Tudo, como sempre, começa com o medo. Basta uma pandemia para que a venda de bunkers dispare como se fosse um sinal do final dos tempos. Os bilionários acabam desabafando com os seus amigos, que também são bilionários, sobre esse pessimismo e percebem que é um sentimento comum. E, talvez durante uma conversa no balcão de um bar enquanto bebem um whiskey mais caro do que um carro popular, acabe surgindo ideias de como sobreviver a tudo isso sem perder a qualidade de vida. No princípio, as ideias pareciam absurdas, mas vão se complementando. No fim, fica um silêncio constrangedor. Os pensamentos foram longe demais, reais demais e sedutores demais. Afinal, por que não? É só a morte, a velha companheira que está direta ou indiretamente presente em nossas fortunas e em nosso conforto. Por que não pode participar da nossa riqueza e conforto eternos? E não é difícil conseguir gente o suficiente. Basta convencer as 26 pessoas mais ricas do mundo que já terá poder o bastante e os outros terão que vir se quiserem sobreviver. Bilhões de dólares podem se livrar facilmente de bilhões de pessoas.
    A ideia era bem simples na realidade. Bastava continuar desenvolvendo a tecnologia como se nada de diferente estivesse acontecendo, mas lentamente ir acelerando esse ritmo. O foco principal era desenvolver a inteligência artificial para que ela conseguisse chegar ao ponto de criar as suas próprias invenções, além de máquinas que conseguissem substituir o trabalhador humano nas fábricas. Mas esse último era mais simples já que estava em curso há muito mais tempo. Depois disso, o segundo passo poderia ser posto em prática: a aniquilação de todos que não faziam parte do plano. Pode parecer algo complicado à primeira vista, mas só é necessário o caos inicial. É possível fazer isso de diferentes maneiras. Dá para envenenar lotes de sal e açúcar ou até mesmo o sistema de abastecimento de água de um país, sendo escolhido um veneno de ação lenta para que os sintomas fossem confundidos com os de alguma doença. Também dá para simular desastres naturais, como um enorme tsunami, ou diversos ataques terroristas atribuídos a grupos radicais de fachada. Por fim, mas ainda bem longe de terminar uma enorme lista, é possível criar eventos sobrenaturais como boa parte de uma cidade ter morrido eletrocutada durante uma enorme e súbita tempestade formada por uma bomba de pulso elétrico.
    Assim que o caos se instala, gerando a maior (e última) crise do capitalismo, o fim começa a caminhar por si só. As pessoas não veem o inimigo invisível e talvez não ligassem mesmo se o vissem. O mais importante para elas é não passar fome enquanto sonham em voltar ao estilo de vida antigo. Por isso se separam em grupos e começam a brigar entre si pelo mínimo de recursos. Eles mesmos começam a se exterminar para tentar sobreviver. E essa luta se torna ainda mais difícil porque a maioria das pessoas não sabe técnicas de sobrevivência, como produzir alimentos e nem como funcionam as coisas eletrônicas que usamos cotidianamente. Então só resta lutar pelas coisas que já foram fabricadas e, se tiverem sorte, encontrar algum grupo que detenha esses conhecimentos.
    Para os ricos essa fase também é um pouco tensa, pois é crucial. Eles têm que se manter escondidos até a poeira abaixar e proteger os meios de produção, pelo menos o suficiente para que possam reconstruir rapidamente as suas casas e fábricas. Mas essa parte não gerava tanta preocupação já que tinham uma avançada tecnologia e não precisavam chegar ao mesmo ritmo produtivo de antigamente. Cada um era responsável pelo seu esconderijo e os principais eram debaixo da terra, em plataformas marítimas ou até mesmo debaixo do mar em submarinos de luxo. Assim que essa fase acabasse, seria possível deixar que a natureza se recuperasse sozinha devido as reduções drásticas com a super população e do problema da poluição. Na realidade, o próprio fim do capitalismo levaria consigo a maior parte dos problemas. Como os próprios bilionários diziam com suas vozes pomposas e orgulhosas: “Esse é um amargo remédio, mas é a única esperança para a sobrevivência da humanidade e do planeta”.
    No fim dessa fase, a própria inteligência artificial começaria a planificar a economia para decidir o que seria produzido, o local de produção, a quantidade e para quem ia primeiro com base na logística e em qual plano seria o mais rápido para recuperar a luxuosa vida de todos. É claro que ainda havia desafios, afinal alguns sobreviventes, que os ricos apelidavam de baratas, ainda andavam e sobreviviam nas ruínas das cidades. Por sempre andarem escondidos, não havia um censo de quantos ainda resistiam ao domínio mundial dos ricos. Ao todo 15 milhões de milionários foram chamados para participar do plano criado pelos bilionários e logicamente todos aceitaram. Como podiam abrigar a sua família e alguns amigos, o número de sobreviventes ricos deveria rondar os 40 milhões, mas muitos não aguentaram carregar a culpa e acabaram se suicidando. Já outros tentaram sair dos seus esconderijos muito cedo para reconstruir a sua vida normal e acabaram assassinados. E ainda teve aqueles que não se esconderam muito bem, foram encontrados e mortos por baratas famintas. Ao todo devem ter restado uns 25 milhões de ricos espalhados pelo mundo.
    Um desses ricos era Thomas, um homem que fez sua fortuna no mercado tecnológico após criar uma startup de investimentos. Ironicamente o slogan da empresa era “Sobreviva como um rei, invista com a gente e faça a sua fortuna”, mas ele deve ter sido o único ligado ao aplicativo que continuava vivo. Ele tinha uns 25 anos e 1 filho pequeno no momento em que o plano de extermínio foi posto em prática. Quando sua mansão superprotegida estava pronta, saiu do seu luxuoso bunker com um pouco mais de 65 anos e 5 filhos. Mas se alguém o visse na rua em um dia qualquer provavelmente acharia que ele tinha uns 40 anos. As dicas e tratamentos de beleza que a inteligência artificial oferecia eram valiosos, ajudando os ricos a terem uma vida longa e saudável. Além disso, ela criava um belo conteúdo de entretenimento a partir dos gostos dos moradores, o que evitava a culpa e o estresse, influenciando e muito na aparência deles.
    Já o contrário parecia acontecer com Isaac que tinha somente 30 anos, mas aparentava uns 50. Ele nasceu durante a época do extermínio, então era mais fácil lidar com a realidade já que nunca viveu nada diferente do caos. O estresse e a culpa eram sentimentos cotidianos, sempre estando misturados com a raiva e frustração. Ele era negro e seus músculos eram definidos, mas isso acontecia mais pela desidratação e uma dieta irregular do que por uma rotina dedicada a musculação. A barba e o cabelo eram aparados com uma faca sempre que atingiam comprimento o suficiente para puxar e cortar, os deixando com uma aparência de ninho de pássaro. Os cuidados com os dentes eram precários, mas o suficiente para deixá-los lá. Tanto o cheiro do corpo como o das roupas eram azedos, pois ninguém confiava na água dos rios desde o envenenamento em massa. A preferência era sempre pela água das chuvas e somente em épocas de estiagem era que a água do rio era usada, mas sempre com cautela. Embora não tenha vivido a parte mais bruta do extermínio, sempre ouvia as histórias do pai e seguia os seus ensinamentos como se fossem regras canônicas.
    O seu pai, que se chamava Francisco, morreu quando ele tinha apenas 15 anos, enquanto a sua mãe morreu dando à luz. Quando tudo era normal, ele era o mordomo de Thomas que preferia um humano tomando conta de sua casa do que um robô, além de acreditar que ajudaria o seu filho a ser mais empático ao crescer do lado de humanos. Embora fosse constantemente abusado verbalmente, Francisco não poderia se dar ao luxo de pedir demissão já que não tinha muitos empregos lá fora e a maioria das pessoas trabalhavam como autônomas. Ele achava engraçado como elas formavam quase um mercado fechado: autônomo vendendo para outro autônomo e assim todos vivendo de forma apertada, mas sobrevivendo.
    Era bem diferente de como Isaac vivia e, sempre que ele se lembrava das histórias do pai, ficava com uma sensação de que era um conto de fadas impossível de se tornar realidade. Ele vivia com um grupo de 4 pessoas, todas mais jovens do que ele. Eles moravam entre uma pequena floresta, que antes era um parque, e os escombros de um antigo prédio que ainda tinha parte de alguns andares em pé. O verde já tinha recuperado uma boa parte do cinza da cidade e, como o parque já tinha um grande número de árvores antes, nessa área a recuperação foi mais rápida. Eles dormiam em uma pequena cabana feita de lona com duas valas escavadas ao lado. Isso permitia que a água da chuva fosse captada mesmo quando ninguém estivesse no acampamento. Assim, eles conseguiam fazer trocas com grupos que moravam nos esgotos sempre que ficavam sem conseguir caçar alguma coisa no parque. A troca não era agradável, mas aqueles que moravam nos esgotos sempre tinham uma abundante criação de baratas e uma escassa captação de água. Pronto, a troca perfeita estava feita: um pote de água por um de baratas. No começo é nojento comer elas, mas você vai fritando, as observando e pensando em sua fome. De repente, param de ser tão nojentas e passam a ser desejáveis ao pensar na crocância do exoesqueleto sendo esmagado pelos seus dentes, no gosto salgado se espalhando em uma boca que não sente nada a dias e na satisfação de ter alguma proteína no seu estômago. Mas graças a Michelle, que era a responsável pela montagem das armadilhas no grupo, esse canibalismo nem sempre acontecia. Ela aprendeu tudo que sabia com a sua mãe e tentava passar para a sua irmã mais nova Micaella, mas ela sempre esteve mais interessada nas histórias do mundo do passado que Isaac contava. Já Yuri e Regis eram os responsáveis pela segurança e arrumação do abrigo, sempre pensando em jeitos de afastar outros grupos, além de deixar tudo limpo e funcional. Como era o mais velho, Isaac supervisionava todos e sempre preparava as refeições. Era um grupo bem limitado que foi formado pelos pais de Michelle e Isaac, mas que de alguma maneira inexplicável continuava sobrevivendo.
    Antigamente havia mais membros, chegando a ter 15 pessoas em seu auge. Porém, como o acampamento ficava muito perto da mansão de Thomas, muitos eram capturados e outros fugiam com medo de terem o mesmo destino. A última baixa do grupo foi Juan que, enquanto caçava com uma lança, foi visto por um drone que patrulhava os arredores da mansão. Ele tentou correr, mas, com o lançamento de um projétil menor que uma bola de gude e macio como uma pena, ele caiu no chão imobilizado. Logo depois foi recolhido por um robô que voava a poucos centímetros do chão e que era do tamanho de uma van. Alguns diziam que a pessoa capturada era torturada por informações assim que acordava, já outros diziam que virava fertilizante para a plantação de flores dos ricos.
    Na realidade, ninguém sabia o que acontecia dentro da mansão e nem como ela era por causa dos enormes muros que separavam as duas realidades. Era até amedrontador olhar para ele toda noite antes de dormir, pois, mesmo em meio a tanta escuridão, ele ainda se destacava como se fosse um corpo vivo que se aproximaria de você durante o seu sono e te mataria enquanto estivesse indefeso. Já durante o dia, ele perdia um pouco dessa magia. Embora só tenha visto a barragem de uma hidroelétrica em um antigo e acabado livro de geografia, Isaac imaginava que deveria ser muito parecida com esse muro, mas só que ao invés de ter comportas para liberar a água, tinha pequenos buracos por onde saiam drones de vigia e alguns outros robôs. Mesmo de longe dava para perceber a vegetação subindo pelo muro e um musgo verde se formando na base enquanto lutava contra o preto da sujeira. De resto, parecia ser originalmente cinza escuro e totalmente liso, sem nenhuma imperfeição à vista e sem nenhuma chance de ser escalado, pelo menos não antes de ser visto pelos gélidos vigias.
    Isaac pensava muito nesse muro e se lembrava de uma história que o seu pai lhe contou, mas que nunca compartilhou com mais ninguém. Segundo ele, era uma história perigosa demais para ser divulgada e que poderia comprometer a vida de muitas pessoas. Talvez até mesmo se tornando a nova lenda de El Dorado. Era sobre um dia de trabalho comum, bem cansativo como sempre, e ele preparava um chá para levar até a sala de reuniões de Thomas. Logo depois de bater na porta e entrar, ele viu uns engenheiros apresentando um projeto de uma bela mansão com grandiosos muros. Na hora ele achou que o senhor Thomas ia reformar ou se mudar para um outro terreno, então não se importou muito. Mas, graças a sua memória fotográfica, viu os mesmos muros se erguerem no final da fase bruta do extermínio. Isso não seria de grande ajuda se ele não tivesse percebido que a mansão do projeto era exatamente igual e no mesmo lugar que a mansão onde trabalhava. Portanto, deveria ser a mesma ou pelo menos ter a mesma base e, se for assim, provavelmente ainda teria o mesmo túnel de fuga entre o corredor do primeiro andar e o quintal. Ele tinha sido criado na época da 2º Guerra Mundial para ser usado se algum exército inimigo invadisse. Depois foi reformado ao longo dos anos para o caso de haver um golpe comunista. No fim, só foi usado por gerações e mais gerações de adolescentes para fugir de casa, mas mesmo assim ainda deveria estar lá. Isaac se lembrava de um desenho que o seu pai fez para ilustrar o que estava contando e onde mais ou menos deveria ficar cada coisa hoje em dia. E, logo quando terminou a história, pediu para que ele só tentasse usar essas informações no momento em que soubesse que estava sem saída, pois as chances de morte eram muito maiores que as de sucesso. Ele falava que era como apostar na loteria, mas Isaac nunca entendeu muito bem essa expressão.
    Ele guardou esse segredo durante anos, tentando descobrir quando era a hora certa já que havia só uma tentativa antes do boato se espalhar ou se perder para sempre. Guardou até que Micaella foi capturada enquanto verificava se as armadilhas tinham pego algum animal. A sua irmã estava longe e não pôde fazer nada. Michelle ficou chorando durante uns dois dias seguidos, se culpando e imaginando pelo o que a sua irmãzinha estava sofrendo. Via ela em todos os cenários que diziam ser o destino dos capturados, mesmo sabendo que a maioria eram apenas histórias para assustar os mais jovens. Mas talvez alguma fosse verdadeira, não é? Alguma tinha que ser a verdadeira. Talvez não criassem as pessoas como gado para o abate e nem lutavam até a morte entre si para entreter os ricos, mas com toda a certeza morriam. Esse era o final de todas as histórias.
    Nesse momento, Isaac teve que admitir pela primeira vez que estava sem saída. Na realidade, há muito tempo não tinha nem sequer um caminho para o qual poderia seguir. Ver o seu grupo definhar ao longo dos anos e estando mais perto da extinção a cada dia doía como uma ponta de lança presa em sua carne, então Isaac teve que contar a história para o grupo. A decisão não seria dele, mas havia somente duas opções: eles podiam ir para o mais longe possível do muro e esquecer tudo ou podiam ficar, tentar invadir e torcer para não morrer. Houve um pouco de revolta por ter contado isso só agora, mas ele sabia que o tempo faria com que todos entendessem o porquê de ele ter escondido. Mas, como estavam cansados da realidade e do terrível cotidiano, decidiram lutar ao invés de fugir e assim começaram a elaborar o plano para a invasão.
    No dia seguinte, tudo que foi planejado já começou a ser colocado em prática. Eles entraram no esgoto logo após o parque e seguiram por ele até ficarem a mais ou menos uma quadra de distância do muro. Eles sabiam que entrando depois do parque não iam se deparar com nenhuma outra pessoa porque ninguém era tão louco de chegar tão perto daquela muralha amaldiçoada. O cheiro não era o pior do mundo já que não recebia esgoto há muito tempo, mas mesmo assim a sensação de ser algo sujo e nojento ainda prevalecia. Para organizar o trabalho, eles se dividiram em duplas que iam trabalhar por 12 horas seguidas. Isaac e Michele ficaram com o primeiro turno, o que foi um alívio já que ela era a única pessoa com quem conseguia ficar em silêncio sem se sentir constrangido. Com os outros dois, sempre parecia que algo estava errado e precisava ser preenchido com papo furado. Portanto, essa divisão seria ótima já que as conversas somente atrasariam o imenso trabalho que teriam pela frente.
    Em uma escavação todas as partes são difíceis, mas a mais difícil sempre é a que você está fazendo naquele exato momento. E, nesse caso, o começo era a parte mais difícil. Isaac tinha que calcular exatamente o ângulo em que o túnel tinha que seguir para atingir a passagem subterrânea do quintal. Depois de conferir milhares de vezes o mapa e ouvir diversos “não sei” de Michelle quando perguntava se estava certo, marcou com algumas pedras a direção e ficou feliz em perceber que era onde o concreto do esgoto estava cedendo. Ele trabalhou durante uma hora e conseguiu atingir a parte de terra do túnel. Michelle continuou e conseguiu fazer o comecinho da passagem. E assim eles foram se revezando de 1 em 1 hora para que pudessem descansar um pouco. Eles marcavam o tempo com uma ampulheta improvisada a partir de uma antiga garrafa pet e escavavam com pedaços de metal antigo presos em pedaços de madeira que originalmente seriam utilizados em armadilhas. Não eram as melhores ferramentas e quebravam facilmente, chegando inclusive a fazer alguns cortes quando a parte de ferro soltava com um golpe forte, mas era o melhor que podiam fazer.
    Quando acabou o seu turno e pôde voltar para o acampamento para descansar, só queria ficar deitado na terra amaciada pela grama e olhar para o céu enquanto ainda tinha a chance. Logo ele iria cair no sono, acordar e voltar para a escuridão. Ele tinha medo de voltar para lá. Não um medo paralisante, mas um que embrulha o estômago e te deixa trêmulo. O máximo de luz que eles tinham era um pouco de gordura que eles deixavam queimar no meio do caminho. O cheiro de animais em decomposição predominava, se sobrepondo ao cheiro de terra úmida. E, por estar fazendo bastante esforço físico, era obrigado a respirar mais vezes, sentir esse cheiro pútrido invadir as suas narinas e dominar a sua mente. Mas o que o deixava mais irritado era saber que ia demorar e que provavelmente já seria tarde demais para encontrar Micaella viva. E a cada dia que passava, a demora só irritava ainda mais. O problema não era mais a intensidade do trabalho, mas a longa distância que estava se formando. Os turnos tiveram que passar de 1 hora por pessoa para 3 horas porque simplesmente demorava muito para se rastejar até o fim do túnel. As discussões aumentaram e a maioria tinha Isaac como alvo, indo desde o quanto cada grupo estava escavando até questionamentos em relação a direção em que estavam seguindo. Mas todos que discutiam não acreditavam realmente no que falavam, era só uma forma de se livrarem de toda a raiva e frustração que acumulavam. Eles precisavam descontar em alguém porque também tinham medo de ter tomado a decisão errada. Tinham medo de ter escolhido a morte e literalmente estarem cavando o seu próprio túmulo.
    Depois de 1 semana e meia trabalhando 24 horas por dia, Isaac fincou a sua pá na terra e ela quebrou ao se chocar com o concreto. Ele fechou os seus olhos enquanto a sua pupila olhava para cima, respirou fundo e sentiu uma lágrima caindo do seu olho direito. Finalmente tudo estava próximo de acabar, seja de uma maneira boa ou ruim, mas acabar. Os próximos passos já estavam traçados e prontos para serem postos em prática no pôr do sol, logo quando os pássaros começam a cantar. Enquanto Isaac quebrava o concreto e invadia a mansão, o resto do grupo iria se separar em volta do muro e começaria a queimar uma série de bonecos de palha para distrair uma parte dos robôs responsáveis pela segurança. Logo depois disso, os três iriam se reagrupar dentro do parque e esperar o sinal de Isaac. Seria algo simples, talvez até invisível para alguém com olhar desatento. Ele faria uma fogueira dentro dos muros e pela primeira vez todos que estavam lá fora veriam fumaça saindo da fortaleza. A lenha seria os corpos dos ricos que moravam lá. Talvez possa parecer radical, mas o único jeito de uma barata não morrer é quando o exterminador tem medo dela. Ele tinha certeza que essa história se espalharia e faria com que todos os ricos temessem as baratas novamente.
    Logo após o primeiro pássaro piar e chamar todos os outros para o céu numa revoada que passa dançando pelas nuvens, as faíscas começam a surgir em bonecos de palha e os drones se juntam aos pássaros. O som surdo de uma haste de metal sendo golpeada rápida e sucessivamente por uma pedra encoberta de panos ecoa baixinho pelos esgotos. O suor descendo pelo rosto de Isaac como se ele tivesse acabado de sair de uma chuva não negava o esforço que ele fazia na luta contra o concreto. No começo, o seu adversário resistia em ser perfurado, sendo desgastado lentamente, mas, quanto mais era danificado, maiores eram as lascas que caiam. Depois de meia hora, já conseguia ver a luz do outro lado e bastou só mais 20 minutos para que conseguisse passar pelo buraco. Enquanto se espremia para alcançar o outro lado, sentia as lascas de concreto arranharem cada centímetro do seu corpo e o sangue quente brotando com ardência em alguns dos cortes. A primeira parte do corpo a sentir o cimento frio do outro lado foram as suas mãos e logo depois os pés, deixando o buraco para trás.
    Antes de prosseguir, Isaac decidiu ficar sentado por uns cinco minutos no chão para descansar e aproveitar o sorriso debochado que se formou em seu rosto após essa primeira conquista. Estava dentro. Não era um túnel grandioso e requintado, mas era do lado de dentro dos muros. Tudo à sua volta era cinza e escuro. A única iluminação eram pequenas luzes de emergência grudadas na parede separadas por uma distância tão grande que não iluminava todo o túnel. Mesmo assim pareciam grandiosas para alguém que viu somente alguns poucos LEDs no decorrer de sua vida. Chegavam a ser tão fascinantes que até o hipnotizavam por alguns segundos. Mas chegou a hora de se levantar e continuar, então tirou uma faca do cinto e começou a andar silenciosamente. Ele saia da luz de uma lâmpada, entrava na escuridão e seguia o caminho até encontrar outra luz mais adiante. Isso se repetiu umas dez vezes até encontrar uma grande porta de ferro na sua frente com um enorme leme grudado nela e que era usado para trancá-la. Ela estava com limo em algumas partes e já dava para ver sinais de ferrugem lutando contra a sujeira. Isaac sabia que seria difícil de girar e puxar a porta, então deixou a faca no chão, respirou fundo umas três vezes e jogou todo o seu peso contra o leme o forçando a girar no sentido anti-horário. Depois de alguns segundos sem se mover nem um milímetro, um clique foi ouvido e a roda começou a girar lentamente. Quando não conseguia mais girar, puxou a porta com toda a sua força até que tivesse espaço o suficiente para passar. Os rangidos soltados por ela o faziam praguejar em sua mente com todos os palavrões que sabia. Não tinha como fazer silêncio nessa parte, então só podia torcer para que ninguém ouvisse.
    O lado de dentro da porta era mais brilhante. Essa foi a primeira coisa que percebeu quando chegou ao outro lado. Logo depois, pegou a faca e passou um pé de cada vez pela porta. O piso era de uma madeira lisa e o ar, que no túnel era frio, estava em uma temperatura perfeita, nem quente e nem frio demais. A sua direita tinha uma escada com uma porta de madeira no topo e a esquerda havia dezenas de barris na horizontal com torneiras fixadas na tampa. E bem na sua frente tinham fotos em preto e branco de pessoas sorrindo. Demorando um pouco para juntar as letras, viu que em cima delas estava escrito “Mural do agradecimento”. A voz da mãe de Michelle surgiu em sua cabeça falando “Os ricos são pessoas estranhas, cada um tem a sua excentricidade.”. Essa foi a resposta dela quando Isaac perguntou porque existiam drones que tentavam machucá-los. E agora ecoava em sua mente. Talvez por isso decidiu se aproximar e olhar quem eram. Foi passando o olho rapidamente em cada uma das fotos. Como não reconhecia ninguém, pensou que poderiam ser os bilionários que participaram do plano ou dos descendentes de Thomas. No momento em que chegou na última foto, já estava preparado para fazer o movimento de voltar e subir as escadas, mas parou. Os seus músculos paralisaram totalmente e o único movimento que aconteceu nos segundos seguintes foi uma lágrima rolando do seu olho esquerdo. A foto era de Micaella. Ela estava mais limpa e com o cabelo arrumado, mas com o mesmo sorriso que dava quando Isaac contava as histórias do passado. Ele reconheceria esse sorriso em qualquer lugar porque normalmente era a única parte do seu dia que valia a pena. Às vezes era o que o fazia ter esperanças.
    A raiva, que já era grande, só aumentou. Ele fechou os punhos com força e limpou a lágrima. Não queria ver mais nada lá embaixo, só acabar com tudo. O mais rápido possível de preferência. Então subiu as escadas, abriu a porta e seus olhos se fecharam com a luz intensa. Aos poucos seus olhos se acostumaram e começou a identificar o local. Era como um corredor largo e decorado com um papel de parede branco com formas amarelas retorcidas, como se estivessem dançando. Havia três quadros bem coloridos, mas sem nenhum desenho em específico. Mas o que mais o fascinou foi o tapete. Ele era bem peludo e, quando colocou os pés nele, foi como se estivesse sendo absorvido pela areia molhada depois de uma onda. Era acolhedor, mesmo estando em terreno hostil.
    Depois de se acostumar, tinha que decidir se iria pela esquerda ou direita. Não tinha nada que indicasse o caminho certo, então foi para a direita. Os seus passos eram lentos. Bem lentos. Um pé de cada vez. Sem se apressar. E assim chegou perto de uma porta que estava em uma completa escuridão. As palmas da sua mão suavam e molhavam o cabo da faca enquanto o medo aumentava. Respirou fundo e deu um passo para a frente. Poucos centímetros antes do seu pé encostar no chão, viu uma sombra surgindo na sua frente. Em um movimento rápido e puramente instintivo, levantou o braço até a altura do queixo e tentou atingir a sombra com um golpe de faca no peito. A sombra foi mais rápida, golpeou com uma das mãos a articulação do braço e com a outra forçou a faca a se voltar contra o corpo de Isaac que a sentiu perfurando o seu estômago. Uma ardência mortífera se espalhou por onde a faca passou e, mesmo quando a soltou, ela continuava pendurada em sua barriga. A única reação que conseguiu ter foi dar alguns passos para trás e se apoiar na parede. Isso fez com que a sombra andasse para a frente e se revelasse. Ela tinha o rosto de alguém morto. De alguém simplesmente impossível. Enquanto começava a engasgar com o seu próprio sangue quente, via o seu pai com um terno preto e com uma aparência bem mais jovem se aproximando. Era ele que o tinha esfaqueado, mas era impossível que estivesse ali. Isaac o viu morrer em seus braços há 15 anos atrás e, mesmo se não tivesse, ele não o mataria, não o seu pai. Os pensamentos de Isaac já não fluíam de forma ordenada quando aquela coisa se aproximou de seu ouvido e falou com uma voz calma e familiar “O Sr. Thomas não gosta de baratas em sua casa, então vou ter que pedir para se retirar.”. Ele torceu a faca logo depois da última palavra e uma pontada de dor se irradiou pelo seu corpo como se tivesse sido atingido por uma forte corrente elétrica. A última reação de Isaac foi encostar no pescoço de seu pai e encarar os seus olhos enquanto a escuridão se aproximava. Não existiam batimentos em seu pai e logo não existiriam nele mesmo. A sua cabeça caiu pesadamente para frente e os seus olhos ficaram abertos, mas não enxergavam nada além da escuridão.
  • A sala de espera 01

    Capitulo 1



    Cristiano abre os olhos e a primeira coisa que sente é o frio chão embaixo de si enquanto se move memórias da noite passada vem a sua mente.
    — Nem isso sei fazer. — Na escuridão ele imagina que horas seriam e quanto faltava para segunda-feira o pensamento faz com que desejasse que sua aventura tivesse dado certo.
    — Mais uma semana de merda que inferno! — Ao lembrar de todas as mentiras e falsos sorrisos do seu cotidiano o fazem querer vomitar para espantar a sensação ele decide tomar um bom banho quente. A final tinha coisas mais importantes para se preocupar logo seria fim de mês e as contas viriam tão certo quanto a morte então manter o emprego mesmo que odiando era prioridade. Quando Cristiano finalmente cria coragem para se levanta e ir para o banheiro descobre ter um problema.
    — Onde estou? — Olhando em volta Cristiano não reconhecia o local tinha certeza que estava deitado no chão do seu quarto no pequeno apartamento alugado onde morava a cinco anos. E agora se encontrava em uma misteriosa sala vazia sem janelas e que a única luminosidade vinha da fresta de uma discreta porta. Será que havia sido sequestrado, mas por quem e para que? Sua família era pobre e mal se falavam então a hipótese dos sequestradores conseguirem qualquer valor era zero. Um tempo atrás ele leu na internet uma matéria a respeito da venda de órgãos humanos. Na matéria, informava os grandes valores pagos chegando até os milhões. A imagem de si sobre uma mesa sendo cortado como um porco indo ate a porta descobriu que ela estava trancada o faz o homem entre em pânico e comece a gritar por socorro.
    Minutos depois exausto Cristiano senta-se no chão enquanto segura a cabeça entres as mãos amaldiçoando deus o universo de repente o som de passos chama sua atenção alguém estava vindo seu impulso foi gritar, porém, tampou a boca com a mão rapidamente temendo ser um dos sequestradores que decidiu castigá-lo para que se mantivesse quieto. Os passos pararam diante da porta e alguém começa a mexer na maçaneta em forma de bola. Ele sente o coração bater mais forte e instintivamente se encolhe contra a parede. A porta finalmente se abre e um vulto surge diante de Cristiano que a gaguejar enquanto pedia para não machucá-lo.
    — Por que está tão escuro aqui? Já não falei para deixarem uma luz acesa? Ninguém me escuta. — O misterioso vulto caminha em direção a Cristiano que fecha os olhos.
    — Desculpe por isso meu jovem sabe como é né? Anda tão difícil arrumar mão de obra qualificada esses dias. — Sem esperar por uma resposta o visitante misterioso caminha até uma parede mais distante e abre uma janela que não estava ali a um minuto.

    — Pronto bem melhor né verdade?—Com a sala iluminada, finalmente Cristiano consegue ver quem estava falando parado diante dele um homem sorria.
    — O que você está fazendo aí no chão rapaz? Venha sente-se aqui. — O homem misterioso aponta para duas poltronas que com certeza não estavam ali antes, mesmo com medo Cristiano se levanta e caminha até o homem que continuava a sorrir.
    — Bem melhor não é? Finalmente frente a frente e mais calmo o rapaz consegue prestar atenção ao sujeito diante dele. O homem tinha a pele morena como queimado pelo sol com cabelos compridos negros de onde pequenos fios de cabelo brancos apareciam aqui e acola. Ele ostentava uma barba grossa que também era salpicada dos mesmos fios brancos. Sua vestimenta era simples um terno na cor azul impecável, mas o que chamava mesmo atenção era seus olhos negros que transmitiam uma força que não permitia desviar o olhar.
    — Quer beber algo? Talvez um cafe, água, quem sabe vinho? As palavras do Homem trazem Cristiano de volta à realidade.
    — Desculpe, como é?
    — Perguntei se quer café?
    — Ah sim por favor. — Como foi com as poltronas uma pequena mesa de centro com um bule de cobre e duas xícaras surgindo entre os dois homens rapidamente, um cheiro de café recém coado toma toda a sala. Cristiano não podia acreditar em seus olhos primeiro a janela e agora café? Será que tinha ficado louco?
    — Devo estar sonhando.
    — Não é um sonho isso posso garantir. — O Homem fala enquanto entrega uma xícara a Cristiano que aceita ainda desconfiado.
    — Vamos beba. Não precisa ficar com medo, eu não desejo lhe fazer mal, ora onde está minha educação? Muito prazer em lhe conhecer pode me chamar de Pedro sou o residente mais velho daqui isso claro tirando o…
    — Desculpe lhe cortar assim, mas que lugar e esse por que estão me mantendo aqui? Se não estou preso ou algo do tipo, quero ir para casa, por favor. Cristiano dispara suas perguntas sem respirar tudo isso sobre o olhar atento de Pedro que tomava seu café como se aquilo fosse a coisa mais normal, após mais um gole ele coloca a xícara sobre a mesa e entrelaça os dedos enquanto olha para Cristiano.
    — Me diga rapaz, o que você se lembra antes de acordar aqui? A mente de Cristiano se agita e as memórias volta a noite passada, cansado ele decidiu tomar um calmante para ajudar com a insônia deveria ser apenas um para dormir, mas não sabe porque quando olhou para o frasco de comprimidos uma voz em sua cabeça começou a sussurrar que seria bom acabar com tudo e sem mais nem menos ele o virou engolindo todo seu conteúdo rapidamente o sono veio e…

    — Então? — Cristiano olha para Pedro que colocava mais café em sua xícara.
    — Então aqui é o inferno? As palavras do rapaz fazem Pedro se engasgar e tossir por vários minutos.
    — Por Deus não rapaz, em que universo o inferno serviria um café como esse?
    — Se não é o inferno onde é?
    — Bom, aí depende muito e a explicação vai levar muito tempo, coisa que nem você ou eu temos então para agilizar os residentes chamam esse lugar de sala de espera.
  • Alguém vai ter que ceder

    Acordo e olho o relógio: duas da manhã. Atordoada, tonta e suando frio. Onde eu estou? Olho ao meu redor e bem, estou em casa. Se acalma, respira, toma um gole d'água. Foi só um pesadelo. Mais um pesadelo...
    Quem dera os piores monstros fossem os de conto de fadas; seria muito mais fácil lutar contra eles. Trancar os armários, tapar o vazio debaixo da cama, não sair comendo maçãs por aí. Ah, como tudo seria mais fácil...
    Mas e quando eles estão dentro de nós? Quando trancar os pensamentos, tapar o vazio de uma despedida e não tomar o veneno das palavras alheias não se faz possível?
    Medo. Insegurança. Arrependimento. Perda. Desilusão. Culpa. Desesperança. Pânico. Ansiedade. Pressão da simples sobrevivência.
    Eles dançam e festejam na mente com total desdém e até com o ar da graça do prazer. A gente tenta se livrar da bagunça; livros, remédios, meditação e busca espirítual. Tem até aqueles dias que a gente chega a implorar por misericórdia e um pouco de sossego, pelo menos durante o sono, mesmo sabendo que não vai haver um segundo de quietude se quer.
    Mas há de haver um dia em que isso tudo desaparecerá.
    Ah, esse dia! Tão esperado dia!
    Mesmo que para isso eu tenha que desaparecer também.
  • ALIEN

     
    A beleza é só mais uma ilusão:
    outra forma de dominar o ser,
    encaNcerando-o numa prisão,
    ainda que pelo próprio prazer...




    © do Autor, IN: Concursos literários do Piauí. Teresina, Fundação Cultural do Piauí, 2005. 226 p. Página 177.



  • Alma Perdida

    Ela era uma prostituta. Mas não era uma prostituta qualquer, nela havia algo especial. Cercada de tristeza e dor, seu corpo possuía tons curiosos.
    Carmen, filha de João e Maria, cresceu ouvindo que o mundo era vazio, um lugar sem esperança. Quando criança, tentava de todas as formas agradar os pais que trabalhavam dia e noite para poder colocar o pão na mesa, chegavam cansados e só verificavam se Carmen estava viva, não prestando atenção acima da mesa: ‘’Papai,Mamãe. Eu não sei muito sobre vocês, contudo isso é uma das consequências da vida que fomos destinados a ter, porém amo vocês do mesmo jeito que qualquer outra filha amaria.”
    Aos 16 anos, os pais de Carmen morreram e a adolescente foi morar com o único parente que tinha, seu tio. Era uma casa fria, sem cor. Todas as noites, ela chorava baixinho, no canto do quarto, implorando para sentir alguma coisa: felicidade, tristeza, raiva... Algo que mostrasse que ela ainda estava viva e não somente sobrevivendo. Seu tio, uma pessoa amarga, chegava bêbado em casa todos os dias e, naquela noite, ele escutou um murmúrio vindo do quarto. Alguém chorava. Uma alma perdida pedindo socorro. ‘’Eu vou te dar um motivo para sentir algo.’’, disse, puxando a cinta e espancando a jovem Carmen.
    E naquela madrugada, ela de fato sentiu algo: repulsa. De si mesma. Olhava para os hematomas e as lágrimas não faziam seu caminho pela bochecha mais, era uma dor mais profunda. Julgou que a melhor forma de acabar com aquilo era fugir e assim fez, saindo sem rumo. Vagou pelas ruas, somente o tempo conseguiria cura-lá.
    Passaram- se anos, Carmen se encontrava no banheiro do posto, enquanto passava o batom tão vermelho quanto seu próprio sangue, um sorriso falho no canto dos lábios. No relógio marcava 00:00, deu um passo para o lado de fora, sentindo o vento frio contra sua pele pálida. Mais uma noite de trabalho.
    Uma mulher diferente de todas as outras, parada no ponto, vendendo aquilo que sempre desejou ter, o puro amor.
  • Amei

    Amei

    Apenas uma vez

    Mas isso eu já sei

    Agora estou chorando

     

    Se errei

    Foi ao não dizer

    O quanto eu te amei

    O quanto ainda te amo

     

    Eu sei

    Que não tornarei a ver

    A beleza do teu ser

    Os teus lábios que me encantam

     

    Eu vi

    Um brilho pelo ar

    Ao ver você chegar

    Mas tudo era um sonho

     

    E você... e você

    Se foi pra longe

    E você... e você

    Sumiu pelo horizonte 

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